INSTITUTO
HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS
Fundado
em 27 de dezembro de 2006.
VOLUME
I
Montes
Claros
Minas Gerais - Brasil
2007
COMISSÃO
FUNDADORA 2006-2007
Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
Dr. LUIS RIBEIRO
Dr. WANDERLINO ARRUDA
DIRETORIA
2007- 2008
PRESIDENTE
DE HONRA |
Dr.
LUIZ DE PAULA FERREIRA |
PRESIDENTE |
Dr.
WANDERLINO ARRUDA |
1º
VICE - PRESIDENTE |
Dr.
DÁRIO TEIXEIRA COTRIM |
2º
VICE - PRESIDENTE |
Dr.
HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA |
DIRETORA
EXECUTIVA |
Profa.
MARTA VERONICA V. LEITE |
DIRETOR-SECRETÁRIO |
Dr.
PETRÔNIO BRAZ |
DIRETOR-SECRETÁRIO ADJUNTO |
Coronel
LÁZARO FRANCISCO SENA |
DIRETOR DE FINANÇAS |
Prof.
JUVENAL CALDEIRA DURÃES |
DIRETOR
DE FINANÇAS ADJUNTO |
Historiador
HÉLIO DE MORAIS |
DIRETORA
DE PROTOCOLO |
Profa.
REGINA Mª BARROCA PERES |
DIRETORA
CULTURAL |
Profa.
RAQUEL VELOSO MENDONÇA |
DIRETORA DE BIBLIOTECA |
Escritora
AMELINA CHAVES |
DIRETORA
DE MUSEU |
Historiadora
MILENA A. C. MAURÍCIO |
DIRETOR DE RELAÇÕES PÚBLICAS |
Dr.
ITAMAURY TELLES DE OLIVEIRA |
DIRETORIA
DE JORNALISMO |
Jornalista
LUIZ RIBEIRO |
CONSELHO
CONSULTIVO
Dr. JOSÉ GERALDO DE FREITAS DRUMOND
Dr. WALDYR DE SENA BATISTA
Profa. YVONNE DE OLIVEIRA SILVEIRA
COMISSÃO
DE GEOGRAFIA E ECOLOGIA
Prof.
IVO DAS CHAGAS
Profa. ANETE MARÍLIA PEREIRA
Profa. ANA IVÁNIA ALVES FONSECA
Profa. MARIA APARECIDA COSTA
COMISSÃO
DE HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA
Profa. MARTA VERÔNICA VASCONCELOS LEITE
Profa. YARA MARIA COSTA DA SILVEIRA
Prof. CÉSAR HENRIQUE DE QUEIROZ PORTO
Profa. FELICIDADE PATROCÍNIO
COMISSÃO
DE ANTROPOLOGIA, ETNOGRAFIA
E SOCIOLOGIA
Prof.
GY REIS
Profa. CLÁUDIA REGINA ALMEIDA
COMISSÃO
DE CLASSIFICAÇÃO E DE
ADMISSÃO DE SÓCIOS
Jornalista
MAGNOS DENNER MEDEIROS
Profa. MIRIAM CARVALHO
Dra. FELICIDADE VASCONCELOS TUPINAMBÁ
Profa. ZORAIDE GUERRA DAVID
Dr. WANDERLINO ARRUDA
Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
COMISSÃO
DA REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO
Dr.
DÁRIO TEIXEIRA COTRIM - coordenador
Dr. ITAMAURY TELLES
Dr. PETRÔNIO BRAZ
Dr. WANDERLINO ARRUDA
Prof. JUVENAL CALDEIRA DURÃES
Profa. MARTA VERÔNICA VASCONCELOS LEITE
Jornalista LUIS CARLOS NOVAES
LISTA
DE SÓCIOS EFETIVOS DO IHGMC
CD |
Sócio
|
Patrono |
99 |
Cônego
Aderbal Murta de Almeida |
Waldemar
Versiani dos Anjos |
28 |
Escritora
Amelina Chaves |
Darcy
Ribeiro |
78 |
Jornalista
Américo Martins Filho
|
Mário
Versiani Veloso |
8 |
Profa.
Anete Marilia Pereira
|
Antônio
Jorge |
45 |
Jornalista
Angelina de Oliva Antunes
|
Henrique
Oliva Brasil |
3 |
Padre
Antônio Alvimar Souza |
Antônio
Augusto Teixeira |
12 |
Dr.Antônio
Augusto Pereira Moura |
Antônio
Teixeira de Carvalho |
43 |
Prof.
Benedito de Paula Said
|
Godofredo
Guedes |
13 |
Prof.
César Henrique de Q. Porto
|
Ângelo
Soares Neto |
31 |
Profa.
Clarice Sarmento Gorayska |
Dulce
Sarmento |
4 |
Profa.
Cláudia Regina Almeida |
Antônio
Augusto Veloso - Desemb |
93 |
Dr.
Dário Teixeira Cotrim |
Simeão
Ribeiro Pires |
32 |
Dr.
Edgar Antunes Pereira |
Edgar
Martins Pereira |
66 |
Arqueólogo
Fabiano Lopes de Paula |
José
Lopes de Carvalho |
46 |
Profa
Eliane Maria F. Ribeiro
|
Hebert
de Souza - Betinho |
20 |
Profa.
Felicidade Patrocinio |
Camilo
Prates |
36 |
Dra.
Felicidade Vasconcelos Tupinambá |
Felicidade
Perpétua Tupinambá |
29 |
Profa.
Filomena Luciene Cordeiro |
Demóstenes
Rockert |
34 |
Prof.
Geralda Magela de Sena Almeida e Sousa |
Eva
Bárbara Teixeira de Carvalho |
61 |
Jornalista
Girleno Alencar Soares
|
José
Alves de Macedo |
97 |
Prof.
Gy Reis Gomes Brito
|
Urbino
Viana |
82 |
Dr.
Haroldo Lívio de Oliveira |
Nelson
Vianna |
80 |
Jornalista
Helio Machado
|
Miguel
Braga |
23 |
Historiador
Hélio Morais |
Carlos
José Versiani |
9 |
Profa.
Isabel. Rebelo de Paula |
Antônio
Lafetá Rebelo |
84 |
Dr.
Itamaury Teles de Oliveira |
Newton
Prates |
39 |
Prof.
