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Copyright ©
Wanderlino Arruda

Não é permitida a reprodução total ou parcial por qualquer meio de impressão,
em forma idêntica, resumida ou modificada, em língua portuguesa ou qualquer
outro idioma, sem a permissão do autor.

FICHA TÉCNICA

Coordenador editorial: Gráfica Editora Millennium Ltda./ Planejamento gráfico e capa: Dayana Martins / Revisão de textos: o autor.

 

FIC


HA CATALOGRÁFICA

Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)


ARRUDA. Wanderlino

A773m

Montes-claridades. Wanderlino Arruda. Montes Claros / Minas Gerais. Gráfica Editora Millennium Ltda. 2020.

122 p.
ISBN: 978-65-86024-18-0

1. Literatura Brasileira 2. Montes Claros - Minas Gerais
I. Wanderlino Arruda II. Título

CDD: 366.1
CDU 061.25-134.381

Impresso no Brasil
Printed in Brazil


APRESENTAÇÃO

Durante toda a nossa existência, aprendemos que o livro é um veículo de difusão do conhecimento cultural em todos os seus segmentos e, em razão disso, estamos promovendo a criação deste consórcio com o objetivo de facilitar a sua publicação pelos nossos associados. Por outro lado, queremos muito agradecer aos participantes
desta primeira edição do Consórcio Literário do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, pela compreensão em pressupor que os créditos depositados em nosso empreendimento editorial valorizarão as referidas publicações no seio de nossa comunidade. Nota-se que a presente empreitada tem como objetivo principal a divulgação das nossas tradições e dos nossos costumes, com resgate perene da nossa história. Este é o sétimo volume da coleção: Montes-claridades de Wanderlino Arruda.

Dário Teixeira Cotrim
Presidente do IHGMC


Membros do Consórcio Literário do IHGMC

Dóris Araújo
Dário Teixeira Cotrim
Lázaro Francisco Sena
Maria da Glória Caxito Mameluque
Felicidade Patrocínio
Wanderlino Arruda
Mara Yanmar Narciso da Cruz
José Ferreira da Silva
Ivana Ferrante Rebello
Alceu Augusto de Medeiros
Carlúcio Pereira dos Santos

FINS DO IHGMC

Art. 2º - O IHGMC tem como finalidade pesquisar, interpretar e divulgar fatos históricos, geográficos, etnográficos, arqueológicos, genealógicos, e suas ciências auxiliares, assim como fomentar a cultura, a defesa e a conservação do patrimônio histórico, artístico, cultural e ambiental do município de Montes Claros e região do Norte de Minas.

SUMÁRIO

Prefácio - 11
Colégio Diocesano 1951 - 15
Hotel São José 1954 - 17
Rotary Clube de Montes Claros-Norte - 19
Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros - 21
Banco do Brasil em Montes Claros - 25
Feira de Artes de Montes Claros - 27
Labor Clube de Montes Claros - 30
A voz do Estudante - 32
Ruas de Montes Claros - 34
Colégio São José - 37
Tiro de Guerra 87 - 39
Ruas e Praças de Montes Claros - 41
Montes Claros, cidade da Arte e da Cultura - 43
Faculdade de Direito do Norte de Minas - 45
O Folclore de Montes Claros - 47
Hermes de Paula, história de Montes Claros - 50
Loja Maçônica Deus e Liberdade - 52
Nomes de Ruas - 54
Bar Guarani de Vadinho - 57
Quarenta Anos de Rotary - 59
“O Mulo” de Darcy Ribeiro - 60
Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes - 63
Quem não gosta de Montes Claros? - 65
Saudades do Mercadão - 67
Rua dos Todos os Santos - 69
Agosto de 1953 - 71
Alguns Construtores de Montes Claros - 73
Lembranças da Rua Quinze - 76
O Carmelo e o Grupo Lisieux - 79
Rua São Tomé - 81
Primavera - 83
Roubaram de novo o meu toco - 85
Semana da Cultura de 1999 - 88
Academia Montes-clarense de Letras - 50 anos - 90
Cajueiro, cajueiro! - 92
Luiz de Paula e “A venda do meu pai” - 94
Montes Claros - 3º Rotary do Brasil - 96
Fafil, primeira faculdade - 99
História e desenvolvimento de Montes Claros - 101
Praça Coronel Ribeiro e adjacências - 103
A internet no Norte de Minas - 106
Rua Doutor Santos vista de perto - 107
Tempos do Cassino - 110
Instituto Histórico Cultural do Policiais Civis do Norte de Minas - 112
Mestre Konstantinie Samuel - 114
Professor Cícero, Pereira uma Instituição - 116

PREFÁCIO

Lazer disfarçado em tarefa é ler e fazer a apresentação do 18º livro de Wanderlino Arruda. Ainda que nascido em São João do Paraíso, em quatro de setembro de 1934, é o montes-clarense mais autêntico que existe por aqui. Veio estudar em Montes Claros em 1951, coisa que fez com afinco, mergulhando nos livros e no trabalho, crescendo e acompanhando Montes Claros se desenvolver. Testemunha ocular, por paixão e profissão, já que trabalhou como repórter no Jornal de Montes Claros, esteve em importantes acontecimentos históricos da cidade.

Montes-claridades é um passeio pelas pessoas, ruas e entidades montes-clarenses, numa caminhada entusiasmada de alguém presente em muitos dos fatos citados, ao mesmo tempo vivendo o acontecimento e reportando-o para a imortalidade. São crônicas escritas em tempos diversos, e que se consegue imaginar quando foi, pelo fato narrado e pelos personagens, vivos e mortos.

O tema “nome de ruas” é recorrente na obra, e, quando menos se espera, vem um detalhe pitoresco e pura surpresa. A Rua Dr. Santos, que homenageia o médico Antônio Teixeira de Carvalho, conhecido como Doutor Santos, era o caminho do menino Wanderlino Arruda. Passava indo e vindo, seja como comerciário, seja como trabalhador da notícia, ou morador de uma pensão naquela rua, e depois do Hotel São José, sendo capaz de, fotograficamente, desenhar com palavras cada edificação, detalhando os personagens dentro dela.

O Mercado Central, ser inanimado, ganha vida, cheiros e balbúrdia, nas lentes amorosas de Wanderlino Arruda, que lhe vê grandioso, bem construído, cheio de atrativos, ainda que consistisse num ambiente infecto, verdade relativamente ocultada, já que o amor tende a minimizar qualquer falta de qualidade.

A energia, vitalidade e jovialidade de Wanderlino Arruda sabe-se de onde vêm, da sua literatura e vice-versa. Um alimenta o outro de forma siamesa. Ainda que o toco que ficava em frente à sua casa tenha ganhado ares de protagonista vivente, seu entusiasmo é grande quando fala das pessoas que admira. Há um crescendo no encontrar as palavras exatas, chegando-se ao apogeu de materialização corporal e psicológica, através da sua fácil adjetivação. Os colegas do Colégio Diocesano, alguns compenetrados com os estudos, outros não, a solenidade no trato com os mestres, pessoas austeras, distantes, exceto monsenhor Gustavo, um doce de pessoa, estão lá, nos escaninhos da saudade.

O Clube Minas Gerais ganha destaque em sua memória, por ser próximo ao local onde o menino Wanderlino Arruda fora morar quando aqui chegou. O lugar luxuoso, cheio de glamour, mistérios, música, jogo, mulheres e frequentado pelos homens de
dinheiro, atiçava a imaginação e curiosidade do recém chegado, logo transferido para um endereço distante geograficamente do ambiente de pecado, mas não afetivamente.

Quando o personagem é grande, fica exuberante na argúcia do escritor, que visita o passado sem melancolia. Passam por Montes-claridades vultos que construíram a cidade, como Cícero Pereira, Nathércio França, Yvonne Silveira, Konstantin Christoff, Luiz de Paula, Hermes de Paula, Darcy Ribeiro, Dulce Sarmento, João Carlos Sobreira, Simeão Ribeiro, Godofredo Guedes, e outros, bastante elogiados.

Entidades circulam em suas páginas como Rotary, Loja Maçônica Deus e Liberdade, Catedral, Banco do Brasil, Fafil, Academia Montes-clarense de Letras, Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, todas elas pululando vida e saúde.

Original em várias passagens e genial no nome, Montesclaridades são, na verdade, vários partos, porque conta o nascimento de inúmeras instituições, numa narrativa vibrante, quase romântica, típica dos jovens que nunca envelhecem, como é o caso
de Wanderlino Arruda. Não só deu a luz em suas páginas, mostrando a criação dos nomes citados e outros mais, como também, iluminando o horizonte, para que sigam os caminhos de “o estudo é a luz da vida”. Estudar iluminou a vida desse paraisense, que, generosamente, distribui história e amor em seu novo livro.

Mara Narciso
Academia Montes-clarense de Letras - Academia Feminina de
Letras de Montes Claros - Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros


COLÉGIO DIOCESANO 1951

Não me canso de ter saudades do tempo bom e gostoso das aulas do Colégio Diocesano, de quando podíamos, todos os dias, sentir e ouvir a alegria de Monsenhor Osmar, a braveza do Padre Agostinho e a terna amizade de Monsenhor Gustavo. É de fato um momento inesquecível, de quando cada gesto era uma lição, cada atitude uma experiência de seres em luta e em paz com a vida. Os três juntos, ou cada um em particular, eram para nós, meninos-rapazes, o grau mais alto da sabedoria, a fonte inesgotável de conhecimento, os degraus por onde alcançar a segurança do futuro. É claro que, particularmente, um por um tinha o seu grupo de seguidores, dependendo da esperteza ou do grau de inteligência de cada aluno, ou mesmo da maturidade ou falta de juízo, como podíamos encontrar nos mais sérios como Geraldo Miranda e Nivaldo Neves, ou nos mais afoitos como Pai da Mata e João Doido. Em órbita havia gente de todo jeito, tipo Tereziano Dupin, Renato Pobre, Renato Almeida, Dezinho Dias, Ivan Guedes, Lazinho Pimenta, Raimundo Santana, José Maravilha, personalidades marcantes que iam do folclore à poesia, do trabalho sério à justa compenetração.

Cada dia era um novo esquema de novidades, de surpresas, uma sensação de estarmos construindo o mundo, preparando-o para a nossa geração e para todas as outras que poderiam vir depois de nós. Ninguém fugia da luta, tirar o corpo de banda, em qualquer tarefa, era um sacrilégio. Matar aulas era pecado capital. Durante a semana não valia nem cinema nem namoro. A ordem era estudar! Uma únicatransgressão era permitida e só ao Miranda, porque ele havia inovado o sistema, inventado uma saída, namorando com a professora Lourdes, inteligentão que era. O Dezinho Dias, já mais velho, falava de fazendas, de vez em quando ou toda hora. O Raimundo Santana era mais importante do que nós, porque tinha bicicleta e tomava uísque antes das provas de matemática. Ivan impunha grande respeito, e já era destaque: de vez em quando jantava em restaurante, depois do grêmio e até em dias de semana, quando ganhava boas gorjetas
aplicando injeções. A maioria, como eu, não tinha dinheiro nem para picolé ou quebra-queixo, e quando muito, bebíamos caldo de cana. Cafezinho era luxo para pouquíssimos!

Professor bom mesmo era o Pedro Santana, vibrante, grã-fino, dominante nas cadeiras de História, Ciências e Inglês, um terror para quem não tivesse as matérias na ponta da língua, a capacidade de responder, falando ou escrevendo, sem gírias. Pedro era tão imponente, que não repetia ternos e gravatas durante um mês, cada dia uma nova cor, hoje um três-botões, amanhã um jaquetão, tudo dentro do melhor figurino de Vavá ou Wilson Drumond. O cabelo, ah! O cabelo era que merecia o maior cuidado! A barba, de um barbear diário na barbearia de Antônio Guedes, com massagem facial, na mesma hora em que também estavam sentados os intelectuais Júlio de Melo Franco e Nelson Vianna, fregueses de manhã cedinho. Errar com Pedro ou com o Padre Agostinho - outro elegante - era imperdoável. A nota menor que um bom aluno podia tirar era dez. O nove era um (de)feito vergonhoso! Havia outros professores famosos e entre eles o Tabajara, a Terezinha Pimenta, Doutor Carlyle, Maria Inês Versiani, D. Rosita Aquino. O professor Belizário falava latim, declamava admiravelmente, e tinha o cabelo à Castro Alves. Em certas ocasiões,

o bispo Dom Antônio, simples e simpático, chegava a assistir a algumas aulas, sentado conosco, perguntando e participando, como se não soubesse de tudo! D. Antônio, muito querido de todos os alunos, era a maior inteligência da época, uma cultura universal, um poder oratório que Montes Claros nunca teve igual, nem com Simeão Ribeiro, ou com os doutores Maurício e Georgino. Tudo era um admirável mundo novo, principalmente para mim, que sem ternos e sem paletós - o primeiro foi o Vadiolando Moreira que me deu - achava tudo aquilo um sonho em realização. Maravilhosamente encantado, sedento de aprender, nunca cedendo o primeiro lugar a ninguém, a ninguém mesmo, uma coisa me marcou profundamente a diretiva na vida e me tem servido constantemente de bom exemplo: a alegria de viver de Monsenhor Osmar Novais de Lima, nosso diretor!


HOTEL SÃO JOSÉ 1954

Sempre foi bom e importante para as minhas lembranças o percorrer, aos poucos, a rua Doutor Santos, desde que recebi um pedido do meu amigo Elton Jackson, também em obediência a um esquema tempo/espaço traçado desde as minhas primeiras crônicas sobre o centro de Montes Claros. O meu objetivo era chegar à Rua Bocaiúva e, aí, em atendimento a um sonho de minha amiga Nailê, fiel cobradora de minhas lembranças de vizinho, falar de quando ela era criança, quase menina moça, dos tempos de nascimento do João Wlader e de Danilo. Passo a passo, saí do Hotel São Luiz, de D. Nazareth Sobreira, e do Bar de Adail Sarmento, no início da rua, até chegar ao Hotel São José, de D. Laura, e depois, de D. Emília e o inesquecível Juca de Chichico, e do eterno gerente Geraldo. São lembranças agradáveis, grandemente gratificantes de um jovem que alcançava a idade adulta, já hóspede em hotel, com uma individualidade e uma privacidade nunca antes imaginadas como morador de pensões. No Hotel São José, cuja placa dizia ser o maior e o melhor, ser hóspede já era um grande privilégio, marcava, quer queira quer não, um status de matar de inveja os estudantes de repúblicas, ou aqueles que viviam desprezados nas casas de parentes, muitos em barracões de fundo de quintal. Foi lá que tive, pela primeira vez, um quarto só meu, com pia e guarda roupa, inicialmente, no térreo, do lado de dentro do pátio, na ala da praça Cel. Ribeiro, e, depois, no primeiro andar, quase de frente para os dois mais importantes endereços internos: os apartamentos de Ademar Leal Fagundes e do diretor do DNOCS, de quem não me lembro mais o nome. Foi uma melhoria de situação social que quase não tinha limites, quando comprei, duas calças de tropical, uma meia dúzia de camisas sociais, novas meias e... realização de velho sonho, um rádio de segunda mão, rabo quente, que tocava músicas e dava notícias todas as manhãs. O Hotel São José era um mundo à parte, bom, alegre, importante, chique, principalmente depois que “seu” Juca assumiu a direção e realizou uma grande reforma. A saudade marcada com a ausência de D. Laura foi compensada com a elegância de D. Emília e a descontraída presença dos filhos, principalmente de uma menina que era a mais bonita da rua Doutor Santos, a Mercesinha, já quase em início de namoro com o João Walter Godoy. Zé de Juca, Lauro, Bernadete, todos eram também bastante simpáticos com os hospedes. A hora do jantar era quase sempre uma festa, exigindo-se a melhor roupa de cada participante do banquete diário, uma etiqueta fiscalizada de perto pelos garçons, principalmente pelo Fernando, que, até hoje, trabalha na profissão. Poucos foram os estudantes que conseguiram a permanência no quadro de hóspedes. Um a um ia saindo, pedindo ou recebendo as contas, depois de uma brincadeira mais forte, ou do não respeito à posição da gente importante e seria como era o sisudo e culto fazendeiro Ademar Leal, o milionário Manoel Rocha, a mais graduada figura do Exército na região, o sargento Moura, o advogado José Carlos Antunes, que falava inglês fluentemente, Lagoeiro,
músico chefe da regional da Rádio Sociedade, o diretor do IBGE, e o próprio dono, seu Juca, o único montes-clarense, na época, a ter feito uma viagem internacional de muitos meses pela Terra Santa e pelo Mundo Antigo. Pode ser exagero de minha parte, mas, para nós, lá era o centro da cidade e da cultura. Bons tempos aqueles, justamente quando iniciava atividades, já com os pés no chão, O jornal de Montes Claros, não sei bem certo, parece-me já com nova direção, pois o ano em que estamos é o de 1955, quando recebi das mãos do Waldyr Senna a presidência do Diretório dos Estudantes e quando foi eleita a nossa rainha dos estudantes mais bonita de todos os tempos, nenhuma outra igualada em elegância e nobreza, nem antes nem depois: Cibele Veloso Milo!

 

ROTARY CLUBE MONTES CLAROS-NORTE

A primeira vez que ouvi falar do Rotary Clube Montes Claros-Norte foi pela voz educada e amiga de Nathércio França, no mês de março de 1969, quando ele me convidou para fazer parte da lista de fundadores. Era Nathércio o encarregado de tomar todas as providências para a organização do quadro de sócios e apresenta ção dos documentos constitutivos, assim como do levantamento das possibilidades de serviços à comunidade pelo novo clube. Trabalho difícil, suado, mas nunca impossível para o dinamismo diplomático de Nathércio. A confiança nele depositada pelo Rotary International seria muito antes do tempo previsto, um elogiável sucesso, com o clube oficializado já em maio, com as primeiras reuniões no Automóvel Clube. Foi o saudoso Benoni Gomes da Mota o presidente provisório, conhecido e reconhecido empresário que, no dizer dos jovens repórteres da década de cinquenta, havia sido o melhor presidente da Câmara Municipal de Montes Claros. Éramos trinta e dois os sócios, representantes de quase todos os campos profissionais da cidade, hoje presentes no Clube apenas Victor Hugo Marques Pina e eu. Lembro-me perfeitamente do zelo com que Nathércio França ensinava aos novos companheiros toda a trajetória de trabalho que deveríamos seguir, de forma a fazer do Rotary Norte um modelo de integração, com todas as possibilidades de firme prestação de serviços. O cuidado dele em semear a boa semente era tanto, sua sincera pregação de filantropia era tão grande, que muitos dos convidados menos decididos preferiram afastar-se logo, nem chegando a oficializar a admissão. O Rotary Norte teria de seguir o exemplo de energia do Rotary Montes Claros, campeão de progresso em todos os setores, decididamente um dos melhores clubes entre os dois mil e quinhentos existentes no Brasil. Estava lançado um enorme compromisso, iniciada uma entusiasmada luta. Dos velhos companheiros do tempo de recebimento da carta constitutiva, dos muitos que trabalharam pela afirmação do clube na primeira fase, olho hoje a relação, e pouco mais posso ver que uma imensa saudade. Quanta distância o tempo tem provocado! De uns, uma eternidade: Antônio Augusto Barbosa
Moura, José Comissário Fontes, Ricardino Francisco Tófani e Antônio Brant Maia. Muitos como José Carlos Pereira, Antônio Jorge, Padre Aderbal Murta e Nelson Vilas Boas, que chegaram depois, também já frequentam outro Rotary do mundo maior, deixando entre nós um incomensurável vazio. De outros, que a vida ainda nos faz companheiros, inclusive em outros Rotary Clubes, uma vontade sincera de que voltem para o nosso convívio a cada semana, a cada dia de atividades, com um recomeço de alegrias. Tenho certeza de que a felicidade de ontem seria a mesma de hoje! Em 2019, o Rotary Cube de Montes Claros - Norte completou oficialmente seus primeiros cinquenta anos de plena atuação. Está sendo uma oportunidade de muito relembrar, perfilando velhas histórias tão gratas a nossos corações, muitas delas com amplitude nacional e internacional. Que bom viver toda a tradição rotária dos Montes Claros! Um mundo de cultura e de serviços comunitários realizados pelo bom companheirismo de várias gerações. Afinal, foi na Montes Claros de 1926, o local de fundação do terceiro Rotary Clube brasileiro, sonho de Niquinho Teixeira, que, sem dúvida, muito deu certo.


INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS

Depois do amor e da fome, prevalecem nas cabeças e nos justos corações - mais do que tudo - a vontade estética e o interesse de ser imortal.

É o ideal do artista, como pessoa e como construtor do mundo e das existências do mundo. Proust, o autor de “La recherche du temps perdu”, saudosista de costumes e pragmático em acontecências, ressaltou que não haverá - na arte ou em qualquer outro setor intelectual - realidade mais profunda que aquela onde personalidades procuram encontrar expressões e ações da vida. Nada mais exato, porque a função da arte é principalmente a de descobrir verdades e reconstituir valores da consciência coletiva.

Por todas estas razões, escrita na terceira pessoa como narrador, porque assim deve ser feito, começa a ser escrita pelo primeiro presidente, Wanderlino Arruda, a história do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, um livro para ser lançado até junho de 2017.

“Em vinte e sete de dezembro de 2006, amigos da História, da Geografia e do Jornalismo, convidados por Wanderlino Arruda e Dário Teixeira Cotrim, reuniram-se para a fundação do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Foi uma noite bastante agradável na residência do anfitrião, Rua São Sebastião, Todos os Santos. Grupo pequeno, íntimo nas vivências intelectuais e no magistério, precisava ser pequeno, de modo a facilitar as discussões. Todo o tempo sem formalidades, sem anotações para ata, sem assinatura de protocolo, mesmo se tratando de evento histórico. Vivo, mais do que vivo o entusiasmo, principalmente para Haroldo Lívio, hoje na Geografia máxima de uma eterna saudade. Participaram do grupo fundador, por ordem alfabética, Amelina Chaves, Dário Teixeira Cotrim, Gy Reis, Haroldo Lívio de Oliveira, Juvenal Caldeira Durães, Luiz Ribeiro, Wanderlino Arruda, Yvonne de Oliveira Silveira e Zoraide Guerra David.

Primeiramente, a exposição de Wanderlino, que tinha um velho desejo de fundar uma academia de história, composta por escritores, jornalistas e professores, quadro efetivo com residentes em Montes Claros e em município do Norte de Minas. A turma grande de Belo Horizonte e outras cidades comporia o setor de correspondentes.

A ideia de instituição nos moldes de academia foi apenas para esclarecimento inicial, porque em entendimentos anteriores, o escritor Dário Teixeira Cotrim informou estar autorizado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais a fundar, em nossa região, uma instituição semelhante. Mais ainda: o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros poderá ter a certeza do apoio e da orientação dos confrades de Belo Horizonte, que sugeriram um quadro de cem associados.

Projeto aceito, a primeira providência do grupo foi indicar a Comissão Fundadora, que ficou assim composta: Dário Teixeira Cotrim, Haroldo Lívio de Oliveira, Luiz Ribeiro e Wanderlino Arruda. Já nesse primeiro encontro foram aprovados vários nomes para o início da formação da equipe: Luiz de Paula Ferreira, Marta Verônica Vasconcelos Leite, Petrônio Braz, Ivo das Chagas, Lázaro Francisco Sena, Itamaury Teles de Oliveira, Hélio de Morais, Regina Peres, Raquel Mendonça, Milene Coutinho Maurício, Magnos Medeiros, José Geraldo Freitas Drumond, Waldyr Sena Batista, Felicidade Patrocínio, Felicidade Tupinambá e Luís Carlos Novais. Marcada uma nova reunião para dez dias depois, todos seriam convidados e tanto quanto possível a escolha da diretoria de implantação. A escolha dos nomes dos patronos – em número de cem - ficou a cargo de Haroldo Lívio e Wanderlino Arruda, com aprovação final pela assembleia de fundação.

