COMISSÃO FUNDADORA 2006-2007


Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
Jornalista LUIS RIBEIRO
Dr. WANDERLINO ARRUDA


DIRETORIA 2007- 2009

PRESIDENTE DE HONRA Dr. LUIZ DE PAULA FERREIRA
PRESIDENTE Dr. WANDERLINO ARRUDA
1º VICE - PRESIDENTE Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
2º VICE - PRESIDENTE Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
DIRETORA EXECUTIVA Profa. MARTA VERONICA V. LEITE
DIRETOR-SECRETÁRIO Dr. PETRÔNIO BRAZ
DIRETOR-SECRETÁRIO ADJUNTO Coronel LÁZARO FRANCISCO SENA
DIRETOR DE FINANÇAS Prof. JUVENAL CALDEIRA DURÃES
DIRETOR DE FINANÇAS ADJUNTO Historiador HÉLIO DE MORAIS
DIRETORA DE PROTOCOLO Profa. REGINA Mª BARROCA PERES
DIRETORA CULTURAL Profa. RAQUEL VELOSO MENDONÇA
DIRETORA DE BIBLIOTECA Escritora AMELINA CHAVES
DIRETORA DE MUSEU Historiadora MILENA A. C. MAURÍCIO
DIRETOR DE RELAÇÕES PÚBLICAS Dr. ITAMAURY TELLES DE OLIVEIRA
DIRETORIA DE JORNALISMO Jornalista LUIZ RIBEIRO

CONSELHO CONSULTIVO

Dr. JOSÉ GERALDO DE FREITAS DRUMOND
Dr. WALDYR DE SENA BATISTA
Profa. YVONNE DE OLIVEIRA SILVEIRA

COMISSÃO DE GEOGRAFIA E ECOLOGIA

Prof. IVO DAS CHAGAS
Profa. ANETE MARÍLIA PEREIRA
Profa. MARIA APARECIDA COSTA


COMISSÃO DE HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA

Profa. MARTA VERÔNICA VASCONCELOS LEITE
Prof. CÉSAR HENRIQUE DE QUEIROZ PORTO
Profa. FELICIDADE PATROCÍNIO

COMISSÃO DE ANTROPOLOGIA, ETNOGRAFIA
E SOCIOLOGIA

Prof. GY REIS GOMES BRITO
Profa. CLÁUDIA REGINA ALMEIDA

COMISSÃO DE CLASSIFICAÇÃO E DE
ADMISSÃO DE SÓCIO
S

Jornalista MAGNOS DENNER MEDEIROS
Profa. MIRIAM CARVALHO
Dra. FELICIDADE VASCONCELOS TUPINAMBÁ
Profa. ZORAIDE GUERRA DAVID
Dr. WANDERLINO ARRUDA
Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM

COMISSÃO DA REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO

Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM - coordenador
Dr. ITAMAURY TELLES DE OLIVEIRA
Dr. PETRÔNIO BRAZ
Dr. WANDERLINO ARRUDA
Prof. JUVENAL CALDEIRA DURÃES
Profa. MARTA VERÔNICA VASCONCELOS LEITE
Jornalista LUIS CARLOS NOVAES


COMISSÃO REVISORA DA REVISTA

Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
Coronel LÁZARO FRANCISCO SENA
Dr. WANDERLINO ARRUDA


LISTA DE SÓCIOS EFETIVOS DO IHGMC

CD
Sócios
Patronos
01
Dr José Santos Rameta Alpheu Gonçalves de Quadros
02
Escritora Milene A. Coutinho Maurício Alfredo de Souza Coutinho
03
Padre Antônio Alvimar Souza Antônio Augusto Teixeira
04
Professora Claúdia Regina Almeida Antônio Augusto Veloso (Desemb.)
05
Profª Yvonne de Oliveira Silveira Antônio Ferreira de Oliveira
06
Prof Marcos Fábio Martins Oliveira Antônio Gonçalves Chaves
07
Professora Maria Aparecida Costa Antônio Gonçalves Figueira
08
Professora Anete Marilia Pereira Antônio Jorge
09
Professora Isabel Rebelo de Paula Antônio Lafetá Rebelo
10
Professora Maria Florinda Ramos Pina Antônio Loureiro Ramos
11
Jornalista Reginauro Rodrigues da Silva Ary Oliveira
12
Dr Antônio Augusto Pereira Moura Antônio Teixeira de Carvalho
13
Dr Cesar Henrique Queiroz Porto Ângelo Soares Neto
14
Professora Karla Celene Campos Arthur Jardim Castro Gomes
15
Jornalista Magnus Denner Medeiros Ataliba Machado
16
Dr Waldir de Senna Batista Athos Braga
17
Profa. Marta Verônica Vasconcelos Leite Auguste de Saint Hillaire
18
Dr Petrônio Braz Brasiliano Braz
19
Dr Luiz de Paula Ferreira Caio Mário Lafetá
20
Professora Felicidade Patrocínio Camilo Prates
21
Dr Reivaldo Simões de Souza Canela Cândido Canela
22
Professora Lygia dos Anjos Braga Carlos Gomes da Mota
23
Historiador Hélio de Morais Carlos José Versiani
24
Dr João Carlos Rodrigues Oliveira Celestino Soares da Cruz
25
VAGA Corbiniano R Aquino
26
VAGA Cyro dos Anjos
27
Professora Regina Maria Barroca Peres Dalva Dias de Paula
28
Escritora Amelina Chaves Darcy Ribeiro
29
Professora Filomena Luciene Cordeiro Demóstenes Rockert
30
VAGA Dona Tirbutina
31
Professora Clarice Sarmento Dulce Sarmento
32
Dr Edgar Antunes Pereira Edgar Martins Pereira
33
Dr Wanderlino Arruda Enéas Mineiro de Souza
34
Profa. Geralda Magela de Sena e Souza Eva Bárbara Teixeira de Carvalho
35
VAGA Ezequiel Pereira
36
Dra. Felicidade Vasconcelos Tupinambá Felicidade Perpétua Tupinambá
37
VAGA Francisco Barbosa Cursino
38
Professora Maria Inês Silveira Carlos Francisco Sá
39
Professor Ivo das Chagas Gentil Gonzaga
40
Drª Maria da Glória Caxito Mameluque Georgino Jorge de Souza
41
Dr Reinine Simões de Souza Geraldo Athayde
42
Professora Maria Luiza Silveira Teles Geraldo Tito da Silveira
43
Professor Benedito de Paula Said Godofredo Guedes
44
Hist. Roberto Carlos Morais Santiago Heloisa V. dos Anjos Sarmento
45
Jornalista Angelina de Oliveira Antunes Henrique Oliva Brasil
46
Professora Eliane Maria F Ribeiro Herbert de Souza – Betinho
47 Jornalista Paulo César Narciso Soares Hermenegildo Chaves
48 Professora Raquel Veloso de Mendonça Hermes Augusto de Paula
49 Dra. Maria Fernanda M. Brito Ramos Irmã Beata
50 Escritor Olyntho Alves da Silveira Jair Oliveira
51 Dr José Carlos Vale de Lima João Alencar Athayde
52 Profa. Maria Isabel M. F. Sobreira João Chaves
53 Dr João Carlos M. Sobreira de Carvalho João Batista de Paula
54 VAGA João José Alves
55 Cel. Lázaro Francisco Sena João Luiz de Almeida
56 Escritor João Aroldo Pereira João Luiz Lafetá
57 Jornalista Luiz Carlos Novaes João Novaes Avelins
58 Professor Necésio de Morais João Souto
59 Jornalista Luiz Ribeiro dos Santos João Vale Maurício
60 VAGA Jorge Tadeu Guimarães
61 Jornalista Girleno Alencar Soares José Alves de Macedo
62 Profº José Geraldo de Freitas Drumond José Esteves Rodrigues
63 Historiador Pedro de Oliveira José Gomes Machado
64 Professora Palmyra Santos Oliveira José Gomes de Oliveira
65 Dra. Maria de Lourdes Chaves José Gonçalves de Ulhôa
66 Arqueólogo Fabiano Lopes de Paula José Lopes de Carvalho
67 Dr Elias Siuffi José Monteiro Fonseca
68 Professora Rejane Meireles Amaral José Nunes Mourão
69 VAGA José (Juca) Rodrigues Prates Júnior
70 Jornalista Márcia Sá José Tomaz Oliveira
71 Dr João Caetano Canela Júlio César de Melo Franco
72 Jornalista Theodomiro Paulino Correa Lazinho Pimenta
73 Dra. Maria das Mercês Paixão Guedes Lilia Câmara
74 Professor Laurindo Mekie Pereira Luiz Milton Prates
75 VAGA Manoel Ambrósio
76 VAGA Manoel Esteves
77 Profª Maria Jacy de Oliveira Ribeiro Mário Ribeiro da Silveira
78 Jornalista Américo Martins Filho Mário Versiani Veloso
79 Professora Maria José Colares Moreira Mauro de Araújo Moreira
80 Jornalista Hélio Machado Miguel Braga
81 Prof. Juvenal Caldeira Durães Nathércio França
82 Dr Haroldo Lívio de Oliveira Nelson Viana
83 Historiador Paulo Costa Newton Caetano d’Angelis
84 Dr Itamaury Telles de Oliveira Newton Prates
85 VAGA Armênio Veloso
86 Professora Zoraide Guerra David Patrício Guerra
87 Profa. Marta Edith Sayago M Marques Pedro Martins de Sant’Anna
88 Professora Miriam Carvalho Plínio Ribeiro dos Santos
89 Jornalista Rosângela Silveira Robson Costa
90 Hostoriador José Henrique Brandão Romeu Barcelos Costa
91 Dr Wesley Caldeira Sebastião Sobreira Carvalho
92 Professor Roberto Pinto Fonseca Sebastião Tupinambá
93 Dr Dário Teixeira Cotrim Simeão Ribeiro Pires
94 Dr Luiz Pires Filho Teófilo Ribeiro Filho
95 VAGA Terezinha Vasquez
96 Professora Ruth Tupinambá Graça Tobias Leal Tupinambá
97 Professor Gy Reis Gomes Brito Urbino Vianna
98 Jornalista Rafael Freitas Reis Virgilio Abreu de Paula
99 VAGA Waldemar Versiani dos Anjos
100 Professora Maria Clara Lage Vieira Wan-dick Dumont

Sócios Correspondentes

Dr.André Kohene Caetité -BA
Prof. Regente Armênio Graça Filho Rio de Janeiro- RJ
Dr. Ático Vilas-Boas da Mota Macaúbas - BA
Dr. Augusto José Vieira Neto Belo Horizonte - MG
Dr. Avay Miranda Brasilia - DF
Jornalista Carlos Lindenberg Spínola Castro Belo Horizonte - MG
Escritora Carmem Netto Victória Belo Horizonte - MG
Historiadora Célia do Nascimento Coutinho Belo Horizonte - MG
Historiador Daniel Antunes Júnior Espinosas - MG
Dr. Enock Sacramento
São Paulo - SP
Dr. Fernando Antônio Xavier Brandão Belo Horizonte MG
Dr. Eustáquio Wagnar Guimarães Gomes Belo Horizonte - MG
Escritor Flávio Henrique Ferreira Pinto Belo Horizonte - MG
Jornalista Geraldo Henriques (Riky Tereze) New York - USA
Prof. Herbet Sardinha Pinto Belo Horizonte - MG
Jornalista Jeremias Macário Vitória da Conquista - BA
Jornalista João Martins Guanambi - BA
Dr. Jorge Lasmar Belo Horizonte MG
Prof. José Eustáquio Machado Coelho Belo Horizonte MG
Prof. Dr. Jorge Ponciano Ribeiro Brasília - DF
Dr. Marco Aurélio Baggio Belo Horizonte MG
Profa. Dra. Maria da Consolação M. Figueiredo Cowen London - England
Prof. Moisés Vieira Neto Várzea da Palma - MG
Jornalista Paulo César Oliveira Belo Horizonte - MG
Jornalista Paulo César Oliveira Belo Horizonte - MG
Escritor Reynaldo Veloso Souto Belo Horizonte - MG
Prof.Thiago Carvalho Makiyama Gunma-Ken - Japão
Prof. Wellington Caldeira Gomes Belo Horizonte - MG
Historiador Zanoni Eustáquio Roque Neves
Belo Horizonte - MG

NOTAS DOS COORDENADORES DA EDIÇÃO

A ordem de publicação dos trabalhos dos sócios efetivos obedeceu à seqüência alfabética dos nomes dos autores. Em seguida, foram ordenados os trabalhos dos sócios correspondentes; A Revista não se responsabiliza por conceitos e declarações expedidos em artigos publicados; A revisão dos disquetes originais foi feita pelos próprios autores dos artigos publicados.


HOMENAGENS


Historiador João Botelho Neto

Cônego Adherbal Murta de Almeida

Poeta Reivaldo Canela

Escritor
Olyntho da Silveira

EPITÁFIO

Para um túmulo de amigo

“A morte vem de manso, em dia incerto
e fecha os olhos dos que têm mais sono...”.

(Alphonsus de Guimaraens – ossa mea, I.)


FINS DO IHGMC

Art. 2º - O IHGMC tem como finalidade a promoção de estudos e a difusão de conhecimentos de história, geografia e ciências afins, do município de Montes Claros e da região Norte de Minas, assim como o fomento da cultura, a defesa e a conservação do patrimônio histórico, artístico e cultural.


APRESENTAÇÃO

Deus quer que nós sejamos produtivos em nossas vidas. Quer que tenhamos mais do que conhecimento, mais do que simples sonhos ou simples esforços. Necessário é que coloquemos nosso raciocínio em prática e sejamos competentes, eficazes e produtivos, mirando para fora - como quem sonha - e olhando para dentro - como quem desperta. Importante então é o pensar e o realizar, tanto melhor se com uma freqüência organizada e previsível como a que temos feito nas publicações do nosso Instituto. Em verdade, tudo que realizamos é animado e sugerido por um verdadeiro amor a Montes Claros e à região norte-mineira, sempre fonte de boas estórias e histórias, espelhos de razão e emoção que refletem passado e presente.

Ainda muito novo, nosso Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, filho dileto do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, pode ser definido e interpretado com dizeres de Emmanuel: “Ontem, foste o que eras. Amanhã, serás o que fizeres de ti. Hoje, porém, és o que és. Por isso mesmo, não te detenhas. Aproveita agora para realizar o bem que deves e já possas fazer”. Assim, o IHGMC, responsável pelo levantamento de dados e registros de fatos e personagens ligados ao históricogeográfico, marca e marcará nosso mineiríssimo Sertão, principalmente nos destaques e sotaques regionais, tão próximos da Bahia e do Nordeste.

Fruto da organização e do esforço do nosso Vice-presidente Dário Teixeira Cotrim e da colaboração de muitos dos nossos associados, temos procurado realizar o melhor e mais apropriado para cada momento, esta edição, por exemplo, é dedicada ao Centenário do historiador Hermes de Paula, sem favor nenhum o homem que mais amou Montes Claros, sua gente, sua história e seus costumes. Tributo mais do que merecido, ao mesmo tempo um sincero agradecimento pelo que Hermes foi e representou até os últimos momentos de sua vida, quando de nós se separou fisicamente em 1983.

Esperamos destacar em próximas edições os centenários de João Chaves, Felicidade Tupinambá, Cândido Canela e Olynto Silveira, nomes da mais alta expressão de nossa cultura. São amores a Montes Claros praticamente inseparáveis, faces de uma só medalha de sucesso no tempo e no espaço. Com fé e entusiasmo, selaremos esse compromisso com o melhor da nossa história. Queremos, acima de tudo, manter o ciclo semestral de publicação desta já tão querida e esperada Revista.

Podem os leitores esperar!

Wanderlino Arruda
Presidente


HOMENAGEM ESPECIAL


HERMES DE PAULA


Montes Claros, sua história,
sua gente...Dr. Hermes de Paula


Antônio Augusto Pereira Moura1
Cadeira N.12
Patrono: Antônio Teixeira de Carvalho

Tom! Para com essa bagunça! Vem comer um biscoito frito que acabei de fazer!

- Tô indo, Mãenininha! Nonô está me contando algumas adivinhações! Aliás, o que tem cabeça e não é gente? E o que cai em pé e corre deitado?

- Ah, menino, sei não. Fala para seu avô guardar este livro e vir tomar café também. Os biscoitos fritos já estão esfriando! A receita do livro deu certinho!

- É alho! Igual os que estão aí na cozinha! E a outra é a chuva! Daqui a pouco vai cair um toró!

- Oh, Vi... vem comer também! Deixa para pular amarelinha depois!

- Vamos comer os biscoitos que depois eu vou contar uma história para vocês! Sabem aquela história da Santa Parteira?

- Daquele livro, Nonô?

- É sim!

- Ah, então mostra pra gente antes nosso nome no livro de novo!

- Meninos, a página já está até gasta de tanto que vocês olham!

-É muito legal, tem o nome da família toda e da gente também! Como eles sabem, mamãe?

- Foi um enorme trabalho de pesquisa e de levantamento das informações. Quem fez essa pesquisa foi o Doutor Hermes de Paula e o livro se chama Montes Claros, sua história, sua gente, seus costumes.”

Em várias outras oportunidades, novos diálogos como esse aconteciam. Muitas vezes lendo as adivinhações, outras vezes as cantigas de roda, os parachoques de caminhão, fazendo receitas e quitutes sugeridos pelo livro, além das informações sobre as pessoas, a história e geografia de Montes Claros. Aprendi muito sobre as principais personalidades, os homens e mulheres que construíram nossa cidade; sobre plantas medicinais; o folclore, entre outras curiosidades.

Isso é um pouco da minha infância, com sete, oito anos de idade, brincando na rua do Grupo Francisco Sá e no quintal da casa da minha avó, na Rua Barão do Rio Branco. Foi dessa forma que convivi bastante com os três volumes do livro escrito por Dr.
Hermes de Paula, conheci e me apaixonei ainda mais pela terra onde nasci e pelas suas histórias e casos.

Essa pequena passagem ilustra aquilo que muitos de nós vivemos e que só foi e é possível pelo trabalho de uma pessoa que, de forma incansável e pelo amor a sua cidade, organizou e levantou uma quantidade enorme de informações valiosas que permitem a perpetuação de tradições e costumes da nossa região. Não tenho a pretensão de escrever a biografia de uma pessoa tão importante para Montes Claros, mas fico lisonjeado em poder recordar fatos de minha infância que remetem à lembrança do Dr. Hermes de Paula no ano em que comemoramos o centenário de seu nascimento.

Dr. Hermes de Paula nasceu em 6 de dezembro de 1909, filho de Basílio de Paula Ferreira e dona Joaquina Mendonça de Paula.Cursou o primário no Grupo Escolar Gonçalves Chaves, Montes Claros, o secundário no Colégio Arnaldo, Belo Horizonte e no Instituto Granbery da Igreja Metodista Juiz de Fora. Diplomou-se em Medicina em 1939 pela Faculdade Fluminense de Medicina - Niterói.2

Pelo seu destaque no curso, conseguiu um ótimo emprego, segundo palavras dele , trabalhando no Instituto Vital Brasil, onde foi assistente do próprio Dr. Vital Brasil. Mas seu amor por sua terra falou mais alto e o Dr. Hermes de Paula retornou a Montes
Claros.

De volta à sua terra, montou o primeiro laboratório de análises clínicas da região. Começa então uma trajetória vencedora e de relevância para o desenvolvimento do município. Pesquisando em seu próprio livro e em outras fontes, pode-se elencar os principais cargos e funções ocupados pelo Dr. Hermes de Paula: diretor-clínico da Santa Casa, membro do Conselho Consultivo da Associação Médica de Minas Gerais e fundador da Regional Montes Claros, membro da Sociedade de Higiene de Minas Gerais,
chefe da 5ª Delegacia Regional de Saúde, professor de higiene e puericultura da Escola Estadual Professor Plínio Ribeiro (Montes Claros), médico do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais - DER/MG, chefe do departamento médico e assistencial do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS, idealizador, fundador e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.
Fundou e dirigiu por 16 anos o Grupo de Serestas João Chaves, época em que o Grupo gravou 8 elepês.3

Além disso, destaca-se também que era membro da Academia Montesclarense de Letras, da Academia Municipalista de Letras de Belo Horizonte, da Academia de Letras de Piracicaba - São Paulo, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, do Instituto Genealógico Brasileiro.

Entre suas diversas obras, podemos citar, como escritor, historiador e folclorista, o livro Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes em que resgatou toda a história do município, desde seus primeiros habitantes e os costumes de seu povo através dos tempos. Além deste, lançou Caderno de Modinhas, de Pe. Chaves a Pe. Dudu; A medicina dos médicos e a outra (editado pela UFMG).

Foi condecorado com a Medalha de Honra de Montes Claros, Medalha da Inconfidência, Medalha Cultural Mário Dedini (Piracicaba), Medalha Vital Brasil (MG), Medalha Vital Brasil (SP), Medalhas Civitas-2007 (MG) em Memória.

Doutor Hermes de Paula veio a falecer em 10 de junho de 1983, deixando um legado incontestável para nossa região.

Esta pequena descrição apenas sugere e demonstra a importância e o compromisso do Dr. Hermes de Paula com sua cidade e sua gente.

A cidade cresceu, se modificou, novos hábitos, novos costumes a par da evolução da sociedade, mas as referências, aquelas que carregamos conosco, são fruto de cada um e alimentadas por “causos” e histórias que passam pelas gerações. O Dr. Hermes de Paula ao reunir essas informações se tornou o grande responsável pela difusão delas e, passados 30 anos da segunda edição dessa grande obra, ainda é referência para os estudos locais e regionais.

Finalizo esta breve homenagem com as palavras do Doutor Hermes de Paula descritas por seu amigo e companheiro, Dr. Wanderlino Arruda que, com toda propriedade, retratou o momento em que Doutor Hermes de Paula agradece a condecoração como “o primeiro Doutor Honoris Causa da Faculdade de Medicina, uma honra que lhe é deferida pela capacidade e por um milhão de méritos como o maior de todos os montes-clarenses”:

(...)Em todos estes anos, questionei-me se eu não havia cometido um grande erro, escolhendo a minha terra, numa vida humilde e trabalhosa. Às vezes, eu achava que tinha feito o certo. Hoje, porém, sei que não poderia ter tomado uma resolução melhor. Eu fiz bem em vir para Montes Claros. Senhores, muita coisa me tem acontecido, todas gratas e muito tenho agradecido a Deus, por elas. Mas, se nada estivesse ocorrido, só esta noite, só esta cerimônia, só fato de estar recebendo este diploma das mãos e dos corações de vocês, eu posso dizer com toda a minha convicção: valeu a pena. Valeu. Muito obrigado a todos”. 4

Dr. Hermes de Paula é guardião de nossa história e, mais que isso, ele integra nossa história. Não o conheci pessoalmente, mas ele faz parte das deliciosas lembranças da minha infância e perdura até hoje como uma lenda, um modelo a ser seguido pelo seu amor à sua terra e ao seu povo.


A MEDICINA DOS MÉDICOS E A OUTRA

Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires

O historiador e folclorista Hermes de Paula, autor de Montes Claros, sua História, sua Gente e seus Costumes, uma das obras mais completas sobre a história de Montes Claros, uma vez se interessou pelos estudos do folclore montes clarense. Foi o bastante para que Montes Claros pudesse ser cognominada como sendo a “Cidade da arte e da cultura”. O trabalho literário de Hermes de Paula inclui ainda outros livros: “Caderno de Modinhas”, “A Medicina dos Médicos e a Outra”, “Sesquicentenário da Câmara Municipal de Montes Claros” e “Do Padre Chaves ao Padre Dudu” que teve o título provisório de “Sesquicentenário da Paróquia de Nossa Senhora e São José”. Além dos seus livros, vários folhetos foram publicados com notícias sobre o folclore da cidade. Aliás, Hermes de Paula respirava o encantamento das histórias e das lendas que ainda habitam o fantástico folclore de Montes Claros.

No ano do centenário do seu nascimento (2009), a sociedade e as entidades literárias – a Academia Montesclarense de Letras e o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros – já estão se movimentando para avivar a memória deste ilustre homem das letras na história popular da cidade. É nosso objetivo falar de suas obras. Em vista disso buscamos o livro “A Medicina dos Médicos e a Outra”, obra publicada no ano de 1982, pela Imprensa Universitária de Belo Horizonte. O autor e médico, Dr. Hermes Augusto de Paula, era filho de Basílio de Paula Ferreira e de dona Joaquina Mendonça de Paula. Ele foi casado com dona Josefina de Abreu Paula, nasceu na cidade de Montes Claros no dia 6 de dezembro de 1909, diplomando-se em Medicina na Universidade Federal de Minas Gerais, no dia 19 de dezembro de 1939.

O livro “A Medicina dos Médicos e a Outra” traz na primeira parte um apanhado sobre os médicos de Montes Claros, com pequena biografia de cada um deles. Na segunda parte, o autor fala da outra medicina, aquela da época anterior aos médicos, destacando-se Os receituários, Boticários, Parteiras, Curandeiros, Rezas e Benzeduras. Na verdade, quis o autor, tão somente, falar das nossas tradições e dos nossos costumes. As pesquisas de Hermes de Paula sobre esses assuntos deram-lhe matérias suficientes para os seus livros e a formação do Grupo de Seresta “João Chaves”.

No prefácio do livro, escrito por João Amílcar Salgado, encontramos os seguintes dizeres: “Assim, nada tão apropriado como o Centro de Memória editar um livro que se trata da medicina dos médicos e a outra, ainda mais se se referem à região norte de Minas, onde o mesmo processo curricular foi localizar seu internato rural. Outra propriedade desta edição consiste em ela ser a segunda do Centro de memória, seguindo ao estudo de Savassi Rocha sobre Guimarães Rosa, ex-aluno desta faculdade
que prenunciou o internato rural na tematização, inclusive de saúde, deste mesmo grande sertão e suas veredas”. Em vez de recorrer a citações de autores famosos, o autor buscou uma homenagem simples e oportuna. “Nesta página, a homenagem do autor a todos aqueles que, por atos, palavras ou pensamentos, tem praticado, praticam ou praticarão através dos tempos, a ciência e a arte de curar as doenças ou minorar os sofrimentos”.

Na última página do livro o autor registra o seu preito de admiração e de respeito aos seus colegas das cidades vizinhas. Na lista de quase duas dezenas de nomes encontramos o de Gil Alves, de Bocaiúva, médico dedicado e pessoa humana de valor inquestionável. O saudoso doutor Gil Alves foi o meu companheiro de Rotary Clube de Bocaiúva, de quem eu ainda cultuo as inesquecíveis lembranças.

Morreu Hermes de Paula no dia 10 de junho de 1983 e o seu nome penetrou na galeria dos que sempre e bem souberam servir à humanidade.

Academia Montesclarense de Letras
Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros


HERMES DE PAULA: SUA HISTÓRIA,
PARA A MINHA GENTE

Wagner Gomes
Sócio Correspondente
Belo Horizonte - MG

O meu primeiro contato com ele, ao que me recordo, foi na Chacrinha. Um grupo animado sempre ali se encontrava para usufruir de todos os divertimentos que aquele recanto oferecia. Durante um jogo de futebol, eu atuava como goleiro e estava convalescendo de uma coqueluche das mais bravas. E sempre que o time contrário ameaçava fazer um gol, eu gritava para o juiz, que era o próprio Dr. Hermes: pára, pára, que o goleiro vai tossir. Esse estratagema foi motivo de muitas piadas, seguidas das melhores risadas do maior historiador de Montes Claros, que não se cansava de contar essa história. Na visão de sua filha Virgínia, assim ela o define: “Ele era assim: pensava em agradar às crianças, mas não apenas aos seus filhos. Quanto mais gente ficasse feliz, melhor seria. Ser proprietário de alguma coisa não teria valor para ele, se não fosse para compartilhar”. Estimulava a todos que lutassem para conquistar seus objetivos. Foi com esse espírito que animou os meninos a construírem o campo de futebol na Chacrinha. Foi feito por todos: filhos, amigos e primos. Tem até uma foto deles trabalhando. Inclusive a Virgínia, enxada na mão, toda animada, aparece na foto. E assim, o campo foi feito para servir a qualquer criança que quisesse ir até lá para jogar.

Deixou-me a lição de que construir algo é motivo de felicidade, e compartilhar o que foi feito, mais ainda. Todos os que o conheceram guardam dele a imagem de um homem para quem a vida era para ser vivida. Intensamente, plenamente, com coragem e alegria. Incomensurável alegria de viver. Conheceu como poucos a alma de nossa cidade, sabia detalhes da vida de seu povo, de um conhecimento aprendido no quotidiano – de quem não era amigo, amigo de infância mesmo? Além da Medicina, o folclore e a música das serestas foram seu estímulo preferido durante anos a fio, fazendo um “link” do passado com o então presente, e lançando sementes para o futuro. No centenário de Montes Claros se revelou a nossa melhor figura, ganhando todas as batalhas travadas para que ocorresse uma festa memorável.

Com sua inegável verve para romancear nossa história, em seus causos estabelecia uma prosa que tinha a poética graça de quem tem a compreensão eterna do mistério da vida. Imagino que nossa aldeia e nosso povo têm uma enorme dívida com esse grande conterrâneo, cuja importância em nossa história ainda não está bem dimensionada. O seu altruísmo não tinha limites. Desde que inaugurou sua residência, carinhosamente chamada de Chacrinha, ela passou a ser um ponto de encontro das pessoas, desde as mais humildes até as da nossa mais alta sociedade, servindo a um só tempo como restaurante, salão de festas, clube esportivo e, pasmem, hotel. Qualquer personalidade que viesse a Montes Claros, ali se hospedava. E, dependendo da fama do visitante, uma multidão se postava em sua porta, para aplaudir a celebridade, quando saía. Bons tempos aqueles, tempos românticos.

E o que dizer do Grupo de Serestas que fundou e dirigiu? Imediatamente reconhecido como o melhor do País, divulgava o nosso nome pelo mundo afora com a sua música gravada em diversas mídias até os dias de hoje. Creio que Montes Claros começou a ser conhecida como terra da arte e da cultura por suas iniciativas. As festas de agosto e o Pentáurea Clube, que habitam todas as lembranças dos jovens de minha época, estão entre suas grandes conquistas em prol da coletividade. Segundo a lenda,
dizia sempre em tom de brincadeira, repetindo os velhos anarquistas: “Hay Gobierno? Soy contra”.

Cá para nós, acho que tinha uma propensão para o anarquismo, embora nunca o tenha visto admitindo essa tendência. Sempre apregoava sua condição de apolítico. No entanto, Juscelino Kubitschek fez nascer nele uma enorme simpatia pelo PSD de outrora. Além de jucapratista, era também juscelinista. Nutria enorme afetividade pelos amigos e gostava de Toninho Rebello de corpo e alma. Ainda que tenha dele discordado quanto à derrubada do mercado velho.

Meu pai, Zé Gomes, me dizia ter testemunhado os dois, Toninho e Dr. Hermes, fazendo planos para Montes Claros, rindo alto, na porta da prefeitura, algumas vezes, sentados no banco do jardim. Segundo Virgínia de Paula, uma vez, ela pegou esses dois amigos chupando pirulito, enquanto se divertiam projetando a Montes Claros do futuro! Sintam, nesse gesto, a simplicidade desses dois grandes vultos de nossa história. Duas almas de crianças brincando de zelar pela cidade. Não sei se já existe essa figura, mas minha amiga Virgínia me afirma que, além de jucapratista e juscelinista, Dr. Hermes era, também, toninhorrebelista! E através dela também fiquei sabendo que ele se deu bem com todos os nossos prefeitos.

Ele sempre trabalhou na prefeitura, fosse qual fosse o prefeito, o que mostra que ele, também, foi respeitado por todos, independentemente de partidos. Jamais disse ser de oposição. No entanto, não apoiava tudo o que queriam fazer. Tinha o seu jeito de se opor. Se visse algo sendo feito contra a cidade, ele interferiria. Quando Toninho Rebelo elaborou o primeiro Plano Diretor da Cidade, Dr. Hermes identificou nele uma parte que, a seu ver, ameaçava o centro da cidade. E lutou contra a implantação dessa parte. Explicitando sua oposição, conseguiu impedir o que ameaçava nossa história. Apesar de não ser político, foi candidato a prefeito duas vezes, sem se eleger.

Tão amado por todos, mas faltava-lhe jogo de cintura para ganhar uma eleição. Vejo nisso a prova de que não é preciso ser prefeito para trazer benefícios para uma cidade. Quando o Wanderlino Arruda me incentivou a escrever este texto, imaginei como poderia ser difícil passar para a atual geração a grandeza desse homem, cuja biografia é um hino de amor a Montes Claros.

Segundo sua família, Dr. Hermes sempre manifestou querer em seu velório muito café com biscoito e gente contando piada. Não queria que ficassem tristes. E em seu enterro, além de tudo isso acontecer, os catopês, marujos e caboclinhos, compareceram a caráter. Dançaram no cemitério, cantando aquelas músicas que ele adorava tanto. Como detalhe, o seu corpo foi levado pelo Corpo de Bombeiros, uma ideia de tia Yvonne Silveira.

O que me ocorre testemunhar para a posteridade pode se resumir a uma afirmação cheia de saudade: difícil encontrar alguém igual a ele. Durante o seu velório, lembro-me de ter ouvido de meu pai a seguinte frase, em tom de lamento: “Quem o conheceu,
certamente, jamais o esquecerá.”


HERMES DE PAULA

Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza


DOUTOR HERMES DE PAULA

Foi com morosidade que as quase trezentas vozes, que pareciam mais de mil, pausadamente, atenderam o pedido de silêncio do diretor José Nildo e Silva para o início dos trabalhos da segunda Sefam”, o seminário dos professores e alunos da Faculdade de Medicina. Era uma quarta-feira, meio de semana, com suspensão de aulas para a maior avaliação até hoje feita pela nossa Faculdade, um cuidado necessário para enfrentar o presente de dificuldades e o futuro de incertezas. O diretor chama para dirigir os trabalhos, o patrono do D. A. e primeiro dirigente e organizador da escola, Mário Ribeiro. Caberá a ele, Mário, a formação da mesa, o anúncio maior da finalidade do encontro. Poucos nomes são declinados e, quando se levantam, caminham sob aplausos de alunos que sabem admirar seus professores. Apenas dois professores de fora são nomeados, fora da mesa, com permanência no auditório: o professor Álvaro de Azevedo Ávila, diretor da Fadir e representante da FUMN, e eu, representante da Fafil. Olho, ao lado, e vejo, triste uma grande omissão; Hermes de Paula fica esquecido, não é lembrado, muito embora o Cláudio Pereira, também exdiretor, esteja mais atrás, também sem menção.

Iniciados os trabalhos, com apresentações objetivas, curtas como devem ser, o diretor fala da fundação da escola, de sua finalidade, anuncia uma palestra sobre a história de todas as lutas e sofrimentos nestes anos iniciais. Volta a palavra ao mestre Mário Ribeiro (nessa noite, de Cerimônias) e, este faz o anúncio maior:

“No auditório está o idealizador da Faculdade de Medicina do Norte de Minas, o homem que tomou os primeiros passos para a sua criação, o homem que me convidou para primeiro diretor. Convido-o para tomar o lugar que lhe compete, que é seu por direito; que é seu pelo desejo maior de todos nós. Recebamos Hermes de Paula, o nosso maior nome nesta Escola. A sua cadeira o espera, Hermes. Venha nos dar a honra”.

E com dificuldade que o doutor Hermes de Paula se levanta e encaminha-se para o estrado da mesa diretora. Para subir, é necessário o amparo de uma mão amiga. Nunca se presenciou tantos e tão demorados aplausos. A turma, de pé, bateu palmas como se estivesse batendo pela última vez, numa gratidão que só se tributa a um grande herói, herói e amigo.


É nessa hora que vem a verdadeira declaração do primeiro dia de trabalho da Sefam. O diretor José Nildo lê a resolução; Hermes de Paula é declarado o primeiro Doutor Honoris Causa da Faculdade de Medicina, uma honra que lhe é deferida pela capacidade e por um milhão de méritos como o maior de todos os montes-clarenses. Nova ovação. Alegria e sentimentalismo. Existe algo no ar que ninguém sabe o que é. Aquele não é o momento qualquer nas estórias da vida. Existem minutos que valem por um século. Ou mais...

Hermes de Paula toma a palavra. Não vai falar muito, que não é de discursos. “Senhores, formei-me em Medicina em 1937, em Niterói. Vital Brasil, um dos homens mais famosos na Medicina brasileira, convidou-me para trabalhar com ele, no seu Instituto ganhando um dos melhores ordenados que um profissional poderia desejar ou sonhar, Cr$ 1.800. Além de ganhar tanto dinheiro, muito para a época, eu teria a oportunidade de ser também muito famoso. Mas, a saudade de Montes Claros, a lembrança dos meus amigos, não deixaram que eu ficasse lá. Vim para cá. Em todos estes anos, questionei-me se eu não havia cometido um grande erro, escolhendo a minha terra, numa vida humilde e trabalhosa. Às vezes, eu achava que tinha feito o certo.. Hoje, porém, sei que não poderia ter tomado uma resolução melhor. Eu fiz bem em vir para Montes Claros. Senhores, muita coisa me tem acontecido, todas gratas e muito tenho agradecido a Deus, por elas. Mas, se nada tivesse ocorrido, só esta noite, só esta cerimônia, só fato de estar recebendo este diploma das mãos e dos corações de vocês, eu posso dizer com toda a minha convicção: valeu a pena. Valeu. Muito obrigado a todos”.

Dois dias depois, Hermes de Paula se despediu de Montes Claros, para a viagem eterna. Para nós também, valeu a pena a vinda dele. Valeu!

HERMES DE PAULA E O FOLCLORE

Com o terceiro artigo a respeito de Hermes de Paula e do seu livro sobre a história de Montes Claros e de sua gente, espero ter cumprido a obrigação de despertar muitos de nossos leitores do JORNAL DE DOMINGO para uma necessidade cultural de relembrar outros do vasto leque de interesse folclórico e genealógico de que dispomos nesta velha terra de Gonçalves Figueira. Creio que falar de Hermes de Paula, suas vivências, seus costumes, suas gentes é o melhor caminho para a construção do edifício histórico de Montes Claros. É bem verdade que muita coisa ainda deve e precisa ser escrita, no presente e no futuro, mas, mais verdade ainda é que ninguém poderá fazê-lo sem partir primeiro do alicerce erigido por Mestre Hermes de Paula.

Com Hermes, vemos e revemos o bumba-meu-boi, as folias de Reis, a dança de São Gonçalo, as marujadas, os catopés, as cavalhadas, as penitências para chover; com Hermes, ouvimos e aplaudimos as cantigas de ninar, as rezas e benzeduras, as cantigas de roda. Com ele, sentimos a dureza das secas de noventa, noventa e nove, trinta e nove, o tempo bom e o tempo bravo. Com ele, visitamos as lapas, lapinhas, laponas, que não são poucas; vemos os gambás, os caxinguelês, os tamanduás, os saruês. Com ele, reconhecemos todos os tipos de madeiras das nossas florestas tamburil-de-cheiro, violeta, sucupira, pau-de-abóbora, jacarandá-muxiba, catinga-de-porco. No seu livro, aprendemos as virtudes de todas as nossas plantas medicinais, entre elas a losna, a salsa, a alfavaca, o manjericão, a quina-de-barroca e a catuaba,
estas últimas, no dizer do povo, mui valentes afrodisíacos, excepcionais para levantar coragem.

Sobre a arruda, planta que dá sorte, diz Hermes de Paula que é santo remédio para cólica, como chá ou queimada na cachaça; serve como linimento usando a folha pura; o sumo é próprio para dor de ouvido e, no geral, atacado e varejo, é tiro-equeda para benzer contra quebranto e mau-olhado. Esqueceu-se, no entanto, de dizer que arruda, folha ou galho, evita feitiço e é um tremendo escorrega-menino, na hora de parto de mulher.