Ivo das Chagas |
Gentil
Gonzaga |
56 |
Escritor
João Aroldo Pereira
|
João
Luiz Lafetá |
37 |
Historador
Joâo Botelho Neto |
Francisco
Barbosa Cursino |
71 |
Dr.
João Caetano Canela
|
Júlio
César de Melo Franco |
53 |
Dr.
João Carlos Maia Sobreira de Carvalho |
João
Batista de Paula |
24 |
Dr.
João Carlos Rodrigues Oliveira
|
Celestino
Soares da Cruz |
51 |
Dr.
José Carlos Vale de Lima |
João
Alencar Athayde |
62 |
Prof.
José Geraldo de Freitas Drumond |
José
Esteves Rodrigues |
90 |
José
Henrique Brandão |
Romeu
Barcelos Costa |
1 |
Dr.
José Santos Rametta |
Alpheu
Gonçalves de Quadros |
81 |
Prof.
Juvenal Caldeira Durães |
Nathércio
França |
14 |
Profa.
Karla Celene Campos |
Arthur
Jardim Castro Gomes |
74 |
Prof.
Laurindo Mekie Pereira
|
Luiz
Milton Prates |
55 |
Cel.
Lázaro Francisco Sena |
João
Luiz de Almeida |
57 |
Jornalista
Luiz Carlos Novaes |
João
Novaes Avelins |
19 |
Dr.
Luiz de Paula Ferreira |
Caio
Mário Lafetá |
94 |
Dr.
Luiz Pires Filho
|
Teófilo
Ribeiro Pires |
59 |
Jornalista
Luiz Ribeiro dos Santos |
João
Valle Mauricio |
22 |
Profa.
Lygia dos Anjos Braga |
Carlos
Gomes da Mota |
6 |
Prof.
Marcos Fábio Martins de Oliveira |
Antônio
Gonçalves Chaves |
91 |
Jornalista
Márcia Sá
|
José
Thomaz de Oliveira |
7 |
Profa.
Maria Aparecida Costa
|
Antônio
Gonçalves Figueira |
15 |
Jornalista
Magnos Denner Medeiros
|
Ataliba
Machado |
100 |
Profa.
Maria Clara Lage Vieira |
Wan-Dick
Dumont |
40
|
Dra. Maria da Glória Caxito Mameluque |
Georgino
Jorge de Souza |
49 |
Dra.
Maria Fernanda M. Brito e Ramos |
Irmã
Beata |
10 |
Profa.
Maria Florinda Ramos Pina
|
Antônio
Loureiro Ramos |
38 |
Profa.
Maria Inês Silveira Carlos |
Francisco
Sá |
52 |
Profa.
Maria Isabel M. Figueiredo Sobreira |
João
Chaves |
77 |
Profa.
Maria Jacy de Oliveira Ribeiro |
Mário
Ribeiro da Silveira |
79 |
Profa.
Maria José Colares Moreira |
Mauro
de Araújo Moreira |
42 |
Profa.
Maria Luiza Silveira Teles |
Geraldo
Tito da Silveira |
65 |
Dra.
Maria de Lourdes Chaves
|
José
Gonçalves de Ulhoa |
73 |
Dra.
Maria das Mercês Paixão Guedes |
Lilia
Câmara |
87 |
Profa.
Marta Edith Sayago Moreira Marques |
Pedro
Martins de Sant’Anna |
17 |
Profa.
Marta Verônica Vasconcelos Leite |
Auguste
de S Hillaire |
2 |
Escritora
Milene Antonieta Coutinho Maurício |
Alfredo
de Souza Coutinho |
88 |
Profa.
Miriam Carvalho |
Plínio
Ribeiro dos Santos |
58 |
Prof.
Necésio de Morais |
João
Souto |
5O |
Escritor
Olyntho Alves da Silveira |
Jair
Oliveira |
64 |
Profa.
Palmira Santos Oliveira |
José
Gomes de Oliveira |
47 |
Jornalista
Paulo César Narciso Soares |
Hermenegildo
Chaves |
83 |
Historiador
Paulo Costa |
Con.
Newton Caetano d'Angelis |
63 |
Pedro
de Oliveira |
José
Gomes Machado |
18 |
Dr.
Petrônio Braz |
Brasiliano
Braz |
98 |
Jornalista
Rafael Freitas Reis |
Virgilio
Abreu de Paula |
48 |
Profa.
Raquel Veloso de Mendonça |
Hermes
de Paula |
27 |
Profa
Regina Maria Barroca Peres
|
Dalva
Dias Santiago de Paulo |
11 |
Jornalista
Reginauro Rodrigues da Silva
|
Ary
Oliveira |
41 |
Dr.
Reinine Simões de Souza |
Geraldo
Athayde |
21 |
Dr.
Reivaldo Simões de Souza Canela |
Cândido
Canela |
68 |
Profa.
Rejane Meireles Amaral |
José
Nunes Mourão |
44 |
Historiador
Roberto Carlos Morais Santiago |
Heloísa
Veloso dos Anjos Sarmento |
92 |
Prof.
Roberto Pinto Fonseca |
Sebastião
Tupinambá |
89 |
Jornalista
Rosângela Silveira
|
Robson
Costa |
96 |
Profa.
Ruth Tupinambá Graça |
Tobias
Leal Tupinambá |
72 |
Jornalista
Theodomiro Paulino Correa |
Lazinho
Pimenta |
16 |
Dr.
Waldyr de Senna Batista
|
Athos
Braga |
91 |
Dr.
Wesley Caldeira |
Sebastião
Sobreira de Carvalho |
33 |
Dr.
Wanderlino Arruda |
Enéas
Mineiro de Souza |
5 |
Profa.
Yvonne de Oliveira Silveira |
Antônio
Ferreira de Oliveira |
86 |
Profa.
Zoraide Guerra David |
Patricio
Guerra |
Sócios
Correspondentes
Prof.
Regente Armênio Graça Filho |
Rio
de Janeiro- RJ |
Dr.
Augusto José Vieira Neto |
Belo
Horizonte - MG |
Dr.
Avay Miranda
|
Brasilia
- DF |
Jornalista
Carlos Lindenberg Spínola Castro |
Belo
Horizonte - MG |
Dra.
Carmem Netto Victória |
Belo
Horizonte - MG |
Dr.
Enock Sacramento |
São
Paulo - SP |
Dr.