Primeira Diretoria:
• Presidente de Honra - Dr. Luiz de Paula Ferreira
• Presidente – Dr. Wanderlino Arruda
• 1º Vice-presidente – Dr. Dário Teixeira Cotrim
• 2º Vice-presidente – Dr. Haroldo Lívio de Oliveira
• Diretora Executiva– Profa. Marta Verônica Vasconcelos Leite
• Diretor-Secretário – Dr. Petrônio Braz
• Diretor-Secretário-adjunto – Cel. Lázaro Francisco Sena
• Diretor de Finanças – Prof. Juvenal Caldeira Durães
• Diretor de Finanças-adjunto – Historiador Hélio de Morais
• Diretora de Protocolo - Profa. Regina Maria Barroca Peres
• Diretora Cultural – Profa. Raquel Veloso de Mendonça
• Diretora de Biblioteca – Escritora Amelina Chaves
• Diretora de Museu - Escritora Milene A. Coutinho Maurício
• Diretoria de Relações Públicas -Dr. Itamaury Teles Oliveira
• Diretoria de Jornalismo - Jornalista Luiz Ribeiro

Conselho Consultivo
• Prof. José Geraldo de Freitas Drumond
• Prof. Paulo César Gonçalves de Almeida
• Profa. Yvonne de Oliveira Silveira

Comissão de História e Arqueologia
• Profa. Marta Verônica Vasconcelos Leite
• Profa. Yara Maria Soares Costa da Silveira
• Prof. César Henrique de Queiroz Porto
• Profa. Felicidade Patrocínio
Comissão de Geografia e Ecologia
• Prof. Ivo das Chagas
• Profa. Anete Marília Pereira
• Profa. Ana Ivânia Alves Fonseca
• Profa. Aparecida Costa

Comissão de Antropologia, Etnografia e Sociologia
• Prof. Gy Reis Gomes Brito
• Profa. Cláudia Regina Almeida


Comissão de Classificação e Admissão de Sócios
• Jornalista Paulo César Narciso Soares
• Profa. Miriam Carvalho
• Dra. Felicidade Vasconcelos Tupinambá
• Profa. Zoraide Guerra David


BANCO DO BRASIL EM MONTES CLAROS

Há muitos anos um fazendeiro já idoso, magrinho, alegre, radiante de simpatia, sóbrio no vestir e elegante, entrou na Agência de Montes Claros, do Banco do Brasil, e fez uma oferta ao gerente, que deu muito o que pensar e, parece, mudou temporariamente os destinos de muitos funcionários. Rápido e preciso, muito prático, o homem chegou e foi logo ao assunto: fora um dos primeiros clientes da Agência, no início de 1932, quando precisou de um empréstimo, e recebera tratamento excelente e imediato, o que lhe resolvera um grave problema de família e de negócios. - Nunca me esqueci da confiança que o Banco do Brasil teve em mim, naquela época em que eu era apenas remediado. Foi uma bênção! É por isso que eu venho oferecer-me para ajudar na festa de comemoração dos cinquenta anos. Os senhores podem dispor do que precisar e estiver ao meu alcance!

A visita do antigo cliente, amigo agradecido de meio século foi o sinal de partida para a preparação do programa de aniversário dos cinquenta anos do BB de Montes Claros. Administração e funcionários ficaram conscientes de que a festa teria que ser um grande evento, uma marca inesquecível na história da cidade e da região. Afinal, sempre fora o Banco do Brasil, em todos esses anos, a grande locomotiva a puxar os carros do progresso nos trilhos deste sertão, ajudando e orientando na formação de milhares de propriedades e de negócios em todos os ramos da economia. Na verdade, ninguém poderia prever o que seria de Montes Claros e do Norte de Minas não fosse o Banco do Brasil, a maior instituição brasileira desde D. João VI, como temos costume de dizer, duzentos e muitos anos de honestidade legítima, uma das empresas mais respeitadas do mundo.

As primeiras providências para a grande festa foram agendadas pelo jovem gerente Itamaury Teles de Oliveira. Antigos clientes e funcionários foram convocados para a tarefa de organização, coleta de documentos, levantamento da história e das estórias, relatos de alegria e gratidão de tudo que o Banco proporcionou e recebeu. Uma história rica de detalhes e muito dinheiro de lutas ingentes cronometradas pelo rigor das horas e dos minutos, numa contabilidade que nunca falhou. Podia até existir alguma instituição tão séria quanto o Banco do Brasil, mas mais responsável e correta nunca foi possível. O Banco tem sido o padrão, tem sido um modelo maior do que permanece de nobreza neste País.

Como era eu o detentor dos primeiros documentos da primeira semana de funcionamento da Agência de Montes Claros, salvos há uns trinta anos de um processo de incineração de arquivo, emprestei-os para uma exposição. São até hoje papéis preciosos também à história da cidade, com assinaturas de Sebastião Sobreira, Hélio Thompson (o primeiro gerente). Daniel da Fonseca Júnior (Danielzinho de Jequitaí, foi uma das principais personagens de Guimarães Rosa), Mário Versiani Veloso, Godofredo Guedes, Geraldo Lourenço de Oliveira (o primeiro recibo de salário), Levindo Dias, José Dayrel, Genésio Tolentino e Cândido Canela. São documentos de ordens de pagamento, cheques, tomadas de empréstimos, depósitos (eram selados), compra de cerveja para os operários da reforma do prédio (Rua Governador Valadares, ao tempo, ainda Coração de Jesus)
e reconhecimento de firmas. Tinha eu também carta do amigo Necésio de Morais, uma memória privilegiada, que muito esclareceu pormenores do início de funcionamento da agência.

Em janeiro de 1990, quando foi realizada a grande comemoração
do primeiro centenário do BB, das personagens do primeiro
mês da agência só duas estavam ainda em circulação: José Pereira de
Souza e Cândido Canela. Souza (tio do Samuel Figueira e cunhado
de Efigênia Parrela), de cabelos mais que branquinhos, visita Montes
Claros com grande alegria. Veio rever parentes e amigos.

 

FEIRA DE ARTES DE MONTES CLAROS

Foi em 1974, numa conversa com Konstantin, que me surgiu a ideia de uma feira de arte em Montes Claros. Feira ou exposição ao ar livre, numa praça, em dia de sol, todos os artistas juntos, arte e artesanato. Uma associação organizada, mas sem estatuto, sem presidente, sem secretário, sem tesoureiro, sem qualquer sonho de diretoria. Todos iguais, um ao lado do outro, sem escolha de posições. Claro que com disciplina, mas a disciplina da amizade, do companheirismo, da consideração, ninguém mandando em ninguém. O que mais Konstantin pediu foi que nunca pensássemos em registro de cartório. Tinha que ser uma sociedade livre, para que os artistas pudessem entrar e sair sem pedir licença. Quer participar? Quer expor? Apareça no local e no horário, e tudo bem. Nem pensar em inscrição. Um único cargo, nada mais do que um, apenas o coordenador, porque pelo menos para dar informações, precisava de alguém. Discutidos os nomes, acabei sendo este alguém. Mas sem votação. Ele me indicou e pronto!

Não é a feira de arte a lembrança mais antiga que tenho de Konstantin, pois amigo ele foi sempre desde os meus tempos de estudante no Instituto Norte Mineiro, estudantes passando na frente da casa dele, na Rua D. João Pimenta, e ele dando conselhos, falando como irmão, uma consideração muito carinhosa com os jovens. Lembro-me dele fazendo ilustrações para revistas de Montes Claros e de Belo Horizonte, lá de vez em quando colaborando com edições comemorativas de alguma coisa pelos jornais da cidade. Lembrome dele médico sério e famoso na Santa Casa, cirurgião do maior respeito. Lembro-me muito da muita admiração que as moças casadoiras tinham por ele, um rapagão louro, de cabelos compridos sem ser demais, barba europeia ariana, olhos claros, perfil de um possível
marinheiro viking, financeiramente já bem posicionado, tipo de genro que toda futura sogra desejaria para a sua filha.

A vida continua e Konstantin Christoff também continua na história de Montes Claros. Sempre admirado, sempre amado, um ícone das nossas artes maiores, pintura, escultura, desenho, a cada dia mais competente, a cada temporada com mais estudos teóricos, sabedor de tudo, estimulando jovens, criticando velhos, sugerindo sempre. Uma enciclopédia das artes e dos seus valores. Como era gostoso estar vendo ao mesmo tempo Konstantin e Godofredo Guedes, no estúdio de Godô, na Rua Rui Barbosa. Um completava o outro. Godofredo, um clássico, põe todo academicismo que ainda é pouco, escolha rigorosa de cores, pintura no mesmo movimento da
escrita, da esquerda para a direita, de cima para baixo, se hoje como uma moderna impressora colorida de computador. Godô nunca abria mão dos detalhes, mínimos que fossem. Konstantin, não, um revolucionário, um iconoclasta, nada de detalhismo, nada de cores obedientes, traço rápido, um quase simplismo brincalhão, às vezes até puxado para a caricatura. Para Godofredo, Konstantin era um louco genial, um anarquista. E quanto o admirava!

O tempo passa e sempre Konstantin é um vencedor. Alguém mais do que um mestre. Uma assinatura sua é capaz de fazer uma folha de cartolina, uma tela vazia serem consideradas obras de arte. Um mágico fenomenal. Ontem e hoje bem aceito. Com exposições nas cidades maiores deste e de outros países, tornou-se um bem-visto pela imprensa especializada. Nosso orgulho!

Agora, que você se despede de uma multidão de amigos, uma quase infinitude de admiradores, receba o meu abraço, de amigo e de irmão, Konstantin Christoff! Inesquecível Konsta!


LABOR CLUBE DE MONTES CLAROS

Na opinião de Andrés Segóvia, a beleza estética consiste essencialmente em um ato de amor entre o artista e seu meio de criação. E é esse sentimento que se comunica ao público quando nos momentos de contato, este se vê diante de uma obra de arte, seja essa um filme, uma peça teatral, uma pintura, ou texto em livro ou na Internet. Um simples flirt ou uma concentração profunda estabelecerá a interação entre os dois, da qual surgirão os mais inusitados ou diferenciados sentimentos. Na maioria das vezes, é aceitar ou não aceitar, absorver ou não absorver, prazer ou felicidade. Em linguagem menos nobre, é pegar ou largar...

Juventude, companheirismo e serviço; notável exercício de cidadania, ideal de servir; ontem e hoje, muitas as lembranças por traz dos altos e baixos dos casarios de Montes Claros. Gratas memórias de Geralda Magela de Sena Almeida e Sousa em que a música da jovialidade coloria um tempo de sadios prazeres, tudo sonhos, tudo interesses no viver e conviver gostosamente. Arquitetura de história e estórias urdidas e bordadas em liderança inesquecível, moças e rapazes até hoje reconhecidos por dotes de inteligência e talento. Belezas deixadas e continuadas pelos cantos e recantos da vida, neste século espalhadas por infinidade de territórios da entidade chamada Brasil, quando dá gosto reviver os tempos do Labor Clube de Montes Claros.

Foi o Labor, ao lado de outros clubes similares – Orbis, Rotary, Lions –que deram força e coragem para o engajamento na construção e transformação de vários segmentos da sociedade montes-cla rense, uma passagem linda do individual para o coletivo. Parece-me, a primeira vez, que jovens de lares abastados descobriram que nem todas as famílias faziam feira ou iam aos armazéns e vendas, nem todas as crianças dispunham de livros e materiais escolares, nem todos os idosos podiam ir às farmácias. De uma hora para outra, apareceulhe um novo mundo de necessidades e carências, que com um pouco de esforça pessoal e coletivo, poderiam ser remediadas. Pela primeira vez, o gesto solidário deixava de ser basicamente religioso, passando para a área institucional da filantropia, dos serviços à comunidade. A solidariedade como dever maior, gente conhecendo gente, gente ajudando gente. A responsabilidade passou a ser de todos com o novo espírito do Labor.

As ricas pesquisas feitas por Geralda Magela de Sena Almeida e Sousa vêm realmente atender o chamamento histórico dos 150 anos de Montes Claros, que não podiam ficar restritos a 2007, mas ter uma sequência natural falada e escrita por todos que viveram ou estudaram a última metade do Século XX. É assim que ocorre um importante resgate de duas décadas, quando foram destaques além da própria Magela, Julinha Lafetá, Rosália Gomes, Fátima Mendes, Branca Dias Neto, Carmem Lúcia Antunes, Marinilza Mourão, Wanda Carvalho, Lídia e Lúcia Teixeira, Josefina Pereira, Felicidade Patrocínio, Mabel Morais, Márcia Melo Franco, Magna Casasanta, Almerinda Tolentino, Iranildes Cardoso, Wilma Sanches, Miriam Veloso Milo, Zulma Ribeiro, Maninha Cardoso, Lúcia e Laíce Arruda, Beatriz Maia, Lúcia Lopes, Beatriz Santos, Elizabeth Brant,
Marilda Veloso, Neusa Linda e Verônica de Paula, Regina Malveira. Como não lembrar carinhosamente das presenças de Selda Cabral, Regina Malveira, Márcia Valadares, Ceres Pimenta, Aparecida Costa, Alda Nogueira, Carmem Tupinambá, Dorinha Mendes, Iolanda Fróes, Eugênia Brito, Joelita Leão, Laurita Ruas, Maninha Cardoso, Maria Augusta, Evangelina Miranda, Renata Brito, Raquel e Cristina Peres, Renata Brito, Luíza Freire? E por que não registrar também os nomes dos rapazes Giovane Santa Rosa, Paulo de Paula, Ildemar Mendes, Antônio Carlos Amaral?

Mesmo longe das atividades do Labor e do Orbis, porque já casado e no meu tempo de Câmara Municipal, como jornalista sempre acompanhei as atividades dessa moçada importante no tempo de entusiasmo que seguiu o primeiro centenário de Montes Claros. Louvo de alma e coração o trabalho perfeito da professora Geralda Magela, minha ilustre companheira no Instituto Histórico e Geográfico. Sinceros aplausos por sua minuciosa e bem-feita pesquisa, pelo registro realmente bem redigido, importante subsídio para os que também vierem estudar e historiar os sucessos montes-clarenses. O livro LABOR CLUBE DE MONTES CLAROS é e será um ícone luminoso de uma época mais do que luminosa. Os que vão viver saberão disso!


A VOZ DO ESTUDANTE

Sob a orientação do nosso saudoso Monsenhor Osmar de Novais Lima, órgão do Grêmio Lítero-Esportivo “D. João Antônio Pimenta”, circulava em agosto de 1942 no antigo Ginásio Municipal de Montes Claros, direção de Antônio Augusto Athayde, redação de Luiz G. Prates, o jornal A VOZ DO ESTUDANTE, número 17 ano III, nova fase. Seis alentadas páginas, bem impressas, feitas pelas Oficinas Gráficas Simões, constituem, hoje, uma gostosura de passado histórico, interessante registro de uma época de patriótico respeito por instituições e costumes, uma como que quase revelação de pureza d’alma de jovens estudantes, ciosos e compenetrados na luta por um futuro melhor.

A colaboração farta contava também com o professor Alfredo Coutinho e, segundo me parece, com alguma cousa do dr. João Antônio Pimenta, tal a seriedade de conceitos, que só o velho mestre sabia imprimir. Outros nomes, alguns ainda bem lembrados, outros esquecidos, representam, hoje, curiosidade: Barulas Alves Reis, Vivaldo Macedo, Ione Feitosa, Eunice Fialho, Zilca Miranda, Adelaide Barbosa, Manoel J. G. Calaça, Antônio Franco Henriques, Célia A. Neto, além de Geraldo G. Prates e de um misterioso A., tudo indica ser o mesmo Antônio Augusto Athayde, autor de outro artigo vazado em idêntico estilo e entusiasmo.

Interessante é a coluna de aniversários. Vejam os nomes de quem naquela época já andava frequentando ginásio: Aristides B. Braga, 1ª série; Péricles A. Andrade, José A. Guimarães, José Braga, 2ª série; os terceiranistas eram Rosália Pinto, José Romualdo Torres, Carlúcio Athayde; ainda do segundo ano, Elton Rocha e Artur Fagundes Oliveira. “A todos, principalmente ao Padre Gustavo Ferreira de Souza, os votos de felicidades de “A VOZ DO ESTUDANTE” – dizia a nota.

A colaboração principal parece que era mesmo a do diretor Antônio Augusto Athayde, que ainda escrevia o sobrenome sem o “h” e o “y”, como o fazia também o Carlúcio, seu parente. Coisas de garotos... Antônio Augusto tinha boa redação e muita riqueza de adjetivos e verbos de perfeito gerúndio. Os períodos eram longos, cheios de subordinação, bem temperados à moda de Rui Barbosa, Castro Alves e Padre Antônio Vieira. Seria influência de muitas leituras? Por exemplo: “Em nossa memória tenra ainda, períodos como os que agora atravessamos ficarão gravados para jamais esquecermos dos tempos bons de nossa florida adolescência – tempos que não voltam mais...” Outro trecho: “Enquanto do alto dos céus, os raios fulgentes do sol sertanejo banham os vastos pátios do Ginásio...” etc.

Tempo bom, tempo ótimo, coisa linda de tempo, Antônio Augusto! Nada mais coerente que a voz da juventude – espontânea, pura, colorida, limpa de coração... É pena que a realidade da vida nos tire tanta poesia e beleza. É pena que a crueza do dia-a-dia nos tire tanto da jovialidade dos primeiros anos de vida...
Mas, afinal, é bom ter motivo de saudades...


RUAS DE MONTES CLAROS

Vínhamos do Bairro São José para o Todos os Santos e lá, pela altura dos fundos da Praça de Esportes, sem ser solicitado, emiti uma instrução para o colega João Leite, dono e motorista do carro: “Siga em frente e entre na Rua do Marimbondo”. É claro que ele se espantou, primeiro porque não estava me perguntando nada, segundo, porque não sabia que danada de rua era essa, do marimbondo. Tive de explicar: a rua mencionada era a que ele conhecia pelo nome de Rua Altino de Freitas, aliás Rua Cel. Altino de Freitas, um famoso delegado municipal, pai do Deba, o mais poderoso chefe político que a cidade já teve. Logo adiante, pedi ao João Leite para olhar à esquerda, para que pudesse conhecer também a Marimbondinho, até há pouco tempo uma tremenda barra-pesada. Falei de outras ruas depois disso, mas nem sei se o companheiro estava interessado em dados históricos desta fermentada cidade dos Montes Claros.

Em casa, à noite, para me instruir mais no assunto de nomes antigo de ruas, fui em busca do auxílio de Hermes de Paula, no seu famoso “Montes Claros, sua História, sua Gente e seus Costumes”. Não era a primeira vez que eu o consultara no assunto, mas esta foi muito importante, possivelmente pela motivação de novo interesse. Tudo bastante curioso. Por exemplo, a Rua do Marimbondo, além, desse nome, teve também o de Costa Carvalho, de Oriente, Xavier de Mendonça, Marquês de Paranaguá. O Costa Carvalho foi um erro na confecção da placa, pois a lei homenageava um dos fundadores da cidade, o Alferes José Lopes de Carvalho. Por azar, o Lopes passou a Costa. Hoje, isso não tem importância, porque várias camadas de denominações soterraram o engano.

Um teste para você, leitor. Qual seria a Rua da Cagaiteira? Quais seriam as ruas da Assembleia, do Pedregulho, do Bate-Couro, do Pequizeiro, do Jatobá? Vejamos pela ordem estabelecida por Doutor Hermes. A rua da Cagaiteira, também chamada depois de Rua Sete de Setembro, é a atual Camilo Prates, que perdeu parte desse nome para João Souto, no segmento logo depois da Praça Cel. Ribeiro.

Da Assembleia (por causa de uma famosa reunião de boêmios) era a Afonso Pena; do Pedregulho, chamada mais tarde de Ocidente, Joaquim Nabuco, que hoje se chama Gonçalves Figueira; do Bate-Couro, mais tarde Coração de Jesus, é a atual Governador Valadares; do Pequizeiro e também Juramento, a Rua Cel. Antônio dos Anjos; e a do Jatobá que, em outros entretantos, foi chamada de Avenida Estrela, claro, é a Cel. Prates, que perdeu as extremidades para a Praça Portugal e para a Avenida Mestre Fininha, porque hoje ela só é Cel. Prates dos fundos da Nau Catarineta (igrejinha do Rosário) até a praça da Santa Casa.

A rua São Francisco, bipartida para dar nome a D. Tiburtina (depois do Automóvel Clube), chamava-se da Soledade. A Doutor Santos era todinha Bocaiúva, antes chamada de Floresta. A Doutor Veloso era a Rua Direita, enquanto a atual Presidente Vargas havia passado por Rua Maria Souto e depois Quinze de Novembro. A Praça Doutor Chaves era a Largo da Matriz, e a Padre Augusto era a São Paulo. Por causa da antiga Santa Casa, a Praça Doutor Carlos era o Largo da Caridade.

O mais interessante deixei para o final. A Rua Simeão Ribeiro, antes Rua do Comércio, era a mesma Justino Câmara que desembocava ou começava na Rua da Raquel, que, por sua vez, teve os nomes de General Osório e depois Padre Teixeira, nome atual. Como nos velhos tempos montes-clarenses, nenhuma rua tinha nome de gente (pode haver exceções que não sei), fiquei intrigado com o nome de Raquel. Veio em meu socorro o próprio dr. Hermes de Paula, explicando que Raquel foi uma famosa hetaira nos bons tempos. Aí danou tudo, tive que ir ao dicionário para ver o que significa hetaira. Caldas Aulete, sem mais nem menos, remeteu-me para outro vocábulo: Hetera. Aí estava a explicação: Hetera quer dizer cortesã, mulher dissoluta na Grécia Antiga, prostituta elegante e distinta.
Falou, dr. Hermes !...


COLÉGIO SÃO JOSÉ

Wladênia chega e me diz que a professora Neide Pimenta quer que eu fale para seus alunos do segundo grau do Colégio São José. O dia e a hora já estão marcados, dependendo do meu tempo disponível. No auditório estarão mais de cem alunos de várias turmas, tudo indica, interessados em conhecer mais um pouco sobre Marília de Dirceu, principalmente com relação ao conflito de estilos de Gonzaga na sua obra mais famosa. É que Gonzaga, como Machado de Assis o fez mais tarde, tinha por hábito assenhorar-se das habilidades do seu século, voltando ao passado e fazendo investidas no futuro, de modo a ser barroco, neoclássico e um incorrigível pré-romântico. De pronto, já sei que Neide, excelente professora de língua e literatura portuguesas, deve ter ensinado tudo ou quase tudo, querendo apenas um respaldo para aumentar o entusiasmo da moçada.