“Montes Claros, Sua História, Sua Gente e Seus Costumes” é um repositório de ótimas informações sobre tudo que é Montes Claros: fundação de clubes sociais, de escolas, de hospitais, instalação de comércio e de indústrias, fundação de órgãos de imprensa, movimento religioso, incêndios maiores e até informações sobre o dia em que alguém, por aqui, chupou o primeiro doce gelado, também chamado de picolé. Algumas observações curiosas do livro: os jovens Antônio Augusto Veloso e Antônio Augusto Tupimbá foram os últimos que ganharam discursos e festas no dia da chegada depois da formatura do curso superior. Pedro Santos, o famoso Pedrão 70, senhor de muitas lendas, não é de Montes Claros porque nasceu em São João da Ponte e estudou em Ouro Preto, Juiz de Fora e Niterói. Curioso é que Pedrão foi o maior campeão de corridas de todos os tempos, jamais batido em 200, 400 ou 600 metros, o que o levou a ser também um bom craque do futebol nacional.

Tendo sido eu um dos colaboradores da segunda edição do “Montes Claros Sua História, Sua Gente e Seus Costumes”, sintome dono de uma gratificante tarefa, contente e bem recompensado pelo alto valor do livro. Afinal, não é todo dia que podemos ser companheiros de páginas de tão ilustrada companheiragem, principalmente de Hermes de Paula, premiado com medalhas dos governos de Minas e São Paulo e detentor da mais vasta soma de conhecimentos sobre Vital Brasil, conferencista elogiado e aplaudido em muitas capitais, homem do sertão e das serenatas, defensor do pequi e do pequizeiro, intelectual e pragmático, sem dúvida alguma, o melhor fazedor de arroz-de-tropeiro e de quentão do mundo...

MONTES CLAROS E HERMES DE PAULA

Montes Claros e Hermes de Paula, suas histórias, suas gentes e seus costumes, que formidável grande amor! Como sabe esta cidade gostar deste homem e como pode este homem amar tão carinhosamente esta cidade! Para Montes Claros, Hermes é o filho, o irmão, o companheiro, o amante, a extremosa dedicação do pulsar constante em seu favor o bem-amado, o sempre amado. Em toda parte, Hermes de Paula: na medicina, na seresta, na literatura, nos serviços comunitários, na sociedade, na história, no folclore, em tudo. Para Hermes, Montes Claros a melhor cidade do mundo e o encontro sagrado e existencial, plenitude de beleza, de bem-entender, lembrança passado-presente, vivência plena em ritmo de eternidade.

Perfeitamente definíveis o homem e o historiador, pois, Hermes de Paula em Montes Claros nasceu e se criou, filho de Basílio de Paula, nome de rua, e de D. Joaquina Mendonça, nome de gente que espalhou família por um mundão sem porteiras. Aqui estudado, aqui casado, aqui vivido. Se saiu de Montes Claros por algum tempo, foi para fazer cursos no Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte, e no Granbery, em Juiz de Fora. Dos anos morados em Niterói, para a Faculdade de Medicina e para o estágio científico, para cá voltou correndo logo depois de sabedor de tudo sobre cobras, soroterapia e microbiologia, aprendido com o papa do ofidismo, Vital Brasil, quase seu sogro.

Hermes de Paula, um homem de sorte, formado pela inteligência, mas também por efeito de um prêmio de loteria, sem o que talvez não pudesse ter aqui saído ou à Faculdade não ter chegado. Hermes de Paula foi sempre um ativista da cultura, ligado,
ligadão ao povo de sua terra. Sanitarista do Estado, chefe do Posto de Saúde, diretor da Santa Casa, do Instituto Antônio Teixeira de Carvalho, da Sociedade de Proteção à Infância. Fundador da regional da Associação Médica, idealizador do Pentáurea Clube,
do Grupo de Serestas João Chaves, hoje nacionalmente famoso, também ajudou na criação do Colégio São José, do Rotary Clube Montes Claros, do Elos Club, da Fundação Norte Mineira de Ensino Superior, da Faculdade de Medicina, da Academia de Letras, do Cassimiro de Abreu e do Ateneu. Professor de muitas escolas, professor de todas as escolas, membro da Comissão Mineira de Folclore, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, da Sociedade Brasileira de Folclore, da Sociedade Sul Americana de Genealogia.

Foi Hermes de Paula quem fez a igrejinha do Rosário, a nau catarineta da Praça Portugal. Foi Hermes quem inspirou a construção da igreja do Morro do Frade, aquela que Pedro Santos mandou fazer virada para a fábrica de cimento. E não seria por causa de Hermes de Paula que ainda existem catopês, marujos, caboclinhos, canjica, paçoca, festa de São Pedro, fogueira, quentão, licor de pequi, folclore, um tudo de tradição de nossa Montes Claros? Será que sem ele nossa memória poluída e industrial já não teria enterrado todos os velhos costumes?

Um ótimo documento do seu trabalho e da sua vida, um perfeito e representativo retrato é o livro Montes Claros, Sua História, Sua Gente e Seus Costumes, que é mais do que tudo Hermes de Paula, Montes Claros e bom povo que a construiu. Lançado em 1957, quando o centenário da cidade, que ele “inventou”, o livro de Hermes de Paula tem sido uma espécie de bíblia muito sagrada para quantos estudam nossa história e nossas estórias e desejam saber os segredos do nosso progresso.

Ler o livro de Hermes de Paula, além de aumentar grandemente nossos conhecimentos, é, sem dúvida, uma tirada de doces férias numa sentimental viagem pelo passado. Uma doçura para o coração

HERMES DE PAULA, UM TRABALHADOR

Trabalho significa só pegar no pesado, ter as mãos calejadas? Trabalho é suar, cansar-se fisicamente, dormir à noite moído de dores em todo o corpo? Ou trabalho é o exercício continuado de uma ou de múltiplas atividades, esteja ou não desenvolvido para ganhar o pão de cada dia? Trabalho pode ser também a aplicação apaixonada do bem e do amor? Pode ser busca estética, busca de beleza, de cultura, esforço mental em benefício da coletividade ou do próprio trabalhador? Sempre achei que sim. Trabalho é a produção do progresso pessoal e coletivo, aprimoramento da boa vontade em direção ao semelhante, ação física ou mental sem fronteira de tempo ou de espaço. Trabalho é modo de fazer a independência da virtude frente às coisas erradas que acontecem no mundo. Trabalhar é o realmente viver a alegria de estar sempre fazendo algo proveitoso e digno de admiração pela utilidade ou pela beleza.

Levados em conta todos esses considerandos, Hermes de Paula deixou-nos a todos com imensa saudade depois de ter desenvolvido uma estafante vida de trabalho. Trabalho de todos os dias - todos mesmo - até o seu último, na sexta-feira, dia 10 de
junho de 1983, um dia antes da comemoração do “Dia da Raça”, da nossa lusíada raça, cadinho de miscigenação de tantas outras.

Foi Hermes de Paula um artista do trabalho amoroso à terra e ao povo, menestrel de todas as canções, poeta e trovador das boas causas, intelectual valorizador do melhor que podem realizar as lembranças do passado montes-clarense, remoto e recente. Hermes de Paula respirou e viveu sempre a cidade de Montes Claros, historiou-a e engrandeceu-a com todas as luzes do seu coração. Inteligente e lúcido, de memória invejável e invejada, interessado e perspicaz na observação dos fatos mais simples,
além de escrever, viveu a história, puxou-a, induziu-a num hino de encantamento. Foi um homem engajado ao seu tempo, um trabalhador no sentido mais amplo.

Como homem sem riquezas, existência mais de poesia que de finanças, viveu sempre dependente do esforço pessoal aplicado ao ganho de todos os dias. Dedicado, consciente, estudioso, sempre procurou as vantagens da satisfação numa sincera prestação de serviços. Viver feliz foi sempre sua meta principal. Disso dependia sua constante socialização de uma ponderada alegria, um eloqüente contentamento, tudo muito bem distribuído a todos que lhe ficavam ao redor.

Hermes, um homem de bem, um homem do amor! Merece a nossa maior consideração neste ano em que comemoramos o seu Centenário de Nascimento.



Revista do Instituto Histórico e Geográfico de
Montes Claros
Fundado em 27 de Dezembro de 2006

 

Nonô e Menininha – PARA SEMPRE

Antônio Augusto Pereira Moura
Cadeira N.12
Patrono: Antônio Teixeira de Carvalho

Tudo nesse mundo pode se modificar
Pode até mudar a posição do sol e o mar
Que eu vou te amar. Eu vou te amar.1

Ele, de Juramento, nascido em 06 de janeiro de 1919. Ela, de Francisco Sá, nascida em 03 de fevereiro de 1927. Uma história de anônimos não tão anônimos assim. Pessoas honestas, dedicadas ao trabalho, à família e aos amigos, que souberam deixar seu nome registrado na memória, pelo simples fato de terem vivido em plenitude seu período em nossa companhia.

Quando a gente ama alguém de verdade
Esse amor não se esquece
O tempo passa, tudo passa, mas no peito
Esse amor permanece.1

Amar alguém, compartilhar, viver em comunhão são expressões que confirmam e exprimem algo maior e sublime entre duas pessoas. Podem ser lembradas grandes histórias de amor no cinema, na literatura e no teatro, mas as que mais mexem conosco são aquelas que vivenciamos, que presenciamos ou acompanhamos. Estas fazem parte do nosso dia-a-dia e somente quando algo acontece é que nos damos conta de que são nelas que a arte se inspira e retrata.

O amor é energia, é luz
Que ilumina a alma
É a força de dois corações
Que traz a paz e acalma.2

Esta homenagem é para um casal que nos deixou recentemente e que é um exemplo dessas expressões e histórias que tanto nos emocionam.


Nonô e Menininha

Menininha e Nonô ou Zelita e Carlúcio se conheceram e se casaram em apenas 3 meses. O casamento aconteceu em 06 de maio de 1944 em Montes Claros. Ele, filho de José Joaquim Pereira (Seu Dé) e Gregória Souza Lima Pereira (Góia), um dos proprietários da antiga CASA 5 IRMÃOS, que fez parte da história de Montes Claros como uma das lojas mais prósperas no seu tempo. Ela, filha de Altina Xavier e Raimundo Xavier.


Casa 5 Irmãos

Nonô, como todos o conheciam, era um grande galanteador e se encantou pela beleza de Zelita (Menininha), seu apelido desde pequena. Ele então desmanchou noivado em Belo Horizonte e em três meses já estavam casados. Foram 64 anos de convívio.

Por séculos, milênios
Dimensões qualquer lugar
Somos um do outro
E assim sempre será.
4

Viveram todo esse tempo na cidade de Montes Claros onde criaram sua única filha, Vera, dois netos, Vivianne e Antonio Augusto que escreve esta homenagem e 4 bisnetos: Thiago, Amanda, Rafael e Davi. Sempre muito queridos e admirados pela família e pelos amigos, são pessoas que partem e deixam no coração dos amigos e parentes a certeza de que nunca serão esquecidos.

Eu quero ter um milhão de amigos
E assim mais forte poder cantar

Menininha, vaidosa, zelosa com seu lar, apaixonada pelas suas plantas sempre viu em Nonô o seu porto seguro, sua certeza de que tudo daria certo.

A casa era simples, na Rua Barão do Rio Branco, mas sempre organizada, bem cuidada e aberta aos amigos. Assistiram juntos às mudanças dos últimos 60 anos, a virada do século, as inovações tecnológicas com uma única certeza: o amor pela família, sua filha, netos e depois os bisnetos.

Naquela casa simples
Você falou pra mim
Que eu tivesse cuidado
E não sofresse com as coisas desse mundo

Que eu fosse um bom menino
Que eu trabalhasse muito
Que o nome do meu pai soubesse honrar
E nunca fosse um vagabundo

Escrevo esta homenagem usando referências à paixão musical
dela, o cantor Roberto Carlos. Mesmo não sendo do gosto
musical de Nonô, foi ouvido por amor a ela.

Ele, em sua sabedoria, acabou sendo um pai, um amigo,
alguém com quem sempre pude contar

Seu passado vive presente nas experiências
Contidas nesse coração, consciente da beleza das coisas da vida.
Seu sorriso franco me anima, seu conselho certo me ensina,
Beijo suas mãos e lhe digo
Meu querido, meu velho, meu amigo.

Ela, sempre acolhedora e protetora...

Só queria ouvir sua voz mais uma vez
Me dizendo sorrindo:
Aproveite o seu tempo
Você ainda é um menino

Quando eu era criança
Podia chorar nos seus braços
E ouvir tanta coisa bonita
Na minha aflição

Nos momentos alegres
Sentado ao seu lado sorria
E nas horas difíceis podia
Apertar sua mão

O tempo passou! Ele nos deixou em 30 de agosto de 2008 e ela, sentindo muito sua partida, o acompanhou em 23 de fevereiro de 2009.

Senti que alguma coisa ia me dizer
No tempo que restava antes de partir
Mas seu silêncio me dizia muito mais
Que todas as palavras que eu pudesse ouvir
No olhar uma tristeza disfarçava
No peito uma saudade antecipava

Aqui está um gesto de recordação, a certeza de que deixaram na família e nos amigos boas recordações e muita saudade!

Com o terço na mão
E com fé aprendi,
Que aceitar a vontade de Deus
É o maior bem da vida
Além do horizonte deve ter
Algum lugar bonito pra viver em paz
Onde com certeza os dois encontraram
Alegria e felicidade com certeza
Quando a gente olha é tarde demais
Vê as marcas que ficam pra trás, no caminho
E depois ainda tem que viver
Procurando dizer tudo sem nada pra dizer, pra dizer
Das lembranças que eu trago na vida
Vocês são a saudade que eu gosto de ter
Só assim sinto vocês bem perto de mim
Outra vez .

____________________________
1Pra Sempre ( 2003) - Roberto Carlos;
2Amor sem limite (2000) - Roberto Carlos ;
3O Amor é Mais (2000) - Roberto Carlos;
4Pra Sempre ( 2003) - Roberto Carlos;
5Um Milhão de amigos ( 1974) - Roberto Carlos;
6Aquela casa simples (1988) - Roberto Carlos - Erasmo Carlos;
7Meu Querido, Meu Velho, Meu amigo (1977) - Roberto Carlos - Erasmo
Carlos;
8Lady Laura (1978) - Roberto Carlos - Erasmo Carlos;
9A estação (1974) - Roberto Carlos - Erasmo Carlos;
10O terço (1996) - Roberto Carlos - Erasmo Carlos ;
11Além do horizonte (1975) - Roberto Carlos - Erasmo Carlos;
12A estação (1974) - Roberto Carlos - Erasmo Carlos;
13Outra vez (1977) - Isolda



Nonô e Menininha


A MORTE DE UM TITÃ

Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires

“Comecei, honrando a memória de meu pai,
e espero acabar, deixando honrada a minha”
Rui Barbosa.

Entre os maiores vultos da geografia, da genealogia e da historiografia do município de Guanambi e da região sobressai, como um dos mais importantes, senão o mais importante de todos eles, o nome do meu saudoso pai Ezequias Manoel Cotrim, que era carinhosamente conhecido pelo apelido de Seu Quias. Os estudos históricos, geográficos e genealógicos sempre foram a sua constante. Incansável, ele buscava insistentemente os livros (O Almanaque Mundial que era o seu livro de cabeceira) e os mapas (o Atlas Mundial), tudo isso para sanar as suas dúvidas e aprimorar os seus conhecimentos. Foi leitor assíduo das revistas: “O Cruzeiro” e “Fatos & Fotos” e, depois, da Revista “Manchete”. Sempre se dizia fã incondicional de Carlos Lacerda, Getúlio Vargas e do general Humberto de Alencar Castelo Branco, pois nunca duvidou das boas intenções do governo militar da Revolução de 1964.

Seu Quias nasceu no dia 27 de novembro de 1921, na antiga Vila de Nossa Senhora do Rosário do Gentio, município de Guanambi/Bahia. Ele era filho do fazendeiro Manoel Antônio Cotrim e de dona Ana Maria Meira Couto. Foi lavrador, comerciante e, sobretudo, um homem de caráter político que combatia bravamente os desmantelos da administração pública em todos os seus segmentos. Aliás, como homem público ele recebia dos seus concidadãos o respeito e a admiração pelo que sempre representou para a cidade de Guanambi e, principalmente, para a pacata Vila Nova de Ceraíma. Eleito pelo povo, ele exerceu o cargo de vereador durante uma década por três mandatos consecutivos - 1967/1971, 1971/1973 e 1973/1977. Registra-se com louvor nos anais da história política do município a sua participação como presidente da Câmara Municipal de Vereadores (em exercício no ano de 1973), quando ele ocupou interinamente o cargo de Prefeito Municipal de Guanambi. Certamente pela sua modéstia poucos avaliaram o grande homem que ele era. Os seus filhos cultuam-lhe o nome e lhe têm sabido honrar as qualidades de inteligência e de caráter que ele possuía.


Ezequias na Câmara Municipal de Vereadores (1973)

Por outro lado, Seu Quias era um contumaz conhecedor dos nossos costumes e das nossas tradições. Um contador de causos por excelência! Em vista disso ele nos deixou um arquivo fotográfico dos mais completos e de importância inquestionável sobre a memória política e histórica do seu rincão querido, o Distrito de Paz de Nossa Senhora do Rosário do Gentio (atual Vila de Ceraíma). São centenas de fotografias, alguns documentos e muitos livros e, ainda, diversas peças do antiquário daquele antigo distrito. Várias dessas peças estão expostas hoje no Memorial de Guanambi (Casa de Dona Dedé). Sobre o estudo da genealogia das famílias de Guanambi, podemos afirmar com muita convicção que ninguém, mas ninguém mesmo, sabia mais do que ele sobre as origens das nossas famílias. Seu Quias dissertava essas origens familiares sempre com alguns detalhes que ilustravam muito bem o entrelaçamento das árvores de costados das famílias dos Teixeira, Xavier, Ribeiro, Carvalho e, em particular, as origens da família COTRIM.


Fundação da Vila Nova de Ceraíma

Na década de cinqüenta, quando a velha vila de Ceraíma estava condenada a ser eliminada pelas águas de uma barragem em construção pelo D.N.O.C.S., Seu Quias assumia com determinação e coragem o compromisso de transferir a sede da antiga vila do Gentio para um lugar mais seguro onde a comunidade pudesse presenciar todos os dias, a boca da noite a engolir o sol. Do mesmo modo, o senhor Generaldo de Souza Teixeira desejava e batalhava muito para que a transferência da vila fosse feita em favor do povoado de Morrinhos, que estava em franco desenvolvimento. Mas, não foi assim que aconteceu. Naquela oportunidade Seu Quias, com o apoio de toda a população da vila, recuperava o velho Cruzeiro do Sangradouro da Lagoa do Gentio (datado de 1854) para depois fincá-lo por entre os blocos de pedras existentes no pé do Morro do Espírito Santo, que assinalava o lugar onde seria construído a sede da Vila Nova de Ceraíma. Portanto, ele foi o responsável pela criação da Vila Nova de Ceraíma no ano de 1954.


Ezequias Manoel Cotrim no Cruzeiro da Vila de Ceraíma.

Seu Quias faleceu na cidade de Guanambi no dia de São José – 19 de março – causando um imenso pesar em toda a sociedade guanambiense. Durante o velório, não obstante a presença de inúmeros amigos e familiares, ainda assim foi sentida, com amarga tristeza, a falta de uma representação política. É exato que os homens públicos formam uma sociedade da qual ele tanto apreciava, mas inexplicavelmente neste dia não houve nenhuma apreciação para com a sua despedida final. Todavia, os intelectuais da augusta Academia Guanambiense de Letras estiveram presentes na Câmara Ardente para levar-lhe o último adeus e, também, conforto aos seus familiares. Por fim, nós entendemos que morreu um titã, deixando um vazio enorme no entrevero da política local e uma saudade sem tamanho no seio de sua família.

O nosso pai Ezequias Manoel Cotrim morreu deixando também nove filhos, vinte e dois netos, oito bisnetos e um interessante legado histórico-geográfico sobre a cidade de Guanambi e a sua região. Sempre há um momento de tristeza quando se perde um ente querido. É bem verdade! Por isso mesmo, querido e saudoso pai, se nós lhe trazemos a expressão de nossa dor, também lhe declaramos confiantes que os seus ensinamentos, as suas virtudes e o seu caráter de homem probo hão de servir de estímulo para todos nós e para as novas gerações, que poderão com isso construir um mundo bem melhor para se viver. Obrigado, Pai!


HERBERT JOSÉ DE SOUZA

Eliane Maria Fernandes Ribeiro
Cadeira N. 46
Patrono: Herbert de Souza - Betinho

“Gente foi feita para inventar o mundo de novo, para mudar e desmudar, carregando alegria”.


A citação de Herbert José de Souza, o Betinho, explica parte de sua essência: o sentimento de pertencimento, de trabalho pela cidadania, o reinventar o mundo para ajudar o outro e, acima de tudo, de manter a alegria, mesmo que sua trajetória de vida tenha sido infestada de dores físicas. A maneira mais afetiva por mim encontrada para falar de Betinho e apresentar um diferencial do que já fora apresentado em revistas, foi recorrer às entrevistas com amigos da nossa terra natal e, principalmente, aproveitar um pouco do muito escrito pela sua irmã, Wanda Figueiredo, em um relato apaixonante sobre a família Souza — o livro, Balaio Mineiro. Reafirmo aqui o privilégio de tê-lo como patrono e a satisfação em apresentá-lo a esta entidade.


Herbert de Souza - Betinho

Herbert José de Souza, nascido em três de novembro de 1935, foi registrado Herbet (sem o r) pelo escrivão, seu tio Luís – Seu Lu –, intérprete dos americanos vindos a Bocaiúva por ocasião do eclipse em 1947, conforme registro em Cartório do Registro Civil. Os pais de Betinho, Henrique de Souza e Maria da Conceição Figueiredo, casaram-se em 1923 e passaram a lua-de-mel no Hotel Avenida, na avenida dos Andradas em Belo Horizonte. Os quatro primeiros filhos do casal não sobreviveram. Mais tarde, nasceram em Bocaiúva: Maria Cândida, Zilah, Wanda e Herbert pelas mãos da parteira Sá Faustina. Em Ribeirão das Neves nasceram Maria da Glória e Henrique de Souza Filho (Henfil). Em Belo Horizonte, Filomena e Francisco Mário (Chico Mário). O meio-irmão Jair dos Santos, mestre-de-obras, reside em Bocaiúva e possui a idade de Betinho. Os três filhos do casal, Betinho, Henfil e Chico nasceram com hemofilia, doença genética que impede o sangue de coagular.

Segundo o jornalista bocaiuvense, Carlos Ferreira Oliveira, a infância de Betinho foi exemplo de perseverança e luta pela vida, pois o menino morador da rua Cônego Versiani não podia machucar-se, jogar bola, correr ou subir em árvores para apanhar frutas. Quando se sentia muito debilitado e queria passear, seus amigos o levavam escondido dos pais e adultos a passear em uma cabra preta puxada por eles. O menino magro, brincalhão, dos olhos verdes e cabelo loiro, mesmo doente, participou ativamente da infância dos meninos de Bocaiúva. Betinho teve muitos “anjos da guarda”, pois, como não podia se machucar, os amigos, Márcio Efraim, o avô Rodrigo e a irmã lhe serviam de trampolim para suas traquinagens. Era função de Wanda ser guia do bode que o tio Geraldo comprou para ele passear. Ela puxava o carrinho pelas ruas formadas de quartzitos irregulares, sem deixar que ele se ferisse, pois, se isto ocorresse, ela levava bronca dos pais e de sua Mãe Grande.

O estudo dos filhos e a doença hemofílica de Betinho, com hemorragias sucessivas, dores nas articulações, hematomas, desconhecimento da doença e a impossibilidade de tratamento na cidade pequena, fizeram o casal se mudar para Ribeirão das Neves, quando Betinho tinha três anos de idade. O menino já vivia amores impossíveis: Socorro de Florinda e Marcolina filha de Bento e Carmélia. O amigo, José Maria Alkmin, então diretor da penitenciária local, convidou seu Henrique para fazer parte da equipe seleta como almoxarife. A família Souza e a empregada doméstica Maria Leal passaram oito anos em uma vila em frente à penitenciária, convivendo com os presos que trabalhavam em oficinas de carpintaria, alfaiataria, cestaria, sapataria, confecção de roupas, móveis de vime e plantações variadas.

A fim de acalmar os ânimos políticos de Bocaiúva, em plena ditadura Vargas, José Maria Alkmin oportuniza Seu Henrique nomeando-o como prefeito da cidade, de 1941 a 1943. Mais tarde, Alkmin, novamente, consegue emprego para Seu Henrique, agora em Belo Horizonte, como gerente do Serviço Funerário da Santa Casa de Misericórdia. Betinho estava então, com oito anos de idade e estudava na escola estadual Barão Macaúbas. Faltava muito às aulas, sofria com hemorragias, artrites e, para agravar sua saúde, aos 15 anos, um médico amigo diagnosticou-lhe tuberculose. Betinho viveu no quarto do barracão da sua casa na rua Ouro Preto, no bairro Floresta, de 1950 a 1953. Durante este período, leu, ouviu novelas, fez aeromodelismo, escultura e radiotécnica por correspondência, desafiando dores e desconforto. Ao ler a revista O Cruzeiro, um anúncio sobre um remédio para tuberculose — Hidrazida — chamou-lhe a atenção e ele, finalmente, foi curado depois de três meses de tratamento.

Ainda adolescente, o convívio com os padres dominicanos contribuiu para sua formação, ajudando-o a se integrar à Juventude Estudantil Católica (JEC) que se transformou em Juventude Universitária Católica (JUC). Desde aí, ele atuou como liderança nacional dos grupos de juventude católica que representavam as aspirações de transformações sociais. Em uma publicação comemorativa dos cinco anos de criação da JEC, de 1958, ele passa a assinar Betinho. Depois de convocar assembleias estudantis em faculdades e disputar a direção de entidades como a lendária Ação Popular (AP), surgida em Belo Horizonte, continuou na luta pela democracia. A base ideológica, teórica e filosófica da AP foi elaborada pelo jesuíta brasileiro Henrique Vaz.

Continuando seu trabalho em prol da cidadania, Betinho elaborou a Teoria dos Pólos: dominante e dominado, que seria a dialética do senhor e do escravo de Hegel, transposta para nossa realidade. Ao lado de Roberto Leal Lobo, o então reitor da Universidade de São Paulo (USP), a convite da Juventude Comunista, em 1961, foi visitar a URSS, mas não corroborou com as idéias comunistas. Visitou Kiev, Leningrado, Estônia, e voltou por Paris. Visitou várias vezes Fidel Castro em Cuba, mas também não aderiu à guerrilha, nem à luta armada, por motivos ideológicos. Em 1960, aos 65 anos morre Seu Henrique, depois de três anos doente. Somente em 1964 a família conseguiu comprar a primeira casa.

Em 1962, concluiu o curso de Sociologia e Política da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. Trabalhava como técnico de avaliação de projetos relativos ao emprego da mão-de-obra no Banco de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais. Em 1963, trabalhou no Ministério da Educação, em Brasília, coordenando a assessoria do ministro Paulo de Tarso e, aos 28 anos, era o mais jovem assessor. Nessa época participou de conquistas de reformas de base, que nasceram no governo João Goulart, elaborou estudos sobre a estrutura social brasileira, a pedido da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), da Organização das Nações Unidas (ONU) e, logo após, para a Superintendência da Reforma Agrária (SUPRA).

Um pouco antes do golpe, Brizola e Betinho fundaram o Grupo dos Onze a favor da reforma agrária — um grupo nacional de resistência. Com o golpe militar de 1964, Betinho engajou-se contra a ditadura, trabalhou no Uruguai por 11 meses, e, como a
insurreição e a guerrilha não saíram, voltou para o Brasil. No Uruguai estavam representantes da Frente de Mobilização Popular, da AP, da IV Internacional, Brizola, sargentos e oficiais. Betinho se casa no Uruguai por procuração com Irles Coutinho de Carvalho e, ao voltar para o Brasil, vai para São Paulo

com a esposa, clandestinamente. Em 1965 nasce seu filho, Daniel Carvalho de Souza, e, sem poder trabalhar, foi sustentado pelo irmão Henfil. Em 1966 teve uma úlcera perfurada, operou-se no Hospital das Clínicas e o médico garantiu que ele teria 5% de
possibilidade de sobreviver. Dias antes do Natal foi preso pelo DOPS. Depois de libertado, por causa de sua doença e pela tentativa de conseguir informações, Betinho entra no Consulado do México e passa por severas privações.

Viaja para Cuba em 1967, como representante do Brasil na Organização Latino-Americana (OLAS), mas com a morte de Che Guevara, a OLAS não funcionou. Fez, sozinho, um roteiro para despistar os ditadores: Montevidéu, Buenos Aires, Paris, Praga, Irlanda, Canadá, Cuba. De volta ao Brasil, vai trabalhar em uma fábrica de porcelana no ABC paulista para conhecer a realidade operária. Em 1970, termina seu casamento com Irles e, no mesmo ano, conhece a nissei Maria Nakano, com quem viveria até o final de sua vida. Maria é considerada por Betinho como a principal testemunha, companhia, miragem e verdadeiro amor de sua vida. Eles tiveram um filho, Henrique, o qual considerava um raio de luz nos seus 47 anos.

Em 1971, com o aumento da repressão, foi obrigado a se exilar no Chile, sem consentimento da direção da AP. Lá, mora com José Serra que lhe arranja um emprego na Flacso e publica um livro sobre a ditadura: O Perverso Milagre Brasileiro, mas assinou-o como Rodrigo Alarcon. Em Santiago trabalha com Joan Garcez, assessor de Allende, deposto em 1973, pelo general Augusto Pinochet. Para escapar da ditadura do Chile, em 1974, Betinho e Maria foram para a embaixada do Panamá e ficaram por lá dois meses. Mais tarde, exilou-se no Canadá, onde conseguiu uma bolsa na York University e, de solidariedade em solidariedade, chegou à Universidade como professor. Fez doutorado, porém, não terminou a tese, porque veio a anistia. Organizou um centro de estudos e recebeu vários convites para trabalhar em universidades canadenses.

De 1978 até a anistia, em setembro de 1979, o México o acolheu. Na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) organizou seminários, introduziu autores marxistas americanos e considera este, um período rico em aprendizagens. Voltou ao Brasil embalado pela música “O bêbado e a equilibrista” de João Bosco e Aldir Blanc gravado por Elis Regina, sob uma forte emoção. Ajuda a fundar o Instituto de Estudos da Religião (ISER) em 1980. O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) foi criado em 1981, considerado uma entidade de caráter suprapartidário e supra-religioso, dedicada a democratizar a informação acerca das realidades econômicas, políticas e sociais do Brasil, onde trabalhou até os últimos dias de sua vida.

A idéia do IBASE ocorreu da sua experiência durante o trabalho internacional, onde o contato entre o parlamentar e sua comunidade é mais estreito, como afirma Carlos Afonso, um dos economistas colaboradores. Betinho preferiu, então, conquistar a sociedade em vez do Estado, e não apostar nos partidos, pois achava que não representavam as prioridades. O IBASE continua com os ideais de Betinho, e é voltado para a cidadania. Em 1982, junta-se a um grupo de estudiosos preocupados com a integração e o desenvolvimento das ciências sociais na América Latina para fundarem, no Rio, o Cebela — Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos. Wanda Figueiredo, ao falar da vida excepcional de Betinho, cita ainda dezenas de iniciativas que resultaram da Ação da Cidadania, como o Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida (COEP), que nasceu como comitê de empresas estatais e rompeu os seus limites, sempre ajudando o mais necessitado.

Em 1985, ele, Henfil e Chico ficaram sabendo que estavam com Aids, doença adquirida através das transfusões de sangue contaminado. No ano seguinte, ele funda a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA) com um grupo de profissionais de diversos setores da vida política. Henfil morre em janeiro de 1988 e Chico Mário em março do mesmo ano. Betinho continuou trabalhando incansavelmente pela cidadania: é Defensor do Povo da Cidade do Rio de Janeiro; participa da Campanha Não Deixe Sua Cor Passar em Branco; recebe o Prêmio Global 500; é indicado para receber o Prêmio Nobel da Paz e organiza documento “Carta da Terra”, pela luta da reforma agrária. Em 1992 liderou o Movimento pela Ética na Política, que culminou com o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, em setembro do mesmo ano. Depois do impeachment, dedicou-se à Ação da Cidadania contra a Miséria e Pela Vida. A campanha de Betinho objetivava a promoção da cidadania, o direito ao emprego e a luta pela terra. Em 1994, lança a Campanha “Natal sem Fome”, que arrecadou milhares
de toneladas de alimentos. Participava incansavelmente de movimentos pela integração dos povos, como a Caminhada pela Paz do Movimento Reage Rio, em novembro de 1995 e o desfile no carnaval de 1996, quando foi homenageado no enredo da Escola de Samba Império Serrano, com o tema “E verás que um filho teu não foge à luta”.

Muito doente, Betinho continuou apresentando alternativas – foi considerado o homem das idéias pelo jornal O Globo – e, entre os anos de 1996/1997, apresentou uma proposta para a Agenda Social Rio 2004, ao Comitê Olímpico Internacional, quando o Rio de Janeiro se empenhou em sua candidatura, em 1996. Lançou a Agenda Social Rio 2000, na tentativa de lutar pela melhoria da qualidade de vida, no Rio de Janeiro e, em 1997, em um encontro com empresários de todo o país, lançou a campanha de adesões ao “Balanço Social”, uma espécie de balanço financeiro onde os indicadores são os investimentos sociais feitos por empresas.

Aos 61 anos de idade, no dia 9 de agosto de 1997, Betinho morre em sua casa, no Rio de Janeiro, vítima da hepatite C. Em 11 de agosto seu corpo foi cremado e as cinzas espalhadas no seu sítio em Itatiaia, seu lugar preferido. Segundo o sociólogo, a participação deve ser uma oportunidade efetiva, acessível a todas as pessoas, e é preciso que ela assuma formas diversas: participação na vida da família, do bairro, da cidade, do país. Betinho não foi apenas participativo, pregou a igualdade, a liberdade, transbordou-se de diversidade e é sinônimo de solidariedade. Sua vida retrata estes cinco princípios da democracia, consolidando um exemplo inigualável de vida para todos.

Em 2004, a Campanha contra a fome ou Campanha do Betinho, conta com cerca de dois mil comitês no país. Cada comitê mantém os princípios de autonomia: ética, transparência e solidariedade. Muitos eventos foram e continuam sendo alavancados pela Ação da Cidadania. A Ação já rendeu mais de 10 teses de doutorado e mestrado, o que demonstra sua importância na realidade brasileira.

Publicou centenas de artigos, ensaios e os livros: Estreitos Nós (crônicas), Em Defesa do Interesse Nacional (coletânea de textos de vários autores), No Fio da Navalha (biografia), A Cura da Aids (ensaios sobre AIDS e Política de Saúde), Ética e Cidadania
(entrevista), A lista de Ailce (crônicas), Como Se Faz Análise de Conjuntura, O Estado e o Desenvolvimento Capitalista no Brasil, A Zeropéia, A Centopéia que Pensava e A Centopéia Que Sonhava. Finalizo a síntese com a fala de Betinho no documentário “Os três irmãos de sangue” quando diz: “Temos uma grande capacidade de diagnóstico, de análise. Quando chega o momento de ação pegamos o boné e vamos embora”. E ainda: “Política, antes de tudo, é sonho, é criação de sentido para as relações que estabelecemos com os outros seres humanos, é capacidade de comover-se e indignar-se”.


MONTES CLAROS NO CENÁRIO DAS ARTES
PLÁSTICAS BRASILEIRAS

Felicidade Patrocinio
Cadeira N. 20
Patrono: Camilo Prates

Para aqueles que objetivam um conhecimento completo das Artes plásticas brasileiras, contextualizadas a partir do séc. XX até a contemporaneidade, será necessário incluir no roteiro, uma passagem pelas expressões artísticas de M.Claros.

Podemos explicar. Montes Claros localiza-se no estado de Minas Gerais, e este é reconhecido como o berço da identidade artística brasileira, desde quando o mestre escultor e arquiteto Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, o pintor Ataíde e outros,
marcaram de maneira definitiva, as paisagens montanhosas das Minas, com as suas obras estéticas. Foi através dessas primeiras expressões artísticas, genuinamente brasileiras contornadas pela plástica do Barroco, que alvoreceu o Brasil.

Da mistura de etnias divergentes, fermentadas no “caldeirão” dos tempos de colônia, com mais intensidade no solo aurífero das Minas foi surgindo o que poderíamos denominar de “brasilidade”, uma nova identidade que recolhia nas marcas ancestrais o que havia de mais forte e belo e atualizava na influência do novo contexto. E a resposta brasileira à essa simbiose cabocla, cafusa, mameluca e mulata, resultou num sincretismo cultural de rara beleza.

A partir dessa estreita familiaridade com o Belo, no seu jeito introspectivo, mas sensível, o mineiro permaneceu antenado, com pés no chão, mas olhos no mundo, captando as mudanças de rumo deste com os seus conseqüentes reflexos nas artes. Assim transplantou as influências do modernismo que já invadira S.Paulo a partir do movimento de modernização das artes no ano de 1922, marcado pela Semana de Arte Moderna. Absorvendo aquela manifestação que “transtornou” e transformou a atmosfera pictórica do país, Minas, reinventou a sua modernidade, acrescentando nesse cenário, através das mãos do então governador Juscelino Kubistchek, a doce e forte figura do pintor e professor de arte Alberto da Veiga Guingnard, cujos traços, cores e lirismo, invadiram para sempre as Minas, levando reflexos e influências aos Gerais mais distantes.

Por tudo isso e mais, ontem e hoje, a vasta região de Minas é, um canteiro de artes sem limites, mas, como as Minas e os Gerais perfazem uma vasta região, necessário se faz estreitar o foco para uma percepção introdutória.

Vemos aí, então a possibilidade de priorizarmos a nossa terra, Montes Claros “Cidade da Arte e da Cultura”, já que neste cenário fermenta e é fecunda a semente da mais legítima intelectualidade. Esta cidade, que se localiza num ponto distante no gerais, bem ao norte das minas, destaca-se no cenário nacional por vários fatores como: a riqueza e diversidade de suas manifestações artísticas, um folclore vivo e contagiante, sedia o Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernandez, que tem o maior número de matrícula entre os Conservatórios da América Latina. É sede de uma grande universidade pública e de inúmeras faculdades particulares, tornando-se, na última década em importante pólo universitário brasileiro. É, também, o segundo entroncamento rodoviário do país, o que sinaliza o trâmite de influências culturais, mas, principalmente, tem uma vocação impar para as artes em todas as suas modalidades, sustentando, desde o ano de 1984 o título de “Cidade da Arte e da Cultura”. Por isso dentre os muitos nomes da terra, que bem poderiam representar este slogan, escolhemos três para um primeiro registro pelo que conseguiram no cenário das artes plásticas: Raimundo Colares, Konstantin Christoff e Yara Tupinambá, nomes que são referências do que há de mais legítimo e elevado na pintura brasileira, com reconhecimento em todo o território nacional e até no exterior.

Há muito, tínhamos a curiosidade de conhecer por inteiro, estes mitos. O propósito deste estudo ofereceu-nos a oportunidade. Diante da extensão e beleza das suas obras, da complexidade de suas histórias exigimo-nos esforço e minucioso cuidado na tarefa de selecionar e restringir ao máximo, para atender as particularidades deste específico espaço. Apresentamos então, uma síntese ainda mínima, mas elucidativa de suas personalidades e obras. Mesmo assim, será necessário dividir o conteúdo em três
capítulos, publicando-os separadamente nas revistas número 4, 5 e 6, devido ao perfil desta publicação, cuja totalidade inclui muitos artigos de autores diferentes. Escolhemos o artista Raymundo Colares para iniciar este percurso.