Fernando Antônio Xavier Brandão |
Belo
Horizonte MG |
Dr.
Eustáquio Wagnar Guimarães Gomes |
Belo
Horizonte - MG |
Escritor
Flávio Henrique Ferreira Pinto |
Belo
Horizonte - MG |
Jornalista
Geraldo Henriques (Riky Tereze) |
New
York - USA |
Jornalista
João Martins |
Guanambi
- BA |
Dr.
Jorge Lasmar |
Belo
Horizonte MG |
Prof.
José Eustáquio Machado Coelho |
Belo
Horizonte MG |
Dr.
Marco Aurélio Baggio |
Belo
Horizonte MG |
Prof.
Dr. Jorge Ponciano Ribeiro |
Brasília
- DF |
Profa.
Dra. Maria da Consolação M. Figueiredo Cowen |
London
- England |
Jornalista
Paulo César Oliveira |
Belo
Horizonte - MG |
Escritor
Reynaldo Veloso Souto |
Belo
Horizonte - MG |
Prof.Thiago
Carvalho Makiyama
|
Gunma-Ken
- Japão |
Prof.
Wellington Caldeira Gomes |
Belo
Horizonte - MG |
Dr.
Ático Vilas-Boas da Mota |
Macaúbas
- BA |
Jornalista
Jeremias Macário |
Vitória
da Conquista- BA |
Dr.André
Kohene |
Caetité
-BA |
Historiador
Zanoni Eustáquio Roque Neves |
Belo
Horizonte - MG |
NOTAS
DOS COORDENADORES DA EDIÇÃO
A ordem de publicação dos trabalhos dos Sócios
Efetivos obedeceu à seqüência
alfabética dos nomes dos autores. Em seguida, foram ordenados
os trabalhos dos
Sócios Correspondentes;
A Revista não se responsabiliza por conceitos e declarações
expedidos em
artigos publicados;
A revisão dos disquetes originais foi feita pelos próprios
autores dos artigos
publicados.
ENDEREÇO DO IHGMC
Praça Dr. Chaves, 32
E-mail: ihgmc@gmail.com -
Site: www.ihgmc.art.br
39400-005 - Montes Claros - Minas Gerais
Foto
Histórica
Fotografia
do Arquivo de Dário Teixeira Cotrim
FOTO
HISTÓRICA DO IHGMC
No dia 27 de dezembro de 2007, na casa do confrade Wanderlino
Arruda, foi criado o Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros. Nesta oportunidade
estiveram presentes os seguintes sócios: Yvonne de Oliveira
Silveira, Zoraide Guerra David, Juvenal Caldeira Durães,
Gy Reis, Luiz Ribeiro, Dário Teixeira Cotrim, Haroldo Lívio
de Oliveira, Amelina Chaves e Wanderlino Arruda.
FINS
DO IHGMC
Art. 2º - O IHGMC tem como finalidade a promoção
de estudos e a difusão de conhecimentos de história,
geografia e ciências afins, do município de Montes
Claros e da região Norte de Minas, assim como o fomento
da cultura, a defesa e a conservação do patrimônio
histórico, artístico e cultural.
APRESENTAÇÃO
DA REVISTA DO IHGMC
O
Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros,
a Casa de Simeão Ribeiro Pires, em fase de consolidação
e ainda com diretoria provisória, apresenta aos seus associados
e aos leitores em geral a sua primeira publicação
escrita, fruto do esforço pessoal do Vicepresidente Dário
Teixeira Cotrim. Até agora toda divulgação
era realizada pela Internet, através do site www.ihgmc.art.br,
trabalho meu e do muito conhecido webmaster Djalma Souto.
Expressão
máxima da inteligência e do conhecimento regionais,
já com 85% do quadro social previsto, nosso Instituto Histórico
e Geográfico de Montes Claros tem como missão pesquisar,
interpretar e divulgar fatos históricos, geográficos,
etnográficos, arqueológicos, genealógicos,
assim como fomentar a cultura, a defesa e a conservação
do patrimônio histórico, artístico e cultural
de Montes Claros e do Norte de Minas.
Desde
27 de dezembro de 2006, data da fundação, temos
contado com o apoio e orientação do Instituto Histórico
e Geográfico de Minas Gerais, nas pessoas dos doutores
Marco Aurélio Baggio, Fernando Antônio Xavier Brandão
e Jorge Lasmar, que também nos deram a honra de, em noite
memorável, prestigiarem a cerimônia de posse dos
fundadores e da primeira diretoria. As muitas fotos publicadas
em nosso site dizem do encanto e do brilho de suas presenças.
Importante ressaltar a colaboração constante do
professor Herbert Sardinha Pinto, presidente emérito do
IHGMG, companheiro e amigo de todas as horas.
É
justo o nosso entusiasmo em lançar este número 1
da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de
Montes Claros, definidora da organização inicial,
da lista de patronos, dos sócios fundadores, da diretoria
e dos conselhos. Mais justo ainda o nosso orgulho de apresentar
os primeiros textos histórico-geográficos, constantes
de estudos, relatos, memoriais, crônicas e artigos, contribuições
indispensáveis para o registro de nossa cultura. Tudo sincera
manifestação e testemunhos do quanto ainda podemos
colaborar para a divulgação de acontecimentos marcantes
e nomes de construtores do progresso.
Importante
ressaltar que inicia esta série de colaborações
o necrológio do historiador João Botelho Neto, o,
primeiro companheiro a nos deixar prematuramente e com marcante
saudade.
O texto tem a assinatura do nosso Vice-presidente dr. Haroldo
Lívio de Oliveira que, juntamente com o Secretário,
dr. Petrônio Braz, representou o IHGMC nas cerimônias
de sepultamento realizadas na cidade de São Francisco.
João Botelho Neto, cadeira 37, tinha como patrono o escritor
Francisco Barbosa Cursino.
Esta
primeira Revista do Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros será quase que imediatamente seguida pelo
volume de número 2, já com muitos textos entregues
à Comissão de Publicações.
Todos
os custos das edições correm por conta dos autores
publicados.
Montes
Claros e o Norte de Minas, com justo orgulho para todos nós,
são e continuarão sendo uma matriz cultural desta
importante parte dos territórios de Minas Gerais e do Brasil.