Pergunto a Wladênia o tema indicado, possíveis variantes, receptividade dos seus colegas ao assunto, gosto deles pela literatura, relacionamento com a professora. Pergunto mais: como a Neide tem abordado a matéria, qual o seu ponto de vista pessoal sobre estilos de época, quais as diferenças que ela faz de um para outro como elementos de ênfase didática. Pergunto mais ainda: que livro é adotado pela professora de literatura do Colégio São José e qual a atenção que os alunos têm dado a esse livro. Wladênia vai me informando de tudo sobre professora e sobre os colegas de trabalho. Não fico satisfeito completamente e peço seu caderno de anotações em classe, pois desejo saber a ordem imposta ou sugerida pela mestra. Ela me mostra o livro e todas as orientações escritas. Parece muita exigência de minha parte, mas minha experiência de antigo político me diz que devo conhecer todos os dados possíveis antes de enfrentar um auditório, principalmente do São José, escola a quem tributo legítimo respeito. Tudo em mãos, preenchidas todas as condições, adaptado o horário, confirmo e faço o compromisso. Inicia aí uma nova batalha, a parte mais complicada, a busca dos elementos que possam enriquecer os cinquenta minutos de intercâmbio com meus jovens ouvintes.
Por força de hábito profissional, Tomás Antônio Gonzaga já esmiuçado outras tantas vezes, ele sempre passivo nas letras dos livros, mas um fiel orientador desde os meus muitos anos de estudos e de magistério. Imediatamente, procuro o exemplar anotado de “Marília de Dirceu”, a Introdução à Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho, um dicionário de literatura, um dicionário sobre deuses e heróis do mundo greco-romano, mais uns dois compêndios escolares de nível médio, além do manual adotado em classe.

Está iniciada a fase de pesquisa e todas as horas disponíveis serão ocupadas com o novo assunto. Que grande prazer é voltar a “Marília de Dirceu”! Com que sofreguidão me encaminhar no ritmo e na musicalidade da lira do Gonzaga! Quão gratificante é esse trabalho-ilusão, essa busca de poesia, essa viagem de reencontro com o que há de mais belo na literatura de nossa língua! Ver, sentir, compreender, acompanhar alegrias e tristezas! Analisar de perto o amor, as tramas do apaixonado, do lírico, do quarentão que se embeiça pela Marília, menina de somente dezessete. Que bom!

Três dias depois, chego ao Colégio São José para falar a um auditório de garotas e garotos quase da idade de Marília, muitos com o mesmo tempo de vida da jovem de Vila Rica. Eu, mais vivido que Gonzaga. Mas, com um tema tão bonito, confesso que me senti mais novo, bem mais, quase também um adolescente...


TIRO DE GUERRA 87

“Aprendemos não para a escola, mas para a vida”, pensamento latino utilizado no velho Colégio Diocesano, aulas de latim de Monsenhor Gustavo, que muito têm servido a muitos ao longo da existência. No meu caso, realmente, nunca estudei só para a escola, só com o objetivo imediato de ganhar boas notas, embora uma nota mais alta cause sempre em um adulto uma alegria quase infantil, situação importante em qualquer fase da vida. Quero agora falar sobre resultados, sobre alegria íntima, lembranças de inesquecíveis tempos do Tiro de Guerra 87, espaço de civismo do meu saudoso mestre, Sargento Moura. Idos de 1953, turma de quase cem rapazes, todos da mesma idade, todos com o mesmo sonho, povoando por vários meses a poeirenta Praça da Estação, terreiro público onde hoje a Rodoviária incomoda o formigueiro humano que entra e saia de Montes Claros. O prédio de Tiro de Guerra, localização privilegiada, esquina da Rua Tiradentes com a Praça e a Rua Melo Viana, tinha grande espaço de manobras até a estátua de Francisco Sá, no meio de pequeno jardim, no início das outras avenidas. Casa enorme, com salas e salões, tinha nos fundos a moradia do Sargento Moura e um quintal onde um por um havia de montar guarda, dividindo a segurança com um camarada, que ficava na porta de entrada. Não havia cadeiras; havia bancos, duros e pesadões, separados com razoável distância para evitar cotoveladas e outros tipos de brincadeiras tão normais entre a rapaziada. De todos os lados, menos à direita, janelas e mais janelas, que existem até hoje no prédio que veio alguns anos depois, quando o TG saiu para o Bairro Edgar Pereira, mudou de instrutor e permaneceu lá até a chegada do 55 BI. O Sargento Moura, altão, moreno, elegante, imponente, falador sempre, era o dono incontestável do tempo e da turma, primeira e última palavra em qualquer situação, só humilde nas eventuais inspeções ou no exame final do mês de outubro, quando vinha um capitão ou um major, uma espécie de imperador ou professor-chefe, que passava a centralizar todo o nosso interesse e cuidado. O Sargento Moura só era muito sério nas horas de instrução, pois extremamente exigente nas ordens de comando. Nas outras partes do dia, quando íamos ao Tiro para qualquer assunto, ou quando nos encontrava na rua ou em nosso local de trabalho, era como se fosse um colega mais velho, bondoso, amável, sempre um grande amigo, brincalhão, a colocar a mão no ombro de cada um em tom de conselheiro. Como bom professor, sabia de tudo, todos os assuntos eram do seu domínio, pertenciam ao seu mundo de cultura e de experiência humana. Dos companheiros de caserna, se podemos chamar de caserna um local que nos segurava apenas em parte de cada manhã e em algumas horas a mais nos domingos, dos companheiros, temos muito que lembrar. Afinal, havia gente de todo jeito para povoar toda um universo de lembranças, principalmente
os mais extrovertidos que deixam marcas pela quase eternidade. Isso para não dizer das influências e notícias de turmas passadas e futuras que - queira ou não - surgem e ressurgem da saudade. No meu tempo, os mais compenetrados eram os dois Renatos, o Veloso e o Almeida, por sinal, os mais capazes, do RDE aos exercícios de marcha e de tiro. Os mais malandros eram o Pamplona e o Souto, os dois terrivelmente imprevisíveis, tanto para nós como para o Sargento. O Souto, hoje muitissimamente conhecido, gostava mais de ser chamado de Humberto, sem o Guimarães, principalmente depois de eleito deputado estadual e federal, depois de ser ministro e prefeito, sem favor nenhum, um político sério, um dos mais honestos que o
Brasil já teve. Havia os caladões, os resistentes, os corajosos, uns que queriam aparecer, e alguns poucos bem desligados. A maioria, com o máximo de interesse, sempre vibrantes. Bons tempos, com tantas lembranças, que acho terei de voltar ao assunto em outras oportunidades. De alguma forma, fico muito grato ao bom tempo de TG, evocação de importantes e saudáveis momentos de vida. A todas as Semanas do Reservista, até hoje, tantos anos passados, dedico-as à memória dos que passaram pelo inesquecível tempo de vida militar no velho Tiro de Guerra 87. Os destaques são sempre para o Sargento Moura e seus sucessores. E pelo muito aprendizado e experiência! Última lembrança: o ano era o de 1953.


RUAS E PRAÇAS DE MONTES CLAROS

Há vários caminhos para a gente saber os nomes de ruas e praças de Montes Claros: percorrer a cidade de ponta a ponta ou folhear o catálogo telefônico na parte dos endereços, lendo e anotando os destaques em negrito. Primeiramente, logradouros sem nomes, ou somente com números, Rua 1, Rua 2, etc., até começar pela Rua Abel Sena e terminar pela Rua Zulma Antunes Pereira, bem no finzinho do alfabeto. Uma delícia a viagem, a pé, de pé, assentado, dependendo do percurso escolhido e de como fazê-lo. Na prática, não adianta você ter pressa, porque o gostoso mesmo é ver e sonhar frente a cada denominação, seja nome de gente, de santo, seja de palavras que indicam pedras, metais, flores, cidades, províncias, países e até continentes. Há ruas e praças com títulos de coronéis, padres, engenheiros, príncipes, deputados, donas, irmãs, doutores. Trinta infinitos dou tores, onze donas, cinco engenheiros. Viúvas somente duas: Viúva Francisco Ribeiro e Viúva Paculdino, a primeira no centro, a segunda no Jaraguá II, coisa de incrível machismo, porque, merecendo a homenagem, deveriam ter nas placas os próprios nomes e não os dos maridos. Dou um doce a quem encontrar os nomes delas nas famosas
listas dos 150 x 2, da Prefeitura, e dos 300 da acadêmica Milene. Apesar de ser normal que nomes de vias públicas sejam de pessoas já do outro lado da vida, pelo menos três montes-clarenses receberam homenagem em vida: Mestra Fininha, Teófilo Pires e Hermes de Paula. Hermes chegou a ter três ruas, mas tendo reclamado o excesso, ficou com apenas uma. A Rua Simão Ribeiro, quarteirão fechado, ao contrário do que muita gente pensa, não é de Simeão Ribeiro Pires, mas de Simeão Ribeiro dos Santos, o tio. Bem curiosos os casos de algumas praças com nomes e apelidos: a Doutor Chaves é praça da Matriz; a da Santa Casa é Honorato Alves; a da Catedral é Pio XII; a da Estação é Raul Soares; a do Automóvel Clube é a Doutor João Alves; a Doutor Carlos que era praça do Mercado, hoje é Doutor Carlos mesmo. Wanderley Fagundes nunca poderia ter seu nome na
praça onde está e acabou tendo por teimosia do seu amigo e prefeito Toninho Rebello. Ela está no centro do bairro Todos os Santos, local de somente destacados apóstolos e famosos figurantes do calendário da Igreja. De nada adiantaram as reclamações à época, porque Wanderley acabou, com justiça, canonizado por Toninho. O Brasil tem seis ruas, Brasília e as Guianas três. Bélgica, Bolívia, Argentina e Colômbia, duas cada uma, além de mais algumas antecedidas pela palavra República. A capital de estado com mais ruas é Porto Alegre, com três, mesmo tanto que tem Lazinho Pimenta. A flor mais homenageada é a violeta, com quatro. Há ruas da Boa Esperança e da Boa Vista, da Sorte e da Felicidade. Ruas com os nomes de João,
José, Maria, Nosso Senhor e Nossa Senhora, Santo e Santa são muitas e muitas. São muitas também as começando por Lagoa, inclusive Lagoa do Bagre e Lagoas Cabalana e Canacari, que nem Haroldo
Lívio devia saber o que significa. Quatro ruas Esmeralda, quatro Pedra Azul, três de Coração de Jesus, cinco dos barões. Uma de Tu Peixoto, uma de Janete Clair, uma de Ivete Vargas e duas de Urbino Viana. Duas do Cruzeiro, nenhuma do Atlético. Daniel Costa já mudou duas vezes: era praça, onde está o Shopping Mário Ribeiro (Shopping popular), passou para o lado da Santa Casa e depois, para ceder lugar para o Cel. Luiz Pires, foi para o Jardim São Luiz. Dezenas de ruas têm o nome de Francisco, Geraldo e Geralda; cinco dos índios Guaranis, sete do governador Magalhães Pinto. Nota final, realmente triste: Antônio Lafetá Rebello poderia ter ficado no centro, mas foi para o Santa Lúcia II; pior para os admirados doutores Alfeu Gonçalves de Quadros e Pedro Santos, até o momento, zerados na lembrança cívica. Uma pena!

 

MONTES CLAROS, CIDADE DA ARTE E DA CULTURA

Enquanto muitos cuidam do viver e outros cuidam do sonhar, Montes Claros cumpre, como vem cumprindo há muitos anos, a função de cidade da arte e da cultura, epíteto que Reginauro Silva criou lá pelos idos de 1978, quando escreveu - parece-me - a sua primeira peça de teatro. Isso mesmo: Montes Claros, Cidade da Arte e da Cultura, com todos os substantivos com iniciais maiúsculas, destaque mais do que merecido, principalmente agora que iniciamos as comemorações do sesquicentenário, exatamente cinquenta anos depois do grito histórico de Hermes de Paula, quando tudo mudou para melhor em termos de reconhecimento e progresso.

Terra de muito trabalho, de múltiplas iniciativas, marcada a cada dia pela independência e pela ousadia, Montes Claros é realmente uma cidade de vida e de sonhos, já com escola para a formação de professores em fins do Século XIX. Em 1926 teve em funcionamento a estação ferroviária e inaugurou, com toques internacionais, o terceiro Rotary Clube fundado no país. Pouco tempo depois, bancos particulares, Banco do Brasil, aeroporto, telefone, difusora de rádio, postes de luz elétrica, redes de água e de esgotos na parte de baixo e na parte de cima, ou melhor da Avenida Cel. Prates até o Roxo Verde, da Rua Dona Eva até a Rua Bocaiúva, onde ensaiava e tocava a Euterpe Montes-clarense. Daí para a criação do Clube Montes Claros, na Rua Doutor Veloso com a Presidente Vargas, foi um pulo.
Progresso para fazer muita inveja! Insaciável no encontro do real e do fantástico, Montes Claros foi sempre fonte de trabalho e estúdio de criação artística, principalmente na poesia.

Em qualquer encontro valia um discurso, escrito ou de improviso. Faceira, romântica, apaixonada, o suor do ganha-pão nunca foi menor que as serenatas, o aboio dos vaqueiros, o cantarolar de viajantes ou o sapatear do lundu. Ano após ano, muito de coroações nas igrejas, muito de catopês, muito de pastorinhas. Todas as cores que o folclore e a saudade marcam direto. Quem quiser saber mais, melhor perguntar ao meu amigo Nivaldo Maciel, que no alto dos seus oitenta e tantos, ainda canta e aboia como ninguém. Vale todo o progresso que chegou a partir de cinquenta. Sudene, batalhões da Polícia e do Exército, Companhia Telefônica, escolas de francês e de inglês, associações e sindicatos, Corpo de Bombeiros, Lions, Elos Clube, Academia de Letras, Parque de Exposições, jornais diários, revistas quase mensais. De duas ruas calçadas em 1951, o prefeito Enéas Mineiro espalhou paralelepípedos do centro comercial até a Praça da Estação. Depois de 1955, com a vinda da Cemig, energia elétrica em tempo contínuo. Por esse mesmo tempo, Banco do Nordeste para ampliação de financiamentos, curso científico do Colégio São José para que rapazes e moças tivessem permanência com suas famílias, não precisando sair para estudar em outras cidades.

A partir da década de sessenta, com a fundação da Fafil, Fadir, Famed e Fadec e a criação do Conservatório de Artes Lorenzo Fernandez, do Automóvel Clube, nada mais segura Montes Claros, porque o desenvolvimento tem garantia, principalmente depois da Unimontes e mais seis conjuntos de escolas superiores, que hoje fazem da capital do Norte de Minas uma verdadeira cidade universitária. Que o Instituto Histórico e Geográfico - que acabamos de fundar - seja a fonte de todos os registros e a marca da evolução física e humana de tudo que deveria ter sido sonhado pelo bandeirante Antônio Gonçalves Figueira nos idos de 1707.



FACULDADE DE DIREITO DO NORTE DE MINAS

Muitas saudades marcaram os meus cinco anos de Faculdade de Direito, saudades em leque com todos os tipos de alegrias e sensações de volta a um gostoso tempo de juventude. Cinco anos: pequeno e longo período, com uma boa percentagem o tempo de vida. Cinco anos com as preocupações de acompanhamento de programas, estudos constantes nem que fossem em época de provas, estágios, concursos, seminários, um universo de atividades das quais ninguém conseguiu escapar, bastou ter passado no vestibular e feito matrícula. Período de amadurecimento de ideias, afirmação do que é certo e do que é errado, do que deve ou não deve, do que pode ou não pode ser feito por alguém com consciência de cidadania. Cinco anos de excelentes amizades, algumas rusgas, pintadas aqui e ali de
desentendimentos, para depois tudo correr num oceano psicológico de boa navegação.

Tempo de saudades, por que não? Afinal, tem que ser muito importante, principalmente com os colegas que são as feições mais constantes, passageiros da mesma condução, gente por todos os lados, uns tímidos, uns por demais aparecidos, alguns sempre abertos em sorrisos, faladores num humor de encantar, outros desconfiados, arredios como quem daria um reino por um momento de silêncio ou de esquecimento. Com os mestres, um intercâmbio menor, porque nenhum acompanhando a turma o tempo todo, os cinco anos, alguns apenas por dois semestres, outros parecendo fugazes cometas de passagem rápida, em substituição aos titulares em viagens. Como o professor é um entre muitos, da cara dele ninguém se esquece, o
semblante fica gravado a existência inteira.

Tempo bom de Faculdade de Direito, com jovens donzelas quase impúberes, moços no dealbar dos 18, jovens senhoras, balzaquianas, pais de família na fase dos 30, cavalheiros que começam a vida (a vida começa aos 40!), cinquentões, e até um sexagenário, ora pois! Um corte bonito no perfil social, amostra importante para crítico nenhum botar defeito, nem antes nem depois. Quem desejar experimentar um cadinho de esforços humanos e sobre-humanos, chegue para perto de uma turma de universitários de Direito, meça o valor das partes e do conjunto, observe as reações, sinta os dramas, pergunte sobre os compromissos para com o futuro, penetre no mundo ideológico, intercepte entusiasmos. Quem estiver querendo encurtar distâncias para um conhecimento mais rápido, pergunte aos professores, que eles saberão dizer muito pelo muito acompanhar em
cada aula.

Quatro anos e meio depois, volto à minha estimada Faculdade de Direito, cuja fundação pude participar ativamente em 1964, e não me contenho de contentamento ao encontrar os mentores e amigos de quem eu tinha tantas saudades. Não mais nas salas de aula, não mais a separação hierárquica professor/aluno, mais ainda um respeito profundo a cada um, consideração que nunca poderá faltar, mestre eternamente mestre. Com que prazer, encontro e reencontro o nobre Georgino Jorge na cadeira de diretor, solene, respeitabilíssimo, oferecendo grandeza ao cargo, presença visível de sabedoria mercê de muitos estudos. Emoções ao cumprimentar, na secretaria, Raul e Cleonice; na sala dos professores, entre muitos, os mestres Adão Múcio, Sebastião Vieira, Danilo Borges, José Carlos, Clídio, Noraldino, Alciliano, Castro, Álvaro, Rita, Paulo César, Geraldo Barbosa, para dizer apenas os que lecionaram na minha turma. Que grande falta as ausências de doutor Mourão e do sempre mestre Simeão Ribeiro! Valeu a pena passar por lá.


O FOLCLORE DE MONTES CLAROS

Com o terceiro artigo a respeito de Hermes de Paula e do seu livro sobre a história de Montes Claros e de sua gente, espero ter cumprido a obrigação de despertar muitos de nossos leitores do JORNAL DE DOMINGO para uma necessidade cultural de relembrar outros do vasto leque de interesse folclórico e genealógico de que dispomos nesta velha terra de Gonçalves Figueira. Creio que falar de Hermes de Paula, suas vivências, seus costumes, suas gentes é o melhor caminho para a construção do edifício histórico de Montes Claros. É bem verdade que muita coisa ainda deve e precisa ser escrita, no presente e no futuro, mas, mais verdade ainda é que ninguém poderá fazê-lo sem partir primeiro do alicerce erigido pelo mestre doutor Hermes.

Com Hermes, vemos e revemos o bumba-meu-boi, as folias de Reis, a dança de São Gonçalo, as marujadas, os catopés, as cavalhadas, as penitências para chover; com Hermes, ouvimos e aplaudimos as cantigas de ninar, as rezas e benzeduras, as cantigas de roda. Com ele, sentimos a dureza das secas de noventa, noventa e nove, trinta e nove, o tempo bom e o tempo brabo. Com ele, visitamos as lapas, lapinhas, laponas, que não são poucas; vemos os gambás, os caxinguelês, os tamanduás, os saruês. Com ele, reconhecemos todos os tipos de madeiras das nossas florestas tamboril-de-cheiro, violeta, sucupira, pau d’arco, pau-de-abóbora, jacarandá-muxiba, catinga-de-porco, candeio. No seu livro, aprendemos as virtudes de todas as nossas plantas medicinais, entre elas a losna, a salsa, a alfavaca, o manjericão, a quina-de-barroca e a catuaba, estas últimas, no dizer do povo, mui valentes afrodisíacos, excepcionais para levantar coragem.

Sobre a arruda, planta que dá sorte, diz Hermes de Paula que é santo remédio para cólica, como chá ou queimada na cachaça; serve como linimento usando a folha pura; o sumo é próprio para dor de ouvido e, no geral, atacado e varejo, é tiro-e-queda para benzer contra quebranto e mau-olhado. Esqueceu-se, no entanto, de dizer que arruda, folha ou galho, evita feitiço e é um tremendo escorregamenino, na hora de parto de qualquer mulher.

“Montes Claros, Sua História, Sua Gente e Seus Costumes” é um repositório de ótimas informações sobre tudo que é Montes Claros: fundação de clubes sociais, de escolas, de hospitais, instalação de comércio e de indústrias, fundação de órgãos de imprensa, movimento religioso, incêndios maiores e até informações sobre o dia em que alguém, por aqui, chupou o primeiro doce gelado, também chamado de picolé. Algumas observações curiosas do livro: os jovens Antônio Augusto Veloso e Antônio Augusto Tupinambá foram os últimos que ganharam discursos e festas no dia da chegada depois da formatura do curso superior. Pedro Santos, o famoso Pedrão 70, senhor de muitas lendas, não é de Montes Claros porque nasceu em São João da Ponte e estudou em Ouro Preto, Juiz de Fora e Niterói. Curioso é que Pedrão foi o maior campeão de corridas de todos os tempos, jamais batido em duzentos, quatrocentos e seiscentos metros, o que o levou a ser também um bom craque do futebol nacional.

Tendo sido eu um dos colaboradores da segunda edição do “Montes Claros Sua História, Sua Gente e Seus Costumes”, editado pela Loja Maçônica Deus e Liberdade, sinto-me dono de uma gratificante tarefa, contente e bem recompensado pelo alto valor do livro. Afinal, não é todo dia que podemos ser companheiros de páginas de tão ilustrada companheiragem, principalmente de Hermes de Paula, premiado com medalhas dos governos de Minas e São Paulo e detentor da mais vasta soma de conhecimentos sobre Vital Brasil, conferencista elogiado e aplaudido em muitas capitais, homem do sertão e das serenatas, defensor do pequi e do pequizeiro, intelectual e pragmático, sem dúvida alguma, o melhor fazedor de arroz-de-tropeiro e de quentão do mundo...


HERMES DE PAULA, A HISTÓRIA DE MONTES CLAROS

Montes Claros e Hermes de Paula, suas histórias, suas gentes e seus costumes, que formidável grande amor! Como sabe esta cidade gostar deste homem e como pode este homem amar tão carinhosamente esta cidade! Para Montes Claros, Hermes é o filho, o irmão, o companheiro, o amante, a extremosa dedicação do pulsar constante em seu favor o bem-amado, o sempre amado. Em toda parte, Hermes de Paula: na medicina, na seresta, na literatura, nos serviços comunitários, na sociedade, na história, no folclore, em tudo. Para Hermes, Montes Claros a melhor cidade do mundo e o encontro sagrado e existencial, plenitude de beleza, de bem-entender, lembrança passado-presente, vivência plena em ritmo de eternidade.

Perfeitamente definíveis o homem e o historiador, pois, Hermes de Paula em Montes Claros nasceu e se criou, filho de Basílio de Paula, nome de rua, e de D. Joaquina Mendonça, nome de gente que espalhou família por um mundão sem porteiras. Aqui estudado, aqui casado, aqui vivido. Se saiu de Montes Claros por algum tempo, foi para fazer cursos no Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte, e no Granbery, em Juiz de Fora. Dos anos morados em Niterói, para a Faculdade de Medicina e para o estágio científico, para cá voltou correndo logo depois de sabedor de tudo sobre cobras, soroterapia e microbiologia, aprendido com o papa do ofidismo, Vital Brasil, seu quase sogro.

Hermes de Paula, um homem de sorte, formado pela inteligência, mas também por efeito de um prêmio de loteria, sem o que talvez não pudesse ter aqui saído ou à Faculdade não ter chegado. Hermes de Paula foi sempre um ativista da cultura, ligado, ligadão ao povo de sua terra. Sanitarista do Estado, chefe do Posto de Saúde, diretor da Santa Casa, do Instituto Antônio Teixeira de Carvalho, da Sociedade de Proteção à Infância. Fundador da regional da Associação Médica, idealizador do Pentáurea Clube, do Grupo de Serestas João Chaves, hoje nacionalmente famoso, também ajudou na criação do Colégio São José, do Rotary Clube Montes Claros, do Elos Clube, da Fundação Norte Mineira de Ensino Superior, da Faculdade de Medicina, da Academia de Letras, do Cassimiro de Abreu e do Ateneu. Professor de muitas escolas, professor de todas as escolas, membro da Comissão Mineira de Folclore, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, da Sociedade Brasileira de Folclore, da Sociedade Sul Americana de Genealogia.