RAYMUNDO COLARES

Raymundo Colares é considerado com unanimidade como um dos mais expressivos artistas da geração 60/70 do país. Sua arte é considerada absolutamente única no cenário brasileiro.

Colares, surge num momento de transição e sua arte se apresenta como uma mescla e síntese de múltiplas fontes:construtivismo, pop, futurismo, minimal arte, cubismo, geometrismo, o que a classifica como contemporânea.

De acordo com a especialista em arte”. Lígia Canongia, “Colares é intelecto, e emoção, clareza e caos, consegue fazer conviver os domínios excludentes e confluir os opostos”.

Sua vida inicia-se entre Grão Mogol/MG onde nasce, e Montes Claros para onde se transfere aos 6 anos de idade, cidade que amou e adotou como sua, onde construiu a sua memória e o seu imaginário criativo. Nascido aos 25 de Abril de 1944, quinto filho entre os nove de Felicíssimo Colares e Joana, Raimundo Felicíssimo Colares passou a infância numa casa no centro da cidade, numa esquina da rua Dr. Santos com Dom Pedro II, cujo espaço retangular era o espaço sobrante de uma grande construção em
forma de L, o maior e mais moderno cinema de Montes Claros: o Cine Fátima. Do seu quintal podia-se ouvir a música e os diálogos dos filmes que Raimundo acabava assistindo no grande salão auditório. Colares amou a arte do cinema e com ela conviveu estreitamente. Fazia álbuns de cinema e colecionava fotos de artistas. Adorava ler histórias em quadrinhos, gibis, colecionava-os. Era um menino introspectivo, algumas vezes brincalhão. Lia exageradamente, muito cedo se tornou culto.

Tinha uma boa relação com os irmãos e pela mãe, adoração. Admirava-a na sua força e doçura. Separada do marido regia a prole sozinha.

Colares fez o curso primário no Colégio Imaculada Conceição, colégio de freiras católicas e continuou como seminarista no Seminário Diocesano Nossa Senhora Medianeira de todas as Graças, a principal escola de formação de padres da cidade. No Seminário ficou pouco tempo, apenas 2 anos, de lá seguiu para o Colégio Estadual Plínio Ribeiro, a conhecida Escola Normal de Montes Claros até a segunda série do curso Científico, ao conquistar, através de concurso, o prêmio Bolsa de Estudos da Sudene , para terminar o curso em escola preparatória para o curso superior, na Universidade da Bahia, em Salvador. Raimundo morou em Salvador durante um ano, encantou-se com a cidade, descobriu os seus alagados e os pintou na série do mesmo nome. Foi lá que tomou conhecimento das artes de Piet Mondrian e Paul Klee, figuras estas que irão revolucionar as suas idéias ambos, pintores geométricos abstratos. Esses personagens, com suas artes, fascinarão Colares que imediatamente começa a pintar.

Há relatos que comprovam a atração de Colares para o mundo das artes desde a infância, além do contato assíduo com o cinema, gostava de desenhar e desenhava bem.

Após os primeiros contatos com a arte moderna em Salvador, pesquisou muito e estreitou os laços de afinidade com Mondrian. Vimos no acervo dos seus objetos, papéis com traços e escritos, onde lemos, “Mondrian... ainda entenderei este cara”. Raimundo descobre-se artista e decide mudar sua trajetória, dispensa a bolsa de estudos. De Salvador escreve aos pais comunicando a desistência do curso de Engenharia e a pretensão de inserção no mundo das artes. Transfere-se para o Rio de Janeiro.


RAIMUNDO NO CENÁRIO DAS ARTES NO RIO DE JANEIRO.

A grande metrópole, porta aberta do Brasil para o mundo o impressiona.

Era o ano de 1965 e Colares tinha entre 20 e 21 anos. O Brasil vivia a ditadura militar, gerada no golpe de 1964. No contato com a grande cidade, Raymundo se depara com o progresso, a velocidade, a nova arquitetura construtivista, o contato com as grandes personalidades artísticas emergentes, e a geometria que já se acendera no contato com Mondrian, vão causar a febre criativa de uma arte única. Até então, autodidata, Colares inicia contato com expoentes renomados da arte contemporânea brasileira. Para sobreviver na grande metrópole e paralelo ao trabalho nas telas, desenvolve um outro que depende também de criatividade; desenha jóias para a H. Stern. Volta a M.Claros por um tempo retornando ao Rio no ano seguinte com a intenção definitiva de desenvolver efetivamente a sua arte. Em 1966 faz vestibular e se matricula na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), que abandona no ano seguinte devido as aulas não corresponderem à sua expectativa. Continua com suas experiências primordiais como autodidata, em busca de métodos de criação mais livres.
Foi nesse período (1966) que tentou pela primeira vez uma seleção no Salão Nacional de Arte Moderna, enviando 2 trabalhos, não sendo aceito.

Já no ano de 1967, em busca de referências essenciais aproxima-se de Ivan Serpa e freqüenta por um tempo os seus cursos livres no MAM, contudo, sem abandonar as suas pesquisas e experimentações pessoais. Neste ano de 1967 já participava de coletivas importantes, por exemplo, a mostra Nova Objetividade Brasileira no Museu de Arte Moderna daquela cidade(MAM-RJ), a qual participou, a convite do artista Antonio Dias e da V Exposição de Arte Brasileira, no Museu Nacional de Belas Artes do Rio. Participará também de mais um Salão de Arte, o Salão de Arte Contemporânea de Campinas. Integra-se à vanguarda brasileira de artes plásticas, ao lado de expoentes como Wanda Pimentel, Roberto Magalhães, Carlos Vergara, Antonio Manuel, Lígia Pape,
Hélio Oiticica e outros, mas será a partir de 1968 que começará a sua colheita de prêmios.

O montesclarense afirma-se como artista e passa a vender a sua arte em galerias importantes como as Bonino e Klabin. Por alguns períodos ministrará aulas de arte no Curso de Arte e Atelier Livre do MAM e ensinará desenho num colégio de Niterói. Em 1969 realizará a sua primeira exposição individual no Copacabana Pálace no Rio de Janeiro.

No período entre os anos de 1968 a 1980, conquista 11 prêmios, os mais significativos no campo das artes plásticas brasileiras daqueles tempos.

Aqui registramos todos esses prêmios na sua ordem cronológica:

-1968: Isenção do Júri (Salão Nacional de Arte Moderna (MEC-RJ), 2º Prêmio de Pintura do Salão Esso do Artista Jovem (MAM-RJ); Medalha de Ouro do Salão Paulista de Arte Moderna, Prêmio Aquisição no Salão da Prefeitura de B.Horizonte.

-1969: Seleção Prévia da Representação Brasileira à Bienal de Paris (MAM-RJ)1º Prêmio Salão de Transportes (MAM-RJ), Prêmio de Aquisição no Salão de Prefeitura de Belo Horizonte.

-1970: Prêmio Viagem ao Exterior do Salão Nacional de Arte Moderna, Prêmio IBEU na Mostra O Rosto e a Obra, na galeria desse Instituto c/ acréscimo de passagem p/ EUA e convite para expor na Art Gallery of the American Cultural Institute de Whashington.

-1977: Prêmio Aquisição na Exposição Arte Agora 1, promovida pelo Jornal do Brasil e Museu de Arte Moderna do R.Janeiro.

-1980: Prêmio Aquisição no Arteboi, Salão de Artes Plásticas de M.Claros.

-Fala-se também de um primeiro prêmio conquistado aos 23 anos de idade, na V Mostra do Ciclo Retrospectivo de Arte Brasileira, na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.

A partir de 1970 Colares estará produzindo os seus famosos gibis, livros objetos feitos com papel recortado e colados em composições geométricas, que a princípio venderá muito barato. Sua irmã Terezinha (em entrevista à autora) dirá que Raimundo apreciava muito a música e interpretação de Roberto Carlos. Então ficava muito feliz, quando, com o dinheiro da venda de um gibi, comprava duas fitas cassetes de Roberto Carlos. Esses gibis, arte objeto, hoje requisitados, procurados e pesquisados, são reconhecidos como valiosos no cenário da arte contemporânea. Através do seu manuseio o artista conseguia a participação e interação
do espectador, aspecto que o preocupava.

Hoje, esses pequenos gibis são comercializados por mais de R$50.000,00 cada.

Outra expressão que Colares experimentou com originalidade foi a literatura. Compôs poemas neoconcretos com os quais presenteava amigos, ou os abandonava nos próprios espaços em que nasciam. Alguns eram recolhidos num caderno que sempre perdia.

No entanto, alguns dos que foram salvos estão presentes no livro editado pelo Centro Cultural Light.


A ARTE GEOMÉTRICA DE RAIMUNDO

Todos os críticos brasileiros de arte, de expressão dessa época, sentem-se motivados a uma observação mais apurada dessa genuína arte geométrica e tentam classificá-la. Buscam nela alguma justificativa pop, já que no momento a pop art explodia nos Estados Unidos. No entanto, a estudiosa da arte de Colares, Lígia Canongia, refutará essa possibilidade, ao conferir nos diferentes espaços culturais e políticos, momentos antagônicos, enquanto a pop arte norte americana brotava da dinâmica do mundo moderno, onde é imensa a neutralização do homem contemporâneo como sujeito, transformado em massa, sem identidade, apenas número e coisa, paralelamente, aqui no Brasil em meio a plena ditadura, a luta pela vida começava literalmente no corpo a
corpo, homem versus homem, uma luta em primeiro lugar pela sobrevivência física num contexto repressor de muita vigilância e controle.

Em relação à pop art reconhecerá “apenas a mediação de alguns elementos formais semelhantes”. Justifica Lígia Canongia que, ”Se a obra de Raimundo Colares é uma mescla, uma síntese de múltiplas fontes, que vão da arte construtiva ao pop, do futurismo à arte minimal, do cubismo ao cinema ou aos comics, é porque ela é antes de tudo, uma obra contemporânea, com, através e malgrado suas influências modernas” (Pág. 14, texto Análise das Referências, livro Raymundo Colares Trajetórias, realização Centro Cultural Light, 1997). Para um maior entendimento, lembramos que a arte contemporânea, muitas vezes, traz elementos da arte moderna, só que mais voltados ao conceito, o que aconteceu a partir dos anos 60, obrigando-nos a busca desse conceito até mesmo nas pinturas figurativas e construtivas. No caso de Raimundo, devido ao tema dos ônibus somos remetidos ao conceito velocidade e por extensão à “fragmentação do espaço e do tempo do próprio homem urbano das grandes cidades (pág. 9, texto sobre o artista e a Exposição, livro Raymundo Colares Trajetórias, Centro Cultural Light, RJ, 1997).

Mas, será o próprio Raimundo que se verá influenciado pelo futurismo italiano e o cinema, tentando sínteses a partir da influência dos fotogramas da sétima arte e as histórias em quadrinhos com as quais conviveu estreitamente desde criança, paralelo às sensações de impacto vivido diante da velocidade urbana nos grandes centros e o desconcerto do homem no tempo, a partir da vida moderna.

Colares tinha uma preocupação interessante, “queria ampliar a escala da sua pintura através de processos mecânicos como o silk screen, processo de reprodutibilidade técnica, aspecto que indiretamente remete a linguagem pop.“ De acordo com relato de sua irmã Terezinha Colares, ele queria democratizar a sua arte, propiciar a todo o tipo de público o acesso à sua pintura.

Por isso através de sua técnica e fala, não só sugeria, mas propunha espaço e condições para que qualquer pessoa, através de manuseio pessoal pudesse fazer uma cópia do seu trabalho, em vários tamanhos e ou materiais, fato inédito no meio dos artistas.

Ele disse: ”Com isso eu pretendo tirar a minha arte exclusivamente das mãos do burguês colecionador. Uma pessoa que tenha quadro meu, vai ter porque gosta e sabendo ainda que qualquer outra pessoa pode, se quiser, ter o mesmo quadro. Pois qualquer quadro meu pode ser reproduzido, sem perder sua autenticidade. Nos meus quadros não há pincelada solta nem o chamado toque artístico. Por isso qualquer pessoa que os copie obedecendo a sua estrutura, não estará alterando em nada o trabalho, que continuará a ser tão meu quanto antes. A minha principal preocupação é que o quadro não fique preso apenas a um colecionador ou a um só trabalho. A única coisa que se gasta é o material. Esse negócio de direito autoral não existe para mim. Existe, isso sim, o prazer que alguém se interesse pelo meu trabalho, o reproduza ele mesmo, e o coloque lá na sua parede, pendure no seu teto, ou simplesmente pose-o no seu chão. Agora, eu cobro por essa reprodução, afinal eu vivo disso” (Texto: Colares: o ônibus e as barreiras a vencer. Jayme Maurício. Correio da Manhã.1969).
De acordo com o dito vê-se que o artista pode perder a autoria artesanal da obra, sem prejudicar a sua autoria intelectual, aspecto bastante discutido na área artística ao longo do século XX. E, como descreveu acima sua arte apresenta original figuração
de ônibus com cortes e fragmentações denotando velocidade, e tem colorido vibrante e atraente, com predomínio do vermelho e amarelo.

Desde o início de sua estadia no Rio de Janeiro, Raimundo conquistara a companhia de artistas ligados à linguagem construtivista, com os quais descobrirá afinidades, no entanto, sua figuração exclusiva denunciará lances futuristas na forma de captação “dos ritmos de uma urbanidade atual onde a interpenetração dos ritmos visuais essencializam os movimentos de veículos automóveis no trânsito de uma cidade grande” (Pág. 61 texto Trajet e Trajetória de Roberto Pontual, livro Raimundo Colares Trajetória C. Cult. Light 1997). A sua forma de representação denota” um sufocamento e reflete o assombro de alguém que viera de sua pequena cidade de origem para enfrentar a realidade espasmódica de um centro urbano de pleno ritmo, o Rio de Janeiro”. (pág. 61 L. Raimundo). Na introdução de uma dimensão orgânica ou humanista em estruturas originalmente tão rígidas, Colares, em oposição à ortodoxia concretista, agrega elementos expressionistas. Há quem defenda que “a emoção é sempre o ponto de partida de suas trajetórias” (pág. 62 L.Raimundo). E não poderia ser diferente a conclusão para todos aqueles que conheceram Colares pessoalmente, a pessoa Raimundo transparecia uma sensibilidade quase que comovente,” um misto de paixão e candura”(pág. 62 L. Raimundo) que parecia buscar “um pouco de ternura ou
de compreensão”(pág. 63, Frederico Morais, O globo - 1983). Confrontamos alguns textos técnicos e científicos desses críticos de arte com relatos de alunas dos Cursos de Artes Plásticas do Conservatório de Música Lorenzo Fernandez de Montes Claros Num artigo de Marluce Ramos, publicado em jornal da cidade após a sua morte lemos: “Seus problemas existenciais pareciam maiores que ele próprio. Recusava-se a aceitar os padrões de vida que a sociedade impusera para todos. Era-lhe difícil submeter-se a
conceitos tradicionais, e aceitar um mundo cheio de preconceitos e repressões” e então concordamos com aqueles que o chamaram de “James Dean desglamourizado.” Vê-se que não só visualplásticamente, mas também psicologicamente que, “ele sempre
esteve em trânsito, a caminho, está sempre saindo, sempre chegando. Um bólido no espaço”,(pág. 63, texto Frederico Morais(O globo, 1983)Texto, O sonho não acabou, de volta à estrada, Colares busca novos caminhos, livro Raimundo Trajetória. Centro
Cult. Light. 1997). Daí, concluimos daí os flashes dos ônibus em movimento.


RAIMUNDO PROFESSOR DE ARTE

Após gozar o prêmio Salão Nacional MEC-RJ de Viagem ao Exterior, que o levou a residir nos EUA por seis meses e depois na Itália por 18 meses, Colares retorna ao Brasil, especificamente à sua “aldeia” Montes Claros. Sentia saudades e desejo de rever os amigos e a paisagem da infância e adolescência. No ano de 1972, colaborou para a criação do curso de Decoração no Conservatório de Música Lorenzo Fernandez, então dirigido por D. Marina Helena Fernandez Silva. Montes Claros vivia naquela época um momento especial no que se refere às artes. O movimento artístico do Conservatório que viria a ser por muitos anos o primeiro em número de alunos no Brasil devido ao dinamismo da sua diretora e à resposta positiva da população, contaminava a todos e a cidade respirava os novos ares da arte. A força e o prestígio de D. Marina, filha do compositor Oscar Lorenzo Fernandez, que viera do Rio de Janeiro, trazia para a cidade artistas importantes no cenário nacional para apresentações e cursos, ocasionando um bom intercâmbio artístico com outras metrópoles. Montes Claros era mesmo um point da cultura. Convidado a emprestar o seu talento e conhecimento artísticos, Raimundo se infiltrou no meio de tudo isso disponibilizando a sua genialidade e inteligência, contribuindo para o excelente nível do curso de Decoração, nos seus primeiros anos, apesar de já ser usuário de drogas, em avançado grau de dependência. De acordo com depoimento de algumas alunas das primeiras turmas do referido curso, Raimundo lecionava várias disciplinas em um mesmo período; Desenho, Pintura, História da arte e Composição Artística. As suas viagens e permanências nos Estados Unidos e na Europa, paralelo à sua experiência gloriosa no cenário das artes brasileiras alargaram a sua dimensão intelectual que desde jovem se mostrara plena de profundidade e erudição. Tornara-se poliglota, traduzindo em aula simultaneamente ao ler, vários textos de livros europeus e americanos. Conseguia transmitir com lealdade tudo que aprendera (depoimento das alunas Marluce Ramos e Lúcia Becatini).

Apesar da simplicidade, tinha personalidade forte e marcante e os alunos que o adoravam, nos momentos difíceis de crise, o protegiam. Durante os anos de magistério, Colares precisou interromper esse exercício várias vezes para atividades e participações no Rio de Janeiro e as vezes para proceder a tratamentos contra a dependência das drogas. Internou-se algumas vezes, em São Paulo e mesmo em Montes Claros, apesar da cidade não possuir ainda, espaço de saúde especializado na área em que o seu problema requeria. De acordo com depoimentos de alunos a sua contribuição como professor foi imensurável para as suas formações de estetas.


TRAJETÓRIA INTERROMPIDA

A dependência das drogas intensificou-se, levando Raimundo à ruína.

Após várias tentativas de desintoxicação e cura, em março de 1986, Raimundo por vontade própria se internou no Prontomente, de Montes Claros, instituição ainda precária, mas paliativa, para tratamento de doenças mentais. Buscava alívio para a sua dependência das drogas.

Após alguns dias, amarrado à cama que se incendiou, não se sabe como (fala-se em cigarros) queimou-se vivo quase que na completude física. Seu corpo apresentou o que na medicina se classifica como “grande queimado”. Transladado para o CTI do Hospital São Lucas, onde resistiu por 3 dias, faleceu no dia 28 de março, uma Sexta-feira da Paixão, deixando em estado de choque a cidade de Montes Claros, e transtornado, o mundo artístico do Brasil.

O nome de Raimundo se fez sinônimo de grande arte e é reverenciado como presença marcante na história da arte brasileira. O colecionador de arte, dono de um dos maiores acervos privados do Brasil, João Sattamini que adquirira grande parte da obra de Colares, hoje a disponibiliza eventualmente para mostras de peso. Elas são expostas, eventualmente, no MAC/Niterói, onde eu tive o orgulho e a satisfação de contempla-las reunidas, o que propiciou a mim uma visão do conjunto da obra. Fiquei impressionada, pude então perceber a dimensão, a força e originalidade desta criação.

O Centro Cultural Light no Rio de Janeiro, no ano de 1997 o homenageou com a edição de um livro de arte com textos de Ligia Canongia, Paulo Venâncio Filho, com transcrições de textos dos críticos Roberto Pontual, Frederico Morais, Wilson Coutinho,
Reynaldo Roels, além da carta poesia-diálogo de Hélio Oiticica, paralelo a uma monumental exposição retrospectiva no período de 9 de Julho a 24 de Agosto. Ambos os eventos denominados de “Raymundo Colares Trajetória.

Foram filmados bons roteiros sobre o seu percurso. Um deles, ao qual assistimos e nos emocionamos se intitula : “Colares”, sob a direção do cineasta Sérgio Bernardes,foi patrocinado pela Prefeitura de Montes Claros, gestão Mário Ribeiro e a Secretarioa da Cultura do Estado de Minas Gerais.

Como se vê, pode-se fazer um paralelismo da figura do ônibus, tão presente em sua imagética, a induzir e explorar a idéia de velocidade e ultrapassagens rápidas da vida moderna, com a trajetória da sua vida. Colares, após 20 anos de atividade artística ininterrupta, morreu jovem e de maneira trágica, deixando para o mundo o legado de uma imagética única e levando o nome de Montes Claros ao podium mundial das artes.

Como vimos, grandeza é a medida destes mitos que homenageamos
com o nosso trabalho. Necessário se faz lembrá-los,
reverenciá-los, registrá-los para as gerações futuras, pois o passado
daqueles que transcendem, não se apaga, torna-se história e
esta é parte do presente e do futuro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
LIGHTCentro Cultural. Raimundo Colares Trajetória (Publicação:Livro de Arte)1997.
www.macniteroi.com.br
www.art-bonobo.com
Relembrando Ray-Saudades de Ray.Artigo de Marluce Ramos.Diário de Montes Claros-
Maio de 1986.
Panorama das artes plásticas.Séculos XIX e XX.Frederico Morais..Inst. Cultural Itaú.São Paulo.1989.
Artes em Montes Claros.Wanderlino Arruda.in Tempos de Montes Claros.Belo Horizonte.
1978.
Entrevista gravada com sua irmã Terezinha Colares.


Sem título, 1968 - Esmalte sobre madeira - enamel on wood - 160 x 160 cm -
coleção João Leão Sattamini - MAC/Niterói


Ultrapassagem - pista livre II, 1969 - Esmalte sobre madeira - enamel on
wood - 160 x 160 cm - coleção João Leão Sattamini - MAC/Niterói


MELO

Felicidade Vasconcelos Tupinambá
Cadeira N. 36
Patrono: Felicidade Perpétua Tupinambá

Eu sou do tempo que ir ao Melo não era simplesmente ir a um dos bairros mais importantes da cidade. Melo é um lugar no meu passado. Sobretudo uma referência em minha infância. Bons tempos aqueles de neta do Seu Antônio de Nico e sobrinha de Lia do Melo.

Montes Claros, naquela época tinha seus limites muito bem definidos. Para as bandas do Melo a cidade só vinha até a Santa Casa. Ir ao Melo de hoje era àquela época uma façanha. Embrenhava-se por um corredor escuro e cheio de mato, mais conhecido por beco do Melo. Muito recomendado por meu avô, havia bêbados e outros malucos por ali, nenhum perigo iminente, se comparado aos dias de hoje. Luz não havia. Logo que se entrava no beco, vinha a travessia do rio Vieira que está ai canalizado e não me deixa mentir. À direita se encontrava o curtume com seu mau cheiro terrível e seus habitantes habituais, os urubus. Seguia-se mais adiante e já estávamos de passagem em frente à Casa da Dona Joana Nunes sentada em seu alpendre a receber a deferência merecida de quantos transitassem pelo corredor do Melo. Logo depois havia o seminário Diocesano, onde muitos rapazes iam estudar para ser padre. Coisa muito rara hoje em dia. Era lá que assistíamos às missas de domingo, com Padre Joaquim, hoje Tiãozinho e Padre Geraldo, hoje Bispo Diocesano. Porque ir à missa aos domingos, especialmente entre os Vasconcelos, era dever sagrado. Mais adiante era a Casa de Dona Augusta. Seu marido, já falecido, era dono de uma serraria e sempre era comum
atravessarmos ali sob o barulho ensurdecedor de suas serras. Mais à frente havia a casa de Seu Nô. Ele tinha as charretes mais bonitas do nosso tempo de criança. Daí à beira do rio e travessia da ponte do Melo, era um pulo. A ponte que muitas vezes Mãe
Lia pedia para não olharmos para as laterais, pois tinha moleques tomando banho pelados, e sempre que eles viam a presença feminina pulavam fora d’água num exibicionismo próprio da rapaziada daquela idade. Logo à direita vinha a chácara com frutos em profusão, especialmente, mangas. Sempre invadida e sempre a preocupar o “Seu” Antonio de Nico em sua difícil missão de proteger o patrimônio dos ricos MARCONDES de Pindamonhangaba. Uma fazenda que a cada dia ele via se aproximando da cidade ou vice versa. É que meu avô cuidou por muitos anos da fazenda do Melo. Desde o tempo do Dr. Santos, que inclusive já foi prefeito de Montes Claros. Reinine Canela é testemunha, ou melhor, vítima do zelo com que meu avô cuidava daqueles alqueires de terra. Ele era famoso por expulsar os meninos em piqueniques e outros programas por aquela redondeza. Reinine foi um deles. É que de vez em quando estes pequeniques resultavam em fogo no pasto e era difícil debelá-lo. O prejuízo era certo.

Quem diria que o Melo já foi fazenda de grande criação de gado! Os Marcondes investiam pesado nisto. Waldomiro e Nei eram nomes que sempre ouvia na minha infância. A cada ano eles vinham de São Paulo, cada homem bonito, claros e de sotaque àquela época muito engraçado para todos nós. Eles subiam nas porteiras e cercas dos currais e assistiam à contagem do gado, que logo era embarcado para os frigoríficos através da Central do Brasil. O dia da pesagem era dia de muita movimentação na fazenda. Era dia dos vaqueiros vestirem suas indumentárias e fazerem seus aboios inesquecíveis. O alpendre da fazenda ficava cheinho deles. O almoço era sempre servido de maneira farta e muito cedo, pois a lida deles começava bem antes do sol sair e lá pelas nove horas da manhã já era hora de pegar a “bóia”.
Estavam lá Seu Aurino, seu Antônio Baixinho, o mais engraçado de todos, Zé Vermelho, que fazia jus ao seu apelido. São os que me lembro mais. Depois do almoço, entre um cigarrinho de palha e outro, eles contavam “causos” a que ouvíamos com os
atentos ouvidos de criança. Daí minha admiração, mais tarde, pelos livros de Guimarães Rosa , especialmente Grandes Sertões Vereda, onde pude reencontrar toda esta gente e matar a saudade destes tempos da minha infância. Meu avô era um sujeito carrancudo, e se se baseasse apenas à primeira vista, se perderia a oportunidade de conhecer uma pessoa doce, honesta e pura de que já tive notícia. Sua dignidade sobrevive ainda hoje na postura correta dos filhos que lhe sobreviveram: RAIMUNDA, minha mãe, TEREZINHA, que pela sua dedicação de tanto tempo ao cartório de primeiro ofício é mais conhecida por Terezinha do Cartório, ZUCA que mora em Belo Horizonte e JOÃO que a cada dia se parece mais com o meu saudoso avô. Os outros filhos, Augusto, José, Luiz, Lia, Tiana já não habitam mais este mundo. Foram se juntar ao Seu Antônio de Nico e Dona Geny. Já ia me esquecendo de dizer que conheci minha vó apenas através das inúmeras lembranças que a minha mãe tem dela. Ela morreu de forma silenciosa, como muitos morriam naquela época. Muito cedo. Algum mal do coração, pressuponho. Naquela época não havia os avanços que a Medicina tem hoje. Entretanto, ai é que entra a figura de Mãe Lia, a que me referi há pouco. A filha mais velha de Sr. Antônio de Nico tomou conta de todos os irmãos permanecendo solteira por longo tempo. Dado à responsabilidade e dedicação com que serviu à sua família, todos os netos passaram a chamá-la de Mãe Lia. Sua bondade, simpatia e postura lhe valeram muitas amizades e ela ainda é lembrada até hoje pelos que conheceram o Melo daquela época.

Mais tarde, e já idosa, ela veio a se casar, realizando assim o sonho, acho, de todas as mulheres de seu tempo. O casamento aconteceu na igreja de São Norberto e foi preparado por algumas de suas sobrinhas. Pouco tempo depois ela veio a falecer. Creio
que está em lugar muito especial no céu, onde os justos descansam.

Além dos filhos de seu casamento com Dona Geny, “Seu” ANTÔNIO DE NICO teve outros filhos e nem por isto menos amados. Tio GERA, filho de um dos seus melhores amigos, o compadre LUNINHA, e que sobrevivera a um parto complicado de sua mãe Dona Sérgia; LURDINHA que virou a madre de todos nós. Uma alma bonísima e que sempre nos protegeu em nossa infância cheia de traquinagens e perigos. Tinha o ROQUE que ajudava mais meu avô na lida com o gado. Além do compadre Luninha, outro grande amigo do meu avô e que ele estimava muito era Geraldo Alaor.

O MELO era antes de tudo a casa do nosso avô. E, como toda a casa de avô, era sempre uma festa. Aos domingos os filhos se reuniam lá. E assim “Seu” Antônio via sua família ir crescendo. Adorava os netos. Sua escrivaninha em seu quarto tinha uma gaveta que era assim o tesouro que sempre perseguíamos. Era cheia de bala e outras guloseimas que ele sempre nos presenteava depois do almoço.

“Seu” Antônio de Nico era metódico e sempre fazia suas idas à cidade em seu cavalo branco, e sempre o deixava amarrado na esquina da Av. Afonso Pena com Presidente Vargas, bem perto da casa de dona XININHA sua irmã, outra pessoa de quem guardamos lembranças muito agradáveis. A casa de dona Xininha, na Afonso Pena, era o porto seguro dos que vinham do Melo para a cidade e de muitos que vinham de Coração de Jesus, que era a cidade natal dela, do meu avô e de muitos dos seus filhos, inclusive minha mãe. “Seu” Antônio fazia suas compras, guardava-as nos alforges e voltava para o Melo. Durante um tempo, uma das minhas irmãs, a LÚCIA, morou com meu avô e ele a levava para estudar no Grupo Francisco Sá todos os dias. Ela já era crescidinha e tinha vergonha dos colegas a verem chegar na garupa do cavalo do meu avô, então ela pedia a ele para parar na esquina da Santa Casa e de lá ela ia a pé, porque era pertinho. Ele era capaz de fazer todos os nossos gostos.

O médico preferido do meu avô era o Dr. Maurício. Cuidou muito bem do seu coração. Disciplinado como sempre, ele passava água no vidro dos remédios para tomá-los até o finalzinho. E, claro, fazia efeito.

Havia um movimento muito intenso no corredor do Melo. Ele era o elo de ligação entre o Pequi e a cidade. Por lá passavam os carregadores de leite todas as manhãs e era grande o volume de leite tirado na fazenda e que atendia à cidade. Havia os doidos que por lá trafegavam também. Lembro bem de Belo Doido, que sobrevive até hoje. Naquela época ele era a desculpa de minha mãe para que nós nos comportássemos direito. Pelávamos de medo de Belo. Hoje ele frequenta minha casa e as imediações onde moro e até trocamos alguma prosa. Ele adora a música Nervos de Aço e sempre que me encontra me pede para cantar e escrever a letra para ele. Isto é, o dia que ele está legal. Outros dias passa por mim e nem me reconhece. Outra figura que por
lá passava se dirigindo ao mercado central para vender bacuparí, maracujá daqueles que se come de colher, era Formiguinha. Ela descia muito bem comportada, mas quando retornava já tinha experimentado mais do que devia de uma pinguinha e aí era só ouvir o seu apelido e ela então debulhava altos palavrões, ao que meu avô nos recriminava prontamente. Mas parece que escutávamos só durante a pregação do meu avô . Bastava o próximo final de semana, e ela só passava aos sábados, para que a ladainha acontecesse outra vez.

Aos domingos DONA GLÓRIA de seu GERMANO também passava por lá acompanhada dos filhos.

Por este corredor passava muita gente durante o dia, muitos tropeiros pediam abrigo para suas tropas, enfim “Seu” Antônio era um homem muito conhecido por aquelas bandas. Mas um passante em especial tem sentido importante para minha história.
Meu pai e minha mãe foram na infância colegas de escola. Estudavam num grupo que existe até hoje logo depois do viaduto Emiliano Queiroz. Passado algum tempo, ele, em passagem pela porta da casa do meu avô, reconheceu entre as moças na varanda sua ex-colega e comentou com seu irmão, José, que teria sido colega de uma daquelas moças na varanda, ao que meu tio profetizou: Por que você não casa com ela? E dia 31 de maio de 1954, na matriz de Nossa Senhora e São José, onde minha mãe era irmã de Maria, sob as bençãos de Deus e do Padre Dudu e sob a brilhante voz de Nivaldo Maciel casaram-se HÉLIO LEAL TUPINAMBÁ E RAIMUNDA VASCONCELOS TUPINAMBÁ.

O Melo era muito conhecido pelas festas juninas ali realizadas, quando meus tios e tias ainda eram solteiros. Muita gente da cidade ia para lá nas noites de Santo Antônio. As fogueiras eram em homenagem ao meu vô que nascera num dia 13 de junho. Tenho poucas lembranças das famosas quadrilhas ali realizadas, mas lembro-me bem de uma senhorita lindíssima que tinha um problema na perna , e acho que criança sempre presta muita atenção em pequenos detalhes, ela ficou na minha lembrança. Ela participava das quadrilhas e era das mais animadas, me parece que o nome dela é Lia Figueiredo Andrade.

Das festas de junho lembro-me muito de um episódio acontecido por conta da nossa traquinagem. Reunidos os netos em torno da fogueira, que ficava num enorme terreiro à frente da casa principal, onde hoje é o Colégio Padrão, estávamos nós os netos, enquanto os adultos proseavam na sala de visitas da casa. Tinha um menino de nome JOSÉ PEDRO, que meu pai trouxe do Canto do Engenho para estudar aqui, e disse que sabia fabricar bombas. GENY, minha irmã mais velha, sempre foi muito independente e atirada. Ela então se prontificou logo a arrumar-lhe o material necessário, já que sabia que numa das gavetas do meu avô havia pólvora. Sorrateiramente foi até lá e pegou o material. José Pedro mostrou logo habilidade em enrolar a pólvora em papel e amarrar com cordão e, logo, ela já tinha o formato das bombas encontrada no mercado. Fizemos então um monte de brasa e colocamos a bomba em cima e corremos todos, esperando o estrondoso estouro. Nada. Voltamos temerosos várias vezes para verificar o que estava acontecendo. Daí Geny e José Pedro tiveram a feliz idéia de soprar para ajudar o fogo pegar. Eu sempre medrosa, fiquei mais atrás. Sempre tive mais medo das coisas do que minhas irmãs. Não deu outra: a pólvora incendiou e queimou as pestanas e sombrancelhas de Geny, além de chamuscar-lhe o cabelo.

José Pedro era a única presença masculina e da nossa idade em casa. Somos quatro irmãs: Geny, Lúcia, Socorro e eu. Numa ocasião, Geny passava férias no Melo e colheu mangas diferentes e nos mandou através de José Pedro. Dizia em seu bilhete infantil quantas mangas e de que qualidade estavam indo para quem. Acontece que no meio do caminho José Pedro tinha decidido provar das mangas e não sabia, porque não sabia ler, que haveríamos de dar falta delas. Quando ficou sabendo do acontecido, jurou em sua ignorância nunca mais carregar bilhete, enquanto não soubesse lê-lo. Ele ficou pouco conosco. Dia destes minha mãe me disse que ele teria passado por Montes Claros e até teria nos procurado para uma visita.

Chegamos a morar um tempo na casa do meu avô no Melo. É que morávamos no Canto do Engenho, um distrito próximo daqui, onde meu pai mexia com comércio e resolvemos vir para Montes Claros, pois segundo meu pai já era hora de trazer as filhas para estudar. Neste período experimentamos mais de perto da hospitalidade do meu avô e de Mãe Lia. Meu pai comprou uma loja onde vendia as famosas botinas de Uberaba. A loja ficava na Rua Ruy Barbosa, 199.

Nesta mesma época estudei no Grupo Escolar Francisco Sá. Minhas professoras eram Beatriz Veloso, Gerinha e Lígia Figuei Geny foi minha colega de sala desde esta época. Eu lucrei mais que ela. Seus cadernos, desde pequena, eram mais bonitos do que os meus. Bem desenhados e coloridos. Ela sempre teve habilidade com seus lápis de cor. Uma vez ela foi obrigada por minha mãe a desenhar uma bandeira nacional igual à dela em meu caderno, já que, por não conseguir fazer uma bandeira tão bonita ,comecei a chorar. Aliás, eu sempre chorei muito. Aprendi a ser valente e enfrentar muitas dificuldades mais tarde, mas não consegui eliminar as lágrimas.

Fomos morar depois na Vila Guilhermina, voltamos a morar no Melo, depois moramos perto da Escola Normal, depois voltamos para a Vila, depois para perto da Matriz e desde muito tempo estamos no Sagrada Família. Mas o Melo sempre foi nosso programa de finais de semana e de férias.

Durante o tempo de colegial na Escola Normal, juntávamos as turmas e íamos ao Melo, Socorro Carvalho, Juarez Caribé, Beatriz Biondi, Jessi, Antonina, Izaura, apenas para lembrar alguns dos companheiros. Durante estas idas e vindas ensaiávamos nossas primeiras tragadas em um cigarro e já falávamos de muitas emoções que só a idade vai descortinando para a gente.

O Melo sempre foi e será um lugar de muitas recordações.

Meu avô aposentou-se, mudou de lá e veio morar numa casa que ele construiu num lote na Rua Irmã Beata, na parte de cima. Ali ele morou até a sua morte, sempre digno e bondoso. Já bem idoso ele assistia orgulhoso à chegada dos bisnetos. Às vezes, quando percorro as ruas do Ibituruna, Melo e Panorama acabo sempre encontrando com um marco que me conduz à lembranças já tão distantes.

As mangueiras próximas ao colégio Padrão, ainda sou capaz de escutar a nossa algazarra em folguedos inocentes em volta delas. Sou capaz de reconhecer a mangueira onde as mangas eram mais doces. Uma vez nossas brincadeiras lá deu um final trágico. Uma das filhas de Seu Quelé do correio caiu e quebrou os dois braços.

A jabuticabeira e o pé de genipapo ainda estão lá desafiando o tempo e a nossa lembrança. Dalí à horta era um pulo. A horta era mais ou menos onde fica a AMAMS hoje. Meu avô sempre gostou de fartura. A comida era feita de tal forma que quantos
chegassem, quantos eram bem-vindos. Mãe Lia era habilidosa e seus pães de queijo com erva doce, e suas maçãzinhas em nossos aniversários eram sua marca registrada.

Bem que duas ruas naquele bairro poderiam levar o nome de ANTÔNIO (DE NICO) PEREIRA DE VASCONCELOS e de MARIA (LIA) PEREIRA DE VASCONCELOS. Qualquer dia destes peço um vereador amigo para propor um projeto destes. Será uma medida de justiça a dois moradores ilustres daquele bairro e a condição de eternizar estas lembranças que me são tão caras.


NO COLO DA MÃE, A VIDA SE APRENDE!

Geralda Magela de Sena Almeida e Sousa
Cadeira N. 34
Patrono: Eva Bárbara Teixeira de Carvalho

 

I

Um sorriso fácil derramando alegria contagiava a todos e o brilho que reluzia nos seus olhos verdes iluminava nossa casa.

Do perfil que me vem à lembrança e que dela tento traçar, emergem traços como coragem, simpatia, otimismo, simplicidade, empatia, companheirismo. Destacam-se, não só na nossa relação pessoal, mas em todo o seu jeito especial de ser.

A vida não lhe foi fácil, apesar do sorriso e alegria que mantinha. Mãe de cinco filhos, quatro homens e uma mulher, criouos com pulso firme e terno. Por estar o meu pai constantemente viajando, devido à natureza do seu trabalho como agrimensor e que o mantinha ausente de casa por longos períodos, a ela cabia dar andamento à formação e educação dos filhos, dentro dos princípios e valores priorizados pelos dois. Atenta, sabia alternar os momentos de exigências e rigor com as levezas da alegria, da música e da poesia. Essas características não permitiram que os grandes e graves momentos de dificuldades e dor que também passamos pudessem descolorir nossos horizontes.