Wanderlino Arruda
Presidente do IHGMC
CARAÇA
NA HISTÒRIA DE MINAS
Amelina Chaves
Cadeira N. 28
Patrono: Darcy Ribeiro
Sempre
cito na minha escrita que não sou historiadora, mas de
uma forma ou de outra vivo ligada a história, talvez por
uma necessidade de pesquisar assuntos vários. Ao ser contratada
para escrever o livro – ITACAMBIRA NA MEMÓRIA DO
TEMPO algo novo me tomou por completo: o gosto pelas pesquisas
históricas. Li Rodrigo Bretãs, Paulo Setúbal,
Simeão Ribeiro Pires e Agripa de Vasconcelos.
Buscando
mais, visitei todas as cidades históricas de Minas Gerais.
Prostei-me de joelhos diante das obras do Aleijadinho. Aprendi
que a história pode ser romanceada levando o estilo do
autor como fez Paulo Setúbal em “O Caçador
de Esmeraldas”. Sem,
contudo, fugir aos fatos históricos, conforme foram registrados.
Tomada por uma paixão desmedida, eu fui buscar as origens
de “CHAVES”, em Montes Claros e foi nesta caminhada
que cheguei ao Caraça. Por ser a escola onde muitos dos
nossos estadistas foram educados, encontrei nomes que ocuparam
a Presidência do Estado de Minas tais como: Antonio Augusto
Moreira Penna (1892 a 1894); Fernando Melo Viana (1924 a 1926);
Arthur da Silva Bernardes (1918 a 1922); Antonio Augusto de Lima
(18-III-1891 a 16-VI-1891);
Joaquim Cândido da Costa Senna (1902); Olegário Maciel
(1924-1933). Assim foi construído a história do
Caraça.
Entre os livros raros de sua biblioteca, encontrei depoimentos
de pessoas que visitaram esse colégio como este que segue:-
“Impressão do Caraça, quem as poderá
traduzir em palavras? Sentimo-nos aqui mais perto do Céu
e, do trono de Maria, Mãe dos homens, desejamos arrancar
as mais preciosas benções para este instituto, berço
glorioso Lazarista congregação da Missão
no Brasil, obras fundadas de um apostolado modelar”. Caraça,
26 de janeiro de 1927. + Antonio Arcebispo de Belo Horizonte.
CARAÇA DO IRMÃO LOURENÇO
–A história do Irmão Lourenço (1770
– 1819)
–Caraça Português (1820-1854) dirigido pelos
padres Portugueses da Congregação da Missão.
– Caraça Francês (1854- 1903) cujo primeiro
superior era francês, da mesma Congregação,
Padre Miguel Sipolis.
–Caraça Brasileiro. (1903 – Até hoje)
a partir de quando tomou a direção da casa o Padre
Francisco de Paula e Silva, brasileiro. Nesse período,
surgiu a Associação dos ex-alunos.
O IRMÃO LOURENÇO
Irmão Lourenço foi o fundador do Caraça.
Personagem curioso e lendário na história de Minas,
e viveu no fim do século XVIII até o princípio
do século XIX. Era português da família dos
Távoras (Carlos de Mendonça Távora.) e foi
perseguido pela espada do Marquês de Pombal. Motivo da sua
fuga para o Brasil. Ei-lo no ano de 1763, em Minas, na cidade
de Diamantina, tomando o hábito da Ordem Terceira de São
Francisco. Até o ano de 1770, trabalha a serviço
de contrato de diamantes, para João Fernandes de Oliveira.
De repente ele desaparece para surgir no Caraça em 1774,
construindo o Santuário. Fez com dinheiro e escravos e
auxilio dos fies, que vinham fazendo mineração e
peregrinação no alto da serra.
O espírito religioso do povo, junto à fama do misterioso
fundador do santuário de Nossa Senhora Mãe dos Homens,
e a beleza da região fizeram muitas pessoas subirem até
o Caraça. Um dos primeiros visitantes foi Saint Hilaire,
cientista francês no ano de 1816. Mais tarde escreveu no
seu livro de viagens: “A meu ver, nenhum lugar poderia ser
o melhor escolhido para nele fundar uma casa de educação”.
O Irmão Lourenço Morreu com idade avançada
– 96 anos, em 27 de outubro de 1819. Viveram cinqüenta
anos no Caraça...
CARAÇA
PORTUGUESA
Sete meses depois da morte do Irmão Lourenço, chegou
ao Caraça no dia 15 de abril de 1820, dois padres portugueses
da Congregação da Missão fundada por São
Vicente de Paulo. Foram mandados por D. João VI para tomar
posse da herança deixada pelo Irmão Lourenço.
São eles. Padre Leandro Rebelo Peixoto e Castro e Padre
Antonio Ferreira Viçoso. Vinham com novas idéias,
começaram logo pregando missões em Catas Altas e
Barbacena, e quando voltaram traziam os primeiros quatro alunos
para abertura do colégio. Assim, o Caraça estava
abrindo as porta para uma nova era no setor educacional brasileiro.
Pois após a expulsão dos Jesuítas do Brasil,
em 1758, seria o Caraça a primeira experiência de
ensino sistemático no país. Como em tudo existe
divergência política, onde houve até ataques
de jornais maçons, até aconteceu o abandono da direção,
no Caraça era só tristeza e desolação.
Com a saída dos padres ficou desfalcado de elementos da
congregação do colégio e do seminário
ficou fechado até a visita do Padre Antonio Morais Torres,
que depois de muita luta conseguiu obter de D. Pedro uma autorização
para recorrer á casa Mãe da congregação
em Paris. Assim no ano de 1849, vieram 5 padres, 3 irmãos
coadjutores e 12 irmãs vicentinas,
Foram
todos para Mariana. O padre foi para o Caraça começar
novamente a trabalhar em torno da educação, buscando
novos alunos. Tanto que, na direção dos Franceses
fizeram grandes mudanças.
Com grande dificuldade da época o Caraça vem caminhando,
até hoje num desafio, mantido através de doações,
e muito sacrifícios. Nos registros encontrei histórias
fantásticas de doações como esta: “30
de março de 1944... Chaga ao Caraça, como o
caminhão carregado de gêneros alimentícios,
o Tenente Durval de Morais Barros, ex-aluno caracense”.