Foi Hermes de Paula quem fez a igrejinha do Rosário, a nau catarineta da Praça Portugal. Foi Hermes quem inspirou a construção da igreja do Morro do Frade, aquela que Pedro Santos mandou fazer virada para a fábrica de cimento. E não seria por causa de Hermes de Paula que ainda existem catopês, marujos, caboclinhos, canjica, paçoca, festa de São Pedro, fogueira, quentão, licor de pequi, folclore, um tudo de tradição de nossa Montes Claros? Será que sem ele nossa memória poluída e industrial já não teria enterrado todos os velhos costumes?

Um ótimo documento do seu trabalho e da sua vida, um perfeito e representativo retrato é o livro “Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes”, que é mais do que tudo Hermes de Pau la, Montes Claros e bom povo que a construiu. Lançado em 1957, quando o centenário da cidade, que ele “inventou”, o livro de Hermes de Paula tem sido uma espécie de bíblia muito sagrada para quantos estudam nossa história e nossas estórias e desejam saber os segredos do nosso progresso.

Ler o livro de Hermes de Paula, além de aumentar grandemente nossos conhecimentos, é, sem dúvida, uma tirada de doces férias numa sentimental viagem pelo passado. Uma doçura para o coração!


LOJA MAÇÔNICA DEUS E LIBERDADE

Vivo-vivo só se encontra entre nós o bom Amigo e Mestre Professor Athos Braga. Todos os seus companheiros de fundação da DEUS E LIBERDADE já gozaram do direto de uma nova iniciação no Oriente Eterno, deixando para os que vieram depois apenas a lembrança do bom exemplo, da coragem e da fé no trabalho e no estudo. Um a um, como tinha de acontecer, foi deixando a vida e entrando para a história, cada qual marcando a sua participação na Loja, assinalando uma hora importante do progresso da Oficina. José Esteves Rodrigues, Sebastião Sobreira de Carvalho, Álvaro Marcílio, todos, cada um a seu modo e com a força e o prestígio que tinham. Foram acrescentando o “algo mais” que tanto valor tem somado à nossa Instituição aqui em Montes Claros nestes cinquenta anos de tantas lutas e louvores da Maçonaria.

Que poderia eu dizer de setembro de mil novecentos e trinta e dois, quando só dois anos depois eu iria nascer na quase escondida cidadezinha de São João do Paraíso? Quem dos leitores poderá dizer também com conhecimento de causa, uma história presenciada, com testemunho ocular dos que acontecia naqueles tempos bons e difíceis? Não acredito que seja possível falar muito de Maçonaria sem ser maçom, uma vez que a Ordem nem sempre divulga os seus feitos ou anuncia a sua realização, ficando, na maioria das vezes, a mão esquerda sem saber o que realiza a direita, como bem manda o figurino evangélico desde os tempos apostólicos. Avessa à publicidade, a Maçonaria é pouco vista do lado de fora, só aparecendo o trabalho que, de forma alguma, pode ficar escondido. Assim, muita coisa dos cinquenta anos da DEUS E LIBERDADE permanece apenas na memória dos seus protagonistas, dos que tomaram parte direita nos próprios acontecimentos.

Houve tempo, é certo, que nada poderia ser feito sem passar antes pela Loja e pelo Rotary, duas reuniões semanais que reuniam a maior parcela de liderança de Montes Claros. Do Rotary eu sei que cada reunião me dava quase totalidade da matéria de um jornal, nos meus tempos de repórter convidado por João Souto e Luiz de Paula, no salão dos jantares do velho Hotel São Luiz. Como entrecruzavam associados das duas organizações, entre muitos o Nozinho Figueiredo, o Henrique Baendel, o João e o Luiz de Paula, posso concluir que a tradição de Gentil Gonzaga e Sebastião Sobreira, maçons e rotarianos, haveria de ser continuada num e noutro lugar, com duplo apoio para acrescer a força de reivindicação. Na verdade, quase nada teria realização sem que uma palavra de ordem fosse comandada pelo movimentar dos malhetes.

A nossa tradição local de maçons continua ainda apoiada na memória de Athos Braga, de José Gomes, de João de Paula, de João Murça Júnior, os mais antigos, de iniciações mais remotas, todos na década de quarenta. Toninho Rebello, Júlio Pereira, Hélio Athayde, Geraldo Novais, Walter Suzart, João e Terezo Xavier e mais um punhado de outros vieram depois de cinquenta, e contam assuntos mais recentes bem depois da longa administração de Chico Tófani e de Sobreira. Poucos ainda estão aí, vindos antes de mim, eu que venho acompanhando os fatos a partir de agosto de sessenta e três. Como eu olhava com respeito aquele pessoal de avental vermelho, do grau dezoito, que se assentavam mais perto do Venerável. Os do grau trinta e três só vieram tempos mais tarde, quando José Gomes foi ao Rio de Janeiro a chamado urgente e foi depois um sucesso! O próprio tempo de ir igualando os mais velhos e, pelos idos de setenta e oito também eu cheguei ao fim da escada, ao lado de grandes amigos, entre eles o Georgino Jorge, que chegou depois.

Muito teremos de escrever sobre a história da DEUS E LIBERDADE. Espero que o futuro não me negue o tempo!

 

NOMES DE RUAS

Ora, pois, nomes de ruas! O Haroldo Lívio, agora, trabalha como memorialista e escreve sobre nomes de ruas de Montes Claros. E, ainda por cima ressuscita áureos tempos políticos de Cândido Canela! Logo sobre assunto dos mais controvertidos da nossa equipe legislativa municipal, sem nenhuma dúvida, o mais elevado acervo de serviços da edilidade no campo da cultura histórica...

Haroldo começou como quem não queria nada e, de modo muito direitinho, buscou fatos comprovados, pesquisou e redescobriu áureas iluminuras da lei e da autonomia popular, nos mais recônditos escaninhos de sua privilegiada memória. Foi até bom, porque nome de rua, que deveria ser sempre assunto sério, pois objeto da lei e da sanção, foi tratado de forma descontraída e açucarada. Uma espécie de doce néctar servido por ele e por Cândido a leitores amantes das amenidades.

É claro que o assunto, na realidade, nunca foi levado muito ao sabor dos grandes respeitos. Um ou outro projeto de lei, para dizer a verdade, muito poucos, tiveram o sagrado cunho da legítima homenagem ao valor histórico do homenageado. Dou meu testemunho, porque eu também, nos meus tempos de Câmara Municipal, cometi alguns projetos, cujas placas esmaltadas hoje são testemunhas em paredes várias; muitos dos nomes provam que o açodamento na atribuição legal nem sempre fizeram justiça ou tinham razão de ser, não passando às vezes de ressarcimento de dívidas eleitorais.

Das estórias mais engraçadas, nem todas foram praticadas no recinto da Edilidade, na ordem do dia anunciada solenemente pelo presidente dos vereadores. Algumas aconteceram nas sociedades de amigos dos bairros, outras em bate-papos de esquinas, algumas até em balcões de botecos depois de boas talagadas de pinga. Muitas placas de ruas formam imaginadas em sagrados recintos das melhores famílias, amadurecimento de frutos de tradição e da cultura, gestos de humana fraqueza da vaidade de uns tantos, principalmente dos portadores de nobres sobrenomes. Os casos mais graves, os da volúpia política ou da ânsia de homenagear parentes, estes todos sabem, não é preciso falar. De lado e de quebra, ficam ainda os de interesse comerciais de donos de loteamentos, mas a gente não tem nada com isso...

Quem tiver boa dose de curiosidade olhe os catálogos na parte dos endereços! Há casos incríveis, interessantes, gostosos, que só nós, os sonhadores, podemos entender, para quem conheça realmente a cidade, é ainda melhor e mais gozado. Que miscelânea! Gentes, pedras, flores, elementos químicos, cidades, santos, religiões, um mundo genial. Gente viva, muito viva, gente que era vida e já morreu, gente que nunca conheceu Montes Claros ou dela ouviu falar! O mais interessante é que muitos nomes foram modificados pelos fazedores de placas, por puro erro ou a propósito de correção. Há nomes nas leis que não estão nas ruas e nomes nas ruas que não estão nas leis. Há ainda as adaptações populares, umas por amor verdadeiro, outras por simples analogia. Haroldo citou exemplos.

Cito, hoje, apenas o caso da Rua Monte Prano (com “r”), no Bairro Santa Rita, pelo lado de lá dos trilhos da central. O projeto foi apresentado a pedido de um líder, o Rosendo, juntamente com várias outras denominações, entre elas a da Príncipe Regente, Presidente Castelo Branco, Monte Castelo. Todos estes nomes ficaram de acordo com a encomenda, mas o da Monte Prano falhou e, por isso, o dr. Raimundo Deusdará, até hoje quando me encontra, dá uma gozeira: diz ele que o dono da fábrica de placas achou que o vereador era analfabeto e consertou o projeto, pondo tudo em letras bem claras – MONTE PLANO. Acontece que a palavra é italiana e é escrita mesmo com o “r” ...

Paciência!


O BAR GUARANI DE VADINHO

Elton Jackson ao me fazer um pedido para escrever sobre a Rua Doutor Santos, deixou-me na liberdade de voltar ao assunto quantas vezes forem necessárias, pelo menos até a hora em que eu chegar na esquina do Hotel São José, onde morei muito tempo. Na primeira crônica, como não podia de ser, procurei avivar todas as lembranças que marcaram a história recente do quarteirão do Hotel São Luiz, quando ficava de um lado o Bar de Manoel Cândido e, do outro lado, o Banco de Crédito Real, tudo muito próximo da área dos aflitos. Fui subindo, esquina por esquina e, agora, já estamos entre as ruas D. Pedro II e Dom João Pimenta, pedaço de mundo que me marcou profundamente, pois, ali passei alguns dos melhores momentos de minha vida de estudante e comerciário, de jovem repórter e de soldado do Tiro de Guerra, além das muitas atividades como radialista amador e como líder estudantil no Diretório dos Estudantes. Foi neste quarteirão que, de 1951 a 1954, morei nas pensões de D. Ismênia Porto e D. Duca Guimarães, levantando-me sempre pelas madrugadas para aprender as matérias das provas do Colégio Diocesano e do Instituto Norte Mineiro.

Era quase na esquina da Rua D. João Pimenta que ficava o Bar Guarani, um boteco alegre e bem frequentado desde os dias de sua fundação, pelos idos de 1950. pequeno, de poucos metros quadrados, quase que de centímetros, tão curtas eram as dimensões pelo lado de dentro e pelo lado de fora. Quando passava de uns cinco fregueses, necessário era que alguns já ficassem de pé, no passeio, encostados ou não na parede velha e pintada de verde. Havia umas duas mesas pequenas e algumas cadeiras para o pessoal que gostava de jogar damas, tomando cerveja ou bebendo pinga.

Foi por volta de cinquenta a cinquenta e um que o Vadinho, Vadiolano Moreira, chegou a Montes Claros, um dos poucos rapazes de Taiobeiras que não veio para cá para estudar, mas, para ganhar dinheiro. Renato, Murilo, Nenzinho, Dedé, Valtinho, Alfredão, Tone, Quincas, eu, todos nós viemos para enfrentar a realidade e os sonhos dos livros. Vadinho não. Vadinho veio para trabalhar muito, trabalhar dia e noite, trabalhar o quanto fosse necessário para ficar rico, se possível muito rico. Foi assim que o Vadinho botou o olho no Bar Guarani, simpático, gostoso, e não teve dúvida, ali estava a primeira mina de sua vida montes-clarense.

Nunca conheci melhor comerciante que o Vadinho. Costumo dizer que, se ele instalar um boteco, um barzinho ou mesmo um restaurante em cima de um pé-de-mandacaru, ainda assim teria constantes e eternos fregueses e amigos para todas as horas. É que ele vive cada momento, participa interessadamente de todos os assuntos, respeita reverente a alegria ou a tristeza de todos que dele se aproximam. Quando o Vadinho comprou o Bar Guarani, fez as primeiras mudanças, ampliou-o com mais um espaço lateral, foi como se uma luz nova iluminasse a paisagem e iniciasse um novo sistema vivencial para velhos e novos, pobres e ricos, principalmente para os que gostavam de futebol e de cervejas e batidas de limão. Por lá passavam obrigatoriamente os hóspedes e moradores de todos os hotéis e de todas as pensões do centro da cidade. Nenhum estudante que se prezasse poderia deixar de ir lá pelo menos aos sábados e domingos, antes ou depois do cinema. Uma coisa era muito importante: na hora do futebol no rádio, nos momentos dos gols, o Bar Guarani era o epicentro do mundo, o lugar mais barulhento da terra.

Mas, como sempre existe o lado contrário de tudo, o Bar Guarani também teria de ter um fim. O seu último dia de real movimentação foi o dia em que Vadinho o vendeu. Vendeu-o por um preço de fazer inveja, por ser o lugar de melhor frequência de Montes Claros. A essa altura dos acontecimentos, Vadinho já era um fazendeiro rico!


QUARENTA ANOS DO ROTARY-NORTE

Dos quarenta anos de vida do Rotary Clube Montes Claros, em trinta pelo menos tenho acompanhado a sua trajetória de trabalho e de lutas em favor da cidade e da região. Tenho seguido de perto as gerações de homens e de mulheres da Casa da Amizade que, juntos num esforço comum jamais negaram colaboração ao progresso. Lembro-me muito bem da primeira vez que fui a uma reunião rotária, no velho Hotel S. Luiz, ali onde fica a Minas Caixa, atendendo a um convite de João Souto, que enaltecia naquele tempo o meu trabalho de repórter deste JMC. Foi uma surpresa ver o conteúdo de interesse daquele povo bem vestido e bem representativo de poder de mando em todas as classes sociais.

O Rotary Clube Montes Claros foi sempre uma organização de invejável sobriedade, comedido como deve ser um grupo de pessoas conscientes do seu próprio valor. Sempre houve nele um conteúdo de nobreza, difícil de encontrar em outro clube ou em qualquer outra entidade social ou de prestação de serviços. Muito me tem sido útil acompanhar o Rotary desde 1954, como jornalista ou como membro do seu quatro social, porque Rotary foi sempre uma grande escola, em todos os pontos de vista, que o leitor possa imaginar. É um bom e agradável convívio de todas as semanas, sempre com assuntos novos, uma perspectiva de amor à humanidade, uma busca de ângulos que projetam a paz e a concórdia entre as pessoas e as nações.

Quando cheguei ao Rotary Clube Montes Claros, e isso era notável para mim, porque dava notícias e comentários para quase toda a edição do JMC – constituiu a melhor fonte de informações fornecidas por quem tinha autoridade de falar em nome da cidade. Como repórter era só anotar e organizar tudo, considerando que naquele tempo não havia a malícia e os desvios conceituais tão próprios dos políticos de hoje. Havia muito mais sinceridade, muito mais amor à causa pública, sem segundos interesses e tanta vontade de ludibriar a opinião dos menos avisados. Era uma universidade de civismo.

Agora que o Rotary Clube Montes Claros completa quase meio século de interesse por Montes Claros, com feitos notáveis em todos os campos, será que não poderia este JMC fazer um levantamento do noticiário, relembrando o valor dos homens que ajudaram a fazer a história de Montes Claros nestas quatro décadas? Creio que seria muito bom e de bastante interesse, além de servir de exemplo, às novas gerações. Muita gente quer hoje ser dono das coisas e a falta de divulgação da verdade sempre causa transtornos e erros. Valerá a pena, não tenho dúvidas. Mais do que uma homenagem a pioneiros será uma boa informação, de que é mestre e sempre foi este JMC.


“O MULO”, DE DARCY RIBEIRO

O lançamento do segundo romance de Darcy Ribeiro- “O MULO”- na Academia Montes-clarense de Letras, numa descon traída noite de quinta-feira de dezembro, foi um reencontro de alegria e de contrastes, com um amado e temido filho da terra a derramar nos ouvidos o mel e o fel de santas heresias e virtudes. Ora terno, doente de romantismo, saudoso filho de dona Fininha Silveira, ora demolidor, prenhe de força belicosa, irmão de Mário Ribeiro, ora compulsivamente criativo, primo espiritual de Konstantin Christoff. É que Darcy Ribeiro nasceu pouco adaptado ao modo e ao jeito dos mineiros, nunca afeito ao silêncio, ao retraimento, mas, ao contrário, incômodo para inteligências e sentimentos preguiçosos, bisturi ou látego e sempre a si mesmo proclamado.

Ao contrário de Ciro dos Anjos, outro montes-clarense famoso no mundo das Letras, este sereno, machadiano, universalista, acomodado como um velho funcionário público, a curtir um silêncio invisível, Darcy Ribeiro é e afigura-se agitado, fogoso, tropicalmente brasileiro, aquecido de alma e corpo, de lufa e de luta, instintivo, felino como um condor. De inteligência selvagem, incontida, Darcy raciocina como uma ventania de amor a tudo que é cultura. Curtido primitivamente no sol e no solo do sertão de Montes Claros, fruto teórico de ternura e de instinto, de voluptuosa ambição de mundo. Darcy é um caldeirão efervescente de ideias como a querer viver em uma só vida todas as vidas. Mortal, tem pretensões de imortalidade e imortal se fez pelos feitos multifeitos.

Bem brasileiro, latinamente apaixonado, traz na alma o Mulo Darcy retalhos de peles de todas as cores: a cor do índio, a cor do negro, lembranças atávicas do misticismo dos celtas, aguerrida força de velhos godos, gosto de mando da alma ibérica, uma noção tão grande de espaço e de glória que só navegadores fenícios poderiam ter impregnado o sangue de marinheiros do velho Portugal. Tem mais: Darcy é lúbrico como um cristão novo, fogoso como um nômade cavaleiro árabe. Na verdade, é um homem com a alma da raça, e não só da portuguesa, da índia e da africana, misturadas no cadinho brasileiro. E da raça humana, pois portador de muitas virtudes e de muitos defeitos, um caldo bem temperado de sêmens jorrados do chuveiro eterno, não sei porque nascido em Montes Claros.

O MULO é esta cidade sedenta de força humanamente parceira de Deus na distribuição da vida e da morte; divinamente sequiosa na busca de amor, criadoramente envolvente na caça do mando e do poder. Sensual, oportunista, material, religiosamente mística, faminta da novidade, sonhadora de futuro. O MULO é um pedaço de cada criatura que viva ébria da própria terra natal, homem ou mulher. O MULO tem muito de João Valle Maurício na palavra e na sutileza, muito de Konstantin no arregalo da anatomia, no desenhar das forças; muito de Crispim da Rocha no faro do homem do mato, forte e inteligente; muito de Filomeno na sede do ter e do governar; muito de Plínio Ribeiro, no misticismo, no gosto do idear, no ser e não ser da vida. O MULO é Darcy e é Mário Ribeiro, inconsequentes
e perseverantes, sempre determinados.

O MULO, centro de uma bem romanceada trama de Realismo e Naturalismo, barroco talvez pelos contrastes, hereditariamente marcado pelo destino, fruto do amor e do desamor, sem peias, sem origem e sem destino produto da terra e da carne, somos-isso é verdade-todos nós, pequenas grandiosas criaturas no sofrer e no gozar.
E que Deus nos perdoe. Amém!


MONTES CLAROS, SUA HISTÓRIA, SUA GENTE E SEUS COSTUMES

Permita-me continuar alguns comentários sobre o Livro “Montes Claros, Sua História, Sua Gente e Seus Costumes”, do nosso companheiro Hermes de Paula, o maior amado-amante da cidade, um dos melhores, montes-clarenses de todos os tempos. Foi, aliás, outro bom montes-clarense, hoje ausente morando no Rio, o Newton Prates que, prefaciando a obra na primeira edição afirmara ser o relato histórico de Hermes de Paula um trabalho valioso, um modelo de honestidade. “Do alvorecer aos dias atuais, o livro é um quadro colorido, cheio de vida, um testemunho palpitante da força criadora de gerações”. Para ele, “o livro não é apenas de interesse regional, é uma contribuição para o estudo do folclore, dos usos e costumes, da marcha da civilização no interior do Brasil”, pois, “Montes Claros é o milagre do sertão”. “Quem nela viveu nunca a esquecerá. Se está distante, a lembrança da cidade querida permanecerá sempre ao seu lado carinhosa, fiel”.

Como Newton, também o seu parente Juca Prates, famoso pelo amor a Montes Claros, é personagem de Hermes de Paula. Também estão no livro Gonçalves Chaves, Honorato e João Alves, Celestino Soares da Cruz, o Cel. Antônio dos Anjos, José Correia Machado, Honor Sarmento, os dois xarás Simeão Ribeiro dos Santos e Simeão Ribeiro da Silva, além do atual Simeão Ribeiro Pires, todos ou quase todos, hoje, nomes de ruas da cidade. Homens e mulheres foram um contínuo desfile de trabalho e de saudade e Hermes os traz para o nosso convívio em ameno bate-papo, lembrando velhos tempos quando a televisão ainda não ocupava o lugar principal em nossas horas antes de dormir.

Com Hermes de Paula, vemos chegar a Montes Claros o primeiro “bicho caminhão”, em 1920; ouvimos os tiros de pré-revolução de 6 de fevereiro de 1930; vemos acender as luzes dos lampiões de querosene, de 1912, e da usina hidrelétrica do Cel. Francisco Ribeiro, em 1917. Aparamos águas nas bicas do século passado e nas torneiras do século presente, no sonho finalmente concretizado depois de 82 anos. Com ele, assentamos os primeiros paralelepípedos, na rua 15, e os primeiros “blockrets” na Rua Rui Barbosa e na Praça Dr. Chaves; em 1950, com o Doutor Alpheu de Quadros; em 1955, com João F. Pimenta; e em 1957, com Geraldo Athayde. Com Hermes de Paula, pavimentamos até o pavimento a que ele não quis se referir, as muitas ruas calçadas pelo Capitão Enéas Mineiro de Souza, seu adversário político na campanha para prefeito de 1950.

Com Hermes, ficamos sabendo de velhos nomes de logradouros públicos: Rua do Pedregulho, atual Gonçalves Figueira, ex Joaquim Nabuco; Rua da Assembleia, atual Afonso Pena; do Bate-Couro, a Governador Valadares; do Pequizeiro, a Cel. Antônio dos Anjos; Largo da Caridade, a nossa Praça Dr. Carlos; do Urubu, a ainda velha Floriano Peixoto. É ele quem afirma ser o esdrúxulo nome do Roxo Verde proveniente de personagem de Alexandre Dumas da literatura francesa, etimologicamente Rochefort. É Hermes que põe o nosso saudoso Pedro Mendonça fundando a Malhada de Santos Reis, dividindo as terras em lotes para evitar a solidão. É Hermes que faz funcionar uma liga contra o alcoolismo e a faz acabar com as licenças dos associados de goelas secas. É ele quem põe o povo entregando um relógio de ouro ao Dr. João Alves, depois da terrível epidemia de gripe espanhola em 1918.

É por isso que ninguém sabe onde é maior o amor, se em Hermes de Paula, se em Montes Claros, uma vez que o autor se mistura com as personagens, numa paixão de nunca acabar.


QUEM NÃO GOSTA DE MONTES CLAROS?