Ao lado do meu pai se postou como uma figura forte, firme, destemida, comunicativa, emoldurada por um lindo e permanente sorriso. Sofreu, chorou, enfrentou e venceu dificuldades. O seu exemplo evoco sempre que preciso iluminar os meus caminhos, quando se turvam diante de mim. Sua maneira de ser e se conduzir é, para mim, um manual de instrução nunca ultrapassado, apesar do tempo. Trazendo-o carinhosamente guardado no coração, possibilita-me grandes “mágicas” de mãe e mulher. Inclusive, a de transformar saudades, tristezas, dificuldades e desânimos em palavras, poesias, canções, sorrisos e esperança.

II

Cecília Meireles, ao iniciar o seu poema Motivo, com a beleza e simplicidade que lhe foram próprias, se define: “Canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre, nem sou triste. Sou poeta.”

Já eu canto, porque ouvia minha mãe cantar. E me arremedo poeta, porque com ela aprendi os primeiros poemas. Ainda muito pequena, me lembro, ficávamos estendidas sobre sua cama, fundidas nas dimensões da beleza e dos sentimentos. Ela declamava para mim o Pássaro Cativo - de Olavo Bilac, uma lindíssima história de um pássaro prisioneiro na gaiola, dos seus anseios de liberdade e os apelos ao coração do homem. E tantas outras mais.

Nossos saraus aconteciam ali, informalmente, no aconchego do “ninho”. Ela declamava e eu percebia a minha mãe transformar-se: um rubor de emoção, um brilho de estrelas nos olhos verdes, ondas de arrepios enquanto repetia a história dos poetas e transmitia lições de sensibilidade, emoção e vida. Encantava-me sempre ouvi-la repetir o discurso que fez na sua formatura de 4ª série e que foi escrito pelo Dr. José Esteves Rodrigues. Contava, com feliz orgulho, que foi muito aplaudida e elogiada. Momentos maravilhosos que, no meu coração, abriram caminhos para a música e a poesia. Marcas de enlevo e encantamento tatuando emoções e lembranças inesquecíveis! Riquezas acumuladas na alma!

III

Ainda no colo, na pureza da alma em seus primeiros anos, defronte ao oratório firmado no “terreno sagrado” que ficava atrás da porta entreaberta do quarto de meus pais, outras sementes foram plantadas: as da Fé, do Amor e Temor a Deus. Semeadas e cultivadas por mãos predestinadas lançaram raízes que se aprofundaram e se fortaleceram. Hoje, sustentam os meus pés no chão, minha cabeça erguida com dignidade, meus olhos firmados no alto e a consciência de cidadã e filha muito amada de Deus. Foi assim, com as mãos postas, no aconchego da minha mãe, repetindo cada palavra sua, que aprendi minha primeira oração, e nunca mais esqueci de rezar:

“ Anjo do Senhor, meu zeloso guardador
Se a ti me confiou a Piedade Divina
Sempre me rege, me guarda, me proteja,
Oriente e ilumina.
Amém”

Ali me foi apresentado o meu inseparável companheiro e anjo de guarda. Um presente de Deus que as mães têm a graça de poder abrir e mostrar aos seus filhos. Pelos anos à frente, na simplicidade da vivência cristã dos meus pais, cuidada e guiada pela fé e religiosidade da minha mãe, cresci.

Ainda hoje, na caminhada e busca incansável própria do homem em direção à plenitude (corpo, mente, espírito) em Deus, certamente, minha mãe é presença espiritual constante que me acompanha com seu cuidado e olhar atento.

IV

No colo da mãe, a vida se aprende. Não importa a idade, o tempo - a mãe transcende tempo e espaços físicos. É possível encontrá-la sempre que dela precisamos, independentemente de estar ou não ainda entre nós. E no seu colo continuar as lições de vida ou buscar o beijo que cura quedas e arranhões.

Mistérios divinos envolvem a maternidade que nem à própria mulher são revelados! Ela a exerce não por mérito, mas como um dom. Por amor e cuidados, o Criador enviou Seu filho através da mulher e da sua maternidade. Por amor e cuidados, reafirmou a maternidade como um bem à humanidade, quando o Seu filho Jesus, como um precioso legado, proferiu as célebres palavras dirigidas à Sua mãe: “Mulher, eis aí teu filho.” e ao discípulo: “ Eis aí tua Mãe” (Jo19,26-27)

V

Quando aprendi as primeiras poesias, eu ainda não ia à Escola. Delas, me lembro de uma, que eu falava diante das rosas que se abriam lindamente no nosso jardim, cultivadas por minha mãe. Dizia assim:

“_ Bom dia,
linda roseira,
diz-me planta faceira
para que eu seja
como essa vermelha rosa
que ostentas,
que hei de fazer?
_ Ser boa, cara menina, e boa
crescer! “

Respondia-me a rosa. E eu acreditava assim, pois muitas vezes me viam, pequenina, sozinha no jardim conversando com as roseiras e suas maravilhosas flores.

Nas primeiras séries da escola eu já sabia de cor, e era presença certa nos auditórios, declamando, enlevada, poesias como: Pássaro Cativo, Pátria, Fernão Dias Pais Leme, de Olavo Bilac; Veludo, o Beijo do Papai (de autores desconhecidos por mim), dentre tantas aprendidas sob a apreciação dela e o seu olhar atento e orgulhoso.

Depois vieram inumeráveis versos que aprendi com outros. Mas o jeito de sentir, só ela me ensinou naqueles saraus em sua cama ou no aconchego do seu colo. Enquanto crescia pude, também, espalhar versos pelos meus caminhos. Vivi tempos em que se apreciava e era valorizada a poesia falada e, nas reuniões, sempre havia espaço para serem declamadas. Todas as vezes que eu o fazia e tornava presente a Cecília Meireles, Castro Alves, Cassimiro de Abreu, Drumond, Olavo Bilac e tantos outros, por
meio de suas poesias, certamente, também estava ali a minha mãe, no aflorar da sensibilidade que me conduzia a interpretá-las e a tocar o coração dos que ouviam.

E até hoje, nas orquídeas que com ela aprendi a amar e cultivar, colho versos de amor da minha mãe nos lindíssimos, coloridos e perfumados botões que desabrocham a seu tempo, no meu jardim.

VI

Nos nossos saraus a poesia, a música, as histórias entremeavam espaços.

Não me cansava de ouvi-la cantar a música do jangadeiro cujos sons, na sua voz, até hoje me chegam perfeitos pelos canais da saudade. “Era um lindo jangadeiro, de olhos verdes da cor do mar...”. Era a história de um jangadeiro que saía pelo mar a pescar. De olhos no horizonte, seu amor aguardava sua volta, por mais que demorasse. Hoje, eu penso que aquela música lhe falava dos sentimentos da espera e das saudades que ela experimentava durante as viagens do meu pai.

Das histórias, havia uma preferida. Eu sempre pedia para que ela fosse contada. Era a da madrasta que, durante a viagem do marido, desentendeu-se com a enteada por causa de um figo e mandou enterrá-la viva debaixo da figueira do quintal. Um dia, o pai vendo o mato crescer ao redor da figueira, mandou seu empregado limpar o local. Assim que começou a capinar o empregado ouviu uma linda voz que dizia: (e minha mãe cantava) “- Empregado do meu pai não me corte o meu cabelo, a
minha madrasta me enterrou pelo figo da figueira...”
E a história
prosseguia e terminava com o pai, feliz, desenterrando sua filha e
expulsando a madrasta de casa.

VIII

E a dança? Esta seguia o ritmo da alegria e fazia parte do meu dia-a-dia, sempre apoiada por ela. Em casa ou nos ensaios para as festas do Grupo Escolar “Francisco Sá”, onde eu estudava, ela orientava, observava o desenvolvimento e harmonia dos passos e na máquina de costura confeccionava os figurinos (tantas vezes feitos de papel crepom). Era fã entusiasmada da primeira fila, quando podia ir assistir. Coisas de mãe de todos os tempos!... Mais tarde, também eu pude repetir esse papel.

Ao longo da minha infância, meninice e adolescência mamãe esteve sempre presente: nas coxias, nas platéias, nós camarins. Era quem passava os textos comigo, incansavelmente; quem se responsabilizava pela confecção dos figurinos até altas horas da noite, ou pela maquiagem para as cenas, realizando aquelas mil e uma funções - que só uma mãe consegue - e sempre com o mesmo amor e entusiasmo. A alegria era a tônica que influenciava a todos, inclusive às companheiras que comigo participavam das apresentações de dança, de teatro, nos tempos de grupo escolar, e que se estenderam pelos rituais das festas e bailes na juventude e mocidade.

Os ensaios , muitas vezes, eram realizados no quintal da nossa casa, sob sua supervisão distanciada e discreta. Ao encontrar antigas companheiras e amigas de infância e juventude e ao recordamos aqueles bons momentos vividos juntas, a imagem de mamãe sempre animada, amável, sorridente, é lembrada com saudade por todas. Sua presença foi o apoio, o incentivo, a segurança para eu ver a vida com olhos de otimismo, acreditando sempre que seguir em frente é possível e preciso. E que a alegria, a arte, a música, os amigos adornam e dão vigor ao sentido da nossa vida.

Ela conseguia fazer isso com suavidade, conduzindo, falando, fazendo, rindo, orientando. Insinuava-se discretamente, dava o tom e desaparecia de cena. Sabia fazer sem muito se mostrar, mas deixava marcada sua presença no sorriso aprovador bailando nos olhos.

Como gostaria de ter aprendido com ela o fazer assim! Seria um atributo próprio das mulheres daquele tempo? Será que o perdemos ao ganhar novos espaços? Minha mãe tinha também seus dias de braveza. Ah... quando o brilho dos seus olhos mudava de tom... o tempo fechava com certeza! Felizmente, as tempestades não eram frequentes e passavam rápido. Logo o sol brilhava de novo, fazendo-nos esquecer as repreensões que nos direcionavam para caminhos corretos.

IX

Interessante perceber, ao evocar as lembranças da minha mãe, que em todos os tempos as mães tiveram esse papel de base, de substrato, de permeios, de rumos e prumos. E com discrição.

Poucas, no espetáculo da vida, puderam ter posturas de prima dona. Mesmo hoje, cabendo as proporções de cada tempo, as mães continuam nos seus silenciosos trabalhos de coxias, de retaguarda, construindo o mundo através dos homens e mulheres: seus filhos, - estruturados na firmeza e afagos dos seus colos.

Mães, tão decantadas pelos seus feitos, mas quão pouco reconhecidas e amparadas nas suas carências, lutas e fragilidades para prosseguir realizando seu mister! Há que não se deixar abater sobre as mulheres o medo, a insegurança, o desânimo, o desespero e dificuldades tantas que, talvez, mais nesses últimos tempos, lhes tem perseguido e anuviado o dom e a força da maternidade! São desagregações, distorções e desistências do seu papel os resultados colhidos que, com preocupante frequência, temos visto estampados nos noticiários.

Enquanto escrevo, me vêm à lembrança as palavras do poeta que, como adivinhando, já alertava para esse cuidado com as mães, pois, segundo ele: (...) enquanto uma mãe cantar junto a um bercinho, haverá esperança para o mundo!

As mães, no realizar da maternidade, semeiam, nos corações dos filhos, a fé, esperanças, amor e aspirações que, mais adiante, desabrochando como flores e frutos, possibilitam aos homens a persistência e intrepidez para o construir e enfeitar o
mundo. As lembranças da minha mãe, que hoje desvelo, vem confirmar estes versos.

Minha mãe Ambrosina - AMBROSINA DE SENA ALMEIDA - na forma e essência com que me plasmou, se faz presença viva no cotidiano do meu ser e fazer e nas saudades da mãe e amiga – doce como uma ambrósia.


RETRATOS DE FAMÍLIA

Haroldo Lívio
Cadeira N.82
Patrono: Nelson Viana

Desapareceram os retratos de família das paredes das salas de visita, nas casas das melhores famílias. Ainda alcancei os bons tempos dos retratos dos ancestrais familiares comandando as tertúlias. Os retratos ampliados de tamanho eram expostos na parede, com relevo, ficando assim reverentemente homenageados pelos descendentes, que tinham o capricho de guardar as fotografias de toda a parentela que já partira para a eternidade, principalmente os tios, avós, bisavós. Se a galeria não estivesse superpovoada, os compadres, agregados e correligionários também tinham chance.

Devidamente emoldurados, os retratos eram até motivo para encompridar a conversa, enquanto a dona da casa preparava o tradicional café “medroso”. Lado alto das paredes, de onde contemplam nosso mundo vão e enganoso, os finados pareciam estar acompanhando a prosa mansa dos mortais, geralmente seus filhos, netos, bisnetos, tataranetos, e tinham o direito de saber de que tratavam, no bate-papo, uma vez que os nomes dos retratados eram inevitavelmente citados. Ouvindo o próprio nome, da boca daqueles que tanto amou em vida, os homenageados apuravam os ouvidos para se comprazerem com o elogio póstumo e as manifestações de eterna saudade e gratidão dos entes queridos, que mandaram celebrar missas em sufrágio de suas almas e se habilitaram como herdeiros dos teres e haveres que acumularam quando encarnados. Porque assim é a lei da vida, meu irmão!

Isso de ter retratos de família entronizados na sala de visita nunca foi privilégio das classes sociais mais abastadas. Nas famílias de posses modestas também era corriqueiro o costume cristão de venerar a memória dos familiares que já haviam partido para o reino da glória. Atualmente, no meio rural, ainda se encontram muitas ampliações penduradas na parede, preservando a melhor maneira de lembrar quem já finou-se, mantendo viva a impressão de sua imagem. Recordo-me dos laboriosos representantes de estúdios fotográficos, que viajavam pelas cidades, vilarejos e fazendas agenciando pedidos de ampliações, que depois chegavam devidamente emolduradas. Consta que ainda tem profissionais trabalhando no ramo.

Em minha casa paterna, havia um retrato oval de meu avô materno, João Vicente Maria do Amor Divino, que, para minha visão infantil, era um verdadeiro monumento. Houve, ainda, outros de meus pais e meus irmãos mais velhos. Mais tarde, com o passar do tempo, que tudo muda e esteriliza, eles acabaram substituídos por outros ornamentos. Os novos tempos, devastadores, trouxeram muitas novidades, entre elas a tal de decoração de ambiente que determinou, drasticamente, o arquivamento dos retratos de família, colocando em seu lugar pinturas, cortinas, peças de artesanato, antiguidades, etc. Tenho certeza de que aconteceu o mesmo nas casas dos leitores.

No entanto, os retratos de família são bens preciosos, dignos de serem guardados e expostos como tesouros, pois até gozam da proteção da lei. Nosso Código Civil, que todos deviam ler, os coloca na lista dos bens considerados impenhoráveis. Estão de parabéns as pessoas que não cederam às pressões dos modismos e continuam com os quadros na parede como se fossem oratórios, que realmente são oratórios para veneração das almas.


A CARTA

Haroldo Lívio
Cadeira N.82
Patrono: Nelson Viana

Texto de Rosalva Souto Barbosa

“Quais os lugares mais caros
que lhe falam do passado?
- Neste velho Montes Claros
O recanto mais amado
Foi o largo da Matriz...”.

Das figuras que povoavam as lembranças de minha infância, destaca-se e de Dr. Nelson Vianna.

Não que eu o conhecesse, pois nunca lhe ouvi a voz, mas lembro-me muito do Dr Nelson, comprando jornais na Agência do Ducho, batendo papo na farmácia de Mário Velloso.

Menina, brincando na praça da Matriz, presenciava todos os dias o passeio vespertino de um casal que contornava a praça de braços dados.

O homem, másculo, bonito até em sua pouca beleza, pois tinha o nariz muito grande e vermelho, trajava-se muito bem, quase sempre de branco e tinha um andar elegante.

Dava-me a aparência de um gigante.

A mulher era, ao contrário, muita, arrumadinha e dava ares de estar muito orgulhosa daquele passeio.Quando o sino repicava anunciando o início da reza na Matriz, o par para lá se dirigia e o cavalheiro deixava a dama à porta da igreja e voltava para continuar sozinho o seu passeio interrompido.

Contornava a praça várias vezes e quando percebia que havia terminado a função da Igreja, recolhia sua companheira e os dois subiam então, ao mesmo passo, a Rua Simeão Ribeiro.

Naquela época, achava que aquele homem era de ferro e sua mulher era de louça.

Não sei bem o porque dessa analogia, mas acho que se relacionava com estórias que ouvia então, a respeito daquele homem.

Segundo falava-se, era o homem muito caridoso contanto que ninguém disso soubesse.

As meninas maiores contavam às menores:

- Ele é muito bruto, não gosta que lhe digam “Deus lhe pague”.

- Será?

- É sim! Pois todos os dias ele deixava, sem que ninguém visse, uma quantia em dinheiro para uma pobre mulher, sua vizinha. Um dia, a pobre resolveu descobrir quem era responsável por aquele milagre que a permitia viver. Ficou esperando em vigília para poder agradecer de viva voz à boa alma que lhe fazia a caridade.

Mas, coitada... fez isto e nunca mais recebeu um tostão...

- !!!....

- Era um pasmo geral.

Estórias assim eram contadas entre crianças, quando à tardinha, surgia na praça o par ferro-porcelana.

Passou-se o tempo, mudamos da praça e o casal também se afastou de Montes Claros.

Cresci, e comecei a me interessar por leituras que me levassem a Montes Claros de antigamente.

O Sr. de Ferro foi responsável por muitas dessas minhas viagens ao passado. E me transportava em carro tão lírico, tão macio que sempre me perguntava como que u’a mão de ferro podia escrever assim tão leve, tão sutil.

Apagou-se então aquela impressa que trazia da infância, impressão não de maldade, mas de dureza e pude compreender então o ar orgulhoso que a dama feita de louça ostentava em seus passeios na praça.

Compreendi, porque passei a me orgulhar, como toda Montes Claros se orgulha de ter um filho que se fez adotar pela força do amor de dedicou à terra e à gente que nela vive.

“Nesta praça Dr. Chaves,
Os dias eram gentis,
As tardes eram suaves,
Corria a vida feliz...”.
Nelson Vianna – Serões Montesclarenses


SAUDOSOS MONUMENTOS

Juvenal Caldeira Durães
Cadeira N. 81
Patrono: Nathércio França

Venho acompanhando o crescimento e o desenvolvimento de Montes Claros, desde os primórdios da década de trinta. Nesse longo e demorado trajeto, muitas coisas aconteceram e muitas mudanças se verificaram, porém, detenho-me apenas nas lembranças de algumas das velhas edificações que tiveram estreitas ligações com minha infância e juventude, nos costumes, na disciplina e no ensino primoroso do passado.

O velho Mercado Municipal, com sua beleza rara e arquitetura antiga, servia de ponto de encontro dos produtores rurais e população urbana, principalmente, aos sábados, para vendas e compras de produtos regionais e diversos. Ali, acompanhei meu pai nas suas tramitações comerciais e prestei àquela casa de movimentados negócios alguns serviços na infância.

O prédio da Estação Ferroviária não era tão imponente como o mercado, mas tinha seu estilo colonial que ostentava e ornava a Praça Francisco Sá. Eu e a meninada de meu tope estávamos sempre presentes nas chegadas dos “trens baianos”, prontos para pegarmos as malas dos passageiros cansados e conduzi-los às pensões mais próximas, afim de ganhar uns “trocados” para o ingresso nos cinemas “Montes Claros” e “São Luís”, nos fins de semanas. Com esse trabalho e com as caixas de engraxate, não perdíamos os tiroteios e trocas de sopapos dos valentes cowboys nas tavernas do velho oeste americano.

O Depósito da IL-9 (9ª. Inspetoria de Locomotivas/EFCB) ainda resiste ao tempo, porém frio e deserto. Adverso à sua época gloriosa com seu operariado trabalhando nas oficinas para a manutenção das máquinas a vapor, que as chamávamos carinhosamente de “Marias-fumaças”, orgulho dos maquinistas vaidosos e entusiasmados como: Antônio “barba-azul”, Zé “Pé-po-mato”, Pedro “mentira”, Bibiano “gabarola”e outros, que entravam na cidade com garbo, mantendo suas máquinas reduzidas com uma mão no regulador e a outra no acionador de apito para chamar a atenção dos transeuntes e os vizinhos dos trilhos. Cada um queria esnobar mais do que o outro, os quais traziam suas “vaporosas” limpas, lustrosas e enfeitadas com ornamentos diversos. Quando em folgas de trabalho ou férias, não afastavam das imediações da IL-9, reunindo nos lugares de costume para se gabarem de suas peripécias e aventuras com suas máquinas de uso exclusivo.

No interior do galpão, suas oficinas atendiam à manutenção daquelas máquinas com a força de trabalho dos operários capazes e especializados. Em 1955, ainda EFCB, eu fui admitido para trabalhar ali como torneiro mecânico, onde me identifiquei, plenamente, com a classe ferroviária, participando dos labores, das atividades sociais, esportivas e festivas.

No Natal, além do congraçamento dos adultos, a meninada ferroviária deleitava com os brinquedos presenteados pela Direção Geral/RJ da Empresa. Nas vésperas do “Dia 1º. de Maio”, o “Mestre Técnico” Raimundo de Carvalho arregimentava os funcionários para uma faxina geral no Galpão, colocando suas vaporosas alinhadas e tudo na impecável ordem, para receber as famílias ferroviárias, autoridades e o Senhor Bispo Diocesano acompanhado de seminaristas e padres para a celebração da esperada missa daquele dia marcante. Terminada a celebração, alguém proferia palavras de agradecimento e, depois, passava para o congraçamento entre amigos e famílias, com muita fartura de coisas gostosas para o deleite da criançada e, também, dos adultos.

Era uma época áurea, às vezes de pouco valor para algumas pessoas, mas significativa, marcante e saudosa para a comunidade ferroviária.

Aquela empresa tinha por finalidade o transporte de baixo custo, o desenvolvimento e o progresso das regiões por onde passavam seus trilhos, e ainda preocupava-se com a assistência social, sobretudo. Mantinha o entrosamento sadio entre as famílias e a segurança do trabalho. A subsistência dos funcionários com empregos estáveis e com remunerações dignas, supermercados privados, postos de saúde exclusivos, assistência jurídica e outros benefícios garantiam a tranqüilidade daquela saudosa comunidade.

Todavia, com a avidez de mudanças sucessivas, as “Mariasfumaças” foram substituídas pelas máquinas a diesel. A EFCB foi encampada pela RFFS/A, que foi, mais tarde, extinta por motivos escusos. E aqueles tempos áureos das ferrovias tornaram-se passados remotos e esquecidos por alguns de seus participantes que ainda vivem por aí.

O prédio do Colégio Diocesano era modesto, porém significativo para a cidade e para juventude. Era orientado pelos grandes mestres da época, dos quais tive a honra de receber seus ensinamentos. Ali, tudo girava em torno do conhecimento. Os grandes e saudosos professores que por ali passaram deixaram suas marcas nas mentes e nos corações de todos. Como tudo passa!

Hoje, no seu lugar, foi erigido um amplo e moderno supermercado, para atender à nova população com diferentes objetivos.

Esses monumentos e outros de igual beleza e importância tiveram a mesma sorte. Eles foram impiedosamente destruídos, para ceder espaços às novas construções tipo “caixão”, insensíveis e sem expressão, para acompanhar a modernidade, esquecendo que há locais ociosos e até mais apropriados para essas novas construções, poupando as nossas relíquias.

O velho e soberbo casarão da rua Cel. Celestino, 75, onde, nos seus tempos gloriosos, funcionou a famosa Escola Normal Oficial e posteriormente, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras/FUNM – FAFIL, escapou à destruição indiscriminada. Atualmente, passa por uma reforma que promete manter suas origens e estilo. Aquele prédio de tantas memórias para tantas pessoas, transmite-me ligações remotas de sua história, mesmo antes do meu nascimento. Ali, minha mãe na sua infância fez os seus primeiros
estudos. E após longos anos, em 1958 ingressei no corpo docente daquele seleto educandário, iniciando minhas atividades no magistério de ensino público. Minha esposa, Rosa Terezinha, também, militou ali, a princípio como aluna do curso ginasial, depois, como aluna e minha colega no curso de Matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras-FAFIL/FUNM.

Após o término daquele curso em 1971, fomos aproveitados, no ano seguinte, como professores de Matemática, iniciando a nossa carreira de nível superior. E, naquela caminhada, cheguei a Chefe do Departamento de Matemática e a Vice-Diretor da Instituição.

Ainda hoje, ao passar por aquelas imediações, paro um pouco para lembrar com mais atenção, da efervescência e labuta exercidas por funcionários solícitos, professores compenetrados e alunos ansiosos por conhecimentos, além de pais interessados no desempenho de seus filhos. Ali, era ministrado um ensino primoroso e a Educação era, sobretudo, a meta principal.

Agora, o majestoso casarão continua implantado no mesmo solo firme do “Arraial das Formigas”, onde nasceu a “Princesa do Norte”, porém inerte e mudo, esperando reformas para servir, desta vez, de museu de objetos frios, quietos e silenciosos. Quem diria!

Por aquele sobradão, passaram milhares de pessoas que ainda têm suas recordações indeléveis de fatos mais diversos que passaram por ali, todavia, tudo passa e nada se repete, baseando no que dizia o grande filósofo grego Heráclito (540-480 a, C) “Tudo está em movimento e nada dura para sempre”. É uma verdade! “Tudo flui”, não só as coisas, mas as instituições, a moral e nós, também, mudamos. Mas, a saudade e as lembranças permanecerão!


Antigo Mercado Municipal de Montes Claros


COLÉGIO TIRADENTES DA POLÍCIA MILITAR

Lázaro Francisco Sena
Cadeira N. 55
Patrono: João Luiz de Almeida

Quem hoje passa pela Avenida dos Militares, nº 1991, ao lado do 10º BPM, em Montes Claros, vai ali encontrar o Colégio Tiradentes, unidade de ensino mantida pela Polícia Militar de Minas Gerais nesta cidade, integrante de um complexo de mais dezenove unidades, na Capital e em outras importantes cidades do Interior do Estado. Tem como finalidade oferecer educação escolar e formação moral, social e espiritual aos policiais-militares e seus descendentes, podendo também acolher outros alunos, conforme critérios específicos da Polícia Militar, sua entidade mantenedora. Subordinase-se pedagogicamente às normas emanadas da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, através da Superintendência Regional de Ensino. A Direção do Colégio é compartilhada entre um Diretor Administrativo, cargo hoje ocupado pelo Ten-Cel Milton
Rodrigues Abreu, e um Diretor Pedagógico, cargo ocupado pela Profa. Elizabeth Cerqueira de Oliveira Lopes.

 

UM POUCO DE HISTÓRIA

O Colégio Tiradentes da Polícia Militar foi criado pela Lei Estadual nº 480, de 10 de novembro de 1949, com a denominação de Ginásio Tiradentes, instalando-se primeiramente em Belo Horizonte. Posteriormente, a partir de l964, foram criados os Anexos do Colégio da Capital, nas principais cidades do Interior onde havia sede de Batalhão da Polícia Militar, tais como Juiz de Fora, Diamantina, Uberaba, Governador Valadares, Lavras e Montes Claros, entre outras. Aqui, foi instalado o Anexo VI, em 24 de janeiro de 1964, em solenidade pública presidida pelo então Comandante do 10º BI, Ten-Cel Georgino Jorge de Souza, com a participação do Ten-Cel Argentino Madeira, criador e diretor do Colégio em Belo Horizonte. A instalação aconteceu no prédio da rua Camilo Prates, nº 348, centro de Montes Claros, construído no início do século XX para abrigar o Fórum da Justiça e a Cadeia Pública local, e que, nos últimos anos, servira de Quartel do Comando do Batalhão. Dois fatos marcaram de modo especial a solenidade: o primeiro, quando o Bispo Diocesano, D. José Alves Trindade, serrou simbolicamente uma das grades da antiga cadeia, para que ali brilhasse a luz de uma escola; o segundo, quando o Dr. Francisco de Bórgia Vale, Juiz de Direito da Comarca, em seu discurso solene, destacou a tese de que “abrir escolas significa fechar cadeias”, muito apropriada para aquele momento. A aula inaugural foi ministrada pelo Ten-Cel Saul Alves Martins, em 10 de março de 1964, no auditório do Colégio Imaculada Conceição, com a presença dos alunos, dos professores designados, autoridades do Município e integrantes do 10º Batalhão de Infantaria. A partir de 11 de março de 1964, iniciaram-se as atividades escolares, com 315 alunos matriculados na
primeira série ginasial, correspondente hoje à 6ª série do ensino fundamental. É importante ressaltar que o Comandante Geral da Polícia Militar, à época, era o Cel José Geraldo de Oliveira, ex-Comandante do 10º BI, e que o Governador do Estado era o Dr.
José de Magalhães Pinto, grande amigo e conhecedor da Polícia Militar.


Prédio onde o Colégio Tiradentes se instalou.

 

A CONSTRUÇÃO DA SEDE PRÓPRIA

Embora muito bem localizado à época da instalação, no centro comercial da cidade de Montes Claros, o prédio apresentava inúmeras deficiências para o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem, entre outras: salas pequenas e inadequadas para as atividades escolares; falta de áreas específicas para circulação e recreação dos alunos; inexistência de qualquer espaço para funcionamento dos órgãos de apoio ao ensino; interferência contínua de ruídos externos, pois ali é o cruzamento de duas ruas
com trânsito intenso de veículos e de pessoas. Era, pois, urgente que se construísse a sede própria para o Colégio, de preferência junto ao Batalhão, em cujas proximidades estavam localizadas as residências da maioria dos policiais-militares. Mas, o que era necessário para o Colégio talvez não fosse essencial ou prioritário para a Polícia Militar, na visão dos governantes da época, com incidência direta nas ações dos comandantes responsáveis.

Quando assumiu a Diretoria do Colégio, a partir de 26 de fevereiro de 1966, o ainda Major José Coelho de Lima, então Comandante do 10º Batalhão, desenvolveu os primeiros contatos e providências junto ao escalão superior da Polícia Militar, visando conseguir recursos para a construção do prédio próprio. Não teve muito sucesso, salvo apenas uma contribuição especial do Cel Manoel Doro Pereira, natural de Januária-MG, que exercia o cargo de Tesoureiro Geral da PM, em Belo Horizonte. Com esse recurso, foi possível iniciar a construção, tão somente. Em 1967, foi designado Vice-Diretor o 1º Ten Lázaro Francisco Sena, que logo recebeu a incumbência de organizar o sorteio de um automóvel, para o qual se conseguiu uma autorização especial da Receita Federal, para angariar recursos não apenas para a edificação do Colégio, mas também para a construção da Praça de Esportes ao lado, cujas instalações seriam complementares às necessidades do ensino. O sorteio se fez pela Loteria Federal, mas o número premiado não havia sido vendido, o que proporcionou a realização de nova rifa, dessa vez com um feliz ganhador de um “Fusca” 0 (zero) Km. É importante afirmar que todos os integrantes do Batalhão colaboraram com o sorteio, não só comprando, mas também vendendo um número significativo de bilhetes, o que permitiu continuar a obra do Colégio e iniciar a construção da Praça de Esportes. Tudo corria bem até o final do primeiro semestre de 1968, quando o Ten-Cel José Coelho de Lima foi substituído no Comando do Batalhão, por discordância do escalão superior sobre a sua forma de comandar a Unidade, um indomável “tocador” de obras, houvesse ou não recursos oficiais para isso disponíveis. E o novo Comandante, Ten-Cel Cícero Magalhães, não quis saber se a construção do Colégio se encontrava com todo o escoramento da laje montado, ou se a fundação para uma piscina olímpica – 50 x 25 metros - se achava em fase final, com toda a ferragem adquirida: mandou paralisar as obras e, aos poucos, foi direcionando o material existente para outras finalidades, ou mesmo para construir uma praça de esportes com instalações bastante acanhadas, diante do projeto original. Quanto ao Ten Lázaro, foi submetido a um período de readaptação aos costumes e reenquadramento à disciplina militar, antes de assumir qualquer função própria do posto que ocupava. Foi como lhe disse o novo Comandante, em uma de suas preleções orientadoras: “deram-lhe um par de botas muito folgadas e você meteu os dois pés em apenas uma delas.” Se para mais não serviu, esse período de reflexão valeu para o Tenente fazer um compromisso consigo mesmo: ser, no futuro, o Comandante do 10º Batalhão e, nessa condição, construir o prédio próprio para o Colégio Tiradentes.

Durante o Comando do Ten-Cel José Soares Fraga, o já Capitão Lázaro Francisco Sena foi designado Diretor do Colégio, no período de 12-06-74 a 03-04-76. Nessa época, foi elaborado um novo projeto de construção, bem menos “ambicioso” do que o anterior, mas, mesmo assim, não encontrou apoio oficial para sua realização. Enquanto isso, apenas o alicerce da primeira construção resistia à ação do tempo, dos vândalos e do próprio Comando do Batalhão que, vez por outra, mandava dali retirar algum material, para outras finalidades.

Em maio de 1988, o Ten-Cel Lázaro assumiu o tão esperado Comando do 10º Batalhão. Seria agora ou nunca. Já que não havia recursos oficiais para a construção, decidiu-se pela colaboração voluntária dos policiais-militares que assim o quisessem, pelo busca de ajuda junto a empresas e pessoas amigas da Polícia Militar e, sobretudo, pelas promoções beneficentes. Contamos com a colaboração especial do Dr. Artur Pereira Barbosa, engenheiro civil e ex-aluno do Colégio, que participou da elaboração do projeto e assumiu a responsabilidade técnica da construção. O então Deputado Estadual Milton Pereira da Cruz, também ex-aluno do Tiradentes, foi quem possibilitou o reinício da construção, a ela destinando parte de sua verba de gabinete. A mão-de-obra, salvo uma minúscula participação de pessoal da Prefeitura Municipal, foi de integrantes do 10º BPM, sob a direção do Cap Walcyr Ferreira Costa. Para não dizer que a Polícia Militar, de outra forma, não participou, já na fase final da obra foi alocado algum recurso oficial para conclusão, por iniciativa do Cel José Alaim Lopes, Chefe do Estado Maior da Corporação. Assim, foi possível inaugurar o novo prédio em 4 de fevereiro de l991. Outros acréscimos e melhoramentos foram-se fazendo, com destaque para a construção do confortável auditório, um dos melhores, se não o melhor de Montes Claros até o momento, sob a responsabilidade do Professor Milton Lopes da Silva, durante a sua gestão, como Diretor, no período de 16-10-92 a 01-02-01.

 

PLACA DE INAUGURAÇÃO


Placa de inauguração da sede própria.


Frente da sede própria, com auditório à direita.

 

UM POUCO DO PRESENTE

O Colégio Tiradentes de Montes Claros ocupa hoje uma área construída de 2.l55 metros quadrados, sem contar o espaço destinado à prática de atividades físicas, todas elas desenvolvidas na Praça de Esportes do 10º BPM. O prédio dispõe de 13 (treze) salas de aula tipo padrão, com capacidade para 40 (quarenta) alunos cada uma delas, 1 (um) laboratório de Biologia para 20 (vinte) alunos, 1 (uma) biblioteca, com capacidade para 40 (quarenta) alunos, 1 (uma) sala de vídeo para 70 (setenta) alunos, 1 (uma) sala de computação para 20 (vinte) alunos e 1 (um) auditório, com capacidade para 524 (quinhentas e vinte e quatro) pessoas assentadas, além de salas específicas para Direção, Supervisão, Orientação, Professores, Secretaria e outras, de apoio administrativo e técnico.

O Colégio atende atualmente a 966 (novecentos e sessenta e seis) alunos, da seguinte procedência:

- dependentes de policiais-militares.........................681;
- dependentes de bombeiros-militares......................57;
- dependentes de servidores civis da PM..................59;
- dependentes de outros civis...................................169.

São oferecidas duas etapas da Educação Básica: Ensino Fundamental, com duração de quatro anos, da 6ª à 9ª séries; Ensino Médio, com duração de três anos. Os alunos acham-se assim distribuídos:

- 6ª série, com 110 alunos em 3 turmas, todas à tarde;
- 7ª série, com 138 alunos em 4 turmas, todas à tarde;
- 8ª série, com 139 alunos em 4 turmas, todas à tarde;
- 9ª série, com 144 alunos em 4 turmas, sendo 2 pela manhã e 2 à tarde;
- 1º ano, com 159 alunos em 4 turmas, todas pela manhã;
- 2º ano, com 158 alunos em 4 turmas, todas pela manhã;
- 3º ano, com 118 alunos em 3 turmas, todas pela manhã.

Para atender a esse número de alunos, o Colégio conta com o seguinte quadro de servidores:

- Diretor Administrativo............................................. 1;
- Diretor Pedagógico.................................................. 1;
- Vice-Diretor............................................................. 1;
- Orientador............................................................... 2;
- Supervisor................................................................ 2;
- Professor.................................................................. 42;
- Secretário................................................................. 1;
- Assistente Administrativo......................................... 16;
- Auxiliar Administrativo............................................. 7;
- Auxiliar de Serviços Gerais...................................... 11;
- Total........................................................................ 84.

Se fizermos uma correlação entre o número de alunos e o total de servidores, vamos encontrar um quociente de 11,50; se considerarmos apenas os professores, teremos uma parcela de 23 alunos para cada um deles.


Alunos do Colégio, em momento de “Hora Cívica”.

 

ALGUMA CONCLUSÃO

Espera-se, neste final, que se faça um julgamento sobre o desempenho do Colégio Tiradentes da Polícia Militar, em Montes Claros. Para nós seria não apenas fácil, mas, sobretudo, prazeroso. O problema é o risco de fazermos um julgamento passional e afirmarmos, em bases empíricas, que o Tiradentes é o melhor colégio de Montes Claros, tem o mais competente e preparado quadro de professores, possui as melhores instalações físicas da cidade, e até afirmar que seus alunos são os mais bonitos e inteligentes deste lugar. Não se preocupe o eventual leitor, pois o julgamento será seu, com base nas notas do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, versão 2008, que a seguir transcrevemos, citando apenas os 10 (dez) primeiros colocados, dentre as várias escolas de Montes Claros que se submeteram às respectivas provas:

1° - Colégio Marista São José................................ 64,67;
2º - Colégio Unimax............................................. 63,76;
3° - Colégio Prisma............................................... 63,26;
4º - Colégio Biotécnico......................................... 62,58;
5º - Colégio Imaculada Conceição........................ 60,08;
6º - Colégio Impar................................................. 59,78;
7º - Colégio Tiradentes.......................................... 56,24;
8º - Colégio Padrão............................................... 55,73;
9º - E. E. Professor Plínio Ribeiro........................... 51,48;
10º - E. E. Alcides Carvalho.................................... 51,13.

A revista VEJA, em sua edição 2.111, de 6 de maio de 2009, publicou uma notícia sobre o ENEM/2008, mostrando que “a maioria das escolas brasileiras ainda não consegue passar de ano”, apresentando, entre outros, os seguintes números:

- nota média de todas as escolas brasileiras............ 49,4;
- média obtida pelas escolas públicas..................... 47,0;
- média obtida pelas escolas particulares................ 60,3;
- percentual de escolas com nota abaixo de 50...... 65%.

Dos números acima, destacamos as seguintes situações:

- o Colégio Tiradentes, com nota 56,24, é o primeiro colocado entre as escolas públicas de Montes Claros, superando inclusive algumas escolas particulares tradicionais da cidade;

- a nota do Colégio Tiradentes supera em mais de 6 pontos a média de 49,4 obtida entre todas as escolas brasileiras e, em mais de 9 pontos, a média de 47,0 obtida entre apenas as escolas públicas;

- com a nota 56,24, o Colégio Tiradentes fica muito bem colocado entre os 35% de todas as escolas brasileiras que obtiveram nota acima de 50 pontos.