A historia do Caraça registra freqüentemente visitas
de exalunos, que chegam saudosos e emocionados, cheios de gratidão
e de boas lembranças do antigo educandário. Como
se pode notar, a preocupação de todos que deram
uma parcela de colaboração para que este colégio
seja sempre centro de irradiação espiritual, com
peregrinação e retiros, como se nas suas paredes
negras estivesse impregnada de fé, e o espírito
do seu fundador permanece ali na entrada nos abençoado
na chegada. Esta é uma pequena parcela da grandeza histórica
guardada entre as serras que lhe deu o nome. Sem contar o espetáculo
que podemos assistir no silêncio da noite quando os padres
chamam os lobos guarás e eles descem a majestosamente a
serra como donos daquelas paragens e vem mansamente comer nas
mãos dos operários da fé que os alimentam
carinhosamente.
Assim revi um pouco da historia do Caraça com a emoção
de quem descobre um universo novo, e o fascínio da descoberta,
de quem aprende amar as pesquisas, e aceitar os desafios que ela
propõe. Vem desta caminhada a idéia de reunir em
um livro a vida do historiador Hermes de Paula, pela sua contribuição
da fundação Vila das Formigas, hoje Montes Claros.
Caraça
DR.
HERMES AUGUSTO DE PAULA
Clarice
Sarmento
Cadeira N. 31
Patrono: Dulce Sarmento
Muito bonita e significativa a frase divulgada pela Fundação
Roberto Marinho, segundo a qual o homem estará imortalizado
e sempre revivido em cada realização, em cada criação,
em cada obra.
Hermes Augusto de Paula (Dr. Hermes) não será esquecido
já que, em cada canto desta cidade, há um sonho
ou idéia sua germinando, crescendo, expandindo-se ou acontecendo.
Ele soube, como ninguém, ser idealista, sonhador, apaixonado
pela vida e por essa cidade, acrescentando a nossa história,
um capítulo de trabalho e dedicação.
Era formado em medicina pela Faculdade Fluminense e especializou-se
em Análises Clínicas, Microbiologia e Soroterapia
pelo Instituto Vital Brasil (Niterói) e Butantã
(S. Paulo).
Mas seu interesse não era voltado apenas para a medicina:
-Reorganizou a Associação Escoteira Gonçalves
Figueira¸ fundou o Montes Claros Tênis Clube, foi
presidente do Clube Montes Claros, idealizou e fundou o Pentáurea
Clube.
-Diretor clínico da Santa Casa, vice-diretor da Conferência
Vicentina, fundou e presidiu o Rotary e o Elos Clube de Montes
Claros.
- Membro do Instituto Genealógico Brasileiro, da Sociedade
de Higiene, do Instituto Histórico e Geográfico
de Minas Gerais e da Associação de Pesquisadores
da MPB.
-
Professor de Higiene e Puericultura na Escola Normal e no Colégio
Imaculada Conceição, dirigiu o Jornal Gazeta do
Norte.
- Membro fundador da Academia Montesclarense de Letras, pertencia
à Academia Municipalista de Letras de Belo Horizonte (MG)
e a de Piracicaba (S. Paulo).
-Idealizou e fundou a Famed (Faculdade de medicina da FUNM) e
o Instituto Antônio Teixeira de Carvalho (Centro de Saúde,
hoje clínica médica da UNIMONTES); instalou o primeiro
laboratório de análises clínicas da região
e a regional da Associação Médica.
- Também se interessou por política, tendo sido
candidato a prefeito por duas vezes. Na primeira, em 1950, perdeu
para Capitão Enéias e, na segunda, em 1970, foi
derrotado por Dr. Pedro Santos.
Mais do que suas realizações, foi o muito que deu
de si, seu interesse para quantos o procuraram para consultas,
conselhos ou remédios; seu consultório vivia cheio
de pobres que nunca voltaram sem a amostra grátis, as recomendações
e atendimento atencioso.
Interessava-se por tudo. Revirava papéis, fotografias e
documentos antigos, perguntando, rastreando e recompondo a história
de Montes Claros e sua gente.
Nunca caçou ou pescou, mas fundou o Clube de Caça
e Pesca Egydio Prates, como também foi membro da Associação
Atlética Cassimiro de Abreu e da Liga Montese-clarense
de Desportos, sem nunca ter jogado futebol.
Desafinado, nunca compôs ou tocou nenhum instrumento, mas
foi presidente da Banda Euterpe e membro do Sindicato Independente
dos Compositores e Autores.
Admirador do saber popular, suas festas e folguedos, incentivou
foliões pastorinhas, violeiros e cantadores, registrando
tudo que se relacionava com o folclore. Ressuscitou as festas
de agosto para as comemorações do centenário
da cidade, organizadas com todo o seu empenho. Quando a velha
Igrejinha do Rosário foi derrubada, foi sua liderança
e iniciativa que levaram à construção de
uma nova “Casa Santa” para as Festas de Agosto.
A
seresta era sua paixão. Com a Seresta João Chaves
levou nossos seresteiros a todo o Brasil e até ao exterior
(Argentina)
Também não sabia dançar. Pisava no pé
do par e saía do ritmo, mas ensinou a nós, (brotinhos)
como eram chamadas as mocinhas daquele tempo, a Dança de
São Gonçalo (revejo-me de vestido branco rodado,
arco de flores, no galpão do Colégio Imaculada.
Ele, tocando um enorme tambor, presidia as evoluções,
cantando as intermináveis estrofes).
Com a mesma disposição participava de áridas
reuniões e cerimônias sociais, cívicas ou
políticas, jantares, bailes ou serestas que entravam noite
a dentro. Emprestava sua casa a quem precisasse de uma sede para
festinhas de escola ou dos inúmeros clubes volantes daquele
tempo.
Dr. Hermes morreu em 10-06-1983.
Para os que conviveram com a sua energia e seu astral maravilhoso,
sua presença permanece e é sempre reencontrada em
cada criação ou sonho seu, em cada noite de seresta
ou manhã de catopês, em cada alegria de festa ou
clarão de lua cheia.
“ O homem é eterno enquanto seu trabalho permanece”
Hermes
Augusto de Paula
MEMÓRIAS
DE MONTES CLAROS
Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires
A
PRINCESINHA DE MONTES CLAROS – MEMÓRIA I
Vocês sabiam que a nossa cidade de Montes Claros abrigou,
em seu seio, uma linda menina que era uma das filhas legitimadas
do nosso imperador Dom Pedro I? Naturalmente, uma princesinha
de verdade. Pois bem, isso aconteceu mais ou menos nos meados
de 1823, segundo narra o historiador doutor Hermes de Paula no
seu influente livro “Montes Claros, sua história,
sua gente e seus costumes”, o que deixou a nossa cidade
toda feliz e garbosa com este interessante fato.