Montes Claros, uma cidade bonita, agradável, gostosa, muito perto do nosso coração. Uma cidade para a gente viver e amar, viver todos os dias e anos da vida, nos embalos da mocidade, na idade madura e na velhice. Montes Claros, sim, uma cidade gostosa, de muito charme, um lugar que marca sincera saudade. Se Montes Claros fosse gente, seria, por certo, uma mui querida namorada.

É preciso aprender a amar Montes Claros, caminhá-la vagarosamente nas manhãs de domingo, num dia de sol bem claro, quando as cores ganham brilho da própria felicidade de ser. É preciso ver Montes Claros, senti-la, percebê-la numa noite de verão, amena, fresquinha, o sentimento das ruas mesclando com o doce calor humano dos barzinhos cheios de viva alegria, da conversação amiga que ninguém mais sabe fazer acontecer do que nós mineiros. Ali estão os jovens vestidos de jeans de todas as cores, cabelos ao vento, suas máquinas em silêncio passageiro, proseando e sonhando sonhos de amor.

Quem não gosta de Montes Claros, de onde mais vai gostar? – canta Nivaldo Maciel, canta Adélia Miranda, canta João Leopoldo, cantou Clarice, que hoje, bem longe, deve morrer de saudades. Montes Claros de Hermes de Paula, de Dulce Sarmento; Montes Claros de todos que a veem pelo menos uma vez na existência. Querida, admirada, jamais esquecida, ontem e hoje muito rigor e muita ternura, sempre uma cidade de muito amor, uma cidade toda coração.

Existe no mundo um lugar mais bonito do que a praça Dr. Chaves, numa tarde depois de chuva? Pergunte isso a Célia Machado Colares, pergunte a Benjamin Rego, pergunte ao meu amigo Antônio Augusto Ataíde, que lá fica sentado como se estivesse no meio do céu! Passe devagarzinho pela praça Honorato Alves, entre Cândido Canela e a Santa Casa, em frente à casa de Edgar Santos, sinta que gostosura! Tudo um encanto: a brisa, o perfume, a sombra, a algaravia dos passarinhos de Reivaldo! Entre na Praça de Esportes, entre sem pressa, veja o bonito da natureza e da juventude!

Há muitos lugares belos, isso é que há: o bairro Jardim São Luiz e o bairro Todos os Santos estão cobertos de verdes dos flamboyant, das espatódeas, das bougainvilles, das acácias de intenso amarelo quase ouro. Há lugares bonitos como a praça da Estação, a Cel. Ribeiro, a Dr. Carlos, o Parque Municipal, a casa de Konstantin, o sobradão do Jair Oliveira, o beco estreitinho de João Maurício. Há o coreto, há a velha casa de Mário Veloso, aquele mundão de árvore de Yara e Benjamim Moura, a capelinha dos Morrinhos, a Catedral, lá longe as Quebradas de Pedro Veloso e Arinha, e, bem alta, a fazendinha de Ivan e Mercês.

Cidade de progresso, de poesia, de serestas, de trabalho bem proveitoso, tem na hospitalidade a maior virtude. Montes Claros repito, não é apenas uma cidade, é uma declaração de amor!


SAUDADES DO MERCADÃO

Para ter saudades do velho mercadão da Praça Dr. Carlos é preciso ter algo mais de trinta anos, uma certa idade de jogador de futebol que já anda querendo deixar ou ser deixado pelo clube. Gente de menos de vinte anos de Montes Claros ou não conheceu ou não se lembra do velho casarão, que marcou tanto a nossa vida de jovens, pois lugar obrigatório de passagem diária ou de trabalho e ganha-pão. Velho, sujo, defeituoso, profundamente marcado pelos anos era, entretanto, uma construção feita com ar de suntuosidade, grandalhona, cheia de grandes portas e largas janelas, escura e clara ao mesmo tempo, dependendo do ângulo de observação. Muito largo e espaçoso, tomava conta de toda a pracinha entre as ruas Rui Barbosa e Cel. Antônio dos Anjos, entre a São Francisco e a Dr. Carlos, onde hoje fica o “pimentão”.

Celeiro de vida movimentada, o Mercado começava o barulho a partir das cinco da manhã, quando cavalos, burros, bestas e jegues de carga, resfolegando, eram amarrados nas árvores, nas argolas e nos moirões a eles destinados pela Prefeitura. As bruacas, os embornais, os jacás eram carregados calmamente para as laterais do lado de fora e do lado de dentro, cada um julgando-se dono do lugar, pela tradição ou simplesmente porque havia chegado primeiro. Fila não existia, quando muito uma carreira no chão, formando montinhos de maxixes, de panãs, de pequis, saquinhos de andu, de feijão de rama, de arroz com casca, de remédios, ou montões de raízes de mandioca, de batatas, de melancias, de abóboras de porco ou morangas. Era um colorido de fazer gosto, onde eram incluídas as laranjas, o bacupari, as tangerinas, limões verde-amarelinhos, a pimenta-de-cheiro. Havia também barracas de lona, com toscas mesas, onde eram vendidas as talhadas de requeijão e doce-de-cidra, pedaços de queijo e rapadura. Normalmente, havia também um pote com copos feitos de latas e folhas de flandres para vender moreninha com bicarbonato, coloridas e transparentes de dar gosto! Para não esquentar, as garrafas e os litros ficavam sempre na sombra, assim como os copos de vidro, mergulhados numa bacia de alumínio cheia d’água. Quando o freguês queria beber, o vendedor tirava o copo, sacudia-o para jogar fora as gotas de sobra e punha o bicarbonato com uma colherinha de chá. Para despejar o refresco, subia bem a vasilha, fazendo uma linda espuma.

Do lado de dentro, principalmente nas portas da Cel. Antônio do Anjos e da Rui Barbosa, os vendedores de carne, com varais e mesas engorduradas, cheias de panos de toucinho, de tripas, de sebo e de fressuras. A carne de sol e mesmo a carne fresca eram penduradas nos ganchos como o mais natural dos mostruários. No chão, os ossos grandalhões, as cabeças, os entrecostos, os mocotós, as rabadas, os miúdos vermelho-escuros. Bonito mesmo eram os pedaços de bucho branquinhos, bem limpos, convidativos, ao lado da carne de porco e das passarinhas. De vez em quando, uma oferta de caça, uma cotia, um quarto de veado, um tatu, uma zabelê ou uma codorna. Peixe quase sempre ficava separado para não misturar os cheiros, sendo os mais bonitos os dourados e as pencas de lambaris, normalmente já secos e salgados.

O mais interessante, porém, era a paisagem humana, gente de toda espécie, num vaivém de se admirar, quase sempre numa interminável pechincha. Havia também muitos botecos, onde a cachaça corria solta, pura ou misturada com remédios ou folhas para dar cor mais agradável. Lembro-me, com saudade, das vendas de Jonas Almeida e de Tiano, parece as mais movimentadas, onde os fregueses eram atendidos com mais amizade e podiam deixar os tarecos enquanto faziam a ronda para encontrar vizinhos, amigos e conhecidos ou, simplesmente, para dar uma olhada nos acontecimentos. Tudo muito familiar como uma grande casa de parentes, onde o barulho e a algazarra conviviam com a pressa de donas de casa que compravam as verduras pouco antes do almoço. Será que vale a pena buscar a marca da saudade?


RUAS DO TODOS OS SANTOS

É claro que no Bairro Todos os Santos, como o título indica, só deve haver ruas com nomes santificados, longe da humana intimidade, nunca sem uma necessária reverência. Quem isso inventou foi um homem inteligente, culto e estudioso que, por força de linha familiar, já tem garantida em placas da rua mais central uma definitiva lembrança. Quem criou o Todos os Santos foi Simeão Ribeiro Pires, autor do projeto sonhador que caprichou, noites, tardes e manhãs, no melhor da hagiografia, parte pelo prestígio dos santos, parte por uma definida preferência pessoal. Simeão, como Lúcio Costa, autor de Brasília, deve ter dividido o futuro bairro com uma cruz, criando inicialmente um ponto de apoio, uma espécie de eixos definidores: Rua Santa Maria e Rua S. José. bem ao lado do Orfanato, o centro nevrálgico, onde ele mesmo fez pulsar a primeira força de construção.

As ruas que ficam na posição de acompanhamento do rio Vieira, assim solidárias com o próprio rumo da cidade, só teriam lugar para os santos machões, fortes componentes da hierarquia celeste. As outras, em perpendicular, isto é, as que vão da cidade para os rumos das atuais Faculdades de Medicina e Direito estas seriam todas eternamente femininas, com suaves intitulações de angélicas figuras de mulheres: só santas teriam lugar. Assim, a partir da futura avenida Sanitária, hoje Esteves Rodrigues, as ruas São Roberto, São Sebastião (fui o primeiro a nela morar), São Carlos, São José, São Pedro, São Paulo, São João e Santo Antônio, São Mateus, São Marcos, de certo modo preferidos, ficaram mais para o fim, perto de São Geraldo. São Lucas não ganhou nada. Do lado esquerdo da Santa Maria, Santa Lúcia, Santa Bernadete, Santa Terezinha. Do lado direito, a Santa Luzia e uma que ficou esquecida (acho que o terreno não era da família) e mais a Santa Cruz (esta não mulher, mas feminina) onde orgulhosamente (no bom sentido) vivem há muito tempo D. Maria do Carmo e Haroldo Lívio.

Quando Paulo Rodrigues Avelar ia construir sua casa, depois da Santa Luzia, desbravando novo território, na hora de registrar os papéis na Prefeitura, foi um deus nos acuda, uma vez que, de oficial, só tinha o registro da antiga fazenda Bois. Chamar um amigo vereador e pedir um projeto lei seria motivos de grandes demoras e ainda sujeito à sanção do Prefeito, o qual, numa primeira vez, poderia negar a assinatura. Sem nome não poderia começar os alicerces e muito menos as paredes. Era urgentemente necessária uma providência de grande autoridade. E o que fazer? Chamar o Simeão Ribeiro Pires para outra vez se debruçar no Calendário dos Ritos? Nada disso, a solução seria outra.

Homem prático, decidido, conhecedor profundo da natureza tanto humana como divina, Paulo tomou uma alta decisão, imedia tamente deliberou. Encomendou, no mais bonito que pôde, bem esmaltada e com letras de um intenso azul, a mais nova placa do bairro Todos os Santos. O nome seguia na carta de pedido para a fábrica e, com toda clareza feito a nanquim, no projeto de construção agora entregue à Prefeitura. Era uma denominação sonora, trissílaba, paroxítona, devidamente antecipada pelo título de santa, como exigia o figurino. Uma justa homenagem a quem de muito merecimento, detentora de sua mais elevada admiração: a mãe de seus filhos, sua esposa e companheira de lutas: D. Coqui.
E por isso que a rua é chamada de Rua Santa Clotilde.


AGOSTO DE 1953

Quando Celso Brant dedicou toda a revista “Acaiaca” de agosto de 53 a Montes Claros, comandavam esta cidade o Capitão Enéas Mineiro de Souza e o Coronel João Lopes Martins, duas patentes ainda bem vivas na lembrança de leitores mais velhos, cada uma delas com personalidade bem forte, à moda da época, revolucionários e conservadores, marcantes de paixão, um tanto próximos do caudilhismo com feição regional. A Câmara Municipal, dirigida pelo fleugmático João F. Pimenta, tinha a respeitabilidade da década, uma saudosa coerência de bom comportamento, fato que dos quinze cidadãos com acento na casa, oito ainda estão aí para servirem de testemunhas. Mas já não temos o juiz Ariosto Guarinello, o bispo Luiz Victor Sartori, o delegado José Coelho de Araújo, nem os colaboradores da revista padre Agostinho Beckhauser, Nelson Vianna, Alfred Hannemann, José Monteiro Fonseca, Neném Barbosa, Pedro Sant’Ana, Irmã Rudolfa e os poetas Geraldo Freire e Dulce Sarmento.
Deste time, já ninguém mais para contar a história. Todos na longa viagem da eternidade...

Com trinta e três anos passados, é bom que ainda reste a lembrança de amigos como o professor Belisário Gonçalves, figura e estilo tão próximos de Castro Alves, e o repórter José Prates, o primeiro jornalista de rua e de redação deste O JORNAL DE MONTES CLAROS. Felizmente, bem vivos ainda, temos Felicidade Tupinambá, João Vale Maurício, Konstantin Christoff, Flora Pires Ramos, Luiz de Paula, Cândido Canela, Irmã de Lourdes, Yvonne Silveira, Orestes Barbosa e Lourdes Martins. Também, embora distantes, mas em lugares certos e sabidos, Áflio Mendes de Aguiar, Afonso Pimenta e Feliciano Oliveira. Todos juntos, formaram um belo corpo editorial, de prosa e poesia e desenho, agradáveis, bem feitos, até com um lindo toque de romantismo pelo muito amor a terra montes-clarense.

Confesso que o mais gostoso na velha revista “Acaiaca” é o conjunto de anúncios, alguns até de página inteira, muitos com ilustrações interessantíssimas. Os leitores mais vividos que me digam se estou ou não falando a verdade, se é ou não salutar o direito de ter saudades. Quem não lembra, por exemplo, do Big-Bar, do Salão Rex, do Assombro da Pirotécnica, de Marcianinho Fogueteiro, da Turmalina, do Instituto de Beleza Gilda, da Casa Paulino, da Alfaiataria Ribeiro, do Macarrão Iracema, do Bar de Tito Versiani? Quem não tem ainda gravados na memória nomes tão conhecidos como Hotel São Luiz, Casa Para Todos, Construtora, Ayres Alfaiate, Joalheria Cyma, Transportadora Armênio Veloso, Farmácia Americana, Maternidade Santa Helena? São gratificantes pedaços de lembranças, coloridos no tempo e nos sonhos...

Tudo na revista é interessante, mas o sensacional mesmo são as fotografias feitas pela mão de mestre de José Figueiredo Pinto, também inesquecível. Na página infantil, retratos dos garotos Jorge Enéas e Catarina. Nas páginas de esportes, flagrantes de momentos históricos das atletas do Montes Claros Tênis Clube, Moema, Zembla, Glória, Eunice, Ilza, Marlene, Shirley, Wilma, Norma Maria, Stela, Zenaide, Clarissa, Consolação. No bloco da educação, fotos de alunas e professoras, do Colégio Imaculada. Como fechamento de ilustração, bonitos exemplares das raças gir e indubrasil das fazendas de Dominguinho Braga, Augusto Otávio Barbosa, Antônio e Geraldo Ataíde.

Naquele tempo, o Banco do Estado de Minas Gerais ainda era chamado de Banco Mineiro de Produção.


ALGUNS CONSTRUTORES DE MONTES CLAROS

Uma cidade é construída por muitas pessoas, com muitas ideias, muito planejamento e um trabalho praticamente infinito. Da primeira casa, primeira igreja, primeiro largo ou arruamento até a limpeza pública dos bairros mais distantes muita energia administrativa e política teve que ser utilizada. Em múltiplos setores, pessoas e grupos exercitaram o dia-a-dia e o processo histórico, uns mais do que outros, dependendo – é claro – do amor à cidade e da visão de progresso. Poderes executivo, legislativo, judiciário, cada qual no seu papel.

Quais os momentos e quais os destaques mais marcantes na vida de Montes Claros? Quando, quem, o quê, quanto, como e por quê? Importantíssima a decisão de construir a catedral bem depois do Largo de Cima, que é hoje a Praça Doutor Carlos, não só pela ousadia do empreendimento – igreja para três mil fiéis - exatamente o mesmo número de habitantes da pequena cidade, isso lá pelos dias de mudança do século XIX para o XX. Pouco mais de duas décadas depois – 1926 - a chegada da Central do Brasil e a fundação do Rotary Clube, primeiro de Montes Claros, terceiro do Brasil. A partir de 1939, a continuação da linha de ferro para ligar Sul e Norte, encontro de trilhos com a Nordeste do Brasil em Monte Azul. Entre os diversos prefeitos, palmas para o bom trabalho do dr. Alpheu Gonçalves de Quadros.

A partir de 1951, o Capitão Enéas Mineiro de Souza, fundador de cidades, administrador notável, a cidade que tinha apenas duas ruas calçadas de paralelepípedos: a Presidente Vargas e a Simeão Ribeiro – teve todo o seu centro vital pavimentado, poeira acabada até a Rua Barão do Branco. Comemoração do Centenário, a cidade ganha alma nova, respondendo ao chamado do historiador Hermes de Paula, prefeitura, industriais, comerciantes, fazendeiros, gente do povo – todo mundo trabalhando a todo vapor. Calçamentos de blockret, abertura da Avenida Geraldo Athayde, trabalho para inaugurar o Parque João Athayde com o grande formato da exposição agropecuária, que perdura até hoje. A partir de 1966, a maior revolução administrativa, quando assumiu o prefeito Antônio Lafetá Rebelo, candidato único e sem compromissos políticos partidários, o que lhe oportunidade de expandir a cidade em todas as dimensões, com a construção do Parque Municipal, da Rodoviária, da Avenida Plínio Ribeiro, Avenida João XXIII, e mais do que tudo da Avenida Esteves Rodrigues, a espinha dorsal do novo projeto urbano. Com Toninho (dois mandatos), tivemos o incentivo à inteligência e à arte, com o que ele considerava um presente, o até hoje moderno Centro Cultural, na Praça da Matriz.

João F. Pimenta, Simeão Ribeiro Pires, Pedro Santos, Moacir Lopes, Luiz Tadeu Leite, Mário Ribeiro, Athos Avelino Pereira e até os substitutos de curta duração, José Maia Sobrinho, João Melo, Ivany Pereira, Iran Rego, Cristina Pereira, como presidentes da Câmara ou como vice-prefeitos, todos tiveram os seus momentos de considerável trabalho para o desenvolvimento da cidade. Simeão merece louvor pela visão cultural, pela ajuda à fundação do Conservatório Lorenzo Fernandes, pela fixação de normas para a construções de casas e de prédios, a melhor delas o afastamento de três metros do alinhamento das ruas e as distâncias entre uma construção e outro. Luiz Tadeu Leite com a cobertura de grande parte da Avenida Esteves Rodrigues, de grande efeito urbanístico, a construção do prédio da prefeitura, o ginásio poliesportivo, muito de pavimentação dos bairros. Mário Ribeiro com a construção da maior parte da Avenida Sidney Chaves e a abertura para o que hoje é chamada de administração solidária. Notável a administração de Jairo Athayde, com grandes feitos, entre os mais importantes a Avenida José Correia Machado. Athos Avelino Pereira realizou muito e muito no centro da cidade e deixou em grande parte implantada um bom número de avenidas sanitárias, embora passíveis ainda de acabamento. Uma marca especialíssima é a de Ivany Pereira: foi ele que assinou o convênio para a vinda da Copasa, em substituição à Caemc e à Caene, já defasadas para a situação da sua época. Ele atendeu a uma reivindicação de representantes da Loja Maçônica Deus e Liberdade e dos Rotary Clubes de Montes Claros, de que eu tenho uma lembrança perfeita, porque deles fiz parte.

Mas nem só de prefeitos vive uma cidade. Com o pedido de perdão por algum esquecimento, temos que agradecer muito as lideranças culturais e práticas de Plínio Ribeiro, José Esteves Rodrigues, Dulce Sarmento, Artur Jardim de Castro Gomes, Sebastião Sobreira, João Chaves, Athos Braga, José Gomes de Oliveira, Geraldo, João Alencar e Antônio Augusto Athayde, Osmane e Neném Barbosa, Nozinho Figueiredo, Francolino Santos, Georgino Jorge de Souza, Antônio Loureiro Ramos, João Vale Maurício, Júlio de Melo e Franco, Carlos Gomes da Mota, Valdeir Correia, Olyntho e Yvonne Silveira, Luiz de Paula Ferreira, Maria Luiza Silveira, Fábio Lafetá Rebello, Marina Lorenzo Fernandez, João Bosco Martins de Abreu, Jamil Cury, Alexandre Pires Ramos, Raimundo Nonato de Freitas Júnior, Sérgio Quadros, Gilson Caldeira, entre muitos. Permita-me terminar dando um parecer muito pessoal, porque sempre achei que a melhor apresentação da sociedade Montes clarense é devida ao trabalho da imprensa, entre os redatores Waldir Sena Batista e Décio Gonçalves, e entre colunistas o trabalho magnificamente iniciado por Lazinho Pimenta, Theodomiro Paulino e Magnus Medeiros. E que Deus nos proteja!


LEMBRANÇAS DA RUA QUINZE

Dentro do possível, tenho procurado escrever sobre pessoas e fatos ligados à recente história de Montes Claros, com os acontecimentos e os lugares de alguma forma jungidos à minha própria experiência. Isso, nos últimos quase trinta e seis anos, desde a noite em que cheguei de Taiobeiras na boleia do caminhão de Dudu Cunha e fiquei hospedado na Pensão de Dona Ismênia, ali pertinho de onde fica hoje o posto de Antônio Barreto, na Praça de Esportes. A primeira aventura foi exatamente no dia da chegada, quando, para marcar o terreno, percorri cautelosamente alguns pedaços de ruas, indo e voltando atrás para não correr o perigo de me perder e ficar, depois, envergonhado. Nesse vai-e-vem, o mais longe que fui foi até o Restaurante do Valério, na Simeão Ribeiro, onde paguei vinte e cinco cruzeiros por um jantar, um preço tão caro para aquela época, que me expulsou por muitos anos de qualquer casa de pasto mais grã-fina.

À Rua Quinze não consegui chegar, naturalmente intimidado pela clareza das luzes, pelo pessoal desinibido, bem vestido, gesticulante, demasiadamente alegre, que eu podia reparar de longe. Passear por lá, no primeiro dia de Montes Claros, seria uma façanha fora de pretensão para quem chegava com roupas feitas por alfaiate de província pobre e sapatos com excesso de meias-solas. Não dava, não dava mesmo! Por isso, deixei para o dia seguinte, no horário de trabalho, que aí a cidade é de todo mundo e a beleza das pessoas causa menos impacto, sem os perfumes, sem a performance dos momentos de ócio, sem o burburinho das horas de passeio. A Rua Quinze que eu vi, pela manhã, era uma rua bem diferente, bem mais vazia, embora ainda tivesse muita gente despreocupada a discutir política e futebol, a seguir, com olhos cobiçosos, uniformizadas donzelas de longas saias azuis e cabelos de tranças.

Foi depois de contar estórias da vida na Rua Quinze, que tive a grata alegria de receber uma carta do meu colega e amigo Nicomedes Almeida Teixeira, ministro-chefe da Secretaria da Fadec, companheiro de muitas lutas na Fafil, em quatro longos anos do Curso de Letras, quando frequentou minhas aulas de português e de linguís tica. Se a lembrança dos meus dias de Rua Quinze era um gostoso desfiar de saudades, a carta do Nicó me veio trazer uma suave afirmação de compromisso com o passado, uma certeza de que nenhum ato de nossa vida, simples ou sem importância, passa esquecido ou desfigurado de valor, sem o mérito do ter acontecido. Não vou interpretar a correspondência do meu intérprete. Passo-a ao leitor assim como chegou às minhas mãos. Tem o gosto de um grande amor a Montes Claros e ao tempo de nossa mocidade.

“Amigo Wanderlino, ao ler o seu artigo publicado, no domingo último, intitulado “Rua Quinze”, não pude deixar de me envolver em uma onda nostálgica, pois ali passei boa parte de minha infância. Em fins de 1951, meu pai comprou, em sociedade com mais dois irmãos, o Big-Bar, ponto de encontro obrigatório para os boêmios da época. Ali passei momentos marcantes em minha vida, discutindo futebol, convivendo com os artistas de rádio trazidos à cidade pelo Airton Serpa, vendo os cartazes de cinema colocados na calçada da loja de “seu” Ramos. Embora criança, vivia o movimento noturno da Rua Quinze, auxiliando meu pai no bar, ou frequentando o salão de sinuca do Tio Hélio (não havia ainda rigor no policiamento a menores).