O SOL DAS CIGARRAS

Luiz de Paula Ferreira
Cadeira N. 19
Patrono: Caio Mário Lafetá

“No sertão onde nasci, canta o juriti, canta o lenhador, as moças dançam a ciranda e cantam cantigas de amor....”.

O sertão é muito bonito. Aqui a natureza não agride o ambiente com mudanças bruscas. Cada nova estação é anunciada com antecedência pelos muitos sinais da natureza.

As chuvas ocorrem até março, com alguma normalidade, embora escassas, como sabemos. Em abril poderá chover ou não. A partir daí o calor vai diminuindo e um friozinho começa a chegar, aos poucos, ao compasso dos dias.

Quando voltam as chuvas, o sertão inteiro põe-se em festa. O campo reverdece, as águas cantam nos riachos, os bichos do mato se movimentam espertos e alegres. E os pássaros multiplicam-se e cantam em toda parte.

As chuvas, que trazem toda essa renovação, começam a chegar no final de outubro ou início de novembro. Mas antes disso, de agosto para setembro, a natureza dá o ar de sua graça. Oferece um agrado ao sertão. É a chuva de brotos. Não é ainda a estação chuvosa. É uma amostra. Um afago dos céus.

A chuva de brotos dura pouco. Molha o chão e vai-se embora. E uma cortina de bruma seca, própria do tempo, vai-se formando e se antepondo ao sol, cujos raios se abrandam e levam a tudo que alcançam - as serras, os montes, as matas, os vales, as
campinas, os centros urbanos - uma claridade doirada de leveza tal só vista nessas gloriosas tardes estivais.

É o sol das cigarras.

As tardes, nessa ocasião, revestem-se de uma beleza tranquila que nos descansa a alma. No ar, voam os pássaros, festejando a vida. E as cigarras, rainhas sonoras da paisagem, cantam a sinfonia do final do estio.


A cigarra


O ASSISTENTE TÉCNICO

Luiz de Paula Ferreira
Cadeira N. 19
Patrono: Caio Mário Lafetá

Funcionário de órgão público, na cidade, vinha recebendo ameaças por telefone. A autarquia, devidamente avisada, resolveu enviar um segurança, para acompanhá-lo.

O segurança veio, credenciado como assessor técnico. E assumiu discretamente suas funções. Mas seu visual, em razão, talvez, do prolongado exercício da profissão, não ajudava a manter a desejada discrição.

Era um cidadão de cor escura, muito alto e magro. Seu rosto alongado e anguloso, era enigmático. Não refletia emoções. Vestia-se sempre de preto. Terno, sapatos e chapéu pretos. E óculos escuros.

Era a réplica do Jack Palance em seus primeiros filmes de pistolagem. Nunca se vira um disfarce tão pouco convincente.

Ele fôra recomendado a esforçar-se para aparentar sua condição de assistente técnico. E até mesmo a se pronunciar, com a necessária cautela e parcimônia, quando o assunto fosse de seu conhecimento.

Na primeira reunião a que compareceu, acompanhando o funcionário, em entrevista à imprensa, falava-se da calamidade da seca.

Tratava-se de assunto que ele conhecia bem, pois era natural do semi-árido nordestino.

Ao ocorrer pequena pausa, no diálogo que se estabelecera entre os jornalistas e o funcionário, o cidadão entendeu que o momento era propício para apresentar sua opinião de técnico.

Ele fumava uns charutinhos pretos, daqueles fabricados em Arapiraca, vendidos no cais do porto, em Recife.

Dando uma tragada maior no charutinho e retirando os óculos escuros, para limpar com a ponta da gravata, disparou seu vozeirão de apito de navio.

- É verdade. O mesmo acontece no Nordeste. É um fenômeno do climatério...


VOVÓ LETÍCIA

Maria Clara Lage Vieira
Cadeira N. 100
Patrono: Wan-Dyck Dumont

Natural de Montes Claros, irmã de Lilian, a primeira
farmacêutica montes clarense, irmã de Alzira,
professora de canto e exímia pianista, irmã de
Maria e de Leônidas, jornalista, Letícia foi pedagoga, tendo trabalhado
por muito tempo na fazenda-escola de Ibirité, com Helena
Antipoff, famosa pedagoga que se dedicava principalmente a
crianças que mereciam cuidados especiais. Letícia lecionou, em
Bocaiúva, a língua francesa e as matérias pedagógicas do curso
de Magistério.

Família Câmara, família de gente culta, de pessoas dispostas
a dar o melhor de si para fazer crescer a comunidade em que
vivem. E o povo de Bocaiúva tinha tanta consideração pela família,
que nomeou uma escola estadual local de Cristina Câmara, a
progenitora.

Fisicamente, Letícia não era bonita: baixinha e gordinha,
mas ...diante de sua beleza interior, quem se importava com o
físico? O espírito é mais forte que a matéria. E a grandeza do
coração de Letícia suplantava seu aspecto físico. Ela encantou
sempre a todos que tiveram o privilégio de conhecê-la e gozar do
seu convívio.

Certa vez, ela nos contou que, quando era mocinha, olhando-
se no espelho, disse para si mesma:

- Eh!, Letícia, você tem que burilar seu espírito, acumular e cultivar conhecimentos e bons sentimentos, enfim, conquistar dotes morais, porque os seus dotes físicos não vão ajudá-la muito no trato com as pessoas ou num relacionamento com o sexo oposto! ...

Foi então que ela decidiu:iria estudar, dedicar-se bastante para desenvolver grandes valores de alma e coração.

Na sua simplicidade, ela não percebera que essa riqueza, ela já possuía no mais íntimo do seu ser.

Ela sempre foi uma jóia rara, cheia de amor para com as pessoas.

Casou-se com Romeu Barcelos Costa, carioca, descendente de portugueses, detentor de uma cultura excepcional. Tinha formação em contabilidade e uma enorme habilidade para arquitetura e desenho..

Quando solteiro, chegou a Bocaiúva por volta de 1924, acompanhando a construção da estrada de ferro. Posteriormente, continuando a estrada, foi para Montes Claros, onde conheceu Letícia.

Já casado, estabeleceu-se em Bocaiúva, mais tarde, quando terminou a construção da estrada de ferro, convidado para trabalhar na prefeitura, dada a sua vasta experiência.

Seu gosto pela leitura lhe valeu uma bagagem cultural bastante satisfatória, a ponto de ser procurado para ajudar em pesquisas estudantis e elucidar quaisquer dúvidas, em diferentes áreas. Tinha uma memória invejável.

Este foi o marido de Letícia. Tinha¨um “papo” agradável e gostava de conversar com as moças. Sotaque lusitano e linguagem erudita, elas gostavam de ouví-lo.

Letícia era toda amor e carinho para com ele.

Tinham pouco tempo de casados quando vieram morar em Bocaiúva. Um dia, ele foi com o prefeito e seus assessores para executar um trabalho social no interior do município. Deveria voltar logo e Letícia ficou sozinha em casa, aguardando-o. Não conhecia ninguém na cidade e a ansiedade tomou conta de todo o seu ser, pois a demora do marido já a estava preocupando.

Acontece que, no povoado a que fora, fizeram uma festa para eles e ele dançou a noite inteira. Não havia telefone ou outra forma de comunicação rápida.

Um misto de medo e rancor se apossou do coração de Letícia. Rezava para que ele chegasse logo, que nada mal lhe acontecesse, mas, por outro lado,tinha uma mágoa profunda. Ele sabia que ela estava sozinha e que iria ficar aflita. Pensou: quando ele chegar, vou ficar brava. Ora, isto é coisa que se faça? Se ele pensa que vai sair assim sempre e me deixar sozinha, está muito enganado. Não vou permitir.

Passou a noite em claro, ensaiando as palavras que usaria para chamá-lo à responsabilidade.

Romeu chegou às 6 horas da manhã... e a alegria por sua chegada foi tão grande, que Letícia esqueceu toda a sua raiva e agradeceu a Deus por ele ter chegado são e salvo.


Letícia, sua mãe Cristina e sua irmã Lilian.

Chegou cansado , dizendo que não foi possível voltar antes, que ele havia trabalhado a noite inteira.

Entretanto, ao olhar o terno dele, verificou que estava todo empoeirado, exceto no ombro direito do paletó, onde as moças colocam a mão, ao dançar. Era a única região limpa, uma mão perfeita...

Leticia apenas meneou a cabeça.

Mulher extraordinária! Tinha uma sabedoria muito grande e sabia a hora de conter seus impulsos.

Teve um único filho, o Toninho, que ela criou com muito mimo, muito carinho e excesso de zelo.

As crianças da época tinham um prazer muito grande, no tempo de Natal: estacionavam-se no murinho do sobrado para apreciar os brinquedos que Toninho ganhara do Papai Noel. Vinham todos do Rio de Janeiro e eram brinquedos que as crianças daqui nunca tinham visto. Só o fato de vê-los era o sufuciente para fazer a alegria da garotada.

Entretanto, o filho de Letícia, logo que se entendeu por gente,
foi para o Rio. Lá estudou, lá se formou em Odontologia e por
lá ficou. Nunca se casou e a vovó Letícia sempre ansiosa para ter
um neto, que nunca veio.

Alguém vai perguntar:

- Então, por que vovó Letícia?

Ah! É que, como já foi dito, Letícia tinha um coração maior que o mundo e, então, ela adotou três netas.

As nossas crianças, três meninas, tinham a avó paterna, muito querida. Mas não tinham a avó materna.


A irmã de Romeu, Romeu Barcelos Costa e Letícia, em outubro de 1924.

Não tinham, não? Pois ganharam.

Letícia ensinou-lhes a chamá-la de vovó Letícia. E as crianças a tinham como avó, realmente.

O sobrado ficava no caminho da volta da escolinha. E ela sabia o horário em que as meninas passavam. Todos os dia, ela ficava à porta esperando. Era uma felicidade quando elas a viam e gritavam:

- Ei, vovó Letícia!

Seus olhos brilhavam de alegria pura.

Noite fria de maio. As nossas meninas se vestiram de anjinhos para coroar a Mamãe do Céu. Uma multidão enchia o recindo da Matriz do Senhor do Bonfim.

Letícia chegou lá cansada, afobada. A distância era grande e ela fora a pé. E não andava depressa por causa de um joanete que lhe causava dores. Mas, ela foi.

Vendo a igreja cheia, foi pedindo licença, tentando chegar bem na frente e explicando para todos:

- São minhas netas. A outra avó já está lá na frente. Elas precisam me ver também.

Grande e saudosa vovó Letícia,você é do tipo de pessoas imortais, raríssimas. A sua ternura povoou a infância de nossas crianças e ficou guardada no mais profundo de nossos corações. Você foi uma pessoa imprescindível em Bocaiúva - figura que jamais será esquecida pelas pessoas que a conheceram. Acreditamos que hoje, com paciência e carinho, você está ensinando os anjos do Céu a falar o francês que você tanto gostava de ensinar.

BON TRAVAIL, GRAND-MÈRE!


ARQUITETURA SÃO FRANCISCANA

Marta Verônica Vasconcelos Leite
Cadeira N. 17
Patrono: Auguste de Saint-Hilare

Texto de Marta Verônica Vasconcelos Leite e Roberto Mendes Ramos Pereira


INTRODUÇÃO

O presente estudo constitui-se como um esforço de análise do patrimônio arquitetônico da cidade de São Francisco, situada na região norte do Estado de Minas Gerais. Objetiva-se apresentar descrição das características originais de construções e lugares públicos, bem como fazer um levantamento das condições atuais de conservação e das iniciativas voltadas à conservação deste patrimônio.

Às margens do rio do qual herdou seu nome e de onde provém sua sustentação, a cidade de São Francisco foi fundada em 1877, por uma lei provincial. Antes da atual denominação, foi conhecida como Pedras de Cima, Pedras dos Angicos e posteriormente como São José das Pedras dos Angicos, nome originado após a criação da paróquia da qual São José era o padroeiro (Braz, 1977). Localiza-se a 568 quilômetros da capital de Minas, Belo Horizonte. Em 2004, a população do município foi estimada em 54.282 habitantes e a sua extensão, 8.141 quilômetros quadrados, coloca-o como quarto maior município do Estado em área3.

São Francisco, assim como qualquer outra cidade, tem uma história. Traz em si marcas do passado que foram, ao longo do tempo, sendo moldadas às necessidades e interesses do seu povo em cada período histórico.

Entretanto, há que se destacar que, carente de investigações que atestem o valor de sua cultura material e imaterial, qualquer coletividade encontra-se vulnerável às armadilhas da ignorância e da ganância desmedidas, que muitas vezes destroem tesouros em nome de um “progresso” que chega para poucos e prejudica a maioria.

Nesse sentido, justifica-se o empenho desta pesquisa em documentar a riqueza histórica e cultural das edificações antigas de uma cidade do porte de São Francisco. Se é preciso conhecer para preservar, espera-se poder contribuir para que estudiosos e a própria população local conscientizem-se do potencial presente em suas ruas, fachadas, construções e praças, aprendendo assim a valorizar o que é seu, a dar-lhe a atenção e o cuidado devidos e, quiçá, a investir para transformar-lo em atrativo para o desenvolvimento turístico, cultural e econômico.

Para concretizar tais objetivos, realizaram-se análises da arquitetura das principais edificações do centro histórico da cidade, atentando para seus contornos originais e estado atual de conservação, bem como buscou-se reconstruir a sua trajetória ao longo das gerações através de fontes orais. A estas, somou-se levantamento das propostas e ações, tanto privadas quanto públicas, de preservação do patrimônio material da cidade.

___________________________
1 Mestra em Ciência da Educação (ISPEJV – Havana). Especialista em História
da Arte (Unimontes).
2 Mestrando em História (UFU/MG).

3 Informações retiradas dos sites: Descubra Minas (<www.descubraminas.
com.br>) e Wikipédia (<http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Francisco_(
Minas_Gerais)>).

Antes, porém, de apresentar os resultados alcançados, serão explicitados os principais marcos teóricos que fundamentam a investigação e as análises aqui empreendidas.

CIDADE: BERÇO DA EXPRESSÃO CULTURAL OU VITRINE DO PROGRESSO?

Segundo Ramoenda, apud Fenelón (2000), a cidade é uma construção dos homens e, portanto, nunca pode ser apenas estritamente racional. Ela é memória organizada e construção convencional, natureza e cultura, público e privado, passado e futuro. A mudança é característica das cidades, mas estas mudanças
têm história.

Neste sentido, Mumford (1961) ressalta que na história a cidade se mostra como ponto máximo em concentração do vigor e da cultura de uma comunidade. É neste pressuposto que percebemos a arquitetura como expressão cultural e resultado de um modo de vida de uma população, num tempo e num lugar determinado.

Partindo da idéia de cidade como representação ou conjunto de representações, Roncayolo apud Pesavento (1995), identifica que há um sistema de idéias, mais ou menos coerente, daqueles que “fazem a cidade”, a projetam, discutem e executam. Os
portadores de tais idéias seriam identificados, segundo a autora, no interior das classes dominantes ou das elites dirigentes, com destaque especial para o que se chamaria os “profissionais da cidade”: arquitetos, urbanistas, engenheiros, médicos sanitaristas e os demais técnico-burocratas encarregados de implementar os equipamentos necessários à intervenção urbana. A denominação de Roncayolo tem uma datação precisa do século XIX, no qual emerge a grande cidade, que coloca para os governos a necessidade de intervir no espaço, ordenando a vida, normatizando a sociedade. A “questão urbana” aparece assim como um problema posto, derivado das transformações econômico-sociais da época, e que tem na cidade o seu locus privilegiado de realização. Sem dúvida, estes “produtores do espaço” concebem uma maneira de construir ou transformar a cidade, através de práticas definidas, mas também constroem uma maneira de pensá-la, vivê-la ou sonhá-la. Há a projeção de uma “cidade que se quer”, imaginada e desejada, sobre a cidade que se tem, plano que pode vir a realizar-se ou não.

Para Fenelón (2000), o importante aqui é valorizar a memória, que não está apenas nas lembranças das pessoas, mas também no resultado e nas marcas que a história deixou ao longo do tempo em seus monumentos, ruas e avenidas, nos seus espaços de convivência ou no que resta de planos e políticas oficiais sempre justificadas como o necessário caminho do progresso e da modernidade.

Também para Mumford (1961), é na cidade que o tempo se torna mais visível. Em suas palavras “edifícios, monumentos, vias públicas, mais claramente que o testemunho escrito, mais sujeitos ao olhar de muitos homens do que os artefatos dispersos no campo, deixam uma impressão nas mentes até mesmo dos ignorantes ou dos indiferentes.” (p.14).

Neste sentido, a arquitetura das cidades compõe, de um modo geral, um conjunto de dados que permitem uma aproximação real do presente com o passado. É com o resultado do esforço feito pelas permanências e transformações que as sociedades constroem, ao longo do tempo, a sua imagem. O desafio do pesquisador é descobrir na arquitetura das cidades as mil contribuições e os disfarces que o impedem de interpretá-la por sua natureza (Magaldi, 2000).

Entretanto, segundo Mumford (1961), à medida que aumentou o ritmo da urbanização dos meios urbanos, ampliou-se o círculo de devastação sobre a própria cultura e, correlativamente, sobre o patrimônio.

De fato, o que se vê hoje é a negação da história e da memória em favor de um suposto progresso, o que tem condenado irremediavelmente as malhas urbanas tradicionais, as construções históricas oficiais, os marcos e as referências das cidades, os conjuntos singelos de casario colonial, a arquitetura vernacular e a arquitetura modernista, os bairros e as sedes rurais, as capelas, os chafarizes, os sítios arqueológicos, as paisagens, as estações de estrada de ferro, os cinemas, as praças. Somando-se a isto o crescimento dos meios de comunicação de massa, chega-se também ao desmantelamento das tradições, das festas, enfim, da alma das
comunidades, num total desrespeito ao patrimônio histórico coletivo.

Ausente da maioria das políticas públicas de planejamento físico-territorial e dos planos de gestão municipal, o patrimônio foi sendo tratado como questão de responsabilidade do Estado ou da União, divorciado do planejamento das cidades, visto apenas sob o enfoque do desenvolvimento econômico ou simplesmente ignorado. Agravam este processo a descontinuidade administrativa dos municípios, a inexistência de políticas culturais locais, a falta de investimento na formação de técnicos na área, a suscetibilidade às pressões de grupos da comunidade, o forte jogo de interesses imobiliários, a aceitação generalizada de uma noção de desenvolvimento associada à verticalização e a instauração de processos de renovação contínua das cidades sobre elas mesmas. Isso faz as cidades copiarem outras mais estruturadas e tidas como modelos.

Segundo Argan, apud Santos (2001), existe a predominância de uma concepção de planejamento urbano que raciocina essencialmente em termos da economicidade dos espaços, priorizando fluxos de tráfego, adensamento de tecidos, aproveitamento racional da infra-estrutura urbana, e que renega a um plano secundário os componentes históricos e estéticos do urbanismo ou mesmo nega sua inclusão entre os valores urbanos a serem considerados. Esses dois fatores concorrentes foram suficientes para que as cidades deixassem de ser vistas como uma questão cultural e passassem a ser parte de um fenômeno que, apesar de não ser só brasileiro, aqui conheceu sérias dimensões, sendo definido como a “rejeição da história pelo pragmatismo”.

Nesse contexto, as obras de arte, em especial as arquitetônicas, oferecem o maior conjunto de documentos de algum modo preservados e ainda não investigados sobre a vida passada e atual das sociedades (Magaldi, 2000).

Também Bosi (2004) afirma a relevância da preservação do patrimônio material ao demonstrar como as lembranças se apóiam nas pedras da cidade e como, não por outra razão, os homens, ao longo dos séculos, têm-lhes atribuído valor e trabalhado para que permaneçam (ou desapareçam) enquanto expressões da memória coletiva, de uma identidade compartilhada.

Assim,chega-se à necessidade de uma educação patrimonial efetiva da população das cidades. Horta (1999) define essa educação como um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. Isto significa tomar os objetos e expressões do Patrimônio Cultural como ponto de partida para a atividade pedagógica, observandoos, questionando-os e explorando todos os seus aspectos, que podem ser traduzidos em conceitos e conhecimentos. Só após esta exploração direta dos fenômenos culturais, tomados como “pistas” ou “indícios” para a investigação, se recorrerá então às chamadas “fontes secundárias”, isto é, os livros e textos que poderão ampliar esse conhecimento e os dados observados e investigados diretamente.

O conhecimento crítico e a apropriação consciente por parte das comunidades e indivíduos do seu patrimônio são fatores indispensáveis no processo de preservação sustentável desses bens, assim como no fortalecimento dos sentimentos de identidade
e cidadania. O patrimônio, como o nome diz, é algo herdado de nossos pais e antepassados. Essa herança só passa a ser nossa, para ser usufruída, se nos apropriarmos dela, se a conhecermos e reconhecermos como algo que nos foi legado, e que deveremos deixar como herança para nossos filhos, para as gerações que nos sucederão no tempo e na história. Uma herança que constitui a nossa riqueza cultural, individual e coletiva, a nossa memória, o nosso sentido de identidade, aquilo que nos distingue de outros povos e culturas, que é a nossa “marca” inconfundível, de pertencermos a uma cultura própria, e que nos aproxima de nossos irmãos e irmãs, herdeiros dessa múltipla e rica cultura brasileira.

A educação patrimonial pode ser assim um instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido. Este processo leva ao desenvolvimento da auto-estima dos indivíduos e comunidades e à valorização de sua cultura.

SÃO FRANCISCO: MEMÓRIA E ARTE (DES)ENRAIZADAS NAS CONSTRUÇÕES

Na análise da arquitetura das edificações do centro histórico de São Francisco, percebe-se que o estilo mais antigo aí presente é o colonial brasileiro. Suas características podem ser distinguidas tanto nas sedes de velhas fazendas quanto em algumas poucas casas de vaqueiros ou pescadores que resistiram à ação do tempo.

Na “casa grande” tradicional, é notória a presença de fachada com seis a oito janelas, uma porta principal ao lado de duas ou mais casas de apoio. Seu telhado é de duas águas e a pintura, em branco com portas e janelas azuis ou sangue de boi. Encontramse ainda amplos salões de pés-direitos altos e janelões clareadores, as alcovas espremidas sem banheiro, as varandas refrescadas pelo vento.

Já as casas térreas eram construídas coladas umas nas outras, com um sólido conjunto de paredes externas, construídas com taipa e uma mistura de barro, sangue de animais e capim e, com uma largura média de setenta centímetros. As paredes internas, por outro lado, eram erguidas pelo método de pau-a-pique, armações de bambu barreadas bem mais finas. O telhado nesses exemplares é formado de telha de bica, contrapondo nos beirais, uma proteção às paredes de taipa contra erosão provocada pela água da chuva.

Não obstante seja o mais antigo, o estilo colonial brasileiro não predomina no conjunto arquitetônico da cidade de São Francisco. A primazia encontra-se com o estilo Neoclássico, tendência artística que surgiu em contraposição às idéias do Barroco e do Rococó.

Situando-a, pode-se dizer que a arquitetura neoclássica trouxe à tona, em fins do século XVIII, um retorno às formas clássicas. Suas principais características são: presença dos arcos romanos, guarda-corpo em balaustrada, colunata coríntia, platibanda e frontão encimando a fachada. Há a predominância de tons pastéis valorizados por detalhes em branco ou vice-versa. A perfeição da forma era o ideal estético. Neste estilo arquitetônico, as superfícies são lisas e decoradas. Os pórticos enormes derivam dos templos gregos e o formalismo é refinado e enfatiza os frontões
como as principais guarnições nos edifícios. São usados, geralmente, materiais nobres como o mármore, esquemas ortogonais, formas simétricas, murais lisos, volumes encorpados, pórticos colunados, frontões triangulares. Também predominam os volumes geométricos regulares, solenes e pouco ornamentados.

O estilo neoclássico chegou ao Brasil através da missão artística francesa que veio ao Rio de Janeiro a pedido da Corte Portuguesa para dar condições à cidade de ser sede do governo português. No norte de Minas, o estilo neoclássico chegou pelo rio São Francisco, trazido por mestres nordestinos, sendo comum a denominação neoclássico ribeirinho ou sanfranciscano, já que podem ser encontradas as mesmas características das cidades de Juazeiro na Bahia a Pirapora em Minas Gerais, as quais delimitam o trecho navegável do rio.

Na cidade de São Francisco, situada entre esses extremos, afloram inúmeros exemplos do neoclássico ribeirinho: são diversas casas construídas no limite do terreno, com fachadas trabalhadas em lambrequins, colunas que seguem principalmente a ordem dórica, janelas e portas em arco e frisos com decoração floral. Além destes detalhes distintivos, são comuns também nas fachadas das casas do centro histórico medalhões com a data da construção ou as iniciais do proprietário.

Situada no centro histórico, a capela São Félix, com seu traçado original parcialmente preservado e altar com preciosas pinturas em afrescos, é uma relíquia do estilo, a qual sofre as ameaças do tempo e da falta de conservação.

Não obstante, a edificação que melhor representaria o Neoclassicismo em São Francisco é a Praça Centenário. Segundo os relatos colhidos, nas primeiras décadas do século XX, um prefeito da cidade viajou para a França e, encantado com as construções de Paris, encomendou um projeto nelas inspirado para a praça central e também para sua residência, instalada em frente à mesma. Contam os moradores que até mesmo as mudas das plantas para o paisagismo foram trazidas da Europa pelo prefeito. Em fotos da época de sua construção, realmente chama a atenção sua beleza clássica.

Com o passar do tempo e com a desinformação dos governantes posteriores, o coreto neoclássico ali presente foi retirado e reformas sucessivas, sem o devido cuidado técnico, transformaram a Praça Centenário em um lugar comum, sem atrativos ou valor artístico. Restam apenas alguns dos belos casarões que, acompanhando a iniciativa do prefeito, rodearam a praça, dando à cidade de São Francisco identidade e encanto dentre eles, salienta-se um com liras representadas no alto da fachada, indicando que ali possivelmente morava uma professora de música. Em casa próxima, encontra-se um pequeno jardim francês e uma belíssima varanda com baldaquins em forma de gregas, afrescos nas paredes e frisos em forma de parreiras com belos cachos de uvas invocando fartura e fertilidade para seus proprietários. Outra residência destaca-se por um ornamento em forma de ânfora no centro da fachada ladeada por papiros. E, ainda, cabe registrar fachadas com pequenas esculturas que lembram a tradição romana de invocar seus deuses protetores, guardiões dos lares.

Atualmente, pode-se dizer que a Praça Centenário inscrevese no estilo eclético, o terceiro com maior predominância nas construções em estudo.

O ecletismo foi um estilo arquitetônico predominante do início do século XX. Após a crise dos neos (neoclássico, neogótico, etc.), que dominou a arquitetura do século XIX, o debate sobre qual o estilo histórico mais importante tornou-se infrutífero. Da constatação de que a aplicação dos novos materiais não estava subordinada a um estilo específico, algumas academias (tanto européias quanto americanas) passaram a propor um modelo de arquitetura historicista, resultado da mistura de estilos diversos. Nessa esteira, os temas alegóricos e exóticos são usados à exaustão. Empregam-se diversos materiais sem função alguma, a policromia e a acumulação de ornamentos.

Juntamente com a Praça Centenário, a construção de maior destaque dentre as analisadas é a Igreja dedicada a São José, a qual se encontra voltada para o rio São Francisco, primeira estrada e foco de todas as atenções nos primórdios do vilarejo, veio por onde circulavam pessoas, mercadorias e idéias.

Ao contrário do que se vê na praça, o templo é um belo exemplar de arquitetura eclética, contando com apenas uma nave, ao mesmo tempo em que apresenta três torres encimadas com

cúpulas que lembram a arquitetura mourística. Na porta principal, destaca-se um tímpano com floral delicado, em substituição às famosas cenas do juízo final comuns nas catedrais góticas do período medieval. As janelas seguem estilo ogival, mas sem os vitrais coloridos.

Adentrando a igreja, a grande e decepcionante surpresa é o vazio criado pela retirada do suntuoso altar original, restando em seu lugar apenas a mesa de celebração e o sacrário. Justamente este sacrário e algumas outras peças sacras são testemunhas do
enorme prejuízo causado pela retirada do altar. Quanto às imagens, existem somente três barrocas, sendo as demais cópias em gesso de pouco valor artístico.

Nas décadas de sessenta e setenta do século passado, chega à cidade o estilo modernista, influência das construções da nova capital do país, Brasília. Vários prédios públicos, como por exemplo a “Escola Bom Menino”, têm sua fachada inspirada no modernismo de Niemayer. Também segue esse estilo o prédio onde funcionava o cinema, espaço amplo e rico em possibilidades que, sem razões justificáveis, permanece fechado e sem vida.

Atualmente, a edificação de agências bancárias e redes de lojas segue avançando sobre o que restou do belo conjunto arquitetônico da cidade.

No que concerne às condições gerais de conservação do patrimônio ainda existente, pode-se afirmar que, se por um lado alguns moradores ou mesmo os governos ao longo do tempo foram e são responsáveis pela falta de manutenção das cores originais de alguns imóveis ou do próprio formato original das fachadas e área interior (através da criação de novos cômodos), por outro, há aqueles que cuidaram e cuidam da conservação das construções. Mas essa é uma parcela muito pequena.

Quanto às iniciativas de preservação do patrimônio arquitetônico em estudo, o levantamento realizado atesta que há em São Francisco uma política pública municipal de conservação, a qual materializa-se nas Leis 2.032/2002 (que estabelece as normas de proteção do patrimônio cultural do Município de São Francisco e seu respectivo procedimento) e 2.233/2005 (que reestrutura o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural do Município de São Francisco como o órgão de assessoramento ao Prefeito no que diz respeito à preservação dos bens de valor cultural).

Não obstante a existência do referido respaldo legal, em vinte de maio de 2005 foi assinado o Termo de Ajustamento de Conduta (Procedimento Administrativo n.º 19/2003), onde o Município de São Francisco reconhece a inexistência de uma política municipal efetiva de defesa do patrimônio cultural, ainda que existam bens em sua sede e distritos de reconhecido valor histórico-cultural.

Buscando superar este quadro pouco animador, a ONG Preservar, ao longo dos anos vem fazendo um trabalho de conscientização da população local, ao mesmo tempo em que reúne um acervo de peças usadas em antigos ofícios, na esperança da criação de um museu capaz de contar às futuras gerações a história da cidade de São Francisco.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da pesquisa realizada, pode-se constatar a riqueza cultural e artística da arquitetura de São Francisco, bem como documentar a sua flagrante deteriorização. Com base nos dados levantados, especialmente no que tange ao estado atual de conservação dos imóveis e à aplicação da política municipal de preservação patrimonial, percebe-se que muito há por ser feito para que a população e os governos se conscientizem da grandiosidade do tesouro que têm nas mãos, antes que o mesmo escorra por entre seus dedos.

E, como a investigação científica não se restringe à mera observação da realidade, mas configura-se como instrumento de intervenção nesta, conclui-se o presente estudo com a sugestão de possíveis ações no sentido de recuperar o que ainda resta da beleza do patrimônio arquitetônico da cidade de São Francisco.

Em primeiro lugar, destaca-se que a educação patrimonial mostra-se como fator essencial para a preservação da riqueza do acervo analisado. Sem que crianças e adultos saofranciscanos engajem-se em um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural, será impossível a manutenção do que lhes foi deixado por seus antepassados.

Outra possibilidade que se apresenta é a de urgente restauração da Praça Centenário e do casario em seu entorno, local que poderia transformar-se em verdadeiro centro de turismo histórico, caso os referidos imóveis e outros, como o prédio do antigo cinema, fossem utilizados como espaços culturais.

Por fim, em face da carência de estudos sobre a arquitetura de São Francisco e, em regra, de todas as cidades do norte de Minas, espera-se que esta pesquisa possa abrir caminhos para novos projetos e ações que transformem em realidade a valorização e preservação do acervo arquitetônico desta região. Essa postura talvez seja um dos nossos maiores compromissos para com as gerações passadas, presente e futuras, mas principalmente, para o avanço da História enquanto ciência.

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ANEXOS
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Detalhe das torres da Igreja de São José


Capela de São Félix


Detalhe de fachada com ânfora e papiros


PETRÓLEO EM MONTES CLAROS

Maria das Mercês Paixão Guedes
Cadeira N. 73
Patrono: Lilia Câmara

Texto de Antálcidas Drumond

Aí em Montes Claros, em um dia útil dos idos de 1953/1954, as aulas matinais do Colégio Diocesano transcorriam sem nenhuma perturbação. Os alunos vestidos com uniformes que eram cópia quase fiel das fardas dos Soldados de Policia, que era a denominação dos atuais Políciais Militares, comportavam-se dentro dos padrões da civilidade. De repente, na minha sala, entrou um funcionário da secretaria do colégio, que falou com o Professor poucas dúzias de palavras em um tom que não dava pra nós sabermos de que se tratava. Mas o professor, que arrisco dizer era Pedro Santana, falou em voz alta e meio boquiaberta, mais ou menos as seguintes palavras: “Há notícias de que foi descoberto petróleo no local onde está sendo construído o novo Seminário Diocesano, em uma rua nova, lá por trás do Colégio Imaculada Conceição”. Formou-se na sala tamanho alarido, que as aulas tiveram que ser suspensas e do mesmo jeito em todo o Colégio. Saímos um bando de alunos misturados com professores e funcionários da secretaria. Da frente do Colégio, viramos a direita para o rumo do Colégio Imaculada Conceição. Logo dobramos novamente ádireita e em seguida a esquerda, já andando em uma trilha de mato raso, paralela a Avenida Coronel Prates, onde hoje acredito haja uma rua toda pavimentada. No caminho fomos encontrando outras poucas pessoas andando também depressa, todos curiosos em constatar a grande novidade.

No local da obra havia poucos operários. Mas simultaneamente e por outro caminho, talvez passando por dentro do Colégio Imaculada, chegou também o Bispo Diocesano. Portando vistosa batina, preto escarlate, assumiu logo a liderança das ações, e postou-se na cabeça da vala onde foi apontado que teriam aparecido os vestígios de petróleo. Nós da platéia nos distribuímos nas bordas do restante da vala. Todos de olhos arregalados para os lados do bispo.

Dirigindo-se ao cavador, que havia dado o alarme do petróleo, o clérigo perguntou o que teria acontecido. O pedreiro então narrou: eu estava cavando aqui, dei uma paradinha e acendi um cigarro. Aí eu joguei o pau de fósforo dentro da vala, aqui neste lugar, e apontou uma diminuta concavidade, certamente feita pelo bico de um enxadão. A chama da cabeça do fósforo aumentou e ainda ficou aceso por muito tempo. Neste momento e na minha cabeça, surgiu a primeira decepção. O que eu sabia até então é que petróleo era um óleo de cor escura, e o local estava mais para o amarelado da cor de “toá” que era uma pedra mole com a qual escrevíamos nas paredes das casas.

Também foi aí que um gaiato que estava mais próximo de mim que do bispo murmurou para que o bispo não ouvisse: “Agora eles vão organizar a Petrobispo”. Naturalmente em alusão à Petrobrás. Ou que já estava nos noticiários da época, ou quem sabe já tinha sido fundada em 03/10/1953.

O Bispo então acomodou a batina para dentro das canelas, pulou para dentro da vala e pediu para que o pedreiro repetisse in loco e ao vivo a experiência narrada. Acendeu o fósforo, jogou na pequena cavidade e a chama apagou. Outro fósforo, mais outro, já no ritmo das pombas de Raimundo Correa e, todos negaram fogo quando tocavam a terra.

Daí pra frente, a chama que alimentava a nossa imaginação também foi se apagando.

Aos poucos os curiosos foram indo embora, e o bispo também. No fundo todos nós torcíamos para, quem sabe, o petróleo da Petrobispo fosse diferente. Seria claro e apenas não queria se exibir para aquela platéia. Um de batina, muitos de uniforme escolar e outros de roupa comum.

Dois ou três dias depois se divulgou, de boca em boca, que o gás metano que era resultante da decomposição de matéria orgânica ali enterrada, tinha sido o combustível que alimentou a chama do fósforo e as ilusões petrolíferas do pedreiro e de todos nós.

Da minha parte foi uma decepção, pois cheguei a imaginar que, chegando ao alto da escada dos fundos do Colégio Diocesano, olhando para a esquerda eu veria mais adiante as inúmeras torres para extração de petróleo, igualzinho àquelas que eu tinha visto em um filme das matinês do Cine Coronel Ribeiro.

Aquele abraço para todos vocês dos Paixão/Guedes...

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O nome da pessoa que escreveu o artigo é: ANTÁLCIDAS DRUMOND


PEQUENO HISTÓRICO DA SERESTA EM MONTES CLAROS

Maria de Lourdes Chaves
Cadeira N. 65
Patrono: José Gonçalves Ulhôa

Dando um mergulho no cerne da existência da seresta em Montes Claros, reportamo-nos ao início do século XX.

Lá, encontraremos a seresta cultivada pelos jovens cantores e instrumentistas numa época em que a diversão dos rapazes se resumia em fazer serenatas para as donzelas quando já dormiam em seus travesseiros de flores.

O jurista, poeta, compositor e instrumentista João Chaves, serestava com seus amigos José Maria, compositor, natural de Januária. Dele, disse João Chaves; “Vem à minha mente, com freqüência a imagem quase negra do mulato januarense, José Maria Fernandes, que residiu aqui por muitos anos. Enxergo-o no meu momento, vibrando com proficiência as cordas do meu violão, cantando esta canção: Tu és como a rosa gentil purpurina...”

Antônio Cardoso Faria (Tonico Faria), natural de Montes Claros, foi um dos maiores seresteiros da cidade e dos rapazes mais elegantes do seu tempo.

Antônio Xavier de Mendonça (Mendoncinha), natural de Montes Claros.

Pedro Mendonça, irmão de Antônio, montes clarense.

Totônio Américo – natural de São Francisco – MG.

Virgolino Narciso Soares, solteirão, natural de Montes Claros.

Américo França, cantor que juntamente com João Chaves fundou o jornal semanal “O Sol”.

Leônidas de Andrade Câmara, montesclarense. Foi escrivão do Cartório do Crime em Montes Claros, nos anos de 1880. Era poeta e autor da letra do hino do Ginásio Municipal. Gentil Sarmento, era viajante comercial. José Augusto Prates, apelidado de José de Sá Deca, natural de Montes Claros, foi funcionário dos Correios e Telégrafos.
Augustinho Guimarães, músico exímio e dono de uma bela voz e compositor, era pai de Telé, cantor do Grupo de Serestas “João Chaves”. Donato Quintino, natural de Montes Claros. Luiz Gregório Júnior, professor. Elpídio José Cezar, natural de São Romão- MG. Cantor e compositor.

Manoel da Silva Reis - Silva Reis, no dizer de João Chaves, de voz doce, límpida, sonora e suave. Diamantinense, violonista e cantor. Faleceu em Montes Claros, com apenas 44 anos de idade. Foi para ele que João Chaves dedicou a letra e música da modinha “Adeus” consagrada pelo povo com o título de “Bardo”. Saltando no tempo, do início do século XX para o ano de 1967, vemos Dr. Hermes Augusto de Paula, médico sanitarista e historiador, convidando cantores e instrumentistas para organizar
o primeiro grupo de serestas em Montes Claros, que recebeu o nome de Grupo de Seresta “João Chaves”. No início do grupo, eram seus integrantes: Sinval Froes, violão. Sebastião Mendes - Seu Ducho, bandolim. Cantores - Nival
do Maciel, João Leopoldo Alves França, “Telé” – Celestino Soares da Cruz, Tereza Maria, Josefina Abreu de Paula, Clarice Maciel, “Lola”- Maria de Lourdes Chaves, Selma Abreu.