É certo que na Corte Imperial vivia uma criada de encantos
vários que conquistou o arrebatado desejo sexual do Imperador,
tendo com ele um abrasado caso de amor. Desta suposta união
nasceu-lhes então uma linda menina e que era muito mimosa
e inteligente; de cabelos louros e de olhos azuis, ela foi mimada
e adorada pelo nosso mandatário maior. Infelizmente não
se sabe o nome dela e nem tampouco o de sua mãe. Era preciso
que fosse assim para preservar o casamento imperial, o que não
ia lá muito bem, haja vista a enorme quantidade de amantes
que o Imperador tinha nas alcovas do seu palácio e, também,
fora dele. A história teve cuidado de registrar, através
dos tempos, as muitas escapulidas do monarca. Assim como ocorreu
com o romance dele com a Marquesa de Santos; com as francesas
Noemi Thierry e Clemence Saisset; com a brasileira Maria Benedita
Delfim Pereira, com a uruguaia Maria del Carmem Garcia e a monja
portuguesa Ana Augusta, também aconteceu com a sua criada-concubina,
uma adorável e bela mucama, a que vinha cuidando dos afazeres
domésticos da Casa Imperial e de suas filhas.
É interessante notar que o nosso imperador Dom Pedro de
Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier
de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano
Serafim de Bragança e Bourbon era um conquistador compulsivo
de mulheres, e disso não há dúvida nenhuma.
Nem mesmo a inocente criada-concubina da Casa Imperial escapou
de suas investidas amorosas.
Entretanto a sua mulher, a imperatriz Leopoldina, descobriu desde
o primeiro momento a paternidade daquela linda criancinha e providenciou
deportá-la, de imediato, para o continente africano, juntamente
com a sua dedica mãe. Angola seria o destino final das
duas inocentes criaturas, primeiro por ser uma colônia portuguesa
e, depois, era ali o mercado central da escravidão-negra
o que, por certo, daria cabo delas para todo e sempre. Esperava-se
apenas o zarpar de algum navio-negreiro, o que acontecia de tempos
em tempos.
Na Corte Imperial a princesinha vivia feliz na companhia de Maria
da Glória, Miguel e Januária. Logo se tornou evidente
que essa amizade alimentava ainda mais o ódio da maldosa
imperatriz Leopoldina, e afastá-la da convivência
de suas filhas era apenas uma questão de tempo. De pouco
tempo, diga-se de passagem.
Mas Dom Pedro I foi avisado a tempo da intenção
de sua mulher e no seu rumoroso arrebatamento não hesitou
em solicitar dos seus asseclas que a jovem criada e sua pequenina
filha, a princesinha, fossem entregues aos cuidados de um Conselheiro,
em Tijuco (hoje a cidade de Diamantina), “com mil e uma
recomendações”. E assim foi feito.
Algum tempo depois, grassando na região de Diamantina uma
epidemia de varíola, ambas vieram para o arraial de Formigas
de Montes Claros, fugindo daquele terrível mal. Aqui elas
foram endereçadas ao diligente sargento-mor Jerônimo
Xavier de Souza que providenciou, ainda sob sigilo, uma morada
à altura das recomendações do Imperador,
onde elas, mãe e filha pudessem viver tranqüilamente.
De nada valeu a fuga; a menina já partira do arraial do
Tijuco com a doença incubada no corpo e veio falecer alguns
dias depois. Com o óbito da criança não era
preciso mais manter o sigilo imposto pela Milícia Provincial
de Diamantina. Em vista disso o sargento-mor Jerônimo Xavier
de Souza revelou ao padre Feliciano Fernandes de Aguiar o segredo
vindo da Corte Imperial, e que imediatamente ordenou fosse sepultado
o corpo da nossa princesinha junto ao primitivo altar-mor da vetusta
capela construída por José Lopes de Carvalho, exatamente
onde está hoje a Matriz de Nossa Senhora da Conceição
e São José.
Felizmente a jovem criada sobreviveu à filha e matrimoniou-se
em seguida com o militar Jerônimo Xavier de Souza. Estou
convencido também de que eles foram felizes para sempre.
DONA
TIBURTINA ANDRADE ALVES – MEMÓRIA II
O tiroteio do dia 6 de fevereiro de 1930, em Montes Claros, envolvendo
os militantes da caravana dos Conservadores contra os da Aliança
Liberal, precede o movimento político que veio pôr
abaixo a Primeira República ou Velha República.
Era a Revolução de 1930 que se iniciava em Montes
Claros. Contudo, registra-se nos anais da história, que
este movimento irrompeu no dia 3 de outubro e terminava no dia
24 do mesmo mês com a deposição do Presidente
Washington Luiz Pereira de Souza e a dissolução
da representação popular no Congresso Nacional.
Em matéria de jornal, disse o jornalista Assis Chateaubriand
que a cidade de “Montes Claros fixa no momento culminante
da consciência brasileira”.
Por isso podemos afirmar que a cidade de Montes Claros foi palco
do primeiro episódio que antecedeu a revolução
de 30. As suas ruas foram invadidas por pessoas oriundas de Granjas
Reunidas e também da capital do Estado, eles que vieram
fazer frente aos inimigos políticos do vice-presidente
da República, Dr Fernando de Melo Viana. Ora, sabemos que
tudo isso aconteceu durante a visita de Melo Viana quando aqui
esteve para participar do Congresso de Algodão e Cereais,
evento elaborado com o intuito tão somente de fazer propaganda
eleitoral em favor da candidatura de Júlio Prestes para
presidente da República, quebrando, assim, a tradição
da Política do Café com Leite.
Por assim dizer, a política fervilhava mediante a paixão
e o desejo dos militantes da Aliança Liberal em defender
a integridade física do seu represente maior, o Dr João
José Alves. As ofensas que poderiam advir desses manifestantes
– o que de fato ocorreu – representavam para o povo
montes-clarense uma violência aos princípios políticos
os que se constituem na ética, na moral e nos bons costumes.