Tempo bom que me voltou à memória graças a você. Você se lembra do Bolo Esportivo, do Serpa? Dos bailes de carnaval do “Clube dos Bancários?” Quando o “footing” da Rua Quinze acabou, foi com se apagassem as luzes de uma parte da cidade. Os outros “footings” nunca foram os mesmos (ou será que foram as luzes de minha infância que se apagaram, em parte?). De toda forma, o seu artigo me fez reviver esse tempo, tempo bom! Obrigado”.

E você, leitor, está com saudades também? Nunca houve tempo melhor!



CARMELO E O GRUPO LISIEUX

Em quatro décadas, o Grupo Lisieux, fundado em 1976, recebeu e foi mantido por gente realmente ilustre, braço direito do Carmelo Maria Mãe da Igreja e Paulo VI. A primeira reunião foi realizada no Palácio Episcopal, presenças de Dom José Alves Trindade e das Irmãs Maria Margarida do Coração de Jesus, priora do Carmelo de Belo Horizonte; de Maria Angélica da Eucaristia e Ana Letícia do Coração de Jesus, além de uma dezena de mulheres arrojadas, gente boa da sociedade montes-clarense.

O nome escolhido para o Grupo Lisieux foi sugerido por Ruth Mota, como homenagem à terra natal da Carmelita Santa Teresinha do Menino Jesus. Santa Teresinha de Lisieux, ou Teresa Martin, nasceu em dois de janeiro de 1873, em Alençon, Normandia, norte da França. Nome de batismo: Marie Françoise Thérése Martin.

A filosofia do Grupo Lisieux é a mesma do Rotary International: “Dar de si antes de pensar em si”, uma pérola de citação que merece uma reflexão mais apurada de todos que pensam e agem no bem.

Com quarenta anos de trabalho e muita confraternização, o Carmelo Maria Mãe da Igreja e Paulo VI, de Montes Claros, tem em sua direção a nossa ilustre amiga e companheira Lili Brant Penido. Em nome dela, nós cumprimentamos todas as confreiras do egrégio sodalício.

A Ordem se liga, no Antigo Testamento, ao Profeta Elias, que residia numa gruta do Monte Carmelo, na Palestina. Ao longo dos séculos, este grupo de contemplativos atravessou oceanos e se estendeu pelo mundo inteiro. A finalidade do Carmelo é atrair do céu as graças, através da oração contínua e do sacrifício material ou espiritual.

As carmelitas, em número de sete, vieram dos Carmelos de Belo Horizonte e de Três Pontas para construir a primeira comunidade montes-clarense. A Priora foi Madre Maria Angélica da Eucaristia, uma querida montes-clarense. A espiritualidade das Irmãs Carmelitas encontra em Maria Santíssima o modelo especial de oração e de trabalho.

E quando em 1976 surgiu a intenção de se fundar em Montes Claros um mosteiro da Ordem Contemplativa das Carmelitas, tornou-se necessário um Grupo de Apoio que divulgasse a ideia e trabalhasse na comunidade pela concretização do Carmelo. Assim, a primeira reunião foi no dia 23 de junho, contou com o entusiasmo de Dom José Alves Trindade, tendo nele - um homem de reconhecida bondade - o incentivo natural, com a sinceridade de quem muito amava comunidade de Montes Claros. Daí a ajuda sincera às senhoras Hilda Athayde, Terezinha Gomes Pires, Neuza Athayde, Geralda, Wilma e Terezinha Reis, as primeiras a colocar o máximo de esforço na implantação. Muito importante foi contar com a ajuda e orientação do Padre Henrique Munaiz.

O Grupo Lisieux conta com cerca de quarenta participantes e inúmeras simpatizantes, senhoras de várias atividades e setores. São donas de casa, mães de família, mulheres de negócios, professoras e profissionais dos mais diversos ramos, mas que sempre encontram tempo para o trabalho em favor do Carmelo e da comunidade. Além de suas reuniões de trabalho, promove palestras, tardes de reflexões, conferências e encontros, procurando sempre o crescimento pessoal. Fazem de suas reuniões de trabalho uma convivência amena e agradável.

O Carmelo de Montes Claros iniciou suas atividades no Bairro do Cintra, nas instalações da antiga Casa Paroquial, gentilmente cedida pelo padre João Machado Gomes. A pedra fundamental para a construção definitiva foi lançada em 1978, em um terreno de 15.000m2 doado por Deraldo Rodrigues Soares.


RUA SÃO TOMÉ

Se o assunto está espichando muito, a culpa pode ser debitada ao leitor. A culpa ou o mérito, porque o leitor, em primeira e última análise é quem determina o caminho que deve ser seguido pelo cronista. Quando escrevemos em jornal, nosso maior prêmio é a leitura imediata, a apreciação do conteúdo, os comentários que fazem amigos e adversários, conhecedores, doutores ou simplesmente curiosos. Não adianta escrever para não ser lido. Quem escreve para si mesmo não deve publicar o que produz e os escritos poderão continuar guardados, em gavetas ou dentro de folha de livros, embora esse ato possa prejudicar a um virtual leitor, muitas vezes necessitando de uma talvez preciosa informação.

Mas qual é mesmo o assunto que eu estou espichando? Nomes de ruas, uai!... Esse manancial que Montes Claros oferece a mancheias, rico, quase folclórico, divertido, de certo modo até com características históricas, o que poderá ser útil, no futuro, a alguém que deseje inventariar ou associar fatos da vida da cidade. Combinei com Haroldo Lívio para ele escrever o que sabia, já que ele foi o puxador do samba, mas o meu caro amigo e colega, num terrível silêncio, bateu asas e voou para um congresso de oficiais de cartórios em plena realização na bela Fortaleza do Ceará. Pode ser que, de lá, o Haroldo mande pelo menos um postal para o Lazinho,
dizendo não ter se esquecido dos tão saudosos Montes Claros dessa iniciante primavera.

Minha história de agora é ainda do bairro Todos os Santos, pedaço de terra que o Simeão Ribeiro Pires santificou desde o papel vegetal do projeto-piloto, quando ele tinha escritório ao lado do Colégio Imaculada, naquele velho prédio da fábrica de tecidos de sua família. Digo minha história, porque nesta eu tomei parte, parte ativa. Foi uma pacata sessão de nossa Câmara Municipal, com todos os senhores vereadores presentes, num dia em que alguém disse não poder o bairro Todos os Santos ter uma rua com o nome de Antônio Narciso, não sendo ele santo de papel passado, embora membro de uma tradicional e respeitável família, a mesma do colega Paulo Narciso, o homem da FM. Haveríamos, então, de achar um nome de santo, para a rua que hoje é chamada de São Tomé.

A primeira sugestão de projeto partiu de Jonas Almeida, que propôs o nome de São Judas Tadeu. Neco Santamaria não gostou da ideia e protestou na hora: São Judas não podia ser, porque é nome de traidor, que tinha vendido o chefe para os judeus. Não sei se foi o Humberto Souto que tentou um conserto de situação, indicando o nome de São João Nepomuceno. Ainda aí, Neco não concordou, dizendo que esse nome também era suspeito, muito complicado. Explicado, tudo muito bem explicado, que S. Judas Tadeu era outro que não os Iscariotes, que São João Nepomuceno era até nome de cidade, tão bom que era, o Neco continuou irredutível. Além disso, havia muita rua com o nome de São João, inclusive no bairro. Que arranjássemos um outro.

Foi nessa hora que me lembrei de um velho amigo que, antes da abertura da rua, já morava naquele local, atrás do campo do Cassimiro de Abreu. Era um ajudante de pedreiro muito bom, alegre, trabalhador, casado com uma senhora muito distinta, boa lavadeira, boa doceira, prestativa, D. Pedrelina. Nunca ninguém jamais havia ouvido falar mal dele, era bom companheiro e bom vizinho, e tinha um nome muito sugestivo, de santo muito conhecido: chamava-se Tomé. Tomé de que, não sei. Tomé nome de santo. Neco protestou, ainda, dizendo que esse santo não tinha fé, e precisou de colocar o dedo na ferida de Jesus Cristo para acreditar na verdade. Não teve jeito, a Câmara estava decidida. Convencemos o Neco, que esse São Tomé era muito bom, tinha até os méritos das ciências exatas, porque queria ver e tocar para crer. A decisão não demorou e foi unânime. Hoje a rua se chama RUA SÃO TOMÉ, e tem moradores importantes e famosos como os meus amigos Felix Pimenta, José Sales Peixoto e Afonso Avelar.


PRIMAVERA

Montes Claros, estação das flores, tempo de beleza e colorida beleza. Praças e avenidas, luminosas de vermelho-laranja e amarelo-ouro dos flamboyant verde-esmeralda. Praças Doutor João Alves, Doutor Carlos, Doutor Chaves, Doutor Honorato... Praças e avenidas Coronel Ribeiro, Coronel Prates, João Catone, Geraldo Athay de, Dulce Sarmento, Rua Cel. Francisco José Souto, o nosso antigo Corredor do Pequi, por toda parte, um celeiro bendito de flores, das espatódeas de vermelhão-francês ao intenso brilho de acácia amarelo-claro. Tudo lindo, lindo de morrer, machucando mesmo...

Vale a pena visitar Montes Claros, sempre valeu, como explica o Waldemar de Oliva Brandão, saudoso e apaixonado montesclarense de Brasília, capital. Vale muito mais visitar Montes Claros, agora neste meio de Primavera, com o superávit de verde, carregado de chuva e de brilho, folhas envernizadas e movimentadas pela brisa ou pelo vento bem comportado. Tudo aqui, para quem gosta de plantas, está agradável, muito agradável, mais do que nunca, graças ao trabalho que a administração municipal vem tendo com todos os jardins, fato que, mesmo se fosse isolado, já merecia os nossos aplausos. Aliás, é bom mesmo que, o Prefeito Toninho, o Secretário Wanderley Fagundes e todos os que trabalham diretamente no urbanismo continuem com esse elogiável amor às plantações, fazendo a cidade cada vez mais grata aos olhos e ao coração.

Passando pela praça Doutor Carlos, dê uma olhada nas tamareiras, leitor. Lá estão elas verdinhas, imponentes, com seus cachos de dourado-escuro, espalhados em profusão, como era de agrado a Jair Oliveira e Mário Veloso, como é de agrado a Haroldo Lívio e a Novaisinho. Por sorte, também a buganvília branca, cenário e teto dos lambe-lambe, lá está segura e florida como guirlanda em tarde de fim de noivado e princípio de casamento. Por sorte, lá estão as arálias, os imbés, as dracenas, as roseiras, até o tapete de grama de verde inglês. Tudo brasileiro muito brasileiro...

Há outros lugares bonitos, nesta cidade, que você precisa ir para ver buganvílias de todas as cores. Onde tem mais é no Bairro Todos os Santos e no Jardim São Luiz. Lindas: amarelas, rosas, roxas, brancas, cor de goiaba, lilás quase azuis. Não deixe de ver é bom para a saúde mental. Outro lugar bonito está sendo a avenida Mestra Fininha, de subida vistosa como uma via romana em sopé de colina. Lá os jardins estão majestosos e insinuantes, principalmente os da Escola Normal. Os de Yede e Konstantin estão quase selvagens, tropicais, grandiosos. Uma beleza de se ver os de José Levy, Doutor Rametta/Maria de Jesus. Elias Siuffi; um encanto a visão dos bairros Morada do Sol e Ibituruna. Vá lá!...

Venha, leitor, venha ver Montes Claros. Mas venha antes do final da Primavera. Venha ver uma cidade bonita, nossa cidade. Os que estiverem em casa, saiam à rua. Os que estiverem em outros lugares, longe, perto, corram para cá, venham correndo. Estamos esperando...


ROUBARAM DE NOVO O MEU TOCO

Para mim, mesmo como brincadeira de jovens, é um ato de violência tirar, na calada da noite, o meu toco de doze anos de serventia. E um pedaço de madeira velha, estragada pelo sol e pela chuva, sofrido pelos maus tratos da meninada, pisado, rolado, empurrado. É tudo muito primitivo, com profundas fendas do próprio corte a machado, sem casca, um eterno banco de fim de rua, mas é meu, da minha família, incluindo as moças que moram em nossa casa. Explico melhor: quando mudamos para a nova casa, também na rua São Sebastião, próxima ao Corredor do Pequi (perdoe-me Iara, Rua Cel. Francisco José Souto), na confecção de duas mesas, sobrou-nos um pedaço roliço de madeira, não usado por não ser de boa qualidade e estar um pouco estragado. Fora de uso, foi colocado na porta da rua em cima do passeio, bem colado ao muro, como se fosse um banco ou um cepo deitado. Foi uma beleza, útil todos esses anos, um ótimo lugar para se bater um papo com a vizinhança, um ponto para as secretárias namorarem, uma recepção avançada dos rapazes e moças para os seus amigos também jovens.

Durante doze anos, nosso toco ficou ali, como uma fortaleza, uma garantia de bons encontros, um marco de muita felicidade doméstica. Os vizinhos se acostumaram com ele. Servia até de referência quando a gente chegava de táxi: “- Pare naquele portão, onde está o toco”. E os motoristas entendiam logo. Pois um dia aconteceu o pior, e o nosso toco sumiu. Enquanto eu viajava de Brasília para Montes Claros, na noite de seis para sete de setembro, quando vinha comemorar os meus cinquenta anos de vida e os da pátria, já de madrugada, dei-me por falta dele. Foi uma tristeza! Quando os de casa acordaram, mesmo atarefados com a festa, sentiram o mesmo trauma, uma falta importante e constrangedora: o toco sumiu, sumira misteriosamente...

Já refeitos da perda, consolados todos, acostumados a uma ausência, Olímpia vai a Belo Horizonte e, lá, Wladênia dá-lhe a notícia que lera no jornal. O toco havia sido apreendido por soldados do Exército. Estava preso, retido ou depositado na Delegacia de Polícia, ao que tudo indica como objeto de uma possível conspiração, uma sabotagem ao desfile da Independência. É que rapazes, parece que dois, estaturas médias, cabelos lisos, aparentemente de 22 anos, de óculos, montados num Gol branco, haviam levado o toco para a avenida em frente ao Colégio Imaculada, justamente onde o desfile ia passar. E como a segurança precisava da passagem livre, deu uma carreira nos brincalhões (ou sabotadores, quem sabe o que se esconde nos corações), e levou o estranho objeto para a cadeia da Dr. Veloso, anunciando o acontecido para ser devidamente apurado. Foi assim, quase assim, que o jornal contou...

Pois bem, de volta a Montes Claros, eu ainda em Brasília, Olímpia conta-me a estória pelo telefone. O nosso toco estava preso e precisava de libertação. Um caso complicado na Justiça, ou melhor, na Polícia, envolvendo problemas de segurança. Deveria ou não deveria acionar o advogado da família, libertando nosso toco das malhas da lei? Claro que isso é que seria o correto, respondo-lhe. O João Wlader não é advogado? É uma boa causa, se não rendosa, pelo menos interessante: que ele coloque os seus conhecimentos jurídicos em defesa do nosso toco... Que vá conversar com o senhor Delegado, uai! A pátria e nós somos vítimas de uma injustiça, de um ato impensado dos jovens do Gol branco. Agora, além de nosso, o toco é patrimônio nacional!

O João Wlader, doutor, foi, conversou, explicou, muito disse de nosso amor pelo velho companheiro de doze anos. Sério, a princípio, como autoridade, o Delegado acabou achando graça de tudo que aconteceu. Todo mundo, na Delegacia, parece, sabia só de uma parte do acontecido e o desfecho foi uma alegria! O toco veio de volta como uma pessoa querida que marca saudades! Uma festa e quantos e quantos sorrisos, inclusive o meu, na volta a Montes Claros! E a velha estória da ovelha perdida...

Mas sabe o que aconteceu? O destino pregou-nos outra peça: quando chegou a Primavera, em outra madrugada, alguém, de novo, levou o nosso toco! A frente da nossa casa está limpa, desmobilada. Também uma parte secreta do nosso coração... Parece que a nossa sorte é ficar sem!

Paciência...


A SEMANA DA CULTURA DE 1999

Dezoito de outubro, salão nobre do Automóvel Clube, sessão magna para abertura da Semana da Cultura, em parceria com o Consulado de Portugal, com a Sociedade das Amigas da Cultura e Elos Clube de Montes Claros.

Mesa diretora: Yvonne Silveira, presidente; Miriam Carvalho, presidente das Amigas da Cultura; Victor Hugo Marques Pina, presidente do Elos Clube; Florinda Ramos Pina, representando a cônsul Fernanda Ramos; Iara Souto, secretária de Cultura; João Carlos Sobreira, representando o prefeito municipal; Maria José Colares Moreira, presidente do Comitê Internacional para o Festival de Folclore; Clarice Sarmento, representando o Conservatório Lorenzo Fernandez.

Seguiu-se uma apresentação do Coral Lorenzo Fernandez, com os títulos Carmina Burana e Aleluia. Também uma declamação da professora Thaísa Terence Martins, a leitura dialógica da Carta de Pero Vaz de Caminha pelo ator Cláudio Prates e a apresentação de mensagem da cônsul Fernanda Ramos pela professora Florinda Marques Pina. Final com trechos da ópera O Guarani, pelos professores Antônio Carlos Lima e Maria Amélia, com acompanhamento da pianista Maria Lúcia Macedo.

Dezoito, vinte, 21 e 22 de outubro, no salão nobre do Centro Cultural Hermes de Paula, para mais uma etapa da III Semana da Cultura, em parceria com o Consulado de Portugal, com a Sociedade das Amigas da Cultura e Elos Clube de Montes Claros.

A abertura, dia dezoito, no Automóvel Clube, teve na presidência Yvonne Silveira, cerimonial de Regina Peres, secretaria de Antônio Felix. Na mesa de honra, os representantes das entidades parceiras.

A palestra sobre “Portugal e Brasil descobrindo-se há 500 anos” foi feita pelo professor Marcos Fábio Martins de Oliveira, da Unimontes. Logo depois, o jogral “Brasil”, de Ronaldo de Carvalho.

Vasta a programação, também com participação de Milene Coutinho Maurício, Cláudio Prates, Antônio Carlos Lima, Maria Amélia e Maria Lúcia Macedo. Cerimonial da professora Edite Bastos, da Sociedade das Amigas da Cultura.

Dia vinte, no Centro Cultural Hermes de Paula, presidência do sr. Victor Hugo Marques Pina, com o tema “Portugal e Brasil descobrindo-se há 500 anos”, pelo professor Marcos Fábio Martins de Oliveira.

Várias apresentações: “Brasil”, de Cassiano Ricardo, jogral dirigido pela professora Lygia Braga; “Cantando o Brasil e Portugal”, pela professora Maristela Cardoso, acompanhamento da professora Maria Lúcia Macedo. Mestre de Cerimônia, a elista Regina Barroca Peres.

Dia 21, no Automóvel Clube, na presidência a professora Miriam Carvalho, presidente das Amigas da Cultura. Lançamento do livro “Raízes e Asas”, da professora Maria Lúcia Becattini Miranda, com apresentação pela acadêmica Yvonne Silveira. Poemas declamados pela professora Dóris Araújo. Canções italianas pelo professor Roberto Júnior, acompanhamento da professora Maria Luísa Correia Pires. Cerimonial de Raquel Avelar, das Amigas da Cultura.

Dia 22, no Elos Clube de Montes Claros, abertura pela presidente Yvonne Silveira, da Academia Montes-clarense de Letras. Mestre de Cerimônia, o acadêmico Antônio Felix. Palestra “A Herança Cultural Portuguesa” pelo acadêmico Wanderlino Arruda. “Cantando Portugal e Brasil” pelos professores Raquel Ulhoa e Roberto Júnior. Poesias portuguesas e brasileiras pela acadêmica Zoraide Guerra David. O encerramento foi de um intenso brilho, com o Coral do Elos Clube, dirigido pela maestrina Clarice Sarmento.


ACADEMIA MONTES-CLARENSE DE LETRAS - 50 ANOS

A fundação da Academia Montes-clarense de Letras aconteceu em uma agradável tarde de 13 de setembro de 1966, em reunião convocada para acontecer no primeiro pavimento do Sobradão da Rua Coronel Celestino - em uma sala da Faculdade de Direito. Inspirado pelo sonho do dr. Plínio Ribeiro dos Santos em criar de uma entidade de cultura em Montes Claros, o doutor Alfredo Marques Vianna de Goes, presidente da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, chegou a Montes Claros com a decisão de criar uma instituição literária, a exemplo das existentes em Belo Horizonte. Sempre apaixonado por Montes Claros, pois aqui nascido em 1908, Vianna de Goes valeu-se do prestígio acadêmico e sentiu-se vitorioso pela presença de excelentes companheiros das lides de escrita e de publicações, um vistoso elenco de intelectuais montes-clarenses: professor José Raimundo Neto, dr. Antônio Augusto Veloso, dra. Maria Ribeiro Pires, dr. João Valle Maurício; padre Joaquim Cesário dos Santos Macedo dra. Heloísa Neto de Castro, professora Dulce Sarmento, dr. Hélio, Oscar Vale Moreira, dr. Avay Miranda, dr. Geraldo Avelar, dr. Francisco José Pereira, o cronista Orlando Ferreira Lima e o historiador Hermes Augusto de Paula. Um alinhado grupo, realmente importante nas publicações em livros e na imprensa, na oratória, no magistério, na política, em instituições sociais e de cultura, o melhor em disponibilidade naquele momento e que, naturalmente, pôde atender ao convite para o encontro. Ao todo, treze, que no final da reunião, foram considerados – ou se consideraram os fundadores.

Tudo discutido, muitos detalhes aprovados, lista de presenças assinada, foram indicados para a tarefa de organização o professor José Raimundo Neto, o dr. Antônio Augusto Veloso, a professora Maria Ribeiro Pires e o dr. João Valle Maurício. Indicada a professora Maria Ribeiro Pires para a direção, e não tendo ela aceito, foi realizada a eleição para a nova diretoria. Vitorioso, assumiu a presidência o dr. Antônio Augusto Veloso. O local para as reuniões e assembleias ficou para ser discutido na primeira oportunidade, provavelmente uma sala do Conservatório de Música Lorenzo Fernandez, ou mesmo uma sala da Fafil ou da Fadir, antigo e tradicional centro de cultura da parte histórica de Montes Claros.

Pouco dias depois – 26 de outubro – constou da pauta a discussão e aprovação dos Estatutos e do Regimento Interno, estabelecendo em trinta o limite de cadeiras. “Após a aprovação, o sr. presidente solicitou um voto de louvor para o acadêmico dr. Hélio Oscar Vale Moreira, que elaborou o Regimento dentro do prazo estipula do”. “Pelo acadêmico Hermes Augusto de Paula foi apresentado um rol dos prováveis patronos, com as correspondentes justificativas. A discussão da matéria ficou em suspenso, aguardando novas sugestões. O número de cadeiras foi fixado em trinta”.


CAJUEIRO, CAJUEIRO!

De quando eu vi mais cajueiros, na minha vida, foi viajando com Olímpia, entre Fortaleza e a cidade de Apodi, no Rio Grande do Norte. Não somente dez, vinte ou cem, mas uma floresta, uma mata, um reflorestamento de cajueiros, uma dessas ajudas que o homem presta à Natureza, aumentando a beleza e a utilidade, no espaço e no tempo. Três pintores, mestres e amigos, o Konstantin Christoff, o Godofredo Guedes e o Samuel Figueira muito me ensinaram a respeito de tonalidades do verde, principalmente o Godofredo que é um apaixonado pelas paisagens e pelo exato matiz de troncos e de folhas. Mas, nenhum deles poderia imaginar quanta luz, quanta transparência poderia existir numa mataria de cajueiros do Nordeste, desde o verde róseo-amarelado ao quase negro, tinto e retinto, e ao de tom ferrugem com tendência ao branco de prata, tudo uma miscelânea de gostoso colorido, sedutor-gratificante, só encontrável em faixas do litoral.