Com o passar do tempo, uns saíram outros entraram. Raymundo Chaves, Luis Procópio, Adélia Miranda, Gilberto Câmara, Toledo, Luizinho, Virgílio de Paula, Beto Viriato, Terezinha Jardim, Clarice Sarmento, Adelcio Saraiva, Alaíde Neves.

Foram gravados oito “LPs”. O Grupo, na sua primeira formação, apresentou-se no programa de Flávio Cavalcante em Ouro Preto-MG, tirando o 1º lugar, entre outras cidades no Concurso de Modinhas. A peça de confronto foi Amo-te Muito, de João Chaves.

A formação atual do grupo é a seguinte: Presidente – Josefina Abreu de Paula, Presidente administrativa – Terezinha Jardim. Diretor de Comunicação – Adelcio Saraiva. Diretora Musical – Maristela Cardoso. Diretora financeira e secretária – Marta Marcondes.

Instrumentos: Violão – Luis Porfírio – Milton Barbosa – Adelcio Saraiva. Bandolim – Marlene Cunha e Mafalda Mafra. Percussão – Rogério Botelho.

Cantores – Adelcio Saraiva, Rogério Botelho, Ademar Toledo, Hélio Saraiva, Terezinha Jardim, Maristela Cardoso, Walderez de Paula, Josefina Abreu de Paula, Marlene Pereira, Carmina Gonçalves, Marta Marcondes.

O primeiro grupo gravou um disco com três músicas. Nivaldo Maciel cantou “Acorda minha beleza”, Telé “Amo-te Muito”e João Leopoldo, “Camélia”.

O Grupo de Serestas “João Chaves”, de Montes Claros, sempre se apresentou com grande sucesso por várias cidades de diversos estados brasileiros. Embora todas as apresentações tenham sido importantes, vale aqui ressaltar algumas que se destacaram devido à excelente repercussão.

No Palácio da Alvorada em Brasília, especialmente para o presidente Costa e Silva.

No cemitério do Bom Fim em Montes Claros, por ocasião do sétimo dia de falecimento do patrono João Chaves. Novamente, no mesmo cemitério, especialmente para o programa Fantástico da Rede Globo de TV.

Em Araxá, quando cantaram para uma comitiva de Moscou, na a presença do Embaixador da Rússia.

No Golden Room do Copacabana Palace no Rio de Janeiro, juntamente com nomes expressivos da música brasileira, como Nara Leão, Paulinho e Maurício Tapajós, Paulo Tapajós, cantoras do Quarteto em Si e Maria Lúcia Godoy. O Motivo foi o lançamento de um álbum especial sobre modinhas, com participação do presidente JK. O Grupo de Serestas foi o único grupo do gênero convidado para esse importante evento. Na Vargem Grande de Montes Claros, para o presidente JK.

Em Ouro Preto, nas comemorações do dia de Tiradentes de 1969, ao lado da cantora Maysa e de Flávio Cavalcante.

No Palácio das Artes de Belo Horizonte, apresentados pelo Maestro Isac Karabtchevsky. Ao término, o maestro, fascinado pelo que ouviu, “contratou” o grupo para cantar “O Bardo” no sétimo dia de seu falecimento, junto a seu túmulo.

Em Buenos Aires, Argentina, com onze shows de sucesso no Teatro Coliseu e no Hotel Sheraton, durante o festival internacional da cozinha.

Nos programas do renomado apresentador de TV Rolando Boldrin, tanto na Globo quanto na Bandeirante. “

Em seguida, foi criado o Grupo de Serestas João Vale Maurício, médico cardiologista e escritor. Sua criação foi ideia de Ada Camisasca, então diretora do “SESC” de Montes Claros.

Direção: Geni Rosa.
Violão: Geni Rosa e Geronildes Oliva.
Cantores: Flávia Rabelo, Beatriz Helena Azevedo, Celeste Silva e Gomes, Nilza Lopes, Ana Maria Santos, Valdir Alves, Ademar Toledo, Cassimiro Mendes. Este foi o grupo original.

2º GRUPO

Carlos Pereira, Solange, Valdir, Sissi, Iracema, Nô, Amélia, Toledo, Tio Tonico, Carmen, Pedro Lúcio, Beatriz, Trui, Geraldo Paulista, Cláudia. Gravaram o disco “Lágrimas ao luar”.

Grupo de Serestas Luiz de Paula, empresário e escritor. Integrantes do Grupo: Osvaldo Euzébio, voz e violão, Urze de Almeida, bandolim. Cantores: Ana Maria, Celeste, Edinilson Cordeiro, Wanda Cardoso e João Carneiro.

Em 1977, foi criado o Grupo de Serestas “Minas Gerais” dirigido por Dr. Francisco Alencar Carneiro, advogado, contabilista e instrumentista.

Grupo Original

Instrumentos:
Dr. Francisco Alencar Carneiro – Bandolin.
Violão: Edgar Muniz
Adair Gomes
Jesuino Ramos.
Cantores:
Adair Gomes
Felisberto Veloso
João Pereira
Jacy Saraiva
José Neto
Maurício Marcos
Pedro Lúcio
Carmen Lemos
Maria Salomé
Maria de Lourdes Chaves “Lola”
Olga Santos
Terezinha Fróes

Este grupo gravou o disco “Relíquias da Seresta Brasileira”. Ele se apresentou para magistrados, Polícia Militar e em vários casamentos da sociedade montes clarense, em missas solenes e coroações. Seu fundador Dr. Francisco Alencar Carneiro, faleceu aos 4 de fevereiro de 2002.

Em abril de 2002, o Grupo passou a ser dirigido pela autora deste artigo. Foram gravados dois “CDs” – “Pérolas de Saudades” e “Céu de Montes Claros”. Está em andamento, a gravação de um “DVD”.


Grupo de Serestas “Lola Chaves”

Formação do atual grupo:
Relações públicas: Amelina Chaves, Orlinda Andrade.
Instrumentos: Violão – Jesuíno Ramos
Deolindo Freitas
Pedro Rodrigues
Cavaquinho: Manoel Soares
Pandeiro: Maria Paulino
Contra baixo: Batuta
Triângulo: Lourdes

Cantores: Deolindo, Maria, Carmen Lemos, José Fernandes (Zezé), Zenaide Teixeira, Lourdes França, Carlos Costa, Jacy Saraiva, Maria Lúcia Lacerda, Vitor Luis Dias. Olga Santos, Maria de Lourdes Chaves (Lola), Maria Terezinha Rodrigues Correia.

Este grupo já se apresentou para o Colegiado de Diretores dos Tribunais de Justiça do Brasil, reunidos no Buffet Catharina em Belo Horizonte, no Fórum Gonçalves Chaves, no Shopping Montes Claros, em vários estabelecimentos de ensino, em comemorações de aniversários, bodas de prata, na Câmara de Vereadores desta cidade, em Corinto, Lontra, sempre fazendo sucesso. Hoje o Grupo denomina-se Grupo de Serestas “Lola Chaves”.


Grupo de Serestas “Lola Chaves”


Grupo de Serestas “Lola Chaves” (
Foto Half)


Outros grupos atuam em Montes Claros, enriquecendo cada vez mais o celeiro de seresteiros.

Grupo Marucas Avelar, Grupo Manoel Meira, Grupo Vozes de Prata, Grupo Idade do Ouro e Grupo Namorados da Lua.


Grupo Namorados da Lua

* “O Grupo Namorados da Lua, criado em 22 de Maio de 1988 pelo casal Josecé e Leonora, com o objetivo de resgatar a música regional seresteira do sertão norte mineiro. O povo Montes clarense é por excelência amante eterno das músicas cantadas ao som de um violão, bandolim sob a claridade vaidosa da lua cativante que teimosamente ilumina os trovadores do norte das Gerais. O Namorados da Lua chegou fugindo do estilo tradicional, inovando e dando uma roupagem moderna, valorizando inclusive os compositores da terra de Figueira... Chegou ainda com o objetivo de arrancar nossa gente da frente dos computadores e televisões que nos fazem esquecer os velhos bate-papos, de curtir e ouvir a natureza, de sentir o calor humano e tantas outras coisas belas massacradas pela evolução dos nossos tempos. Já diz o velho ditado: “Quem canta seus males espanta”. E é isto que propõe neste seu primeiro trabalho o grupo de seresta Namorados da Lua: retirar do fundo do baú toda beleza que em tempos não muito remotos era a paixão de nossa gente sertaneja... assim sendo, vai a nossa proposta de mudar um pouco o sentido da vida e do nosso dia a dia ... Cantar, cantar e cantar, e quem sabe, nossas dores, lamentos, desilusões poderão ser amenizadas, confortadas e até mesmo recheadas de força para continuarmos nossa caminhada tão difícil, tão conflitante, porém compensadora e bela...

E na luta constante de preservar suas raízes, valorizar nossa arte e nossa gente, o Grupo Namorados da Lua gravou seu primeiro CD com letras próprias e de autores conhecidos nacionalmente.

Ao longo desses anos o Namorados da Lua tem participado ativamente de vários eventos culturais tais como: Projeto Seresta Itinerante (SESC – Sec. De Cultura e Associação dos Artistas do Norte de Minas), Apresentações em Clubes locais, escolas, universidade, festas municipais, festas religiosas, etc.

Componentes:
Josecé Santos (Coordenador) voz e violão – Celso Barbosa (Pandeiro) – Eduardo Pinheiro (Sanfona 120 baixos), Márcio Levi (Sax) – Santos Cardoso (Violão) – Luizinho do (Bandolim) – José Mota (Acordeom 120 baixos) – Cleusa de Fátima (voz) – Nurilo Humberto (voz) – André José (violão) – Violeta e Edna (voz).

GRUPO DE SERESTAS CORDAS VOCAIS

* “Coordenador: José Lopes Godinho.

O Grupo de Serestas Cordas Vocais, foi fundado em Agosto de 2004 pelo Professor de violão do Conservatório Estadual de Música Lorenzo Fernandez, José Lopes Godinho, e se apresentou oficialmente pela primeira vez para a sociedade montes clarense e demais apreciadores do gênero no dia 24/09/2004, num evento intitulado: Uma Noite de Seresta, o qual foi promovido pelo Centro Avançado das Faculdades Pitágoras, na Praça Coronel Ribeiro, Montes Claros.

Desde a sua fundação o grupo tem tido uma preocupação constante com o social e para tanto, tem se apresentado inúmeras vezes em escolas, creches, asilos e até em outras cidades do norte de Minas, sempre levando um repertório composto de canções
da MPB, canções clássicas da seresta mineira e brasileira e também músicas do nosso cancioneiro folclórico e regional.

O grupo é formado principalmente por alunos e funcionários do Conservatório, no entanto, também aceita a participação de pessoas da comunidade. Outra característica da Seresta Cordas Vocais é sempre apresentar canções inéditas, compostas por membros do próprio grupo. A formação atual é a seguinte:

Carlos Magno Tolentino
Geraldo Jobert Nascimento
Haroldo Jorge de Jesus
Heline Lisboa Fonseca
José Valdir Silva
Leila Claret Medeiros Rego
Mafalda Mafra Madureira
Maria Audelina Dias Lima
Maria Clara M. L. Godinho
Maria das Graças
Maria de Fátima Ribeiro
Maria de Jesus Coimbra
Maria de Lourdes
Maria Luisa Brandão
Nilson Araújo Silva
Romildo Duarte Januário
Tarcísio Iran Rego
Rosana Damasceno

*José Lopes Godinho – Informante.

É da lavra do coordenador José Lopes Godinho a letra e música “Diva Seresteira”.

DIVA SERESTEIRA

Zé Godinho
(com carinho a Lola Chaves)

No sertão de Montes Claros
Vive a Diva Seresteira
É uma dama preciosa
De alma tão guerreira!
Sob o lustro de seu manto
Guarda um rico tesouro, em poemas encantados
Que se transformam no mais puro ouro.
Guardiã do segredo eternal
Lola é fruto do amor e da canção
Musa, elixir atemporal
Minério, flor e coração.
No sertão de Montes Claros
Já nasceu fazendo festa
Pois é a filha da seresta
E dos impulsos da paixão
Nas andanças desta vida
Leva em punho uma bandeira
Que tanto dá orgulho
À cultura norte mineira

GRUPO “MANOEL MEIRA” - SESC DE MONTES CLAROS

O Coral “Rosa Mística” hoje Grupo “Manoel Meira” surgiu em 1993, formado por um grupo de amigos (as) que se reuniam na Unidade de Serviços de Montes Claros, onde praticavam diversas atividades recreativas.

O Coral “Rosa Mística” tinha o Sr. Manoel Meira e a Senhora Stela Borém Guimarães como responsáveis pela direção musical. A responsabilidade geral ficava a cargo de Alayde Neves de Oliveira.

As apresentações aconteciam em diversos lugares: igrejas (missas, casamentos, bodas) e comemorações em geral. Depois de algum tempo, o Coral “Rosa Mística” sofreu alterações com a substituição de alguns integrantes, hoje com 25 artístas.

A presença do Sr Manoel Meira marcou de tal forma a sua passagem pelo Coral Rosa Mística, que mesmo não estando mais entre nós, não poderíamos deixar este grupo só nas lembranças dos que o conheceram. Alguns componentes permaneceram e criaram o Grupo “Manoel Meira” numa tentativa de homenagear este grande homem, amante da excelência musical.

Após a partida do Sr. Manoel Meira, a professora Lucinha Macedo esteve na direção musical do Coral Rosa Mística até o ano de 2007.

O Grupo “Manoel Meira” é formado por membros do Grupo da III Idade do SESC de Montes Claros e esteve sob a coordenação do maestro e professor Antônio Normando Freire da Silva durante o ano de 2008.

Este grupo não se prende somente às músicas de seresta. Em seu repertório destacam-se músicas natalinas, música do cancioneiro popular, etc.

A diretora do SESC, Ruth Proença Mendes Almeida, já esteve na liderança dos trabalhos com o Coral Manoel Meira que atualmente está sob a responsabilidade da funcionária Elizabeth Fernandes Flávio Tolentino.

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* Informações fornecidas por Ruth Proença Mendes Almeida, Diretora do
SESC de Montes Claros. SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – ARMG
Meus agradecimentos à minha sobrinha Maria de Fátima Chaves de Oliveira
e Almeida pela digitação desta pesquisa.


O MÉDICO E POETA DAS CORES

Maria Luiza Silveira Teles
Cadeira N. 42
Patrono: Geraldo Tito da Silveira

“A beleza existe em tudo, mas somente os artistas e poetas sabem encontrá-la.”
Charles Chaplin

A História coletiva se faz com a história de vida de cada ser humano que, de certa forma, deixa suas marcas no mundo. E é resgatando a trajetória dessas pessoas que aprendemos com elas a valorizar as realizações e a trabalhar com amor pela comunidade. Ao mesmo tempo em que estamos fazendo um trabalho para não deixar cair no esquecimento a obra de tais criaturas, estamos aprendendo com suas vidas e seus exemplos, exemplos estes que ficarão para sempre como preciosa herança para as gerações vindouras.

Como diz o escritor e professor dr. Miguel Araújo, “nas ensinanças sorvidas entre as curvaturas das travessias que enredam a trajetória humana tenho aprendido uma máxima primorosa: viver é perigar. Perigar traduz a aventura cotidiana.” E essa aventura cotidiana de alguns transforma a sociedade e promove a sua evolução, mesmo correndo os riscos naturais na vida de quem sonha. E alguns sabem como engrandecer a vida, abrindo-nos horizontes de beleza.

Aqui quero falar um pouco sobre um montes-clarense ilustre que sonhou grande, deixando marcas profundas no seu caminhar pelas “curvaturas das travessias” na sua ação profissional e artística: Dr. Aderbal Bento de Andrade, médico, pintor, poeta e cidadão de primeira grandeza.

 

BIOGRAFIA

Aderbal Bento de Andrade nasceu em Montes Claros, em três de julho de 1933, filho de Geralda Araújo Andrade e José Bento Andrade, conhecido comerciante na cidade. Teve cinco irmãos, todos ativos em seus ramos de atividade e mui queridos em nossa comunidade.

Ao terminar seus estudos secundários em sua terra natal, no antigo Colégio Diocesano, dirigiu-se para a cidade do Rio de Janeiro, onde estudou Medicina na Faculdade Federal de Medicina do Estado do Rio de Janeiro. Ao final de seu curso e residência, retornou para Montes Claros, onde montou seu consultório na esquina da rua Dom Pedro II com Camilo Prates.

Lá, porém, deixara a mulher de seus sonhos, com quem veio a se casar, pouco depois: Nancy França de Andrade, com quem teve três filhos: Flávio Geraldo França de Andrade, músico e radialista, Sônia Verônica França Andrade, hoje fisioterapeuta respiratória da UTI do Hospital Dílson Godinho e do Hospital Haroldo Tourinho e Vânia Maria dos Santos, fonoaudióloga, residente no Rio de Janeiro. Deixou três netos: Luiza França de Andrade Pereira e Felipe França de Andrade Pereira, filhos de Sônia, e Matheus Domingos dos Santos Fernandes, filho de Vânia

Sua esposa veio enriquecer a cidade de Montes Claros não somente com seu trabalho na área social, mas como mulher extraordinária que muito tem contribuído para o desenvolvimento de nossa terra. Sua generosidade, simplicidade, educação primorosa
e elegância de caráter logo conquistaram toda a sociedade local, formando uma legião de amigos. Foi companheira preciosa na jornada de seu esposo em todas as áreas, assim como no Rotary.

Aderbal não se contentou em exercer a clínica em seu consultório. Montes Claros tinha necessidade de uma clínica de pronto atendimento e ele arregaçou as mangas e, acompanhado de sua esposa, foi bater na porta de vários colegas para que, juntos, pudessem concretizar esse sonho. Recebeu muitos “nãos”, mas não desistiu. Acreditaram em seu sonho e entraram com ele na empreitada Dr. Dílson Godinho, Dr. Clóvis Guimarães, Dr. Jason Teixeira, Dr. Gilberto Veloso dos Anjos, Dr. Luiz Quintino, Dr. Alfredo Barreto e Dr. Ildeu Macedo. Assim, em 13 de junho de 1964, nasceu a Prontoclínica São Lucas, numa velha casa da rua Dr. Santos, esquina com Dom Pedro II. Com o decorrer do tempo e a luta de seus fundadores, a modesta clínica transformou-se no grande Hospital São Lucas, que tanto tem servido a toda a população do norte de Minas. Hoje, tornou-se uma Fundação: Hospital Dílson Godinho, nome de um de seus companheiros da primeira hora.

Aderbal, com a arte no sangue, dedicou-se, também, às artes plásticas e à literatura. Com seu jeito simples, manso, mas de uma enorme fortaleza moral, progrediu rapidamente em todas essas áreas. Entretanto, com certa timidez e um agudo senso crítico, embora premiado em vários concursos literários, guardou os seus escritos e somente se expôs publicamente como artista plástico.

Para grande tristeza de toda a cidade, Aderbal veio a falecer, precocemente, em dezessete de setembro de 2004, às vésperas da primavera, deixando em todos nós uma imorredoura saudade, mas inscrevendo seu nome nos anais de nossa História.

 

O ARTISTA PLÁSTICO

Aderbal dedicou-se, brilhantemente, ao abstracionismo e à arte naïf. Como disse muito bem a sua colega Déia Dias, “ele procurava comunicar em sua obra não o nosso cotidiano contundente, mas a misteriosa essência da saudade, das fantasias liberadas,
da harmonia de voltar às nossas raízes.”

Suas pinturas eram uma explosão de cores e uma busca constante da história de sua terra e dos confins de seu inconsciente e do inconsciente coletivo. Sua pintura encanta e emociona não apenas pelo lado cromático, mas pelo poder de despertar em nós abismos de nosso universo interior. Ele mesmo dizia; “A pintura é a alegria do ser”. E sua alegria de viver, embora discreta, aliada ao seu lado de filósofo e poeta, transparecia em sua arte.

Ao se dedicar ao abstracionismo, já numa fase mais madura, Aderbal sentia-se, como confessou, a viajar, fantasticamente, por mundos insondáveis e imponderáveis. Ele afirmou em uma entrevista dada ao Jornal de Notícias, em dois de dezembro de 1999, que todos nós somos pintores em potencial, só que não sabemos. Mas, com sua dedicação e aprimoramento da técnica, em diversos vernissages por capitais do país e em vários eventos e amostras em Montes Claros, ele nos deixou a lição que não basta
inspiração, mas que é preciso muita transpiração para alcançar o patamar a que ele chegou.

Vejamos o que diz o crítico Leonardo Oliva, a respeito da arte de Aderbal: “Surpreenda-se, deleite-se, divirta-se, é uma sugestão. É maravilhoso ver o que se tem por traz das formas e expressões deste artista mineiro”.

Biola, artista plástico, afirmava que na pintura de Aderbal “os catopês, o candomblé, as procissões retornam de uma forma abrangente e nas telas surge um novo colorido, impregnado de fulgor e atrativo pictórico.”

E falando da pessoa do pintor, ele continua: “Pude sentir seu caráter de pessoa, calmo e magnânimo.” Acreditava que “sua arte era confeccionada no casulo da ingenuidade, na suavidade das cores, no mistério das lendas. (...) Naïf, o passo seguinte hiper pré-elaborado de contornos, imbuído de questionamentos e singelezas, onde novamente as lendas, os mistérios, as visões místicas repovoam repletas de cores e movimentos. (...)

Aderbal caminha, com seu jeito calmo e silencioso, atento, transpondo em seguida para uma linguagem branda, de penumbra e traços ora conectados, ora desconectados, onde a luz difusa difunde o espectador a orientar-se a uma reflexão estática. E ele se posiciona medindo, pesando, galgando o equilíbrio, orientandose ao Blum!!!

Amarelos vibrantes, vermelhos incandescentes, azuis de propileno, azuis de metileno, magenta, lilases, verdes, ocres, marrons, brancos, pretos, etc. Por fim, Aderbal Andrade nos brinda com estilo esta explosão de cores embebida de formas, implícito na mensagem e no momento. Transcendência, luzes, vitalidade abrangente, onde as cores conspiram, misturando a noite com o dia. Sóis, planetas, “Big-Bens”, galáxias, vulcões e um ser contido, abstraído imaginando com a existência, nas telas, Aderbal Andrade (o artista).”

Gostaria de acrescentar o comentário de mais um artista plástico, João Rodrigues: “A chave para a compreensão da pintura de Aderbal Andrade se encontra no vigor com que a matéria na superfície de suas telas se dispõe sempre em um caminho duplo e instigante; dois universos paralelos e estanques num percurso único e admiravelmente bem construído. Com isto, todas as possibilidades construtivas e visuais de sua memória primitiva e ingênua se apresentam numa abordagem claramente contemporânea em que a fragmentação simbólica do traço e do conteúdo resulta sempre num exercício de harmonia e rara beleza.”

Aí vai uma pequena amostra de seu talento:


Os marujos em seu imaginário


Personagens resgatadas do seu inconsciente.


A capelinha e a marujada

O POETA

Sensível como era, amante da vida, em eterna reflexão, Aderbal não poderia deixar de ser poeta. No entanto, embora tenha sido premiado em vários concursos literários, ele apenas publicava alguns de seus poemas, ocasionalmente, no jornalzinho do São Lucas. Foi assim que encontrei sua poesia e, apesar de conhecê-lo bem, surpreendi-me com mais essa sua faceta tão cheia de beleza.

Sente-se nela a angústia do ser em busca de si mesmo e de respostas para os eternos questionamentos do ser humano.

Percebe-se na poesia de Aderbal que viver para ele é a póiesis como a aventura criante e inventiva, matizada pelos tons do poético, por sua vivacidade comovente e com seu elã alumbrante que faz desbordar o anímico. Fazer poesia para ele era viver uma aventura poética inspirada na verve de sua sensibilidade e espirituosidade.

Vejamos um poema seu premiado com o primeiro lugar em um concurso promovido pela Academia Montesclarense de Letras:

PRECISO

Preciso enfrentar dentro de mim
Um homem que me odeia
Preciso me achar dentro das trevas da incerteza
Preciso trazer de dentro da escuridão a
Certeza que renego pela fantasia do meu ser.
Preciso clarear a consciência,
Clareando o inconsciente universal
Preciso impedir que um covarde
Venha jazer no meu túmulo.
Preciso me queimar,
Morrer... purificar ...renascer
Preciso encontrar dentro de mim
Um homem que me ame.


Ao ler a poesia de Aderbal,
não consigo deixar de lembrarme do que diz o poeta baiano e professor, Dr. Miguel Araújo, já citado por mim anteriormente: “Existir (ex-sistere) se traduz em dis-por-se, em lançar-se para fora, no e para o mundo. Precipitarse no abismo do indeterminado, do inacabado, e tornar-se, no ritmo e nas aberturas das contingências, autor e tecelão do próprio destino. Existir é se inserir nos confins transversais da porosidade do mundo, tocando em frente os projetos que animam os destinos, nossos co-destinos; os destinos da humanidade. Destinos marcados por desatinos e por tinos tortos e incertos nos quais urdimos a saga aberta do existir. Existir é in-sistir, é correr o risco de experimentar a aventura da liberdade que espanta e desafia as seguranças das coisas ordenadamente estabelecidas que aprisionam e encavernam”.

Não foi isso exatamente o que fez nosso médico – artista? Ele lançou-se no “abismo do indeterminado, do inacabado” e teceu o seu destino, mudando assim o destino de toda uma comunidade. Ele não temeu correr riscos, jogar-se, insistir e construir a sua liberdade em ânsia de voo na poesia e na pintura.

Vejamos outro poema seu em que se percebe, claramente, a angústia que o devorava por dentro, o desejo de projetar-se na arte e o sentir com o outro:

Veja esse lugar
Olhe direito
Tem marcas de quem sempre esperou
Olhe o chão
Veja papéis amassados, tocos de cigarros
Poeira do desencanto
Mas não verás
Lágrimas derramadas
Pelo desespero das frustrações
Fragmentos de sentimentos
Pela espera do que não veio
Olhe de novo
Vais sentir a espera da espera
Da amada que não chegou
As fantasias das esperanças
Cria ilusões na espera
Sem saber o que esperar da pessoa que se espera
Por isso espero.

Em versos brancos, Aderbal projeta o seu mundo interior, como nas telas. Os seus sonhos, as suas realizações, as frustrações, as abstrações, o mergulho no Eterno. Ele poetiza, profetiza, sinaliza.

Não deixou de falar da mulher amada, como todos os poetas. Aquela com quem escolheu caminhar todas as trilhas da jornada no planeta. Aí vai o seu sussurro de amor para Nancy:

Não tenho
Meu coração
É todo seu
Não posso viver
Sem o calor e beijos seus
Sou como o jardim que murcha
Com a falta de beijo e calor solar
Meu mais doce desejo
É seu
Pois brota do amor
Que tenho no coração
E o que já não é meu
Onde quer que esteja
Sinto-me perto de você
Do seu radiante olhar
Que me faz sonhar
Ter ansiosos desejos
De repetir sempre
E mais uma vez
Indefinidamente
Te amo...

O poeta escutava, com certeza, os sopros do vento que assanham nossos sonhos e que movem a imaginação, instalando o fluxo da criação; que movimentam a liberdade do viver na audácia de uma ação renovadora e vivificante. Aderbal vivia em “gravidez” permanente de desejos que nutriam e inspiravam nele o advento da utopia, de novos modos de ser e de estar-sendo-nomundo-com-os-outros, na tessitura do Amor, da Beleza e do Bem da rede planetária.

 

O MÉDICO

Aderbal foi médico à moda antiga, médico de família, de ir à casa do paciente e atender a todas as dores. Quando aqui chegou, a carência de médicos o obrigou a trabalhar em todas as especialidades, embora seu campo fosse a Ginecologia, Obstetrícia e Cirurgia.

Atendia a qualquer um que apresentasse quaisquer sintomas. Tinha um tino abençoado para diagnosticar e salvar vidas e jamais queria saber se o paciente tinha dinheiro ou não. Andava por grande parte do interior do norte de Minas e atendia, inclusive, em fazendas.

Além do grande mérito de ter participado da fundação da Prontoclínica São Lucas, reativou o Hospital São Vicente de Paulo, em Brasília de Minas e o Hospital do mesmo nome, em Coração de Jesus.

Uma coisa que pouca gente sabe, pois ele ajudava sem lembrar a quem, no silêncio tão próprio dele, é que Aderbal passou a vida estendendo a mão a muitas e muitas pessoas.

Um dia fui consultar com a Dra. Mary Gonçalves Lafetá Rabelo e ela me confessou que tinha uma enorme dívida de gratidão para com Aderbal e que sonhava em ver publicadas as poesias e crônicas que ele deixou guardadas. Não quis ser indiscreta a ponto de perguntar o que era esse favor impagável, mas ela me disse, categoricamente: “Se não fosse ele, eu teria desistido de tudo”. Fiquei impressionada com a emoção dela ao falar do colega.


Dr. Aderbal Bento de Andrade em vernissage no Centro Cultural
Hermes de Paula, tendo ao fundo um quadro seu.

Finalizando, podemos afirmar que Aderbal Bento de Andrade foi grande em tudo que realizou. Esposo e pai exemplar, amigo de todos, excelente rotariano, sem dúvida alguma, seu nome ficará inscrito na memória de Montes Claros, como alguém que honrou e engrandeceu sua terra, enchendo de orgulho todos os seus parentes e amigos.

Dizia Charles Chaplin, com grande sabedoria, que o homem não morre quando deixa de viver, mas somente quando deixa de amar. E a vida de Aderbal foi um exercício de Amor. Por isso, ele será eterno.

 

FONTES DE PESQUISA

- Arquivos organizados por sua esposa
- Jornal de Notícias, números diversos.


Literatura/Leitura, Leitor/Escritor

Míriam Carvalho
Cadeira N. 88
Patrono: Plínio Ribeiro dos Santos

Um livro, ao ser procurado pelo leitor, traz, a princípio, o desejo imediato de ser lido. Provavelmente, tal desejo foi induzido por algo que envolve os sentidos, as paixões, os impulsos e um enlevo que precisa ser estimulante. Certamente, haverá alguma coisa útil, merecedora de um olhar atencioso, não desses de beira de estrada, sem nexo, e sem compromisso, embalados pelo engano da distração. Um leitor, amante da literatura, capta melhor o sentido poético de um livro se o seu olhar for mais atento, e se perceber as evidências legíveis, presentes na terra, no mar, na natureza, na matéria bruta, nos seres vivos e inanimados, nos gestos e na forma de estabelecer contato com o outro. Até nos fragmentos de nossa existência, aqueles que nada contam ou explicam, tudo é motivo de especulação para quem lê e para quem escreve. Neste sentido, a literatura pode até demonstrar o seu jeito inédito de conceber o mundo, se o escritor, ao expor a sua obra, estabelecer com o leitor um grau de cumplicidade, uma leitura intimista de dupla face: a do escritor e a do leitor. Atrás dos olhos do escritor, abre-se o olhar do leitor para deglutir o mundo da palavra e incluir-se no semblante de quem a criou. Neste tipo de leitura, é possível guardar o desejo do outro.

Ora, uma escrita comum recolhe-se para reabastecer a sua produção naqueles fatos que traduzem a exata medida do valor contido nas coisas: o bem e o mal, o útil e o inútil, o belo e o feio, o simples e o complexo, o eterno e o fugaz, sempre numa escolha sem fim, como aquele poema Ou Isto Ou Aquilo, de Cecília Meireles, conforme versos abaixo:

‘’ Ou guardo o dinheiro e não compro doce, ou compro o doce e gasto o dinheiro.”

Na verdade, a escolha da leitura passa pela experiência de cada olhar, uma vez que cada pessoa possui uma visão especial de perceber o mundo, de observar e de sentir a vida, segundo o seu temperamento, sua formação e sua cultura.

Monteiro Lobato, o grande escritor paulista, autor de vários livros, a maioria deles dedicados ao público infanto-juvenil, adorava os livros de seu avô materno, o Visconde de Tremembé. Ele lia tudo e, quando criança, seus brinquedos eram toscos, feitos de sabugos de milho, chuchu, mamão verde, limão e até pedras. Quando escreveu o livro “A Chave do Tamanho”, ele já sabia que a palavra escrita era muito mais poderosa do que a simples comunicação do dia-a-dia. Para ele, a literatura é capaz de traduzir com mais intensidade verdades comuns e incomuns, sentimentos, fatos e sensações, mistérios e aventuras, dramas, emoções, numa consciência estética inigualável. Vejamos como Monteiro Lobato exemplifica essa estética: ao falar da chuva, em seu livro, A Chave do Tamanho, ele soube unir duas coisas diferentes, a primeira, um fenômeno da natureza, a chuva; a segunda, uma aranha caranguejeira. Eis a passagem abaixo:

“ A chuva vinha vindo. O verde do morro lá adiante embaçou-se como os vidros da janela que Pedrinho bafejava paradepois escrever com o dedo. Vinha chuva de verdade! Emília subiu, agarrando-se no que pôde. O buraco-de- raiz tinha quatro vezes a sua altura. Entrou. Altura. Entrou. Que azar! Era um buraco ocupado por alguém: uma enormíssima e peludíssima aranha caranguejeira! Mais adiante, ela pensa: “entre a aranha e a chuva, antes a aranha. Chuva é mil vezes pior, porque chuva não tem remédio e com aranha muita coisa pode acontecer. Ela pode não desconfiar do meu algodão. Pode estar dormindo, pode até ter dó de mim. As aranhas são enganáveis - mas quem engana chuva?” (p 63).

Se no dia-a-dia é preciso saber escolher com critério, imaginem no mundo da arte, sobretudo se for a arte da palavra; esta escolha requer cuidados especiais. Em Arte, segundo o poeta Fernando Pessoa, tudo é lícito, desde que seja superior. Vimos em Monteiro Lobato que a aranha torna-se inofensiva, quando comparada com a chuva, em determinada situação. Com uma genialidade fantástica, ele criou, de um fato corriqueiro, uma página literária. A aranha e a chuva, coisas simples, foram motivo de reflexão para a personagem Emília e para nós. Valores são contrapostos entre seres pertencentes a reinos diferentes a fim de mudar as funções das coisas, que normalmente ocupam posições habituais. Monteiro Lobato inverte o trivial com o gosto de dizer uma existência verbal descoberta na fenda do imaginário. Compreender o mundo desta forma não é cômodo porque desestabiliza a ordem instituída das coisas. No imaginário, há um olhar de escolha e de escuta rastejado por pensamentos idos e vividos. Descobre-se aí um mundo que se abre, guardando, em si mesmo, futuros e passados de parte alguma, pois são capítulos da vida, preenchendo um livro inteiro. Ora, um olhar de escuta e escolha é fruto da solidão da leitura. “Pois a solidão é o lugar onde não há nenhum outro olhar, a não ser o nosso. Ali, contamos com os nossos próprios olhos”, segundo Rubens Alves. Vale a pena lembrar que nos contos de Guimarães Rosa, o espreitar os Gerais, sob o olhar de solidão, revelou mais ainda um sertão pleno de vida. No conto Conversa de Bois, há um diálogo que põe essa existência verbal num plano inesperado. Assim se desenvolve a seguinte passagem:

- “ Um homem não é mais forte do que um boi...E nem todos os bois obedecem sempre ao homem...Eu já vi um boi grande pegar um homem, uma vez...O homem tinha um pau-comprido, e não correu...Mas ficou amassado no chão, todo chifrado e pisado... Eu vi! Foi um boi-grande-que-berra-feio-e-carrega uma cabaça
na cacunda.”

Neste trecho, a leitura nos dá a exata medida de uma luta desigual entre o boi e o homem. Normalmente, é o homem que domina o animal, mas, neste exemplo, o homem é dominado de uma forma ostensiva. Percebe-se ainda que o boi não era um qualquer, pois pela descrição possuía características especiais.

É possível admitir que escrever é criar o novo, interessar-se pelo improvável, é burlar situações comuns à busca de situações incostumeiras. Acrescente-se a isso a essência de cada palavra que se abre ao leitor e ao escritor, passo a passo, movendo-se ora com furor, ora com lentidão, segundo a atitude estética circunstancial de cada um.Tudo está em gostar da palavra escolhida e saber levá-la ao leitor. Há sempre interesse pelo improvável nessa escolha, uma inclinação à ambigüidade, uma verdade singular que se justifica pelo exercício de uma tendência ao inusitado.O leitor aceita ou não a verdade contida no livro, e com ela mantém uma relação de proximidade e empatia.Tudo isso ocorre porque ambos – leitor e escritor – encontraram naquele ponto imaginário o prazer de ler e sentir o texto artístico.

Não está fora de cogitação trazer à lembrança o que o poeta Carlos Drummond de Andrade pensa sobre a forma de ver as coisas:

“Escritor: não somente certa maneira especial de ver as coisas, senão também impossibilidade de vê-las de qualquer outra maneira.”

Vê-las com a arte da imaginação, com o intuito de olhar para elas e entender bem o que se tem visto porque, a certa altura, tudo parece imperfeito sem uma transparência lúcida do entendimento retrospectivo. Nesta hora, há uma certa vontade de deixar o leitor completar a coisa quase invisível que ficou sem dizer... Pois,
muitas vezes a escrita berra feio como um boi-grande à moda de quem fica amassado no chão à espera do entendimento de tudo, até que o leitor chegue inconvertível de ver e ouvir tanto!

Finalizo esta reflexão com os versos do poeta Fernando Pessoa:

Lenda do sonho que vivo,
Perdida por a salvar...
Mas quem me arrancou o livro
Que eu quis ter sem acabar?


Maria da Cruz

Petrônio Braz
Cadeira N. 18
Patrono: Brasiliano Braz

Maria da Cruz Portocarreiro ou Maria da Cruz Torre Prado de Almeida Oliveira Matias Toledo Cardoso, descendente dos Ávilas da Casa da Torre, educada em colégio de freiras em Salvador-BA, presente na conjuração do São Francisco, viúva de Salvador Cardoso de Oliveira, está a exigir um estudo aprofundado de sua vida e de sua ação colonizadora.

A poesia de José Gonçalves de Souza marca sua vida; Augusta Figueiredo, em “Maria da Cruz e o Velho Chico”, fixa passagem de sua profícua existência, mas pouco, muito pouco, sobre ela se escreveu até agora. Diogo de Vasconcelos, em sua “Historia Média de Minas Gerais”, é quem melhor informa sobre sua vida esclarecendo que “em seus domínios ela possuía teares de algodão, curtumes e oficinas de couros, tenda de ferreiros e carapinas, escolas de leitura e de música, além de armazéns de fazenda”. A
ela dedicou Antônio Emílio Pereira pouco mais de uma página em seu livro “Memorial Januária – Terra, Rios e Gente”.

Afirmou Alexandre Herculano que o “mister de recordar o passado é uma espécie de magistratura moral, é uma espécie de sacerdócio. Exercitem-no os que podem e sabem, porque não o fazer é um crime”.

Dediquei-me, por um longo período de mais de vinte anos, a pesquisar sobre a vida de Antônio Dó. Não tenho mais idade, nem me sobra tempo para investigar sobre a vida e a obra de Maria da Cruz, extraordinária mulher que dominou, durante muito tempo, toda a região do Alto Médio São Francisco, em Minas Gerais, numa época em que os homens tinham o domínio das decisões.

Não poucas mulheres se destacaram no contexto histórico universal, no campo das artes, das ciências e até mesmo das guerras. Infelizmente, a televisão nos mostrou Xica (Chica) da Silva, uma prostituta qualificada, como classificada no mesmo sentido
foi Cleópatra, que é destacada como personagem de primeira grandeza no Museu do Sexo de Amsterdã, na Holanda.