Os mais exaltados certamente eram os jagunços do conde
Alfredo Dolabela. Aliás, toda a comitiva representava perigo
às nossas tradições políticas.
Nesta época a cidade de Montes Claros dividia a sua política
em duas facções distintas: o Partido de Cima apoiado
pela Aliança Liberal e que tinha como chefe o Dr Honorato
José Alves, e o Partido de Baixo, amparado na concentração
dos Conservadores, e que era liderado pelo deputado Camilo Filinto
Prates. Segundo o historiador Henrique de Oliva Brasil o objetivo
maior do Dr João Alves era o de “prestar apoio ao
seu irmão, o deputado Honorato José Alves”.
Naquela noite, da Estação Ferroviária, a
comitiva descia para a região baixa da cidade, quando ao
passar em frente da casa do Dr João Alves, aconteceu o
que ninguém queria que acontecesse. Na escuridão
da noite tiros de carabinas abafaram os gritos de “Viva
a Aliança Liberal!” Na ocorrência policial
esses gritos foram dados pelo menino Austílio Benjarane
Tecles, que era conhecido pelo apelido de Fifi, onde estaria a
causa do tiroteio. Depois do cessar-fogo foram contabilizadas
as seguintes mortes: José Antônio da Conceição,
João Soares da Silva, conhecido pela alcunha de João
Gordo, Rafael Fleury da Rocha que era secretário particular
do vicepresidente Melo Viana, dona Iracy de Oliveira Novaes, Moacyr
Dolabela Portela e o menino, o Fifi “que era tão
nosso amigo”, segundo palavras da própria dona Tiburtina
Andrade Alves. Escusado será dizer que dona Tiburtina,
ao longo dos tempos ficou sendo injustamente a responsável
pelos graves acontecimentos naquele final de noite.
O tiroteio em frente à casa do Dr João Alves teve
repercussão nacional. O presidente da república,
Washington Luiz, preconceituosamente, deu-lhe o nome de Tocaia
dos Bugres, tachando assim o povo de Montes Claros de gente semicivilizada.
O castigo veio a cavalo. Washington Luiz foi deposto e Getúlio
Vargas assume o poder que duraria uma década e meia.
Disse
o saudoso escritor Geraldo Tito Silveira que “dona Tiburtina
é hoje uma mulher lendária como dona Beija, Joaquina
do Pompeu, Maria da Cruz, Chica da Silva e outras, embora tenha
sido muito diferente de todas elas, pois não se aproveitava
de sua posição para mandar tirar a vida alheia”.
Tem razão o ilustre confrade na sua afirmação
porque a fama de “mulher carniceira” não lhe
foi atribuída senão por vingança ou despeito.
SIMEÃO RIBEIRO PIRES – MEMÓRIA III
Montes Claros se enfeitou para receber a “Casa de Simeão
Ribeiro Pires”, nome fantasia do Instituto Histórico
de Geográfico de Montes Claros. Por que Simeão e
não Darcy Ribeiro ou Cyro dos Anjos? Por que Simeão
e não João Vale Maurício ou Cândido
Canela? Por que Simeão e não Hermes de Paula ou
Urbino Viana? Porque Simeão foi o mais autêntico
historiador-geográfico de Montes Claros. Era um contumaz
pesquisador. Coletava peças de nossa história e
as colecionava com o objetivo de preservar o passado de nossa
gente e de nossos costumes.
Foi o acadêmico Simeão Ribeiro o único historiador
de Montes Claros que esteve visitando a Torre do Tombo, em Lisboa,
para trazer preciosas informações sobre as nossas
origens. Exemplo incontestável figura na localização
da Fazenda Brejo Grande, a primeira das propriedades de Antônio
Gonçalves Figueira, onde existiu o primeiro engenho de
cana que produzia o mascavo e a cachaça.
Premiado no primeiro concurso anual “Diogo de Vasconcelos”,
sobre a história de Minas, em 1977, o doutor Simeão
Ribeiro lança com grande sucesso o seu livro “Raízes
de Minas”. Sobre “Raízes de Minas” diz
a Comissão em seu Relatório: “o que, desde
logo, ressalta é a novidade do assunto, nunca antes assim
extensamente tratado: o latifúndio de Guedes de Brito,
Nunes Viana, a Guerra dos Emboabas e a penetração
baiana. Depois, cumpre louvar a intensa consulta às fontes
primárias, compulsadas até em arquivos portugueses
e ultramarinos, além do proveito que soube tirar”.
1. BIOGRAFIA
O doutor Simeão Ribeiro Pires era filho do coronel Luiz
Antônio Pires e de dona Maria Ribeiro Pires, nasceu em Coração
de Jesus aos 24 de março de 1919. Fez o curso primário
em Montes Claros, onde iniciou o secundário, continuando-o
em Belo Horizonte
e o terminou no GRAMBERY, de Juiz de Fora. Diplomou-se em Engenharia
Civil pela Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual de
Minas Gerais, em 1943. Foi presidente do Diretório dos
Estudantes de Engenharia, Aspirante Oficial do Exercito pelo CPOR,
premiado na Convenção Nacional de Engenheiros com
a monografia “Ensino da Engenharia”. Ocupou o cargo
de Oficial Técnico da Rede Mineira de Viação.
Empreiteiro de obras ferroviárias em trechos das ligações:
Monte Azul-Brumado. Nova Era-Dom Silvério e Belo Horizonte-Itabira.
Ingressou na política de sua terra natal e foi eleito Prefeito
Municipal de Montes Claros, em outubro de 1958 quando governo
a nossa cidade nos anos de 1959/63. Vereador à Câmara
Municipal de Montes Claros de 1963/72. Diretor da Frigonorte no
seu período de construção, diretor do Colégio
Tiradentes da Polícia Militar de Minas Gerais no ano de
1964. Recebeu, dentre outras, as comendas: Medalha de Ouro –
Mérito Industrial – da Federação das
Indústrias de Minas Gerais no ano de 1967 e a Medalha da
Inconfidência do Governo do Estado de Minas Gerais. Professor
da Escola Estadual “Prof. Plínio Ribeiro” de
Montes Claros e professor de Estudos de Problemas Brasileiros
da Faculdade de Direito de Montes Claros. Homem de elevado espírito
público, grande tribuno e um pesquisador incansável.