Fruto de leituras, beneficiário ou vítima da divulgação moderna, cada vez mais repetitiva, a minha paixão chega a provocar saudade de seres que não conheço, entre eles três cajueiros, dois das letras, o primeiro de Humberto de Campos, em Parnaíba, e os outros, de Rubem Braga e de Roberto Carlos, ambos em Itapemirim, no Espí rito Santo. Lembro-me de um dia, num jantar do Rotary de Teresina, quando cheguei a combinar com o prefeito de Parnaíba uma viagem, para conhecer o velho companheiro e filho vegetal de Humberto, mas não tive a sorte de poder cumprir a promessa. Tenho desse cajueiro, entretanto, um presente material, auxiliado por minhas próprias mãos de plantador: eis que o meu amigo Francisco Narciso, Chiquinho Almeida Castro, me trouxera, de uma das suas viagens, algumas castanhas, que plantadas, já se veem duas árvores do meu quintal. Lindas, lindas.

Mas não é dos cajueiros de longe que eu quero falar, quero deitar as minhas lembranças, quero sonhar os meus sonhos. A minha saudade de hoje é do cajueiro da pensão de D. Duca, aqui mesmo em Montes Claros, na rua Dr. Santos, casarão com um comprido corredor, quartos de um de outro lado, salas e cozinha no fundo, antes de pátio. Ali existia o mais amigo de todos os cajueiros da minha mocidade, esguio, durão, solícito, de tronco flexível, com galhos tão bem proporcionados na distribuição, que mais parecia uma escada ao prazer, momentos de férias de cada manhã e de cada tarde, depois do trabalho. Eu o chamava planta da benevolência, porque, em nenhuma parte do ano, faltava-me com os seus frutos. Não me lembro de ter tido qualquer decepção com ele, assim como um amigo de todas as horas.

Outros companheiros de pensão, estudantes, como o Enock Sacramento, o José Jorge, o Passarinho, o Deoclides, também aproveitavam de vez em quando, se eu dava alguma folga. Até os sisudos Wilson Bessa, Luiz Gonzaga e Pedroso chegaram a tirar proveito, disso tenho certeza. Uma só coisa me intriga: depois de tanto tempo, e me pergunto se D. Duca ou o “seu” João Guimarães não se impor tavam com esse muito xodó que tínhamos pelo seu cajueiro, coisa até de desconfiar...


LUIZ DE PAULA E A “VENDA DO MEU PAI”

Luiz de Paula Ferreira é um milagre. Tudo na sua vida deu certo. Tudo: sonhos e realidade, jeito de ser e de viver. Comportamentos, atitudes, hábitos, numa receita sábia, e manhosamente aviada desde os velhos tempos de Roma: “Não basta ser, é preciso parecer”. Luiz – em todos os decênios que marcaram a idade do menino, do jovem e do adulto – foi e pareceu inteligente, intensa e fervorosamente, quase por um dever de fé e destinação. Querendo - quem sabe - até sem querer, jamais pôde fugir das luzes de uma generalizada admiração de próximos e distantes. Conservador e revolucionário, sempre teve como medida o comedimento, coisas de antigo PSD, que não fazia reunião sem antes de tudo estar resolvido. Luiz sabe ver e antever, vestido e revestido de inigualável poder de avaliação. Sabido, tranquilo e limpinho como um gato, no dizer do nosso saudoso João Valle Maurício.

NA VENDA DO MEU PAI – conjunto fantástico de retalhos intensamente coloridos da vida interiorana brasileira do Século XX – Luiz de Paula é narrador e personagem, iluminador e fotógrafo, ao mesmo tempo retratista e retratado em cenas que ele próprio sempre se inseriu. Dono de poder material e imaterial, agora produz um texto mais do que vivo - do seu e do nosso agrado – encarnando e reencarnando uma tradição oral de esperteza, que muito será discutida no futuro, quando as máquinas e os chips ocuparem com primazia a diretiva humana. Os relatos, as crônicas, a prosa poética, até os contos que ele - por segurança e sabedoria, diz de ficção - representam o que a Literatura pode ter de melhor na fixação de imagens e vivências, conteúdo importante porque só possível aos que o viveram com entusiasmo.

Li, reli e tresli as três divisões – NA VENDA DO MEU PAI, SANFONA DE OITO BAIXOS e ALGUMAS HISTÓRIAS. E quando lia e revivia cenas da vida de menino do interior, testemunha real e virtual de tudo que acontece, pensei calculadamente em registrar no prefácio que escrevi as dezenas ou centenas de nomes de pessoas e de lugares, antecipando para o leitor o cheiro e o gosto de todas as acontecências, assim como as cores e a sensação táctil de cada paisagem.

Um pouco mais novo que Luiz, tendo vivido pelo lado de dentro e de fora de uma casa comercial - ouvinte e visualizador atento - bem sei do quanto o relar o umbigo no balcão valeu para nós. Ali nada passava despercebido no universo das pessoas e das coisas, seja ouvindo uma sanfona de oito baixos, seja engraxando sapatos ou controlando os movimentos sinuosos dos bêbedos. Era a vida imitando a vida, para criar memórias que só o livro pode fixar. Com este livro, Luiz eterniza Maria Velha, Maria Suruca, Mariazinha Palpitosa, o lambe-lambe Vitorino, Chico Boa Palavra, João Velho, João Raposa, Gregório Barba à-toa, além – é claro – um amplo universo de situações que marcam a malícia e a esperteza do dia-a-dia de Várzea da Palma, de Montes Claros e deste pedacinho gostoso do sertão mineiro. Resumindo, um musicar e um cantarolar de lembranças que só um narrador bom como o Luiz consegue pôr no papel.

Plurissignificativa, a Literatura faz com que certas personagens e situações ofereçam liberdade na interpretação dos textos, poucas vezes os mostrando imutáveis ou ensinando uma aceitação pura e simples. As palavras e o encadeamento de palavras sugerem visões que nunca pertencem somente àqueles que as escrevem. Uma vez materializado, o texto pertence mais ao leitor, à sua forma de pensar e agir, influenciado pela experiência linguística e pela cultura de cada um. Assim, “NA VENDA DE MEU PAI” veio para marcar época, com lembranças e vontades mais do que gratas para quem as viveu e para quem gostaria de as ter vivido. Não há fotos em preto e branco, não há figuras esmaecidas ou distantes: tudo é colorido, cada movimento tem uma surpresa como se estivesse acontecendo e sendo vivido agora. Luiz é um cinegrafista sortudo – pode-se dizer com efeito Kirlian – que além de gravar o visível e tangível, consegue divisar nuances que só aos privilegiados Deus permite contemplar.

Bom para ele, melhor para nós!


MONTES CLAROS – 3º ROTARY DO BRASIL

O terceiro Rotary do Brasil e o primeiro de Minas foi fundado em Montes Claros, em 1926. As reuniões aconteciam no Grande Hotel, próximo à Praça Doutor Carlos Versiani, onde foi tirada a foto do Conselho Diretor logo após a eleição. Da esquerda para a direita, o farmacêutico e fazendeiro Antônio Augusto Teixeira, o advogado José Correa Machado, o comerciante José Proença e o advogado e professor Alfredo de Souza Coutinho que nesse dia foram admitidos por unanimidade”. “A primeira diretoria teve como presidente José Correia Machado, o vice Antônio Augusto Teixeira, o secretário Alfredo Coutinho, subsecretário José Proença Costa, tesoureiro Cícero Pereira, diretor de protocolo, Rubens dos Reis Teixeira. Sem contar os diretores José Tomaz de Oliveira, Marciano Alves Maurício e Mário Versiani Veloso; e os suplentes Arthur Vale, Fróes Neto e Antônio Ferreira de Oliveira. Médicos, farmacêuticos, advogados, juiz, jornalistas, professores, comerciantes, fazendeiros, gerente de banco, sem qualquer dúvida, gente do máximo prestígio, hoje nomes de avenidas, ruas e praças de Montes Claros”.

O Rotary Club de Montes Claros, nessa primeira fase, não teve vida longa. “A cidade era pequena, de quinze mil habitantes, enclausurada no alto sertão mineiro, dedicando-se a uma agricultura rudimentar, cujos produtos eram transportados em carros de bois e lombo de animais. Uma pecuária de corte ainda de pequena expressão. Era ainda cedo para um clube rotário”, contou Luiz de Paula. Somente vinte anos depois, o clube de serviços ressurgiu com vigor e fôlego para prosperar, no dia 31 de dezembro de 1945. Ele foi fundado pelos médicos Hermes de Paula, Levy Lafetá e Antônio Moreira César. Os três se uniram e decidiram indicar o farmacêutico e fazendeiro Antônio Augusto Teixeira para presidente. Uma homenagem, afinal, Niquinho Teixeira, como Antônio era conhecido, foi quem trouxe os ideais de Paul Harris para o sertão norte-mineiro. Com o propósito de melhorar a comunidade, a primeira iniciativa do Rotary Club Montes Claros foi organizar a Biblioteca Pública Antônio Teixeira de Carvalho. A proposta de criação de um Batalhão do Exército também partiu do Rotary. O pedido foi entregue ao presidente da República Costa em Silva, em 1968, pelo, então, deputado federal Luiz de Paula. Ele havia sido presidente do clube de serviços entre 1954 e 1955. “O Rotary está envolvido em ações de combate à pobreza, ao analfabetismo, na prevenção de doenças, fornecimento de água limpa, saneamento básico e desenvolvimento econômico. Tudo ou quase tudo do progresso de várias décadas na cidade foi feito pelo Rotary ou por rotarianos”. Através do Rotary Club de Montes Claros outros foram criados dentro e fora da maior cidade do Norte de Minas, participando ativamente, por exemplo, em 1949, da fundação do Rotary de Diamantina. Depois vieram os de Curvelo, Pirapora, Francisco Sá, Brasília de Minas, Bocaiúva e outras dezenas que ajudaram a compor o Distrito 4760, que no ano rotário 2016/2017 celebra uma importante conquista, que é a aprovação do Projeto AVC Madre Teresa de Calcutá pela Fundação Rotária. O objetivo
do Projeto é salvar vidas ao oferecer condições para o atendimento rápido de vítimas de Acidente Vascular Cerebral, principal causa de mortes no mundo. O Projeto destinou um milhão de reais para o treinamento e compra de equipamentos para atender com agilidade os pacientes. A unidade funciona na Santa Casa de Montes Claros. A novidade foi bastante elogiada e festejada entre os dias 6 e 9 de abril durante a 31ª Conferência Distrital, apogeu do ano rotário. É o fechamento do ano rotário, momento de celebrar a amizade, de fazer um balanço das ações e traçar diretrizes para o futuro. Este ano, cerca de mil rotarianos dos 84 clubes que compõem o Distrito 4760 estiveram presentes no grande encontro, que aconteceu na histórica cidade de Tiradentes.


FAFIL, PRIMEIRA FACULDADE

Creio que o grande laboratório de ideias a usina dos sonhos tenha sido mesmo as salas de aulas da Universidade Federal de Minas Gerais, onde moças montes-clarenses terminavam diferentes cursos, tão distantes uns dos outros que iam da História à Pedagogia, das Letras à Matemática, da Geografia às Ciências Sociais. Diplomatas, portadoras de muito saber e incentivo de antigos professores da capital, Isabel Rebelo de Paula, as irmãs Baby e Mary Figueiredo, Sônia Quadros Lopes, Florinda Ramos Marques, Dalva Santiago de Paula, ansiosamente, se uniram a outros idealistas, e o resultado foi o nascimento da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Norte de Minas aqui em Montes Claros. Verdade é que não houve oposição ao seu trabalho e até não faltou crédito ou aquele sempre necessário voto de confiança. Todo mundo acreditou nelas, com o Colégio Imaculada Conceição cedendo espaço físico e moral, a Fundação Educacional Luiz de Paula fornecendo recursos e entusiasmo, professores como Jorge Ponciano Ribeiro, dando logo a sua quota de serviços.

Foi uma beleza o começo, um sucesso o primeiro cursinho de Montes Claros. Lembro-me bem, da primeira aula de francês que tivemos com a professora Baby Figueiredo, com texto solto, impresso fora de livro, uma novidade! Lembro-me do Adélia Miranda elaborando, como secretária, os primeiros relatórios, apertando os primeiros alunos retardatários para não atrasarem no pagamento das mensalidades ou início das aulas. Era uma experiência interessantíssima com passagens de se emocionar!

Era tanta sabedoria nova, um conhecimento tão organizado, uma perspectiva de aprendizagem tão grande, que problemas apareciam a toda hora, todos querendo aproveitar de tudo, sorver de vez todo um alimento que por não existir antes, estava sendo negado a quem muito o desejava. Acontecia então o troca-troca de salas, uma espécie de mineração de assuntos, um descobrir quem era o melhor professor um abeberar de toda uma nova filosofia de vida. Não posso contar tudo sobre as aulas de nossos cursos, nos primeiros dias do semestre, porque os acontecimentos vinham aos borbotões, quase sufocando a curiosidade, até confundindo as cabeças. Era como se fosse um vasto ciclo de conferências de palestras, um eterno comício. Hamilton Lopes, calouro, ensaiava os primeiros passos da política estudantil, João Valle Maurício, José Nunes Mourão, Hélio Vale Moreira, Mauro Machado Borges, alunos mais vividos, mostravam uma
compenetração pouco natural de estudantes. D. Yvonne Silveira, esta numa santa vaidade de literata, se desmanchava em sorrisos e sutilezas numa alegria quase infantil.

Tudo foi uma longa festa intelectual, uma corrida de muita sede à fonte, todos considerando um grande privilégio, uma oportunidade a mais de vencer na vida, em campos profissionais já longamente seguidos. Pela primeira vez, vimos professorinhas ensinando para ver elenco de construtores do futuro!

Olhado de longe, vinte e sete anos depois, quase uma loucura. Mas que maravilhosa loucura! Que o diga Isabel Rebelo de Paula, a primeira diretora.


HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DE MONTES CLAROS

Com prazer, faço a apresentação da “História e Desenvolvimento de Montes Claros”, do escritor e historiador Henrique Oliva Brasil, homem de fé e de coragem, manancial de fortaleza e boa vontade, frente a tudo que é difícil na vida. Henrique Oliva Brasil, meu velho companheiro de Academia Montes-clarense de Letras, tem sido para mim um exemplo de capacidade de trabalho e de ousadia, um atestado existencial do que a força de caráter, o desprendimento e o dinamismo pessoal podem realizar. Nos muitos janeiros pelos quais tem passado, nem os minutos nem as horas têm sido fronteiras no seu trabalho e no esforço incansável de homem estudioso. Cada dia tem o seu objetivo, é uma meta de alcançar, pouco importa a dificuldade, de nada valem os empecilhos de qualquer espécie. De cabeça erguida, marcha sempre em frente e, olhando o futuro com a segurança de um jovem, segue esperançoso e confiante.

“História e Desenvolvimento de Montes Claros” é fruto de minuciosa pesquisa, de longos períodos de estudo, que só um minerador do ouro dos acontecimentos poderia conseguir fazer. Foi tarefa de muito tempo e de muito lutar, resultado e cadinho do amor de um sertanejo que deseja deixar bem marcado seu traço de vida no conhecimento e nas consciências de todos nós, também amigos desta cidade e do seu progresso. É livro que faz justiça ao nosso processo histórico, sempre dinâmico e de acordo com o esforço pioneiro de um bom punhado de gerações, normalmente voltadas com sincera afetividade para os valores humanos e humanizadores, sentimentos que engrandecem e eternizam cada um e todos os momentos da própria História.

“A História e Desenvolvimento de Montes Claros”, só não traz em seu bojo todos os acontecimentos, todas as personagens, quando isso não foi possível por falta de dados ou por falta de espaço. Segui, de perto, sua longa elaboração e sei que Henrique Oliva Brasil jamais poupou esforços ou qualquer tipo de sacrifício para chegar ao alvo da exatidão, ao centro da verdade, é pureza da isenção. Cada levantamento foi revestido de exaustiva pesquisa, muito próxima da mais acurada exigência da moderna ciência histórica. O fato de não ser o autor graduado em História, alicerçado em diploma universitário, nunca impediu que o intelectual buscasse o que há de melhor no estudo documental e na observação interessada, fatores valiosos para a perfeição dos resultados. Acima de tudo, o historiador teve sempre a honestidade de propósitos, uma santa vaidade de quem se compraz com o exato cumprimento de qualquer missão, por mais espinhosa que seja.

Espera que o leitor também participante da nossa História, se sinta satisfeito com a leitura ou o estudo deste volume sobre a gostosa vida de Montes Claros. Mais do que isso: espero que o leitor se faça também presente no incentivo e no apoio a este homem que, no seu comedimento, é um dos maiores apaixonados por esta cidade e por toda a região, pedaços de terra ligados á sua própria existência. Mais do que o presente, estou certo, o futuro e nós teremos de lhe dar razão, de lhe fazer justiça, de lhe proporcionar o prêmio do mérito de viver e materializar em livro nossos principais acontecimentos.


PRAÇA CORONEL RIBEIRO E ADJACÊNCIAS

Uma vida não basta ser vivida. Ela precisa ser sonhada.
Mário Quintana

No dizer de Howard Whitman, “todos nós temos três necessidades emocionais básicas: sentirmo-nos estimados, importantes e seguros. É preciso que alguém goste de nós. Precisamos sentir que valemos alguma coisa. E precisamos sentir-nos a salvo de incertezas”. Esta uma preciosa lição que aprendi em uma Seleções de setembro de 1952, pouco menos de dois anos depois da minha chegada para viver e muito conviver em Montes Claros. Tenho absoluta certeza de que foi uma página da maior importância em todos os momentos de minha vida, principalmente na observação e no acompanhamento das pessoas que realmente gostam e desfrutam desta cidade, como é o caso da escritora Palmyra Santos de Oliveira, irmã do meu amigo José Gomes e mãe de quase uma dúzia de moças e rapazes, que tanto bem têm feito a este mundo de meu Deus. D. Palmyra é árvore, é ramo, é flor e também é fruto de um tudo de bom que a vida oferece e nos pode oferecer. Gosto dela, de como é, de como se mostra, de como administra cada minuto de existência. Amada-amante de todas as realidades e de todos os sonhos!

O livro ETAPAS DE MINHA VIDA, segundo da lavra de D. Palmyra, que você, leitor/leitora, vai ler, em seguida, é um fiel atestado do muito que ela sabe e da enormidade de bons sentimentos com que ela viveu bons tempos de Montes Claros e excelente tempos de Porteirinha, sedes dos seus domínios de amor, de serviços à cultura e de um importante plantar de amizades e carinhos. Tudo tem sido como um abrir janelas e respirar todos os azuis dos dias e das noites de uma vida de encantos. Tudo uma luminosa saudade para colorir santas lembranças, santíssimos sentimentos que ela soube nutrir em cada olhar que teve e que provocou, em cada passo que deu ou que chamou para perto de si. Nenhum mistério, porque a realidade tem que ser bonita, tem que ser visível, à luz do sol ou ao pisca-piscar da lua e das estrelas... Que cidade agradável e gostosa era a Montes Claros dos seus tempos de menina e de menina-moça: ricos quintais, doces brinquedos na porta da rua, vizinhos alegres e bem informados, tudo um universo para aprender e ensinar, eterno palco em meio de um empolgado auditório, ninguém sabe se mais de crianças que de adultos, hoje somatório de lembranças com dezenas de nomes de pessoas e de famílias: D. Consuelo, D. Inhá, Fani Maurício, Neusa, Nivaldo e Benedito Maciel, Juca de Chichico, Natália Peixoto, Píndaro, Maria Inês, Tatá, Umbelina, Artimínia, os tios Ulisses e Ambrosino, o avô Viriato, o pai Manuel, a mãe D. Laura...

História, estórias, casos e causos, muito ou tudo da mineiridade de D. Palmyra, tudo. Lindos momentos de pura amizade, evocações de sabores, evocações de saberes, sons e cores, afirmações de fé, perspectivas que só a paixão montes-clarense de início de século pode aflorar. Neste livro a autora não faz economia de amor, não deixa qualquer sentimento para depois. Tudo, tudo mesmo, é um constante hoje, um agora, uma sempiterna visão de quem sabe apreciar o mais apreciável de cada segundo vivido e amado. A Rua Doutor Veloso, o largo São Sebastião, mais tarde Praça Coronel Ribeiro, a Rua Bocaiúva, o centro da cidade, os bairros, as cercanias, as subidas e descidas, assim como as casas de comércio e as residências, cada coisa tem um valor, marca um sentimento, representa uma virtude. E as pessoas mais próximas do seu relacionamento – como a Gringa, José Galinha, Francisca, Tereza, Niqueda, Santa, Silvéria, Maria Violão, Bela, D. Josina, assim como a feira, a viagem a Bom Jesus da Lapa, os passeios, os fatos surpreendentes, até os registros de genealogia, que
coisa mais interessante! O tempo não para, mesmo que a saudade faça as coisas pararem ou as fixe para a eternidade de quem ama e, em verdade, gosta de amar. Um momento de poesia vale tanto quanto um milênio de sentires, principalmente quando esse momento é escrito e descrito por minha amiga, D. Palmyra, autora e dona deste Livro. O segredo – bem lembrou Mário Quintana - não é cuidar das borboletas, mas cuidar do jardim. Havendo jardim, muito haverá de borboletas. Importante que o valor seja dado ao que realmente importa! Devemos sairmos à rua ou ao mundo abertos aos caminhos e ao caminhar, sempre dispostos ao que possa acontecer - melhor dizendo - dispostos às venturas e aventuras.

Penso em D. Palmyra na mesma medida que penso em Cora Coralina, porque para ambas a vida seria curta ou longa demais - e sem sentido - se não tocasse o coração das pessoas. Marcante é o colo que acolhe, o braço que envolve, a palavra que conforta, o silêncio que respeita, a alegria que contagia, a lágrima que corre, o olhar que acaricia, o desejo que sacia, o amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que realmente dá sentido à vida. É e será! E que este livro da minha companheira de Instituto Histórico, mãe do presidente Itamaury, seja um precioso presente, um importante momento de leitura para você, leitor/leitora, acredito gente boa também do meu coração!

Parabéns, sempre menina-moça, PALMYRA SANTOS – Santos, Teles, Oliveira - glória de Montes Claros, magnífica glória de Porteirinha, cidade mãe dos seus filhos Irani, Itamar, Iolanda, Itajahy, Iracy, Ítalo, Ilacir, Itamaury, Isani, Ivan e Ilmar.


A INTERNET NO NORTE DE MINAS

No princípio, nada. Nem mesmo um sonho. Quando muito um pouco de ideias, esparsas ideias de alguma coisa que pudesse chegar por aqui, nas distâncias dos grandes centros. Há dez anos, para comprar um simples micro, o cidadão ousado tinha que ir a São Paulo ou ao Rio de Janeiro. E, depois, quando havia necessidade de qualquer pequeno conserto, ainda estavam em São Paulo ou no Rio as primeiras oficinas, os primeiros entendidos com conhecimento mais completos ou recursos à mão. Por aqui, quando muito, poucos curiosos, pessoas que davam assistência a um ou outro banco, que também começava a usar informática. Ninguém tinha um HD de mais de 10 mega. E isso já era um exagero.