A história destaca, entre tantas outras mulheres extraordinárias, Joaquina de Pompéu, Emilia Snethlage, desbravadora da floresta amazônica, nos primórdios do Século XX, Josephina Álvares de Azevedo, defensora do voto feminino, mas não se lembrou, ainda, de colocar no pedestal que merece a pioneira Maria da Cruz. A sua fazenda, nas margens do rio São Francisco, transformou-se em povoado e o povoado em cidade que lembra o seu nome, apenas isto. Nem mesmo o povo de Pedras de Maria da Cruz sabe dizer de sua história.

Morei alguns anos em João Pinheiro, todavia, muitos ali residentes não sabiam, nem sabem quem foi João Pinheiro, a pessoa que deu nome à cidade. Quando se fala hoje em Governador Valadares todos se lembram da cidade, mas ninguém, ou quase ninguém, sabe que o nome da cidade é uma homenagem ao governador Benedito Valadares. Pedras de Maria da Cruz não foge a essa realidade. Para muitos é apenas um nome, como tantos outros, mas um nome que imortaliza a extraordinária precursora, que, me servindo das palavras de Euclides da Cunha, “suportou as agruras daquele rincão”.

Os positivistas, como lembra Vanessa M. Brasília, ilustre professora do Departamento de História da Universidade de Brasília, subestimam o rio São Francisco declarando ser ele um rio sem história, porque não tem documentos que a comprovem.

Até quando?


O MESTRE DA POLÍTICA MINEIRA

Roberto Carlos Morais Santiago
Cadeira N. 44
Patrono: Heloísa Veloso Anjos Sarmento

O salinense Geraldo Paulino Santanna foi um dos mais expoentes políticos da história de Minas Gerais

Durante mais de meio século o político salinense Geraldo Paulino Santanna estemunhou os bastidores da política de Salinas e Minas Gerais. Foi vereador, prefeito, deputado estadual e secretário de estado. Serviu vários governadores de Minas Gerais, muitos deles adversários entre si. Cumpriu missões sigilosas, fez arranjos e alianças políticas. Foi um autêntico político de bastidor e teve participação em importantes momentos da política mineira.

Filho de Olyntho Prediliano Santanna e Dinorah Paulino Santana, Geraldo Paulino Santanna nasceu no município nortemineiro de Salinas, aos 28 de novembro de 1925. Nasceu numa época em que o Brasil e Minas Gerais respiravam a República Velha. O governador de Minas Gerais era Fernando de Melo Viana (1924-26). No interior de Minas se praticava a velha política coronelista. Em Salinas e região o chefe político era o Coronel Idalino Ribeiro.

Ainda jovem, Geraldo Santanna cursou o primário em Salinas, na Escola Estadual “Dr. João Porfírio”, entre 1934-37. Estudou o ginásio no “Dom Silvério”, em Sete Lagoas, entre 1938-42. O científico foi concluído no tradicional “Afonso Arinos”, em Belo Horizonte, nos anos de 1943-44.

Retornou para Salinas como contínuo e funcionário do Banco de Crédito Real de Minas Gerais. Logo foi transferido para Curvelo, onde deixou o emprego e retornou à terra natal.

Novamente em Salinas, com a ajuda do avô Basílio Ferreira Paulino, passou a exercer atividade rural no ramo de compra de animais na região para revender em Itabuna, Bahia. O avô Basílio foi importante na sua vida, uma vez que foi co-responsável pela sua criação, educação, trabalho e lhe deu suporte em suas ações. Era fazendeiro e militar. Em 1911 foi agraciado com o título de Capitão Cirurgião da Guarda Nacional, concedido pelo presidente da República, Hermes da Fonseca.

Em 1946, aos 21 anos, casou-se com Maria de Oliveira Santanna com quem teve seis filhos. Após o nascimento do primeiro filho, Geraldo Paulino Santanna Filho, o avô Basílio resolveu passar para o neto a fazenda Bela Vista, distante seis quilômetros de Salinas, que fazia divisa, pelo rio Salinas, com a fazenda Barreiro, de propriedade do deputado Chaves Ribeiro, filho do Coronel Idalino Ribeiro, chefe político de Salinas e região.

Certo dia, com a intenção de ir até a sede da fazenda Barreiro, deparou-se com a porteira da fazenda destruída e havia ali uma cerca de arame farpado impedindo passagem de transeuntes. Entendeu que o acesso àquela fazenda estava fechado.

Naquele período, todos viviam em torno do conceito de orientação do Coronel Idalino Ribeiro, cuja palavra era derradeira para todos. O jovem Geraldo Santanna dirigiu-se ao coronel e relatou o fato da porteira quebrada na entrada da fazenda do filho Chaves Ribeiro o que impedia o trânsito de pessoas pela estrada velha. O coronel prometeu resolver o problema.

Entretanto, o jovem Geraldo Santanna ficou desconfiado e achou que a interdição da estrada por meio do bloqueio da porteira da fazenda Barreiro tinha sido obra do próprio coronel. Não satisfeito e desconfiado, pouco tempo depois resolveu vender a fazenda Bela Vista ao primo Moacir Ribeiro, também sobrinho do coronel Idalino Ribeiro.

O episódio da porteira da fazenda Barreiro foi determinante na vida do jovem Geraldo Santanna. Passou a observar os bastidores da política local e os seus principais atores como Coronel Bernardino Costa, Coronel Procópio Cardoso, Coronel Moisés Ladeia e o próprio Coronel Idalino Ribeiro. Certa vez foi chamado pelo Coronel para uma repreensão, pois este ficara sabendo de sua simpatia pela atividade política do Coronel Procópio Cardoso. Não obstante as ameaças e a proximidade do pleito eleitoral, resolveu se candidatar a vereador pela oposição.

Eleito vereador e empossado (1951-55), iniciou atividade parlamentar fazendo forte oposição à política situacionista, chefiada pelo Coronel Idalino Ribeiro, cujo prefeito de Salinas era Miguel de Almeida (1951-55). O seu primeiro grande ato político foi o pedido de transcrição, nos anais da Câmara Municipal de Salinas, de carta do Coronel Idalino Ribeiro ao governador Benedito Valadares, pedindo para não consentir a emancipação do distrito de Taiobeiras. Eis o teor da carta:

Sr. Governador,

Saúde,

Regressando ao norte até 22 corrente, peço ao prezado amigo, não consentir que o distrito de Taiobeiras, sem renda, sem gente, sem território bom, e sem nenhum melhoramento, seja elevado a município. Principalmente, querendo tomar a melhor faixa de terreno que existe no município de nossa Salinas, a melhor que temos.

Abraços agradecimento do velho amigo admirador, Idalino

Capital, 16/11/1943.”

(Fonte: SANTANNA, Geraldo Paulino. O Caminho de Volta – A Travessia do Deserto. Belo Horizonte: 2004, página 69).

A emancipação de Taiobeiras ocorreu em 1953, com a instalação do município no ano seguinte e teve o apoio da Câmara Municipal de Salinas e da liderança do jovem vereador Geraldo Santanna. O episódio demonstrou novo contorno na política coronelista de Salinas, que teria muitos desdobramentos a partir de então.

Alguns anos depois, foi eleito prefeito de Salinas (1959-63), sucedendo o prefeito Cândido José da Costa (1955-59). Surgia no município nova liderança política que resultou na decadência política do então todo poderoso político local, o temido Coronel
Idalino Ribeiro, que até então reinava absoluto com mãos de ferro, na política de Salinas e região por mais de quarenta anos, a partir de 1918 até meados da década de 1950. O jovem político Geraldo Santanna encerrava o ciclo dos políticos coronéis.

A sua trajetória política foi intensa. Em Salinas foi vereador (1951-55) e prefeito por duas vezes (1959-63 e 2000-03). No plano estadual foi deputado por três vezes (1967-71, 1991-95 e 1995-99), chefe de gabinete da Secretaria de Estado de Viação e Obras Públicas (1956); diretor-superintendente da Cemig (1964); assessor do governador pela Secretaria de Estado de Assuntos Municipais (1963-64 e 1983-85), secretário de estado da Secretaria Extraordinária de Estado para Assuntos Políticos (1986-87), secretário de estado da Secretaria de Estado de Minas e Energia (1987), presidente da Cemig (1987-88), secretário de estado da Secretaria de Estado de Assuntos Municipais (1989-90).

Teve participação no alto escalão dos governos de Bias Fortes (1956-60), Magalhães Pinto (1961-66), Israel Pinheiro (1966-71), Rondon Pacheco (1971-75), Aureliano Chaves (1975-78), Francelino Pereira (1979-83), Tancredo Neves (1983-84), Hélio Garcia (1984-87), Newton Cardoso (1987-91), Hélio Garcia (1992-96), Eduardo Azeredo (1996-99) e Itamar Franco (1999-00).

Como homem público foi condecorado com a Ordem do Mérito Legislativo, Medalha Santos Dumont, Medalha da Inconfidência, Medalha de Mérito da Defesa Civil de Minas Gerais, Medalha Alferes Tiradentes e Diploma de Colaborador Emérito do Exército nacional.

O seu último ato político foi ser prefeito de Salinas pela segunda vez (2000-05) em coligação política nunca admitida em Salinas, com o rival Péricles Ferreira dos Anjos. Não completou o mandato. Renunciou ao cargo no dia 13 de janeiro de 2003 e passa o cargo ao vice-prefeito Péricles Ferreira dos Anjos. Encerra-se ciclo político de um dos homens mais influentes de Minas Gerais da segunda metade do século XX. O último ato político foi mensagem ao presidente da Câmara Municipal de Salinas:

“Salinas, 13 de janeiro de 2003.

Excelentíssimo senhor vereador presidente da Câmara Municipal de Salinas,

1. Da Renúncia
Venho renunciar, como de fato renunciado tenho ao mandato de prefeito municipal de Salinas, cujo término seria em janeiro de 2005.

1.1 Ato unilateral, resultante de vontade própria, independe de apreciação desta E. Casa, cujo término seria em janeiro de 2005.

2. Da declaração de Bens – Acompanha a presente Declaração de Bens, na forma do que escreve a lei. Permito-me ressaltar que, se comparada à afeita por ocasião de minha posse, há de se concluir que, embora em pequena escala, meu patrimônio decresceu.

3. Das grandes obras – Ao assumir em fevereiro de 1959 a prefeitura de Salinas, o fiz com a missão, reiteradamente reclamada por Bernardino Costa, de lutar pela implantação e consolidação da “liberdade” em nossa região, a que logramos ter relativo êxito ao final daquele nosso mandato. A aquisição agora do Edifício Cel. Idalino Ribeiro para sede da prefeitura, a par de seu grande valor material, foi inspirada sobretudo no seu valor histórico, pois dali emanava o poder absoluto e incontestável de uma época.

3.1 Ao assumir em 2000 a candidatura a prefeito de Salinas, o fiz para atender ao clamor da população, bem interpretado na convocação do ilustre deputado Péricles Ferreira dos Anjos, juntos, estabelecer um “basta” ao vendaval de corrupção que abateu a moral e a ética na sucessão de responsáveis pela administração municipal, cujos desvios de conduta e de conceitos se transformaram repentinamente numa ‘cultura’. Não descuramos da difícil tarefa e a própria sociedade, na sua grande maioria, já dá sinais de que nos entendeu e aplaude seus primeiros resultados. Por isso
e também por ser titular da iniciativa o deputado Péricles Ferreira, todos confiamos em que, certamente, ele completará a missão de restabelecer a moralidade e o respeito à coisa pública em nossa região (...).

3.2 No campo das realizações materiais, ao longo desses anos que se passaram, a par das obras de esgoto sanitário que só agora se desencadeiam na cidade, dotamos nossa terra de água doce e energia elétrica em abundância, de comunicação telefônica e rodoviária com o País, e, com a construção das primeiras passarelas sobre o rio Salinas, e o projeto de avenidas sanitárias ao longo de nossos rios; e, sem descuidarmos da recuperação e preservação de nossos mananciais, e com a perspectiva de construção de grande e moderno mercado na Praça ‘São Miguel’, do bairro São Geraldo, completamos a ‘sinalizar’ da direção para a qual a cidade deva também se desenvolver, não estando fora de propósito, com isso, a inserção da área que contorna a grande barragem sobre o rio Salinas, no seu contexto.

4 . Afinal, aos Senhores vereadores que entenderam e colaboraram aos que também não o fizeram por terem pleitos pessoais por nós contrariados, às novas lideranças e à sociedade em geral, nossa esperança é a de que como parte de um pensamento novo, ou melhor, ‘contemporâneo do futuro’, caminharão na busca do Poder, sem que dele pretendam se servir, mas para servir ao bem comum, e assim, inibindo, pela ação rejuvenescida e corajosa, aos que dele só pretendem gozar e usufruir.

Atenciosamente,

GERALDO PAULINO SANTANNA”

 

Encerrado o ciclo político, escreveu livro de memórias sobre a sua vida e os bastidores da política. O livro é um raro documentário sobre a intimidade do poder político em Salinas e Minas Gerais em suas várias facetas.

Geraldo Paulino Santanna foi um político de raras habilidades. O seu livro revela a intensidade e magnitude de sua vida pública em detalhes e sem falso pudor. Foi um dos mais emblemáticos personagens da política contemporânea mineira dos últimos tempos. José Monteiro de Castro, por quem Geraldo Paulino Santana tinha especial apreço, sintetiza o político salinense ao fazer o seguinte comentário:

“Acompanho a vida pública e particular, o comportamento e o trabalho do Santanna há muitos anos; senão o melhor, está entre os mais completos auxiliares que um Governador de Minas já conheceu; posso testemunhar que ele não se permite intimidades com nenhum governante a que serve, por mais tentado que seja; soube tratá-los, a cada um deles, de forma quase institucional, com extrema lealdade, respeito, dedicação e competência, com independência equilibrada, o que lhe permite ser sempre franco, mesmo quando precisa advertir o governante sobre as conseqüências desfavoráveis de algum ato; por tudo isso é ouvido com atenção e igual respeito. O comportamento de Santanna como auxiliar de governadores diversos, até opositores entre si, é a comprovação do que enfatizou a Rainha Vitória (Inglaterra), quando encerrou suas homenagens ao falecido Disraeli: ‘Les róis aiment celui qui parle juste’ (Os reis amam aqueles que lhes dizem a verdade na hora justa, na hora certa)”.

O livro de memórias “O Caminho de Volta – A Travessia do Deserto” (Belo Horizonte: 2005, 444 páginas, 2ª edição), de autoria de Geraldo Paulino Santanna, é um raro e interessantíssimo documentário para quem deseja entender os bastidores da política do município de Salinas e Minas Gerais, a partir da década de 1950. Eis alguns depoimentos do livro:

“Geraldo Santanna é uma singular figura de cidadão e homem público. Tem dado a Minas Gerais, com dedicação, sobriedade, coragem, correção e argúcia, nos postos mais distintos, contribuição inestimável, que não se resume à sua Salinas inolvidável, mas alcança todo o Estado” (OSCAR DIAS CORRÊA, Ministro aposentado do STF, professor de Economia Política pela UFMG e UFRJ, membro da Academia Brasileira de Letras).

“Foi na vida pública que conheci Geraldo Santanna, tenaz combatente que prestou eficientes serviços ao governo do saudoso companheiro José de Magalhães Pinto. Nesta fase pude testemunhar a sua capacidade de aglutinação política, com inteligente e arguta coordenação para conciliar tendências partidárias concorrentes, tendo em vista o objetivo maior de conquistar espaço, consolidar apoios e prestigiar Minas Gerais” (RONDON PACHECO, Governador de Minas Gerais, 1971-1975).

“Li, de uma só sentada, o livro ‘O Caminho de Volta’. Conheço poucas obras que relatam com tão ricos detalhes a história política de Minas Gerais (...). Poucos políticos vivos podem relatar com riqueza de detalhes (...) a história dos últimos 50 anos do nosso Estado” (LUIZ TADEU LEITE, Prefeito de Montes Claros).

“Momentos decisivos da história do Brasil foram protagonizados por homens que, a partir de Minas, e com peculiar competência, fizeram inicialmente a política de âmbito municipal. É no município que está guardado o interesse fundamental das pessoas a quem um governo deve servir; a partir daí, aprende-se lidar com os problemas sociais na órbita estadual e federal. Os bons políticos levam, para os cargos públicos, conhecimento do que deve ser feito na busca do progresso, mas também sentimentos e aspirações, às vezes dolorosas, do povo. Sua atitude na vida pública não busca interesse pessoal, repleta que deve estar desse patriotismo que somente as lembranças da terra da infância sabem construir. Geraldo Paulino Santanna fez esse caminho para a vida pública. Saindo de Salinas para o centro do poder no Estado, manteve a obrigação de comportar-se como sertanejo autêntico, de trato ladino e bem humorado” (OSWALDO ANTUNES, Jornalista).

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

SANTANNA, Geraldo Paulino. O Caminho de Volta - A Travessia
do Deserto. Belo Horizonte: 2004, 2ª. Edição, 444 páginas.


OS VAPORES DO SÃO FRANCISCO

Roberto Pinto da Fonseca
Cadeira N. 92
Patrono: Sebastião Tupinambá

“...Lá vai o gaiola,
transportando na bagagem
esperança e nostalgia,
sai de Pirapora, seu destino é Juazeiro da Bahia.
Sai do porto devagar,
para a saudade aumentar ..”

Josecé Santos (O Gaiola)

Corria o ano de 1862. Às vésperas da Guerra do Paraguai, o governo de D.Pedro II nomeou uma comissão para estudar as possíveis vias navegáveis do Rio São Francisco e suas conexões com o sistema ferroviário existente. A comissão determinou que a melhor opção seria a navegação a partir do Rio das Velhas, pela facilidade de conexão da cidade de Sabará com a estrada de ferro oriunda do Rio de Janeiro. Outro fator significativo era que o Rio das Velhas, grande afluente do Rio São Francisco, passava próximo a duas importantes cidades mineiras: Diamantina e Curvelo. Naquela época, o pequeno distrito de São Gonçalo de Pirapora pertencia a Curvelo e somente em 1912 conseguiria a sua emancipação.

Em 1867, Joaquim Saldanha Marinho, então presidente da província de Minas Gerais, solicita, ao engenheiro Henrique Dumont, pai de Santos Dumont, que providencie a montagem do primeiro vapor a explorar as águas do Rio das Velhas. Essa primeira embarcação de rodas laterais, montada nos Estados Unidos, navegou pelo Rio Mississipi e pelo Amazonas , sendo posteriormente desmontado e transportado até a cidade de Sabará. Em 09 de janeiro de 1871 foi batizado de “Saldanha Marinho” e lançado no Rio das Velhas pelo imperador Pedro II, chegando na Barra do Guaicuí a 3 de fevereiro.

Em 1877 passou a navegar exclusivamente para a Cia. Cedro e Cachoeira, transportando tecidos dos portos de Barra do Paraúna e Gameleira, no rio das Velhas, concluindo o percurso pelo São Francisco até a cidade de Juazeiro, na Bahia. Quando retornava trazia, além de passageiros, produtos regionais, sobretudo algodão. Em períodos de cheias, alcançava a cidade de Santa Luzia e até mesmo Sabará. Sua capacidade era de 6 toneladas e transportava até 12 passageiros.


O Saldanha Marinho foi o primeiro vapor a navegar no Rio São Francisco

Em 1866, a província da Bahia inicia também os primeiros passos para a navegação comercial a vapor do Rio São Francisco. Em 1871 foi montado em Juazeiro o vapor “Presidente Dantas”, nome dado em homenagem ao presidente da província Manoel Pinto de Souza Dantas, pioneiro da navegação baiana. Adquirido no Rio de Janeiro, da Cia. Ponta de Areia, foi desmontado e transportado de navio até Salvador, de trem até Alagoinhas e de carro de boi até Juazeiro. Em 1879 chega pela primeira vez a Pirapora. Sua capacidade de carga era de 20 toneladas e possuía 30 metros de comprimento.

Ainda no ano de 1871, foi fundado o Banco Viação do Brasil, posteriormente Empresa Viação do Brasil. Essa medida, envolvendo o governo imperial e as províncias de Minas e Bahia, visava a desenvolver e explorar a navegação pelo São Francisco. O início do empreendimento foi difícil, com sérias dificuldades financeiras, até que em 1893 passou a ser administrada pelo diamantinense João da Mata Machado Júnior. Com sede em Juazeiro, a empresa reestruturou a navegação, construindo novas embarcações, entre elas o vapor Mata Machado, o mais sofisticado da época. Com sua falência em 1905 e passando para o controle do governo da Bahia, se transforma na Empresa Viação do São Francisco.

No início dos anos 30 passa a denominar-se Viação Baiana do São Francisco, chegando a possuir até 11 embarcações de grande porte a navegar pelo rio.

A cidade de Pirapora foi, a partir de 1902, incluída regularmente na rota de navegação, com a construção do depósito da Companhia Cedro e Cachoeira de Curvelo. Os tecidos eram armazenados no depósito da fábrica em Pirapora e dali embarcados nos vapores que atendiam a toda a região do São Francisco. O terceiro vapor a navegar pelo São Francisco foi a lancha Cezário, que fazia o percurso entre as cidades de Juazeiro e Bom Jesus da Lapa. Atendia ao comércio regional e foi iniciativa dos irmãos Cezário, comerciantes em Juazeiro.

O quarto coube ao gaiola São Paulo, feito construir por iniciativa de Francisco Bispo e Pedro Pereira Pinto. Seu períodode navegação foi curto e desapareceu misteriosamente do porto de Januária, após desavenças entre os sócios.

O vapor Antônio do Nascimento foi o quinto a fazer a rota de navegação entre Pirapora e Bom Jesus da Lapa, de propriedade de Nascimento e Irmãos, comerciantes de Pirapora.

O Mata Machado atracou pela primeira vez em Pirapora em 1906. Foi o sexto a navegar no Velho Chico e o segundo a chegar à cidade, lá encontrando o Saldanha Marinho já ancorado no porto. Pertencia à Viação Baiana, era o mais veloz da época, com capacidade para 75 toneladas.


O Alfredo Viana, construído em 1937 na cidade de Juazeiro (BA)

O vapor/gaiola São Francisco, construído em 1913 nos Estados Unidos, iniciou suas atividades navegando pelo rio Mississipi. Chegou a Pirapora em 1930, com capacidade de 80 toneladas, 60 cavalos de potência e 38,8 metros de comprimento.


O “São Francisco” começou a navegar em 1930.

Tendo sido demasiadamente danificado pelo fogo no porto de Pirapora - as causas do incêndio até hoje permanecem desconhecidas– foi reformado nos estaleiros da FRANAVE, em Juazeiro. Em 1983 realizou sua última viagem entre Juazeiro e Pirapora. Junto ao Benjamin Guimarães, foi uma das lendas do rio. O gaiola Alfredo Viana, impulsionado através de hélices, navegou inicialmente entre as cidades de Juazeiro e Santa Maria da Vitória, na Bahia. Passou a chamar-se São Salvador após sua aquisição pela Cia. Indústria e Viação de Pirapora. Possuía capacidade para 40 toneladas.

O gaiola Barão de Cotegipe foi também uma das glórias da navegação. Construído nos Estados Unidos em 1913, acabou seus dias abandonado num banco de areia do porto de Pirapora nos anos 80.


O Barão de Cotegipe, fabricado nos EUA em 1913.


O Wenceslau Braz encerrou suas atividades nos anos 80 transportando carvão vegetal.

O Wenceslau Braz foi desativado em 1975 e, em 1981, foi utilizado para o transporte de carvão. Chegou a Pirapora em data ignorada, vindo do Rio Sapucaí e transportado para o Rio das Velhas. Considerado um dos melhores gaiolas para o transporte de turismo.


Um dos maiores vapores, o Juracy Magalhães terminou seus dias de glória na
cidade de Juazeiro em 1963, abandonado às margens do Velho Chico.

Devido ao seu grande tamanho, o vapor Juracy Magalhães passava longos períodos sem poder navegar devido aos períodos de seca que comprometiam a navegação. Considerado o de maior capacidade da Cia. de Navegação Baiana, acabou como quase todos os outros vapores: em 1963 foi desativado e largado nas areias do porto de Juazeiro.


O Juarez Távora, construído em 1969.

O Juarez Távora foi concebido exclusivamente para o transporte de passageiros. Com instalações luxuosas, dotadas de 1ª. e 2ª. classes, 35 metros e capacidade para 131 passageiros, foi construído no estaleiro da FRANAVE em Juazeiro. Devido às suas características técnicas, com possantes motores a diesel, não navegava normalmente pelo rio, pois facilmente encalhava nos bancos de areia. Foi utilizado para o transporte de turistas na barragem de Sobradinho. Uma outra embarcação similar a essa foi o Costa e Silva.


O Benjamin Guimarães é o único que ainda navega transportando turistas.

Construído também nos Estados Unidos, o Benjamin Guimarãesé ainda a única lenda viva a singrar as águas do São Francisco, transportando turistas em percursos curtos a partir do porto de Pirapora. Navegou inicialmente no Amazonas e é o único vapor em operação a utilizar lenha. Sua capacidade é de 90 toneladas.

Outros vapores/gaiolas fizeram histórias e deixaram suas marcas nas populações ribeirinhas, cuja vida diária era regulada pelos seus apitos.

Neste cenário de embarcações, temos ainda os Engenheiro Halfed e o Melo Viana, construídos em 1927 em Hamburgo, Alemanha. E seguem outros nomes lendários como: Fernão Dias, o Antônio Olinto, Cordeiro de Miranda, Santa Clara, Francisco Bispo, Sertanejo, o Paracatuzinho, Coronel Ramos, Afonso Arinos, Costa Pereira e outros que, como os anteriormente citados, tiveram sua época áurea e hoje permanecem na memória.


O fim de uma era: os “gaiolas” e “vapores” transformados em sucatas.


A SSVP EM MONTES CLAROS E NA REGIÃO

(*) Avay Miranda
Sócio Correspondente
Brasília - DF

Existe um movimento em Montes Claros e no Norte de Minas que vem prestando muitos serviços às comunidades carentes que, por justiça, deve ser registrado na história da cidade.

Trata-se da Sociedade de São Vicente de Paulo, mais conhecida pela sigla SSVP. Aliás, este movimento não é privilégio de Montes Claros, ele é de caráter mundial e o Brasil, como um país cristão, que adota a caridade como princípio, tornou-se como uma terra fértil para o seu crescimento e desenvolvimento.

A primeira Conferência foi fundada pelo universitário francês, Antônio Frederico Ozanan, juntamente com mais cinco companheiros, em 8 de setembro de 1833, em Paris, na França. O movimento se expandiu por várias partes do mundo e chegou ao Brasil. Ele é composto pelas Conferências de São Vicente de Paulo, os Asilos, Creches, Hospitais, Conselhos Particulares, Conselhos Centrais, Conselhos Metropolitanos. Em cada país existe o Conselho Nacional e, finalmente, o Conselho Geral, com sede em Paris, onde foi fundado o movimento.

Em Montes Claros, segundo o saudoso Historiador Hermes de Paula, no seu livro “Montes Claros, sua História, sua Gente e seus Costumes”, a primeira Conferência de São Vicente de Paulo foi fundada em 15 de maio de 1904, por Dom Joaquim Silvério de Souza, Bispo de Bagé, que visitava a cidade. O primeiro Presidente daquela Conferência foi Eliseu Cândido Rodrigues Vale, nomeando, como vice-Presidente, Olegário Silveira; Secretário, Norberto Monção; e Tesoureiro, Antonio Narciso Soares. Faziam parte ainda da primeira conferência: José Cândido Pereira Salgado, Manoel José Veloso e Álvaro José Lima, sendo o presidente de honra o Padre José Carolino de Menezes.

Esta Conferência ainda existe. Em maio de 2004 comemorou o seu primeiro centenário de fundação e funciona onde era o antigo Asilo São Vicente de Paulo, na Rua Dr. Veloso, no centro de Montes Claros.

A segunda conferência vicentina de Montes Claros, foi a Cristo Rei, que teve, como seu primeiro Presidente, Augusto Getúlio Vieira. A terceira conferência foi a Santo Inácio de Loyola, tendo como primeiro presidente, José Lucas Machado. A quarta foi a São Luiz Gonzaga, tendo como presidente José Maria Pimenta. A quinta foi a Senhor Bom Jesus da Lapa, tendo como presidente Norival Vieira e a sexta foi a Nossa Senhora da Conceição, tendo como primeiro presidente, Afonso Dias de Avelar.

Havia em Montes Claros um Conselho Particular que dava orientação às Conferências de Montes Claros, Janaúba, Jaiba, Bocaiúva e outras cidades da região. Em 1971, fui eleito presidente do Conselho Particular de Montes Claros, tendo entrado em contato com o Conselho Superior do Brasil, no Rio de Janeiro e aí se estabeleceu uma correspondência profícua e, graças ao apoio do Conselho Central de Curvelo, no dia 10.12.1972 foi criado o Conselho Regional de Montes Claros, com a seguinte diretoria: Presidente, Avay Miranda; vice-Presidente, José da Conceição Santos; Secretários, Wilson de Freitas Pereira e Francisco Silva


Foto do 5º Curso de Formação Vicentina, realizada em Montes Claros nos
dias 23 a 25 de setembro de 1977.


Foto dos participantes do Retiro Espiritual de Vicentinos, realizado pelo Conselho Metropolitano de Diamantina, em 14 a 17 de julho de 1978, naquela
cidade, com participação de vicentinos do Norte de Minas.


Foto dos participantes do 7º Curso de Formação Vicentina, promovido pelo
Conselho Central de Montes Claros, em Salinas, nos dias 08 a 10 de setembro
de 1978.


Foto dos participantes do 12º Curso de Formação Vicentina, promovido
pelo Conselho Central de Montes Claros, em Taiobeiras, nos dias 25 a 27 de
janeiro de 1980

Neto; e Tesoureiros, Joaquim Mendes Neto e José Francisco de Assis Franco.

Já na Assembléia Geral realizada no dia 22.07.1973, o Conselho Regional foi transformado em Conselho Central de Montes Claros. Eu continuei na Presidência até 1977. Em 1977 foi eleito Presidente do Conselho Central Wilson Moreira Reis, que ficou até 1982. Em 1982, foi eleito Presidente, Oliveiro Barbosa, com mandato até 1987. Em 1987, foi a vez de José Francisco de Assis Franco ser eleito Presidente, ficando até 1992. Em 1992 foi eleito Presidente José Soares da Silva, que ficou até 1997. Vindo em seguida Delmar Ferreira Matos, que ocupou o cargo de 1997 a 1998. José Luiz Lopes, foi Presidente de 1998 a 1999. A seguir, Valdir Ferreira do Rosário ocupou o cargo de 1999 a 2000. Depois, dirigiram o referido Conselho, os presidentes Isabel Dantas e Leidimar Alves Barbosa. Desde junho de 2006 ocupa a Presidência do Conselho Central de Montes Claros, Dionízio Gil de Souza.

Ao contrário do que muita gente pensa, a SSVP não está subordinada à hierarquia da Igreja Católica. O movimento é composto de leigos e tem a sua própria hierarquia, que na base estão as Conferências. Um grupo de Conferências fica subordinado a um Conselho Particular. Um grupo de Conselhos Particulares fica subordinado a um Conselho Central. Numa região maior, onde existirem vários conselhos centrais, cria-se um Conselho Metropolitano. No país, existe o Conselho Nacional e o órgão mundialé o Conselho Geral.

Inicialmente, o Conselho Central de Montes Claros abrangia 41 municípios. Depois foi desmembrado o Conselho Central de Januária, com 5 municípios. Posteriormente, foram criados os Conselhos Centrais de Janaúba e de Salinas.
Ao longo de quase 40 anos, a SSVP tem crescido num ritmo demasiadamente rápido no Norte de Minas, graças ao dinamismo
dos presidentes que passaram pelos Conselhos Centrais de Montes Claros, Januária, Janaúba e Salinas. Um fato decisivo no crescimento da SSVP no Norte de Minas foi a introdução do Curso de Formação Vicentina no Conselho Central de Montes Claros, que tinha a finalidade de dar formação teórica e prática aos vicentinos do Norte de Minas, que são os componentes das Conferências.

Atualmente estão subordinados ao Conselho Central de Montes Claros os seguintes Conselhos Particulares:

Conselho Particular São Sebastião - Montes Claros
Conselho Particular São Norberto - Montes Claros
Conselho Particular Nossa Senhora Aparecida - Montes Claros
Conselho Particular São Judas Tadeu - Montes Claros
Conselho Particular Nossa Senhora e São José - Montes Claros

O Movimento cresceu tanto, que foi necessário desmembrar o Conselho Central de Montes Claros, criando-se o Conselho Central São Vicente de Paulo, em 12.08.90. O primeiro presidente nomeado por um ano foi Joaquim Cândido da Silva e o primeiro presidente eleito foi Idelino Alves Barbosa.

O Conselho Central São Vicente de Paulo ficou com alguns Conselhos Particulares e Conferências do Conselho Central de Montes Claros, uma vez que resultou de um desmembramento.

Assim, este Conselho Central já teve os seguintes Presidentes:

1º Presidente – Joaquim Cândido da Silva
2º Presidente – Idelino Alves Barbosa
3º Presidente – José Martins de Freitas
4º Presidente – João Rufino de Oliveira
5º Presidente – José Martins de Freitas
6º Presidente – Magna Mercês Durães Cruz e
7º Presidente – Anísia Maria Rodrigues Santos

O Conselho Central São Vicente de Paulo já teve como seus subordinados 10 Conselhos Particulares, que eram os seguintes, com suas respectivas Conferências:

Conselho Particular Nossa Senhora Aparecida, fundado em 10 de dezembro de 1972, com as conferências: Santo Agostinho, São Francisco de Assis das Chagas do Canidé, São Francisco Xavier, São Geraldo e São Luiz em Montes Claros.

Conselho Particular Nossa Senhora da Consolação, fundado em 09.01.83, com as seguintes Conferências: Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora Medianeira de Todas as Graças, Maria de Nazaré, Nossa Senhora da Consolação, estas em Montes Claros e Nossa Senhora da Guia e São Geraldo Magela de Capitão Enéas.

Conselho Particular Senhor do Bomfim de Bocaiúva, fundado em 28.04.87, com as seguintes Conferências: Senhor do Bomfim, São Vicente de Paulo, São Geraldo e Cristo Redentor em Bocaiúva, Nossa Senhora Aparecida em Dolabela e Santos Reis em Engenheiro Navarro.

Conselho Particular Nossa Senhora do Carmo de Buenópolis, fundado em 29.11.87, com as seguintes Conferências: Santa Bárbara, em Santa Bárbara, São Judas Tadeu em Augusto de Lima, Nossa Senhora da Conceição, São Francisco de Assis e Santa Luzia, em Buenópolis.

Conselho Particular Santo Antônio de Montes Claros, fundado em 01.03.1988, com as seguintes Conferências: Nossa Senhora Aparecida de Glaucilândia, Nossa Senhora de Fátima, Santa Luzia, Santo Antonio, São José Carpinteiro, em Montes Claros e São Vicente de Paulo em Juramento.

Conselho Particular Sagrado Coração de Jesus de Bocaiúva, fundado em 07.09.1988, com as seguintes Conferências: São Vicente de Paulo de Guaraciama, São Judas Tadeu, Santo Antonio e São Francisco de Assis em Bocaiúva e Nossa Senhora Aparecida em Rio das Pedras e Santa Rita de Cássia em Bocaiúva.

Conselho Particular Laura do Carmo Vicunha, em Montes Claros, fundado em 10.03.91, com as seguintes Conferências: Santa Luiza de Marilac, São Cristóvão, São José Operário, São Luiz Gonzaga, São Mateus, São Sebastião, Santo Antonio, São Marcos em Montes Claros e Santo Antonio em Grão Mogol.

Conselho Particular São Paulo, fundado em 17.01.92, com as seguintes Conferências: Nossa Senhora do Carmo, Santa Luzia e São Pedro, em Montes Claros.

Conselho Particular Antônio Frederico Ozanan de Francisco Sá, fundado em 18.04.1986, com as seguintes Conferências: São Gonçalo, São Vicente de Paulo, Nossa Senhora Aparecida em Cana Brava, Nossa Senhora de Fátima, Divino Espírito Santo e São Geraldo, todas no Município de Francisco Sá.

Conselho Particular São Gonçalo de Francisco Sá, fundado em 20.12.1992, com as seguintes Conferências: São João Batista, São Sebastião, São Paulo, Santo Antonio e Santa Maria, em Francisco Sá.

Devido à criação do Conselho Central Nossa Senhora de Montes Claros, atualmente pertencem ao Conselho Central São Vicente de Paulo os seguintes Conselhos Particulares:

Conselho Particular Senhor do Bomfim - Bocaiúva
Conselho Particular Sagrado Coração de Jesus - Bocaiúva
Conselho Particular Santo Antônio - Montes Claros
Conselho Particular Nossa Senhora de Fátima - Montes Claros e
Conselho Particular Nossa Senhora da Consolação - Montes Claros

Em 11 de setembro de 1994 foi fundado o Conselho Central
Nossa Senhora de Montes Claros, que teve os seguintes Presidentes:

1º Presidente - Afonso Geraldino Nobre de setembro de 1994 a outubro de 1995;
2º Presidente - Edmirson Lopes Lima, de outubro de 1995 a outubro de 1999;
3° Presidente - Delvito Alves Felício, de outubro de 1999 a outubro de 2003;
4º Presidente - Valdivino Alves de Oliveira, a partir de outubro de 2003.

Atualmente estão subordinados a este Conselho Central, onze Conselhos Particulares, a saber:

Conselho Particular Maria de Nazaré - Montes Claros
Conselho Particular Laura do Carmo Vicunã - Montes Claros
Conselho Particular Antônio Frederico Ozana - Catuni
Conselho Particular São Gonçalo - Francisco Sá
Conselho Particular Bom Jesus - Montes Claros
Conselho Particular São José - São Francisco
Conselho Particular Senhora Santana - Brasília de Minas
Conselho Particular São João Batista - Montes Claros
Conselho Particular Santo Agostinho - Montes Claros
Conselho Particular São Pedro - Ibiracatu e
Conselho Particular Santo Antônio - São Francisco.

Considero que a SSVP atingiu o seu ponto culminante no Norte de Minas, com a criação do Conselho Metropolitano de Montes Claros na Plenária Nacional do então Conselho Superior do Brasil, realizada de 31 de outubro a 2 de novembro de 1991, em Brasília. Registro um fato curioso. Em outubro de 1987 eu representei a SSVP de Brasília na reunião dos Conselhos Metropolitanos e Centrais de Minas Gerais, realizada em Montes Claros, quando foi decidida a criação do Conselho Metropolitano de Brasília. Em outubro/novembro de 1991 estava eu participando da Plenária de Brasília, quando articulei-me com o vicentino Francisco Salvador da Silva, então Presidente do Conselho Metropolitano de Diamantina para a criação do Conselho Metropolitano de Montes Claros.

O Conselho Metropolitano de Montes Claros foi instalado pelo Presidente do Conselho Superior do Brasil, Leocádio Sa¬bino, em Assembléia Geral realizada no dia 29.03.92, tendo como primeiro Presidente nomeado, Joaquim Mendes Neto, que ficou no cargo de março de 1992 a março 1993. Em 1993 foi eleito Presidente o Joaquim Cândido da Silva, que tomou posse no dia 21.03.93, também com a presença do Presidente do Conselho Superior do Brasil, ocupando o cargo de março de 1993 a março 1997. O terceiro Presidente foi Idelino Alves Barbosa, que ficou no cargo de março de 1997 a março 2001. Vem em seguida o quarto Presidente, Valdir Ferreira Rosa, que administrou o Conselho Metropolitano de março de 2001 a março 2005. O quinto Presidente foi Cloves Alberto Mendes, que ficou no cargo de março a Dezembro 2005, vindo em seguida Idelino Alves Barbosa, novamente, como o sexto Presidente, que está exercendo o cargo.

