SERRANO DE PILÃO
É mediante processos intuitivos - que variam de arte para arte - que o artista sonha e trabalha. O artista pinta, desenha, escreve, e até ensina com base na própria experiência ou através de manifestações das existências sensíveis. Envolvido por cores e perspectivas sonhadas, substitui a vida real pela fantasia, põe e sobrepõe os elementos que conhece junto aos elementos que imagina. Para o artista, o ser e o não-ser sempre se mesclam e se transformam em novas verdades, estejam elas no espaço e/ou no tempo, sejam concretas ou abstratas.
É assim que visualizo as diretivas do admirado Brasiliano Braz, pai de Petrônio Braz, quando inculcou no filho a obrigação de ser estudioso por todo o tempo e em todos os degraus de subida da existência planetária. Para Petrônio, muitas as escolas, muitas as graduações, muitos os cursos fracionados. Primário em São Francisco; Técnica de Agronomia em Viçosa; Direito em Brasília; Pedagogia e Letras em Montes Claros. A base ginasial foi a melhor que um jovem barranqueiro do São Francisco poderia ter: o Colégio São João, de Januária, excepcional formador de muitas gerações. Na verdade, o alimento espiritual de Petrônio Braz sempre foi o estudo, a leitura, a pesquisa. Petrônio continuadamente tirou de letra o percorrer a vida, tanto nos sertões de Antônio Dó - onde mediu terra e viu gente - como nas paisagens de França, Bélgica, Holanda, Grécia, Israel e Egito - onde se tornou mais culto. Proveitosas, muito proveitosas, suas viagens foram multiplicadoras de conhecimentos, com saldos cada vez mais enriquecidos pelo olho clínico e audição atenta, e pela argúcia do repórter cioso no aprender e gravar.
Agrimensor, advogado, professor, assessor e consultor jurídico, político no esperado bom sentido da palavra, Petrônio Braz sabe navegar com perfeição nas ondas da prosa e da poesia.Toda a sua vida foi de descortino, de liderança, de primazia da inteligência. Nunca teve dúvida que ser o número dois já é chegar atrasado. Assim, o sucesso das lides estudantis, a tribuna da vereança aos 21 de idade, a administração como prefeito de São Francisco aos 23. Assim, a fundação e a participação em entidades de reconhecida importância da vida nacional: União Brasileira de Trovadores, Academia de Letras Municipais do Brasil, Associação Nacional de Escritores, Academia de Estudos Literários e Linguísticos, Casa do Poeta Brasileiro, Círculo Literário do Brasília e a nossa ACLECIA - Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco. Há ainda muitas outras de âmbito regional, todas de real valor na representatividade e no mérito. Sua vida intelectual foi e é mais do que intensa. Leitura preferida? Padre Antônio Vieira, Alexandre Herculano. Primeiríssimo lugar para Machado de Assis!
A exemplo de todos os companheiros e amigos que aqui estão, sinto-me feliz com a felicidade de Petrônio Braz neste lançamento do seu segundo romance e última publicação de uma sequência de oito livros. SERRANO DE PILÃO ARCADO lhe constituiu trabalho árduo, resultado de quase um quarto de século de pesquisas, laboratório e oficina em que cavalgou sertões e pilotou arquivos para atenta leitura e releitura sobre Antônio Dó. O trato pessoal com a sua personagem, assim como a estruturação da história política da região iniciou em 1979, quando em Brasília assistiu a um filme sobre a valentia do baianeiro. Tão histórico, tão político-cultural é o texto publicado, que não me aventuro em julgamentos. A verdade é que não sei se em Petrônio prevaleceu a ficção romântica, a erudição clássica, ou o apetite em fixar fidelidade nos acontecimentos de partes dos dois últimos séculos. Vê-se claramente na fala das personagens que SERRANO DE PILÃO ARCADO não foi composto apenas para dizer do cangaço ou da inconformidade histórica de Antônio Dó. Do início ao fim, a postura do romancista é a de ensinar e fixar valores positivos, em contraposição à ganância e à politicagem execrável que existiu e ainda existe. Vê-se muito mais: sempre que oportuno, Petrônio Braz cita nomes e acontecimentos das culturas universal e brasileira, informando e justificando acontecimentos que refrescam lembranças de estudiosos antigos ou encaminham aprendizagem para interessados mais novos.
Estou consciente de que o conteúdo de SERRANO DE PILÃO ARCADO não é texto para se limitar a esta fala em momento de festa. Entre mim e Petrônio Braz há uma identidade regional permanentemente marcada, fôlego e tamanho das nossas muitas décadas de vida. Como falamos a mesma língua de antanho e de hoje, como o Norte de Minas é o nosso habitat, nosso também é o vocabulário dos vários cotidianos, sejam eles da muitas tribunas, das publicações virtuais e escritas ou mesmo da nossa vivência como cidadãos sertanejos. O briquitar, o garimpar, o bisbilhotar as ladainhas e o fazer renda de São Francisco - sua cidade natal - são os mesmos da minha infância em São João do Paraíso, Salinas e Mato Verde, e da minha juventude em Taiobeiras. Assim, tenho certeza que voltarei muitas vezes às anotações da leitura do seu rico e completo romance, em cujas páginas muito aprendi de história, linguística, semântica e política antiga.
Seu texto, querido amigo, é pura sedução, sedução marcante, mais imperiosa que as luzes e coloridos de todas as flores de um tamboril. Mais lindo que o esplendor de um pé de manga rosa, quando as mangas rosas estão - de cima a baixo - no limiar do também vermelho de seriguelas maduras.
Que Deus te proteja hoje e sempre, Petrônio Braz. Que Deus proteja o teu engenho e a tua arte no registro da língua norte-mineiramente autêntica. Tua vivência de vinte anos de agrimensura nos cerrados e caatingas granjearam-te tão vasta experiência linguística, que o teu próximo livro – já no prelo - é um dicionário dialetal de palavras e expressões do nosso grande sertão.
Bem haja, companheiro!
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