Na verdade, só de uns sete anos para cá, quando da liberação das importações, é que os computadores surgiram à luz do dia, deixaram o esconderijo da informalidade, encontraram corredores de entrada que não mais o Paraguai ou os esquemas de Miami. Aos poucos, as escolas de informática foram surgindo em Montes Claros, primeiro a Escola Técnica, o Senac, depois uns poucos pioneiros da iniciativa particular, quase sempre na base da improvisação. Internet? Nem pensar, isso seria coisa praticamente inimaginável, a um custo quase estratosféricos da telefonia interurbana, como ainda acontece até hoje em países árabes, que as conexões são feitas por DDI e só acessíveis aos príncipes e às princesas.

Como a Terra sempre girou e continua girando, também um dia, a Internet tinha que chegar por aqui. De início, quase que um posto de BBS, em seguida a Infoarte, depois a Connect. Tudo em Montes Claros, só em Montes Claros, com um mínimo de usuários, estes quase sempre em residências em que os pais presenteavam os filhos, com a esperança de que eles pudessem fazer pesquisas para as escolas. Hoje, a realidade é outra, inclusive com dois provedores, em Montes Claros e um em Janaúba, todos juntos com quase duas mil assinaturas, não podendo, de maneira alguma, desprezar um trabalho também pioneiro da Unimontes, que atua por canal independente.

O futuro é promissor. A velocidade de conexão aumenta, novas homes pages são ativadas, os endereços de e-mails chegam aos milhares. Já podemos dizer, sem sombra de dúvida, que podemos servir de exemplo até a regiões que sempre foram privilegiadas. Nossa qualidade de serviço é realmente admirável. Muitas e muitas consultam provenientes de muitas cidades estão surgindo para a instalação de provedores. Já, já, o Norte de Minas representará um maravilhoso exemplo para outras partes do país.


RUA DOUTOR SANTOS VISTA DE PERTO

A Rua Doutor Santos começava mesmo era no Bar de Manoel Cândido, onde fica hoje a Caixa Econômica Estadual, e no Banco Crédito Real onde funcionam as Pernambucanas. Depois era o barzinho de Adail Sarmento, mais café do que qualquer outra coisa, pois, lugar pacato, sério, onde nem viajante do Hotel São Luiz podia fazer barulho e conversar alto, tudo com muito respeito ao lado de um mini restaurante em que alguns estudantes mais bem postos na vida – como o Ivan Guedes – podiam tomar semanalmente um pequeno lanche, com gorjeta para o garçom. Pensando bem, o bar ou café de Adail Sarmento era um quase sucesso, com tiras de bilhetes de loteria e açúcar refinado retirado do vidro com colherinhas compridas, bem ao olho do dono reclamador dos exageros. Quando um dia um viajante encheu a xícara todinha de açúcar, Adail perguntou a ele por que gostava de café tão amargo... De lá saíam muitas estórias para a portaria do hotel no outro lado, onde muitos anos depois, ainda falavam de saudades do bom Sebastião Sobreira, que de tão bom, no dia em que morrera, os pobres choraram nas ruas no meio de muitos lamentos pela perda do amigo e protetor. Era no Hotel São Luiz, nas quintas-feiras, à noite, a reunião do Rotary Clube, a mais fina nata da aristocracia montes-clarense, lugar em que pontificavam inteligências e interesse pelo bem público, como João Souto, Nozinho Figueiredo, Moreira César, Niquinho Teixeira Fontes, Cel. Coelho Gentil Gonzaga, Chico Tófani e Nathércio, entre os que se foram, e Luiz Pires, Antônio Augusto Athayde, João Valle Maurício, Lezinho, Baendel, Geraldo Guerra, Luiz de Paula, Levy Peres, entre os muitos que ainda estão muito vivos.

Luiz de Paula, no meu acompanhamento de jovem repórter, foi o melhor presidente que conheci, quando uma noite no Rotary dava tanto assunto que, no dia seguinte, eu escrevia todo o JMC, com exceção da página de polícia. Até para crônica social do A. R. Peixoto, e, mais tarde, dos J. e J., eu fornecia dados para fazer sucesso. Era uma festa e tanto, e nenhum assunto importante poderia ser sugerido ou resolvido sem passar por lá. Um pouco acima ficava a farmácia do Juca de Chichico, com ele sempre muito falante, alegre fazendo trocadilhos, mexendo com um e com outro que passava, bem vestido, já não muito novo, mas bastante saudável para viver intensamente como gostava. Dele me lembro muito bem nos dois extremos da rua, porque encontrávamos também muitas vezes por dia no Hotel São José, lá no fim, na praça Cel. Ribeiro. Era a única farmácia da Rua Doutor Santos, antes de Montes Claros ser o maior paraíso de farmácias da face do planeta Terra. À frente, o Banco Hypothecário e Agrícola, de Mauro Moreira e Lidehir, com placa ainda escrita com “y” e com “th”, contrastando já com certa modernidade dos bancos de João Damásio, que era chamado de Barroso, e de “Seu” Armando, o Bancomércio, onde trabalhavam Gil Meira, o Luizão Martins e Theodomiro
Paulino, o Theo quase menino. O barulho ficava por conta da loja de rádios e eletrolas e geladeiras e discos de 78, do Dizinho Bessa, uma precursora das modernas lojas de muita propaganda, aonde muitas vezes fui buscar anúncios para o Jornal. Era um contraste com a linha de grande elegância e silêncio da “Renner” de Nathércio França, com camisas de colarinhos trubenizados e os ternos vindos prontinho de Porto Alegre, da maior elegância, juntamente com passagens aéreas a antiga Nacional de voos diários para Belo Horizonte e Salvador. Nathércio, com João Leopoldo brotinho, cantor da jovem D-7 e com testes na Rádio Nacional do Rio, era o melhor e mais ponderado papo de tudo que cheirava ao atual da cidade e do país. Creio que, além de ternos e passagens de avião, a gente poderia comprar lá também gravatas, lenços e cuecas samba-canção, em grande evidência naquele tempo.

Como veem, não chegamos ainda nem ao JMC, que ficava em frente à Padaria Santo Antônio, onde o cheirinho de pão quente era uma gostosura...


TEMPOS DE CASSINO

Não havia a Rua Lafetá, desembocando ali na rua Carlos Gomes. O que havia lá era só o esplendor do Alhambra, casa de mulheres grã-finas, chefiada com mão de ferro por Ana Reis, uma organização de dar gosto. A rua Lafetá só foi aberta já no fim da administração de Capitão Enéas Mineiro, quando este a ligou com a rua Visconde de Ouro Preto, que até hoje conserva o nome. Era nesse encontro de esquinas que ficava o cassino, casa de festas, de jogos, de encontros, que tinha na placa o respeitável nome de Clube Minas Gerais. Ao lado, em volta, pertinho, longe, dezenas de casas de mulheres, com janelas apinhadas de propaganda viva, contida algazarra de quem precisava acatar as exigências das famílias vizinhas. Durante o dia, certo respeito. A noite, agora sim, é hora de se divertir, pode levantar o tom da música que é tempo de prazeres. Todos os homens, tendo dinheiro, estão convidados!

Foi por causa do cassino que não pude ficar morando na Pensão de D. Ismênia, na Praça de Esportes. Menino ainda, não ficava bem passar, toda hora, em frente das casas ditas de tolerância, subisse pela rua S. Francisco, pela Carlos Gomes ou pela Altino de Freitas; pela rua Lafaiete, aí nem podia pensar, era lá o centro de tudo, a capital do pecado. Sabedor mestre da situação, Dr. Carlyle Teixeira, meu conselheiro, mandou-me para a rua Afonso Pena, no beco do Padre Marcos, para a pensão de D. Tonica, lugar de gente muito mais séria. De lá para a Imperial, durante o dia, ou para o Diocesano, durante a noite, era um pulinho, e bem a salvo da malandragem ou da perdição... Assim era mais seguro, pensava ele.

Engraçado é que, apesar de todo esse cuidado, por ser amigo de Anibal Rego, que era amigo de Ana Reis, raro foi o dia em que eu não passava pelo Alhambra, para ouvir rádio ou escutar conversas do mulherio de luxo, não sei que tempo eu encontrava para isso. O cassino eu via por cima, da sacada, lá dentro a orquestra ou um tipo de regional dirigido por Godofredo Guedes, um mestre da clarineta, a dedilhar e soprar boleros, tangos e velhas músicas de jazz. Com dezesseis anos, entrar na festa estava fora de qualquer cogitação. Este direito ficava com os rapazes mais velhos como Geraldo Borges, Geraldo Avelar, Dudu Cunha, Ildeu Gonzaga, Carlúcio Athayde, ou meninos ousados como Bebeto Prates.

De todos os frequentadores das casas de mulheres, o mais importante, o maior galã, era Dudu Cunha. Grã-fino, rico, bonitão, vivia a época de ouro dos donos de caminhão. Na noite em que ele chegava de Taiobeiras, toda a Pensão de D. Ismênia só falava nas suas aventuras, no cuidado que ele tinha com as roupas, com os sapatos, com o perfume, no demorado barbear. Os filhos de Nego do Ó, que vinham de Salinas, Gildásio Ramos, que parece, já morava em Montes Claros, todos ficavam alvoroçados para acompanhá-lo, tirando uma casquinha do seu sucesso. Era um espetáculo para todos nós, os mais novos, mais sensacional do que um episódio de seriado do Cine Cel. Ribeiro. Dizem que, com Dudu, até Nivaldo e Benedito Maciel, os donos da noite, ficavam ofuscados. Montes Claros se curvava perante Taiobeiras!

Fora daí, num outro circuito de que eu só ouvia falar, as estórias corriam por conta de um rico comerciante chamado Kalil, de Ludendorff, de José de Souza Zumba, de Benjamim Moura, e de jovens doutores bem conhecidos, entre eles Mário Ribeiro, João Valle Maurício e Konstantin Christoff, todos grã-finos, elegantes e bem postos na vida...


INSTITUTO HISTÓRICO E CULTURAL DOS POLICIAIS CIVIS DO NORTE DE MINAS

Os policiais civis do Norte de Minas passaram a contar desde sábado com seu Instituto Histórico, criado com o objetivo de fomentar a atividade cultural e intelectual e ainda resgatar a história do trabalho dessa corporação na região. A instituição é uma iniciativa da escrivã Gessiléia Soares Cangussu e teve meu apoio e tutoria do Instituto Histórico de Minas Gerais e Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. A reunião de aprovação do estatuto foi realizada com a participação de dez policiais civis da ativa e aposentados. A entidade cobrirá os 86 municípios do Norte de Minas.

A mentora Gissiléia Soares Cangussu explicou que desde 2012 tem o projeto de fomentar a atividade cultural entre os vários segmentos da Polícia Civil no Norte de Minas, que chegam a aproximadamente 500 membros, sendo 300 na ativa e 200 como aposentados. No final do ano, o seu esposo André Luiz a incentivou a criar o Instituto Histórico, com apoio do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Foram iniciadas as reuniões e a proposta teve adesão, pois de imediato, vinte pessoas decidiram participar, como por exemplo, os delegados Manoel Messias e Biancart José Monteiro que são escritores e historiadores. O Instituto Histórico dos Policiais Civis é inédito em Minas Gerais.

“O escritor Wanderlino Arruda assumiu a função de tutor, ficando responsável pela organização do seu estatuto e regimento interno, além de direcionar as medidas no aspecto intelectual. Ele carrega a experiência de membro do Instituto Histórico de Minas Gerais, criador do Instituto Histórico e Geográfico do Norte de Minas, criador da Academia Maçônica de Letras do Norte de Minas e da Academia de Letras do Banco do Brasil. Está em processo de criação da Academia de Artes, Ciências, Letras e Cultura de Francisco Sá e do Instituto Histórico de Guanambi. É membro da Academia de Letras de Montes Claros.” (texto de uma relatora)

O Instituto Histórico e Cultural dos Policiais Civis do Norte de Minas foi instalado na noite de sexta-feira, durante evento realizado no auditório da Área Integrada de Segurança Pública em Montes Claros, quando o delegado aposentado e escritor Manoel Messias Oliveira tomou posse como presidente. O Instituto é o primeiro do Brasil na área policial e tem como foco resgatar a história da corporação policial. O chefe do Departamento da Polícia Civil, Renato Henrique Nunes e o delegado regional Jurandir Rodrigues César Junior participaram da solenidade.

O presidente empossado esclarece que de imediato o Instituto Histórico e Cultural dos Policiais Civis do Norte de Minas terá o Boletim Mensal, com informações sobre as atividades da entidade; depois uma revista semestral, sempre com artigos dos seus associados e por fim, um livro, que deverá ser publicado uma vez por ano. Com a experiência de ter seus textos aproveitados pela Rede Globo em novelas, Manoel Messias afirma que o Instituto Histórico e Cultural dos Policiais Civis do Norte de Minas começa com 12 membros, dois benfeitores e dois correspondentes, o que dá um total de 16 associados.

O chefe do Departamento da Polícia Civil, Renato Henrique Nunes explica que a criação do Instituto Histórico e Cultural dos Policiais Civis do Norte de Minas tem apoio da corporação por ser o primeiro desse ramo no Brasil e ainda por ser uma forma de preservação da história da corporação, pois um povo sem memória é sem cultura. Renato Henrique afirma que todas as ideias como essa merecem total apoio.


MESTRES KONSTANTINIE SAMUEL

Leio o bonito e completo texto do meu amigo e irmão Samuel Figueira sobre o nosso amigo Konstantin Christoff, que acabou nos deixando pela força dos 85 anos de vida, e me lembro perfeitamente da primeira exposição de pintura do Samuca, no prédio da Rua Justino Câmara com Padre Teixeira, e da apresentação que fiz, com palavras que soam até hoje na minha consciência, como se aquele julgamento fosse eterno. Afinal, era a história de um menino genial, que, adulto, se tornava mais genial ainda. Abaixo, um pouco do que escrevi sobre o artista, a sua vida e a sua arte.

Um dia o garoto toma coragem, veste a sua melhor roupinha, põe na cara o melhor dos sorrisos, e corre pressuroso em busca do elogio e do incentivo do já famoso futuro colega Konstantin Christoff. Leva o mais trabalhado dos quadros, aquele mais acadêmico, mais certinho, de pinceladas bem cuidadas. Pede a opinião e baixa a vista, modesto, temendo, antecipadamente, as palavras de louvor. Mas tudo sai ao contrário, Konstantin, jovem e fogoso, não sabe mascarar a verdade. Não gostando, diz sinceramente ao menino que não gostou. Faz mais: mando-o ir embora, esquecer o entusiasmo, jogar fora os pincéis e as tintas e tentar fazer outra coisa mais condizente com a sua vocação, que, de natural, pelo que via, não seria a de pintor. O menino revolta-se, fica com o espírito em brasa, assustado, coça a cabeça e, em princípio, resolve aceitar o conselho, a sugestão por mais terrível que fosse. Chateado, chateadíssimo, sai e volta para casa. Triste e meditativo, raciocina melhor e conclui que está diante de um grande desafio, o que até pode ter sido esse o desejo de Konstantin. Analisa o passado, entrevê o futuro, e toma uma decisão: nem Konstantin nem ninguém pode ou vai sufocar o seu destino, sua vontade de ser artista. Se com aquelas palavras Konstantin estava mesmo é
querendo despertá-lo, desafiá-lo, provocá-lo, ele iria ver, iria conhecer a sua reação de menino-homem, um grito de luta em busca de novo mérito. E quem sabe, até de elogios!

O que fez então o menino? Voltou a sua energia em direção ao próprio Konstantin, crítico ou conselheiro, produzindo, de súbito, a sua primeira e revolucionária composição moderna, uma mescla de variações geométricas e instrumentais, em cores robustas e enérgicas, pinceladas marcantes. Para compor o rosto, desenhou uma chave inglesa, representando todo o conjunto facial; para traduzir o cachimbo, enfiou-lhe um machado bem tosco na boca. Resultado: uma figura chocante, mas de grande efeito. O crítico Konstantin gostou. Gostou tanto, que o aconselhou agora a buscar de novo, e com muito amor, os velhos pincéis baratos. E que o garoto partisse para a realização de novas e muitas tentativas. Procurasse ser menos Godofredo e muito mais Samuel.

Data daí a nova fase da vida do artista Samuel. Pouca produção, muito cuidado, mais procura de melhor qualidade. Ideias sobre ideias. Formas sobre formas, transparências e coloridos novos. Entusiasmo comedido, decidida concentração, firmeza no ideal. Sem favor nenhum, pode-se considerar, em face do tempo, que Samuel Figueira, também meu mestre e crítico, é e será sempre um excepcional desenhista e pintor, artista de primeiríssima linha. Graças à inteligência, força de vontade e talento, dos melhores da história de Montes Claros. Sempre ele agradeceu isso ao amigo e colega Konstantin Christoff. E eu também!


PROFESSOR CÍCERO PEREIRA, UMA INSTITUIÇÃO

O espírito se enriquece com aquilo que recebe;
o coração com aquilo que dá. (Victor Hugo)

Construir pontes de amizade e entendimento, dialogar por toda a continuidade da vida, ser simples e autêntico como bom norte-mineiro - otimista, alegre, motivado sempre e sempre – acredito foram qualidades primordiais do professor Cícero Pereira, personagem e tema do livro PROFESSOR CÍCERO PEREIRA, do irmão, companheiro e amigo Antônio Felix da Silva.

Natural de Grão Mogol, Cícero dos Santos da Silva Pereira viveu vida plena e consciente com todos os coloridos de uma encantadora espiritualidade, só possível a seres iluminados por muitos méritos. Foi homem sem metades, sem lacunas, alma e corpo por inteiro, cristão em tempo integral da primeira à última hora. Todas as qualidades de um ser humano incomparável no seu tempo ou em qualquer tempo.

Conheci muito Cícero Pereira em muitos e muitos dedos de prosa com a sua irmã Lisbela, querida amiga. Conheci Cícero através do seu irmão Ezequiel, este dileto amigo de longo convívio na Fraternidade Espírita Canacy, instituição espírita fundada pelos dois, lá pelos idos de 1920. O professor Zeca dizia que o primeiro contato dele e de Cícero com o Espiritismo ocorreu na adolescência, quando passando pela rua Rui Barbosa, em Montes Claros, encontraram dentro de uma valeta, uma mensagem psicografada, que lida em voz alta, foi um despertamento imediato, como se tivessem minerado um tesouro. Em uníssono, disseram mais do que imediato:

- Vamos seguir esta doutrina. É boa demais da conta!

Conheci Cícero Pereira também através da história de Montes Claros, estudando gentes e costumes. Cícero foi o primeiro gerente do Banco da Lavoura de Minas Gerais, de início localizado na esquina da São Francisco com a Praça Daniel Costa, coração e centro comercial. Homem bom por natureza, servir no banco ou na vida era uma atitude mental, um lema da existência. Em Cícero como em Ezequiel e Lisbela, o Evangelho tinha sentido real, era norte para todas as ações, em casa, na rua ou no trabalho. Não bastava conhecer a virtude, era preciso possuí-la e colocá-la em prática. Tudo sempre a favor, tudo sempre em melhoria das pessoas e das fases de progresso. Espírito consciente do próprio valor tem que ter virtudes multissecular, produzir e ensinar felicidade. “O amor não está no outro, está dentro de nós mesmos. Nós o despertamos, mas para despertá-lo, necessitamos do nosso próximo, do outro, de outrem. Não podemos deter o progresso... O Amor é difícil para os indecisos, assustador para os medrosos, avassalador para os apaixonados, para os que sabem o que querem. Nunca desistir da busca de ser feliz é para poucos”. Palavras de Cecília Meireles.

Cícero Pereira, nasceu em Grão Mogol aos 14 de novembro de 1881, fez curso primário em São José do Gorutuba e curso de magistério na Escola Normal de Montes Claros, onde chegou ao cargo de diretor. Casou-se com Guiomar Lellis em março de 1903. Ela e ele professores, ele além de professor, guarda-livros, taquígrafo, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais e poliglota. Foi também um bom esperantista. Em Grão Mogol, a partir de 1909, exerceu o magistério e foi prefeito, coletor estadual e colaborador assíduo da imprensa. Ali, levantou a bandeira do Espiritismo, conseguindo reunir elevado número de adeptos, mercê de sua simpatia, cultura e talento de grande orador. Em 1927, mudou com a família para Belo Horizonte, e lá fundou “O Tempo” e dirigiu o “Espírita Mineiro”. De junho de 1937 a junho de 1940, foi presidente da União Espírita Mineira. Avesso à vaidade, sempre recusou medalhas e comendas. Nasceu, viveu e morreu pobre de bens materiais.

Cícero conviveu com espíritas exponenciais de Minas e do Brasil, entre eles Manoel Quintão, Guillon Ribeiro, Carlos Imbassahy, Leopoldo Machado, Clóvis Tavares, Pietro Ubaldi, Pedro Machado, Virgílio Pedro de Almeida, Rubens Costa Romanelli, Bady Elias Couri. Francisco Cândido Xavier era tido como um filho muito querido de Cícero e Guiomar. É dele este depoimento: “Achava-me em graves dificuldades no desdobramento de minhas atividades mediúnicas, após a publicação do “Parnaso de Além Túmulo”, em 1932, e precisava ouvir um companheiro que me auxiliasse nos esclarecimentos de que necessitava. Nosso caro Professor não só me recebeu com imensa bondade, como também me franqueou a própria moradia, onde por muitas vezes tive o privilégio de ouvi-lo, tanto quanto a sua querida esposa Dona Guiomar, sobre os mais variados problemas da vida, com o que ambos me fortaleceram a fé, no estímulo ao trabalho de que foram exemplos vivos, em nosso mundo”.

O nome de Cícero Pereira está ligado a centenas de instituições espiritas em Minas Gerais. Nome de rua em Montes Claros, tem o seu nome uma das mais prestigiosas entidades espíritas de Brasília-DF, o Centro Espírita da Fraternidade Cícero Pereira. Sem qualquer dúvida, um nome nacional.

Como dizia o seu irmão Ezequiel, haverá eternamente um caminho a percorrer. Perfeccionistas, para eles não bastava fazer coisas boas, era preciso fazê-las bem. Lembro-me do professor Zeca, já com seus 84 anos, setenta de Espiritismo, estudando cada livro, anotando -os em latim, em esperanto, em inglês ou mesmo em português cada palavra, cada trecho importante.

- Por que não somente lê, professor? Desses livros, acredito que o senhor sabe tudo...

- Nada, Wanderlino, aprendo para o agora e para a vida espiritual, que já vem perto. É preciso aprender mais e mais. Estudo do mesmo jeito que estudava sempre o meu irmão Cícero. O aprender não tem fim...

Louvo de todo o meu coração este livro de Antonio Felix da Silva. Louvo o seu amor a Montes Claros e ao Norte de Minas, concentrando-o todo na memória sobre a excepcional existência do pro fessor Cícero, o melhor e o maior exemplo de expansão do bem e da fé raciocinada. Uma forma perfeita para também divulgar a doutrina espírita que aprendemos com o inesquecível professor Ezequiel, que como o irmão Cícero, era reconhecidamente inteligente e dinâmico, persistentemente didático na ação e na divulgação de bons princípios. Um e outro capazes de perceber cada degrau evolutivo, cada etapa da melhoria espiritual.

Espero que este livro do meu samideano no Montes Claros Esperanto Klubo e confrade da Academia Montes-clarense de Letras, Antônio Felix da Silva, seja, ao mesmo tempo, memória e documento de uma das maiores personalidades do Espiritismo brasileiro. Bem haja!

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Este livro foi composto na tipografia Adobe Caslo Pro em corpo 12 e Helvética Neue, impresso em papel offset 75g/m2 . Montes Claros, novembro de 2020.


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