O Conselho Metropolitano de Montes Claros está instalado na Rua Olegário Silveira, 150, no centro de Montes Claros, onde funcionava o antigo Asilo São Vicente de Paulo. O Conselho Central de Montes Claros era subordinado ao Conselho Metropolitano de Diamantina. Depois da criação do Conselho Metropolitano de Montes Claros, passado algum tempo, o Conselho Metropolitano de Diamantina entrou em crise e teve suas atividades interrompidas, tendo o Conselho Metropolitano de Montes Claros assumido a responsabilidade de administrar a SSVP em todo o Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha, a partir de 2003. Assim, a Área de abrangência do Conselho Metropolitano de Montes Claros até Dezembro 2007 pegava onze Conselhos Centrais:

Contendo
64 Conselhos Particulares
407 Conferências

• Conselho Central de Montes Claros - Montes Claros
• Conselho Central São Vicente de Paulo - Montes Claros
• Conselho Central Nossa Senhora de Montes Claros - Montes Claros
• Conselho Central de Januária - Januária
• Conselho Central de Janaúba - Janaúba
• Conselho Central de Pirapora - Pirapora
• Conselho Central de Salinas - Salinas
• Conselho Central de Curvelo - Curvelo
• Conselho Central de Corinto - Corinto
• Conselho Central de Diamantina - Diamantina e
• Conselho Central de Couto Magalhães - Couto Magalhães

A partir de Janeiro de 2008 a Área de abrangência do Conselho Metropolitano de Montes Claros após a reativação do Conselho Metropolitano de Diamantina, ficou com 07 Conselhos Centrais:

• Conselho Central de Montes Claros - Montes Claros
• Conselho Central Nossa Senhora de Montes Claros - Montes Claros
• Conselho Central São Vicente de Paulo - Montes Claros
• Conselho Central de Januária - Januária
• Conselho Central de Janaúba - Janaúba
• Conselho Central de Pirapora - Pirapora e
• Conselho Central de Salinas - Salinas, com 42 Conselhos Particulares e 253 Conferências.


O que é mais notável na SSVP em Montes Claros e no Norte de Minas, é a sua organização, obedecendo a uma hierarquia, como foi demonstrado acima e a obra mais visível é o Asilo São Vicente de Paulo, que funciona numa área de terra rural, situada no Bairro Mangues, atualmente tendo uma rua na frente do terreno com o nome de Otávio Silveira, além de diversas cidades da
região, também possuírem um Asilo São Vicente de Paulo.

Diante de tudo isto, pode-se concluir que a primeira Conferência foi fundada por 6 jovens. Assim, a participação dos jovensé muito importante na SSVP, não só para trazer as novas idéias e o entusiasmo, próprios da juventude, como a sua participaçãoé uma preparação para a continuidade da SSVP, já que os jovens serão os substitutos dos adultos na direção e no comando das
Unidades Vicentinas. A preparação do Vicentino deve começar na adolescência.

Assim, no dia 23 de abril próximo, completarão 176 anos da fundação da primeira conferência por Antonio Frederico Ozanan e seus companheiros, em Paris. Existem quase dois milhões de pessoas que estão pelo mundo afora seguindo os passos de Ozanan. Não se vê muitas notícias dos feitos das Conferências na imprensa, quer a falada ou a escrita. O Vicentino não faz para aparecer. Aparece para fazer, socorrendo o necessitado, quer pessoalmente, com visitas no domicílio dos socorridos ou por intermédio dos Asilos, Creches e Hospitais.

Um fato marcante na história da SSVP no Brasil. De uns anos para cá, temos visto aí muitas organizações filantrópicas envolvidas com o desvio de recursos púbicos. Foram entidades organizadas para praticar a corrupção. Porém, felizmente, não se vê as Unidades Vicentinas envolvidas nestas corrupções.

É verdade que os problemas da pobreza não estão sendo resolvidos pelos Vicentinos. Pobre, sempre tereis, disse o próprio Cristo, no Evangelho. O Vicentino é um elo de ligação. Procura receber de quem tem para dar a quem não tem. O que o Vicentino recebe, ele vai dando ao pobre com amor, carinho e dedicação.

Peço desculpas ao leitor, porque o texto ficou cansativo, com a citação dos nomes dos diversos conselhos, mas, como se trata de um fato histórico, era necessário o seu registro.

*Avay Miranda é taiobeirense, Juiz aposentado e
sócio correspondente do IHGMC


A ORIGEM DO HOMEM

Wellington Caldeira Gomes
Sócio Correspondente
Belo Horizonte - MG

A África possuía, há 3 milhões de anos, uma população de hominídeos, os Australopithecus, cujos cérebros eram pouco maiores do que os dos antropoides. Esses seres, provavelmente, usavam os artefatos que foram encontrados com eles. Os Australopithecus evoluíram muito rapidamente. No início, eram pequenos e, em quinhentos mil anos de evolução, tornaram-se maiores e com características mais humanas. Só os seres que tiveram maior capacidade de se defender durante a luta pela vida conseguiram sobreviver. Nesse caso, os Australopithecus, que viveram com maior capacidade de raciocínio, isto é, que tiveram maior grau de inteligência, conseguiram um melhor modo de viver. Um fato curioso é que todos os seres evoluíram e evoluem, mas, no caso do homem, isso se processou de maneira surpreendente: a velocidade do processo evolutivo foi e parece que está sendo muito rápida.

Durante muito tempo, houve um “Homem de Pequim”, um“ Homem de Java” e um “Homem de Heidelberg”, cada um com um nome científico próprio. Os fragmentos fósseis desses homens primitivos eram muito incompletos, e as técnicas de avaliar idades estavam ainda no início. Acredita-se que essas três espécies citadas pertençam a uma única espécie já muito estudada: Homo erectus. Entretanto, era evidente que o Homo erectus se havia espalhado pelo mundo, sobrevivido por muitos anos e em diversos lugares.

Os humanos nem sempre foram seres cosmopolitas. Durante a maior parte dos primeiros milhões de anos de sua evolução, os hominídeos permaneceram vivendo em sua terra natal, a África. Muito tempo depois é que nossos ancestrais começaram a deixar a mãe África para iniciar sua marcha por outros continentes.


Homens de Neanderthal saem para a caçada e levam consigo todos os seus
bens: armas, peles e um pedaço de pau para se protegerem dos animais ferozes. Eram rústicos. Vagavam pela Europa e Oriente Médio entre 75.000 e
40.000 anos atrás. Foram substituídos pelos homens do Cro-Magnon, com os
quais provavelmente teriam realizado cruzamentos.

As populações de homens de Neanderthal viveram na Europa há cerca de 75.000 anos. Entretanto, foi verificado um desaparecimento brusco desses seres, sendo substituídos rapidamente por homens semelhantes a nós. Acredita-se que, nos dias de caça difícil, comiam carne humana. A antropofagia foi suspeitada, devido ao fato de se encontrarem ossos humanos quebrados e triturados ao lado dos fósseis de tais seres.

O cérebro do homem de Neanderthal ( 1.500 cm3 ) era maior do que o do homem moderno. Acredita-se que é devido ao fato de esse homem primitivo ter uma massa corporal maior. O cérebro do homem atual é maior do que o da mulher, mas nem por isso ele é mais inteligente do que ela. Ele tem maior massa corporal do que ela.

Um cientista chamado Rensch, após uma série de experimentos, concluiu que a retenção da memória é mais ou menos proporcional ao tamanho do cérebro. Entretanto, a capacidade mental não é determinada apenas pelo tamanho do cérebro. O cérebro de elefante, por exemplo, tem um volume de 5.000 a 6.000 cm3. Tem, aproximadamente, quatro vezes o tamanho do cérebro humano. Os animais de corpos grandes, assim como o elefante, necessitam de um volumoso cérebro para manter suas funções vegetativas. Dentro desse raciocínio, o homem é o animal que tem maior cérebro, em relação ao tamanho de seu organismo.

O homem de Neanderthal pode ter usado o gene da fala. O material genético se disseminou por entre os humanos antes de as linhagens de Neanderthal e humana moderna (Cro-Magnon) se separassem. Os homens modernos possuíam um gene crucial sabidamente vinculado à fala, revelaram evidências de DNA recuperadas de dois indivíduos desenterrados da caverna de El Sidron, no norte da Espanha. As novas evidências foram obtidas a partir da análise de um gene chamado FOXP2, que é associadoà linguagem. Sabe-se que a versão humana do gene difere em dois pontos críticos da versão que possuem os chimpanzés, sugerindo que essas duas modificações encontram-se relacionadas com o fato de os humanos serem capazes de falar, e os chimpanzés, não.

O homem de Neanderthal foi substituído, na Europa, pelo homem de Cro-Magnon (Homo sapiens sapiens), no fim do Pleistoceno (de: 2.500.000 a 11.000 anos) . O homem de Cro-Magnon viveu nas regiões européias da França à República Tcheca. Possuía crânio longo e alto, face moderna, queixo bem desenvolvido, capacidade craniana de 1590 cm3 e tinha cerca de 1,77 m
de estatura.

O homem de Cro-Magnon desenvolveu uma cultura invejável, muito superior à desenvolvida pelos homens de Neanderthal. Na França, há mais de 70 cavernas onde ele deixou vestígios de sua arte. Nessas cavernas há pinturas e gravuras que relatam diversos aspectos da vida daqueles nossos ancestrais. Foram seres místicos, acreditavam em poderes sobrenaturais, talvez pelo fato de não entenderem certos fenômenos naturais. Mas, apesar disso, revelaram-se magníficos artistas: foram pintores e escultores. Eles se preocuparam em demasia com os mortos, cavavam sepulturas e enterravam os cadáveres de seus semelhantes com cinzas e pedras; tinham por costume passar ocre vermelho nos mortos para lhes tirar a palidez, tornando-os, assim, semelhantes às pessoas vivas.

Dá-se o nome de hominização ao processo segundo o qual o homem foi evoluindo, física e intelectualmente, desde sua origem primata até ao estágio de desenvolvimento atual.

Os seres humanos atuais se diferenciam dos antropoides, principalmente, pelo tamanho de seu encéfalo e mandíbula, por seu bipedismo e por sua capacidade em constituir relações sociais complexas.

Em seu formidável livro Infinitas Formas de Grande Beleza, o professor e biólogo Sean B. Carroll afirma sobre o assunto em foco:

A causa essencial das alterações evolutivas no desenvolvimento e na morfologia dos seres humanos é a genética. Em algum lugar de nosso DNA residem as diferenças entre nós, os grandes primatas e os primeiros hominídeos.

(...) A boa notícia é que já conhecemos a sequência completa dos genomas de um humano, um chimpanzé e um camundongo. A má notícia envolve um pouco de aritmética. A sequência do DNA humano é composta por três bilhões de pares de bases. A do chimpanzé é cerca de 98,8% igual à nossa. É uma diferença total de apenas 1,2%, a menor entre qualquer outro animal do
planeta. Contudo, essa porcentagem se traduz em 36 milhões de pares de base diferentes. Como os humanos e os chimpanzés divergiram a partir de um ancestral comum há cerca de seis milhões de anos, podemos considerar que a metade dessas diferençasé específica dos chimpanzés (só ocorrem em sua linhagem) e a outra metade, dos humanos (só ocorrem na nossa).

Não resta dúvida de que encontramos fósseis de plantas e animais – com exceção do homem – com relativa facilidade. E os fósseis humanos? Os seres humanos anteriores aos de Neanderthal só foram encontrados em poucos lugares da Terra. Como explicar esse fato? Há muitas respostas. Primeiramente, temos de levar em consideração que a grande quantidade de fósseis marinhos, por exemplo, deve-se ao fato de sua grande abundância nos lugares em que viviam, bem como a larga faixa de tempo durante o qual sobreviveram naquele ambiente, tão propício à fossilização. Os homens nunca foram tão numerosos como muitos seres de vida marinha. Eram mais inteligentes e não se deixavam atolar em pântanos ou em areias movediças, como os outros animais. Não viviam nos charcos e, sim, em terra firme; eram caçadores. Viviam e morriam em locais onde seus ossos podiam ser apanhados pelos predadores ou corroídos pelas formigas.

Apesar de tudo isso, a Paleontologia e as ciências afins já revelaram que, entre 4 e 3 milhões de anos, apareceram os préhomens: os Australopithecus, e, depois deles, apareceu entre 1,6 milhões e 250 mil anos o Homo erectus, o primeiro homem propriamente dito. A seguir, apareceram os homens de Neanderthal que foram grandes caçadores e artistas. E, finalmente, o homem
de Cro-Magnon, que viveu imediatamente antes do homem atual. Tudo isso se encontra bem documentado e correlacionado, de maneira insofismável.

Os fósseis humanos tornaram-se abundantes somente quando o sepultamento dos mortos tornou-se uma prática constante. Escavações em habitações pré-históricas, efetuadas em cavernas da Europa, Oriente Médio, Índia e China, revelaram muito a respeito de antigos seres que então as habitavam. Tudo o que a Ciência sabe a respeito da evolução do homem é derivado, principalmente, dos estudos dos fósseis e objetos achados em tais escavações.

OS PRIMEIROS HABITANTES DO BRASIL

A reconstituição da cabeça a partir de um crânio fossilizado de uma mulher de 11.500 anos revoluciona a teoria sobre a ocupação do Brasil e da América. O crânio de Luzia foi encontrado próximo ao Aeroporto Internacional de Confins, a cerca de 50km de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, Brasil.

O resultado da reconstituição apresentou uma mulher com traços negroides, nariz achatado, olhos arredondados e queixo proeminente. Quando ela morreu, possuía cerca de 20 anos de idade. O fóssil de Luzia foi encontrado em 1975, e hoje se encontra no Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro.

O fóssil foi estudado pelo arqueólogo Walter Neves, da Universidade de São Paulo. Esse pesquisador descobriu que os traços anatômicos dessa antiga habitante do Brasil não eram nada parecidos com os de nenhum habitante conhecido da América.
Estudos realizados com o fóssil, na Universidade de Manchester, na Inglaterra, confirmaram as observações de Neves. As características de Luzia fazem-na muito mais parecida com as populações nativas da África e da Austrália, do que com os índios que habitam o Continente Americano.


A fotografia nos mostra o crânio e a reconstituição de Luzia, mulher que viveu próximo ao município de Belo Horizonte há 11.500 anos.

O grupo populacional ao qual Luzia pertencia é conhecido como Homens de Lagoa Santa. Foram pessoas que viveram na região onde se localiza esse município, próximo a Belo Horizonte. Seus primeiros ossos fossilizados foram encontrados pelo naturalista dinarmaquês Peter Wilhelm Lund, no século passado. Hoje eles se encontram no museu da Universidade de Copenhague. Declara o arqueólogo Walter Neves: “Quando fizemos os primeiros estudos com os crânios, ainda nos anos oitenta, ficamos boquiabertos com as comparações. Era inconcebível que tivéssemos crânios antigos de negroides. O esperado era encontrarmos populações mongoloides, que são as características dos ancestrais dos nossos índios.”

Até pouco tempo era ensinado que, antes de Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral, a América havido sido ocupada uma única vez, pelos antepassados dos índios atuais.

Eles teriam saído da região onde hoje é a Sibéria, uma região da Rússia, há cerca de 12 mil anos. Teriam atravessado o Estreito de Bering, por meio de uma ponte de gelo formada durante a última era glacial. Esses imigrantes espalharam-se pelo Continente Americano, até chegarem à Patagônia, no sul da Argentina, após terem passado pelo Brasil. A descoberta de Luzia derruba essa hipótese. O fóssil de Lagoa Santa comprova que antes dessa emigração
empreendida há 12 mil anos, uma outra, bem mais antiga, chegou à América. Luzia seria descendente desse grupo. Esses primeiros colonizadores teriam saído do sul da China e se dirigidoà América há cerca de 15 mil anos; 3 mil anos antes da segunda leva migratória. Os descendentes da primeira leva migratória viveram na América milhares de anos, isolados do resto do mundo,
até desaparecerem completamente, devido, provavelmente, a disputas por caça e território com a leva migratória seguinte, que ocuparam seu lugar e tornaram-se ancestrais dos índios de hoje.

Os antepassados de Luzia fizeram uma grande marcha para chegar à América, há cerca de 15 mil anos. Eles teriam cruzado, de barco, o extremo norte do Oceano Pacífico, navegando sempre próximo à costa.

Os parentes de Luzia, o crânio humano mais antigo das Américas, não para de crescer. Antropólogos brasileiros sugerem agora que esses grupos ocuparam um território muito maior do que se supunha.

Em um estudo publicado na edição de junho de 2007 no periódico “American Journal of Physical Anthropology”, os paleontólogos liderados por Walter Neves, da Universidade de São Paulo, afirmaram que os chamados paleoíndios sobreviveram na Colômbia, perto de Bogotá, durante cerca de 8 mil anos. Tal fato reforça a tese de que, quando os antepassados dos índios atuais vieram da Ásia para as Américas, eles não encontraram um continente despovoado; a Terra era habitada, mas a população acabou por se extinguir por razões ainda desconhecidas.

ESTUDO DE COMPORTAMENTO

Um dos mais interessantes temas abordados pela ciênciaé o estudo do surgimento da inteligência humana. Esse acontecimento se processou paulatinamente ao longo do tempo e foi dirigido pela seleção natural. Só os mais aptos (mais inteligentes) sobrevivem e têm maior probabilidade de se reproduzirem e perpetuarem seus genes em seus descendentes. Assim, surgiu
a inteligência humana ao longo da evolução, desde os primatas primitivos aos hominídeos, e destes ao ser humano.

A inteligência foi a maior conquista do homem. É ela que permite, ao homem, criar tudo aquilo que ele já criou e irá criar (ou destruir ?). Além disso, é ela que permite ao ser humano pensar sobre sua própria existência.

O estudo das diversas fases do desenvolvimento da inteligência humana encontra uma dificuldade que não permite um estudo direto do processo. Isso, porque ela não pode ser observada diretamente no registro fóssil. Assim, todo estudo da evolução da inteligência humana é feito indiretamente a partir da observação do aumento da capacidade da caixa craniana dos fósseis já encontrados, e de tudo aquilo produzido pela inteligência humana como utensílios de trabalho, uso do fogo para cocção de alimentos, objetos de arte e pinturas, caça em grupos e sepultamento dos mortos.

A inteligência não é uma conquista apenas do homem. Elaé também observada em outros primatas, sob forma de reconhecimento e o uso de símbolos complexos, coisas abstratas que representam outras, memória de longa duração, capacidade de construir instrumentos de trabalho e de resolver problemas simples para captura de alimentos.

Atualmente, os cientistas chegaram à conclusão de que existem vários graus de complexidade de inteligência nos mamíferos, tais como golfinhos, elefantes e, principalmente, entre os primatas. Verificou-se que os seres humanos compartilham com eles muitas características, que antes se pensava serem exclusivas do homem. A linguagem simbólica, por exemplo, também ocorre entre primatas, como nos chimpanzés.

Outro exemplo de inteligência é a da caça cooperativa. Elaé observada nos homens pré-históricos e até mesmo, nos dias atuais, entre vários mamíferos.

Mas o progresso maior do homem deveu-se, principalmente, ao aparecimento da linguagem. É através dela que o ser humano transmite o que pensa para seu semelhante. É desse modo e também pela escrita que a experiência dos mais velhos passa para os mais jovens, através das gerações; e a humanidade progride muito mais em relação aos outros animais.

Segundo um interessante artigo publicado na Folha de São Paulo de 21 de setembro de 2002, Steven Pinker, um canadense de 48 anos, psicólogo da linguagem do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, autor dos famosos livros: “Como a Mente Funciona” e “O Instituto da Linguagem”, acaba de lançar outro livro
– “A Tábula Rasa: A Negação Moderna da Natureza Humana”. Nele o autor retoma o tema da natureza versus cultura.

O autor ataca os pensadores para os quais a mente humanaé inteiramente moldada pela cultura, e que afirmam não existirem capacidades inatas e diferenciadas entre as pessoas. E defende a tese de que os genes exercem grande influência no comportamento humano, ideia defendida anteriormente pelo biólogo Edward Osborne Wilson, da Universidade de Harvard, com a criação da sociobiologia.

Para Pinker, “a crença comum é que a mente seja só isso, uma tábula rasa – as pessoas não nascem com talentos ou temperamentos, e a mente toda é produto de cultura e socialização (...). Há o temor de que, se você reconhecer que as pessoas nascem com alguma coisa, isso implique que algumas pessoas têm mais do que outras e, portanto, se abra a porta para a desigualdade política e opressão.

Eu não acho que qualquer um que tenha mais de um filho acredite que crianças são pedaços de massinha esperando para serem modelados. Há um conjunto de trabalhos sobre educação de filhos que olha para a correlação entre o que os pais fazem e como isso se reflete nas crianças: pais que conversam com as crianças têm filhos com habilidades avançadas de linguagem; pais que espancam as crianças têm filhos que se tornam mais violentos; e assim por diante.

(...) O fato é que pais dão aos filhos não só o ambiente, mas também genes. Os mesmos genes que fazem dos pais pessoas falantes podem tornar filhos mais hábeis em linguagem. Os estudos originais raramente são feitos com crianças adotadas”. Mas a cultura exerce também grande influência no comportamento humano. A mente humana é moldada pela interação do eu natural (genoma) com o eu social (socialização).

Wellington Caldeira Gomes*

*Biólogo pela UFMG; Especialista em Educação e Educação Ambiental; Ex-professor da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais; Ex-professor da Faculdade de Educação da UFMG; Membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros; Autor de diversas obras didáticas de Biologia, de Ciências Físicas e Biológicas e de Programas de Saúde.


ANTROPÓLOGO E HUMANISTA
Franz Boas (1858-1942)

(*) Zanoni Eustáquio Roque Neves
Sócio Correspondente
Belo Horizonte - MG

Comemorou-se em 2008 o sesquicentenário de nascimento do antropólogo Franz Uri Boas. Nascido em 1858 na cidade de Minden (Vestfália), Franz Boas pertenceu a uma família judaica. Antes de despertar para os estudos antropológicos, formou-se em Física, dedicandose posteriormente à Geografia.

A partir da expedição aos esquimós em 1883-1884, Boas converte-se à Antropologia, valorizando, em seu trabalho, a pesquisa de campo e a etnografia. Em sua formação, não se pode perder de vista também as fontes históricas, sobretudo, os relatos de viajantes e cronistas como Heródoto, César, Tácito, Marco Pólo, Ibn Batuta, Cook, etc. que descreveram padrões culturais vigentes em períodos históricos passados e em sociedades diferentes das ocidentais.

_______________________
* Mestre em Antropologia Social pela UNICAMP, membro efetivo da ABA– Associação Brasileira de Antropologia e membro correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.

Ao conhecer Adolf Bastian (1826-1905) com quem trabalhou no Museum für Völkerkunde, de Berlim, o jovem Boas assumiu um contato mais profundo com a Antropologia. Vale lembrar que Bastian formulou a tese da unidade psíquica da humanidade e do paralelismo cultural.

A formação de Franz Boas na área de ciências exatas explica o rigor introduzido nos estudos antropológicos. Assim, por seu intermédio, a Antropologia assimilou algumas características da pesquisa científica predominantes na física e na geografia: o interesse pela observação empírica, pelo trabalho de campo, a produção do conhecimento sistemático e objetivo, etc. Mas não se pode perder de vista as origens de Boas, determinantes em sua formação intelectual: judeu vivendo na Alemanha, foi vítima de preconceito anti-semita. Experimentou, portanto, a condição de etnia minoritária submetida à discriminação racial. Essa experiência contribuiu para sua formação intelectual como antropólogo, na medida em que lhe possibilitou o estranhamento de ideologias discriminatórias, favorecendo-lhe a interpretação da realidade sociocultural vivenciada por outras minorias como os negros eí ndios americanos, submetidos ao preconceito racial.

A CIÊNCIA E O EXERCÍCIO DA CRÍTICA

É importante contextualizar a época em que viveu Franz Boas, sobretudo, mencionar o estágio de desenvolvimento da ciência antropológica, na qual – vale lembrar - predominava o evolucionismo cultural: segundo esta orientação teórica, as sociedades humanas passariam pelos estágios de selvageria e barbárie até alcançar a civilização. Em 1896, Boas escreveu o artigo “As Limitações do Método Comparativo da Antropologia” em que desenvolve uma crítica ao evolucionismo unilinear, argumentando em favor de estudos histórico-culturais específicos para cada sociedade, cujo “processo de desenvolvimento” deveria ser investigado:

“ Não se pode dizer que a ocorrência do mesmo fenômeno sempre se deve às mesmas causas, nem que ela prove que a men

humana obedece às mesmas leis em todos os lugares. Temos que exigir que as causas a partir das quais o fenômeno se desenvolveu sejam investigadas, e que as comparações se restrinjamà queles fenômenos que se provem ser efeitos das mesmas causas. Devemos insistir para que essa investigação seja preliminar a todos os estudos comparativos mais amplos.” (1)

Vejamos um trecho do artigo “Os objetivos da Pesquisa Antropológica” (1932) em que Boas lança um forte argumento contra os exageros do difusionismo, uma das orientações teóricas predominantes em sua época:

“ Não é um método seguro supor que todos os fenômenos culturais análogos precisem estar historicamente relacionados. Em cada caso é necessário exigir prova de relação histórica, que deve ser tanto mais rígida quanto menos evidência houver de um contato real, seja ele recente ou antigo.“(2)

A “prova” nada mais é do que o material da pesquisa de campo e de relatos históricos consistentes.

Os determinismos biológico, econômico e geográfico foram por ele refutados. Neste particular, vejamos um exemplo que pode ser encontrado no artigo acima mencionado:

“Os geógrafos tentam derivar todas as formas da cultura humana do ambiente geográfico no qual o homem vive. Por mais importante que possa ser esse aspecto, não temos evidência de uma força criativa do ambiente. Tudo o que sabemos é que qualquer cultura é fortemente influenciada por seu meio ambiente, e que alguns elementos de cultura não podem se desenvolver num cenário geográfico desfavorável, assim como outros podem ser por ele favorecidos. Basta observar as diferenças fundamentais de cultura que se desenvolvem, uma após a outra, no mesmo ambiente, para nos fazer compreender as limitações das influências ambientais.”(3)

Posteriormente, alguns autores aprofundaram o conhecimento da relação entre natureza e cultura. Vale lembrar, por exemplo, Marshall Sahlins, para quem “a cultura age seletivamente” (...) sobre o meio ambiente, “explorando determinadas possibilidades e limites ao desenvolvimento, para o qual as forças decisivas estão na própria cultura e na história da cultura.” (4)

No texto “Alguns Problemas de Metodologia nas Ciências Sociais”, de 1930, Franz Boas já abordava a questão racial:

“ Certas linhas de investigação se desenvolveram com a finalidade de explicar como as complexidades da vida cultural dependem de um único conjunto de condições. Exatamente agora vem-se atribuindo grande ênfase à raça como um determinante da cultura.”(5)

E, em seguida, questiona: “Não acredito que se tenha dado até hoje qualquer prova convincente de uma relação direta entre raça e cultura.” (6)

Frente às ideologias racistas predominantes em sua época, Franz Boas ponderou que o preconceito racial deveria ser explicado por fatores culturais e não por fatores biológicos. Vejamos a seguir uma citação do artigo “Raça e Progresso”, de 1931, no qual sua crítica torna-se mais incisiva:

“ Acredito que o estado atual de nosso conhecimento nos autoriza a dizer que, embora os indivíduos difiram, as diferenças biológicas entre as raças são pequenas. Não há razão para acreditar que uma raça seja naturalmente mais inteligente, dotada de grande força de vontade, ou emocionalmente mais estável do que outra, e que essa diferença iria influenciar significativamente sua cultura.” (7)

As ideologias racistas preconizavam a superioridade das populações caucasóides e a inferioridade de outras, como as negróides, por exemplo, conforme terminologia amplamente utilizada naquele período histórico.

O preconceito racial advém de uma visão autocentrada na cultura do grupo que discrimina: indivíduos de uma raça ou de uma etnia colocam-se numa posição hierárquica frente a outros povos, dizendo-se superiores. Assim, justificou-se, por exemplo, a escravidão, o colonialismo e, até mesmo, o genocídio de incontáveis grupos nativos na África e nas Américas.

Autor do livro Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas, o Conde de Gobineau e seus discípulos, que – vale enfatizar - alimentaram a ideologia nazista, tiveram suas teses criticadas por Franz Boas no artigo “Raça e Progresso” (1931):

“ A questão essencial a ser respondida é se temos qualquer evidência que indique que os acasalamentos entre indivíduos de descendência e tipos diferentes resultariam numa prole menos vigorosa do que a de seus ancestrais. Não tivemos nenhuma oportunidade para observar qualquer degeneração no homem que se deva claramente a essa causa.” (8)

Gobineau argumentava que a mestiçagem enfraquecia as raças, prevendo que os brasileiros, predominantemente miscigenados, estariam condenados ao desaparecimento. (9)

No artigo acima mencionado, Boas questiona outras manifestações das ideologias racistas, por exemplo, as tentativas de relacionar tipos de personalidade às raças: “É muito mais difícil obter resultados convincentes em relação às reações emocionais nas diferentes raças.” (10) Mais adiante, esclarece: “Não há dúvida de que indivíduos diferem a esse respeito graças à sua constituição biológica. Mas é muito questionável se o mesmo pode ser dito das raças, pois em todas elas encontramos uma ampla variedade de diferentes tipos de personalidade.” (11) E, em seguida, arremata:“ A variedade de respostas de grupos da mesma raça, porém culturalmente diferentes, é tão grande, que provavelmente qualquer diferença biológica existente tem importância menor.” (12)

No artigo “Os Objetivos da Pesquisa Antropológica”, de 1932, o referido autor argumenta com base em dados de pesquisa:“ Podemos dizer com segurança que os resultados do extenso material reunido durante os últimos cinqüenta anos não justifica a suposição de qualquer relação estreita entre tipos biológicos e forma cultural.” (13)

Enfim, Boas rejeitou a visão superficial, reducionista, que caracterizava o pensamento pseudocientífico estribado no senso comum e no preconceito racial. Ademais, seus textos tornaramse matrizes para a reflexão de diversos alunos e estudiosos que escreveram teses e livros de Antropologia.

Os enfoques autocentrados na cultura do pesquisador, a hierarquização de culturas são questionados na perspectiva relativizadora de Franz Boas. Vale citar sua reflexão sobre as chamadas “ culturas primitivas”:

“ Antes de calificar de primitiva a la cultura de un pueblo en el sentido de pobreza de realizaciones culturales, es preciso responder a tres preguntas: primero, como se manifiesta la pobreza en diversos aspectos de la cultura; segundo, si el pueblo en masa puede ser considerado como una unidad respecto a sus posesiones culturales; tercero, qual es la relación de los diversos aspectos de la cultura, si obligatoriamente su desarollo debe ser deficiente en todos por igual, o pueden ser algunos avanzados y otros no.” (14)

O pesquisador deve despojar-se dos valores de sua cultura para observar outras culturas. Abordagens desta natureza estimuladas pelo pensamento de Boas permitiram aos antropólogos questionar incontáveis preconceitos enraizados no senso comum e em estudos pretensamente eruditos.

A ideologia de que determinados povos estariam irremediavelmente fadados ao “atraso” foi questionado pelas ciências sociais. Associando a noção de raça ao nível de desenvolvimento tecnológico, o colonialismo justificava a dominação sobre povos considerados culturalmente inferiores. Os textos de Boas e de outros autores contribuíram para desvelar a inconsistência desse tipo de argumento.

Muitos alunos orientados por Franz Boas como Melville Herskovitz desenvolveram novos conceitos para a Antropologia Cultural. Vejamos apenas um exemplo:

“ Os aspectos da experiência da aprendizagem que distinguem o homem das outras criaturas, e através dos quais, na infância e posteriormente, ele se familiariza com sua cultura, podem ser chamados de enculturação. Trata-se, em essência, de um processo de condicionamento consciente ou inconsciente, exercido dentro dos limites sancionados por um determinado complexo de costumes.” (15)

As novas teorias aprofundaram o conhecimento descortinado por Franz Boas sobre a relevância da cultura na vida dos seres humanos. Mas é importante citarmos outros antropólogos de renome que foram alunos de Boas: Alfred Kroeber, Edward Sapir, Robert Lowie, Ruth Benedict, Margareth Mead, Gilberto Freire etc. Certamente, esses grandes expoentes da Antropologia realizaram-se profissionalmente graças à sua competência, mas devem também sua formação ao rigor que o grande mestre devotavaà ciência. Vejamos, a seguir, as observações de Abram Kardiner e Edward Preble:

“ A sua atitude (de Boas) em relação ao trabalho deles (dos alunos) era sempre de crítica, e o fato de ter habitualmente razão em seu julgamento não diminuía o constrangimento que experimentavam alguns dentre eles. O seu maior talento residia na análise da teoria e do método e nenhum trabalho lhe fugia à paciente e meticulosa dissecção.” (16)

A visão das inter-relações entre fenômenos culturais é uma das características do método de Franz Boas. Nos estudos cultural- antropológicos, dever-se-ia captar a totalidade e as relações entre as “partes”. No texto “Os objetivos da Pesquisa Antropológica”, de 1932, ele ensinava: “A interdependência dos fenômenos culturais deve ser um dos temas da pesquisa antropológica, cujo material pode ser obtido por meio do estudo das sociedades existentes.” (17) Na introdução do livro Padrões de Cultura, de Ruth Benedict, Franz Boas observou: “O ocuparmo-nos de culturas vivas criou um mais forte interesse pela totalidade de cada cultura. Sente-se cada vez mais que quase nenhuma feição culturalé compreensível quando separada do conjunto de que faz parte.” (18)

Debruçando-se sobre “culturas vivas”, a pesquisa de campo revelou a importância da totalidade para os estudos antropológicos contrapondo-se às investigações dos “antropólogos de gabinete”. Juntamente com Malinowski, Boas introduziu uma verdadeira revolução no pensamento antropológico.

A PRÁTICA

Nos momentos cruciais da história da humanidade, Franz Boas posicionou-se claramente contra os regimes totalitários. Vejamos, a seguir, um texto de Kardiner e Preble sobre sua oposição ao Nazismo:

“ Com o advento do racismo sob o domínio dos nazistas, antes da Segunda Guerra Mundial, foi um dos primeiros a assumir vigorosa posição pública contra Hitler. Já, então, em idade avançada, combateu a Alemanha de Hitler com todas as forças do seu grande saber, da sua reputação e da sua personalidade.” (19)

Seu pensamento incomodava os detentores do poder discricionário.É importante citar Celso Castro na apresentação do livro Antropologia Cultural, de Franz Boas: “Quando, em 1938, a Universidade de Heidelberg foi invadida pelas SS nazistas, seus livros estavam entre os que foram queimados.” (20) Ainda segundo o mesmo autor, “(Boas) foi um dos fundadores, em 1939, do
American Committee for Democracy and Intellectual Freedom, criado em uma época de intensa ‘caça às bruxas’ dos dois lados do Atlântico.” (21) Vale mencionar o macarthismo, de triste memória. Mas à opressão se contrapôs a liberdade intelectual.

É lícito pensar que as idéias de Boas, assimiladas por um grande número de antropólogos (que se tornaram eminentes professores) e no meio estudantil dos EUA, contribuíram de alguma forma para fomentar a luta pelos direitos civis nos anos 1960. Ao longo de algumas décadas, reproduzindo-se na sociedade americana, auxiliaram na formação de um ideário crítico sobre a discriminação racial naquele país.

NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. BOAS, Franz. Antropologia cultural. Org. e trad. Celso Castro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, Coleção Antropologia Social, pp. 31-32.

2. Ibidem, p. 102;

3. Ibidem, pp. 104-105;

4. SAHLINS, Marshall. “A cultura e o meio ambiente: o estudo da ecologia cultural”, in: TAX, Sol (Org.). Panorama da Antropologia. Rio de Janeiro: Ed. Fundo de Cultura, s./d., pp. 100- 101;

5. BOAS, Franz. Antropologia cultural. Org. e trad. Celso Castro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, Coleção Antropologia Social, p. 59;

6. Ibidem, p. 60;

7. Ibidem, p. 82;

8. Ibidem, p. 72;

9. RAEDERS, Georges. O Conde de Gobineau no Brasil. Trad. Rosa Freire d’Aguiar. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1997, Coleção Leitura, p. 8;

10. BOAS, Franz. Antropologia cultural. Org. e trad. Celso Castro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, Coleção Antropologia Social, p. 80;

11. Ibidem, p. 81;

12. Ibidem, idem;

13. Ibidem, p. 97;

14. BOAS, Franz. Cuestiones fundamentales de Antropologia Cultural. Buenos Aires: Solar-Hachette, 1988, p. 203;

15. HERSKOVITZ, Melville. Man and his Works. New York: Knopf, 1948, p. 39;

16. KARDINER, Abram; PREBLE, Edward. Eles estudaram o Homem. São Paulo: Cultrix, 1964, p. 140;

17. BOAS, Franz. Antropologia cultural. Org. e trad. Celso Castro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, Coleção Antropologia Social, p. 103;

18. _______. “Introdução”. In: BENEDICT, Ruth. Padrões de cultura. Trad. Alberto Candeias. Lisboa: Edição “Livros do Brasil”, s./d., Coleção Vida e Cultura, p. 8;

19. KARDINER, Abram; PREBLE, Edward. Eles estudaram o Homem. São Paulo: Cultrix, 1964, p. 138;

20. CASTRO, Celso. “Apresentação”. In: BOAS, Franz. Antropologia cultural. Org. e trad. Celso Castro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, Coleção Antropologia Social, p. 14;

21. _______. “Apresentação”. Ibidem, idem.


ANTROPÓLOGO E HUMANISTA
Franz Boas (1858-1942)


ÍNDICE
Diretoria do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros - 3
Lista de Sócios efetivos do IHGMC - 5
Homenagens - 8
Apresentação - 9
Antônio Augusto Pereira Moura
Montes Claros, sua história, sua gente... Dr. Hermes de Paula - 13
Dário Teixeira Cotrim
A medicina dos médicos e a outra - 19
Wagner Gomes
Hermes de Paula: sua gente, para minha gente - 22
Wanderlino Arruda
Hermes de Paula - 26
Antônio Augusto Pereira Moura
Nonô e Minininha - para sempre - 37
Dário Teixeira Cotrim
A morte de um titã - 44
Eliane Maria Fernades Ribeiro
Herbert José de Souza - 49
Felicidade Patrocínio
Montes Claros no cenário das artes plásticas brasileiras - 58
Felicidade Vasconcelos Tupinambá
Melo - 73
Geralda Magela de Sena Almeida e Souza
No colo da mãe, a vida se aprende! - 82
Haroldo Lívio
Retratos de família - 91
Haroldo Lívio
A carta - 93
Juvenal caldeira Durães
Saudosos momentos - 97
Lázaro Francisco Sena
Colégio Tiradentes da Polícia Militar - 102
Luíz de Paula Ferreira
O sol das cigarras - 112
Luíz de Paula Ferreira
O assistente técnico - 114
Maria Clara Lage Vieira
Vovó Letícia - 116
Marta Verônica Vasconcelos Leite
Arquitetura São Franciscana - 123
Maria das Mercês Paixão Guedes
Petróleo em Montes Claros - 139
Maria de Lourdes Chaves
Pequeno histórico da Seresta em Montes Claros - 142
Maria Luíza Silveira Teles
O médico e o poeta das cores - 155
Miriam Carvalho
Literatura/leitura, leitor/escritor - 168
Petrônio Bráz
Maria da Cruz - 173
Roberto Carlos Morais Santiago
O mestre na política mineira - 176
Roberto Pinto da Fonseca
Os vapores do São Francisco - 186
Avay Miranda
A SSPV em Montes Claros e na região - 195
Wellington Caldeira Gomes
A origem do homem - 208
Zanoni Eustáquio Roque Neves
Antropólogo e humanista Franz Boas (1858-1942) - 220