2. BIBLIOGRAFIA
O acadêmico, Simeão Ribeiro Pires, publicou os seguintes
livros: Gorutuba: o padre e a bala de ouro; Raízes de Minas
e Serra Geral: diamantes, garimpeiros e escravos.
Sobre o seu livro Gorutuba: o padre e a bala de ouro, à
guisa do prefácio disse Alberto Deodato: “ por onde
andamos acabamos convencidos de que o Brasil é um Gorutuba,
muito grande”. Raízes de Minas, que mereceu vários
comentários, o eminente historiador baiano doutor Pedro
Calmon manifestou da seguinte maneira: “Raízes de
Minas, que hoje li, de um trago, tão importantes são
as suas novidades, louvavelmente pesquisadas e cheias de interesse
para os que estudam as origens, na história e na geografia,
de sua grande província, um pouco também minha”.
Na mesma linha de raciocínio,numa extensa carta-prefácio
endereçada ao autor de Raízes de Minas, o mestre
João Camilo de Oliveira Torres concluiu as suas palavras
dizendo que é “um trabalho no qual se aprende em
todas as páginas”. Mais recentemente, o nosso confrade
Wanderlino Arruda, numa belíssima colocação
sobre a obra de Simeão Ribeiro expende da seguinte maneira:
“A cada letra lida ou vivida, a cada palmo de terra que
Simeão trilhou, tudo foi pesquisa com o destino só:
mostrar que por aqui está o verdadeiro coração
da história brasileira, Minas como centro da coragem e
da elaboração da raça. A cada trama, cada
delinear de caracteres, cada justiça feita ou a cada injustiça
sofrida, eis o caldeirão que cozinhou o tempero do Brasil”.
Simeão Ribeiro Pires
3.
HOMENAGEM PÓSTUMA
O nosso confrade doutor Simeão Ribeiro Pires era membro
efetivo da Academia Montes-clarense de Letras e do Instituto Histórico
e Geográfico de Minas Gerais. Agora ele será o patrono
do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros,
uma homenagem das mais justas em vista do que ele representa para
a história de Montes Claros e do estado de Minas Gerais.
Por tudo isso e muito mais o Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros passará a ser denominada “Casa de
Simeão Ribeiro Pires”.
O
MECÂNICO GASPARINO - MEMÓRIA IV
A história das Oficinas Mecânicas de Montes Claros
tem um personagem que hoje vive meio esquecido no tempo. É
o saudoso mecânico Gasparino Rodrigues dos Santos, conhecido
muitas vezes pela alcunha de Gaspar. Ele era filho de Claudino
Rodrigues dos Santos e de dona Júlia Carneiro dos Santos.
Nasceu em Juramento no dia 20 de março de 1926 e faleceu
em primeiro de julho de 1989, aqui em Montes Claros. A trajetória
de vida de Gasparino iniciava no ano de 1943, quando ainda rapaz,
foi trabalhar na Oficina Mecânica de Chico Surdo –
uma oficina que ficava na Avenida Afonso Pena com os fundos para
a Avenida Coronel Prates – como aprendiz de mecânica.
Ainda muito moço, depois de aprender algumas lições
do ofício, ele parte para a cidade de Piuí, em Minas
Gerais, onde exerce com brilhantismo a sua profissão. Foi
o emaranhado de peças se encaixando no bloco do motor e,
depois logo em seguida o barulho estridente dos motores roncando
que seduziram o jovem Gasparino.
Aquela zuada estrepitosa era música para os seus ouvidos.
E as graxasnas estopas lambuzando as suas roupas faziam parte
da sua ocupação profissional.
Depois de uma temporada de cinco anos na cidade de Piuí
ele retorna para a sua querida cidade de Montes Claros. Chegando
aqui vai imediatamente prestar serviços como funcionário
contratado da Empreza Maia & Cia Ltda, agente da Ford Motor
Company Exports Inc. Curioso como ele só gostava de burilar
as pequenas peças que formam o motor de um carro. Assim
ele arrebanhava para si a confiança e a simpatia dos seus
colegas. Nunca desistia de uma empreitada e sempre o resultado
do seu trabalho era elogiado por todos.
Nascia assim a paixão inquestionável pelo automóvel.
Disse o ilustre professor Juvenal Caldeira Durães*, no
seu livro de memórias Experiências de uma vida, que
“não tendo o sucesso esperado, desfiz-me da oficina
de selaria e passei para a aprendizagem de mecânica de automóveis
como aprendiz de Gasparino Rodrigues dos Santos, famoso mecânico
da cidade e meu amigo de infância”. É verdade
que muitas pessoas passaram pela oficina do seu Gaspar. Por outro
lado o seu Gaspar era uma pessoa séria e competente, não
tolerava serviços incompletos e nem serviços mal
feitos. Preservava com rigor o trabalho que exercia na oficina
da Ford.
No ano de 1951, em parceria com o seu compadre Manoel Durval Batista,
eles criaram a sua própria empresa. Uma oficina mecânica
que foi instalada quase no início da Rua São Francisco.
A nova empresa tinha como nome fantasia o de Oficina Progresso
com especialidade em consertar os carros da Willys Overland do
Brasil (Jeep e Rural) e qualquer um outro tipo de caminhão.
Lembrou-me sua viúva, dona Maria Lima Rodrigues, que quando
naquela época a primeira filha do casal cantarolava pelas
dependências da casa essa preciosa quadrinha: “Oficina
Progresso/ mecânica em geral/ na rua São Francisco/
De Gasparino e Durval”.
Com o passar do tempo houve a necessidade da oficina mudar de
endereço. Isso permitiu aos sócios estabelecerem-se
em uma nova oficina mecânica. Desta vez foi a mesma Oficina
Progresso estabelecida num terreno vago onde é hoje o Posto
da Petromoc. É claro que a continuidade do nome serviu
para não dispersar os seus clientes contumazes. Do ponto
de vista prático sabemos que a fama da Oficina Progresso
fazia sucesso em alhures.
Desfeito
a sociedade Gasparino & Durval, o seu Gaspar foi trabalhar
numa pequena oficina mecânica na cidade ribeirinha de Carinhanha,
que ficava às margens do rio São Francisco, no estado
da Bahia. Ficou por lá apenas o necessário para
resolver uma encomenda de retífica de motor. Mas, neste
ínterim ele deixou aqui o seu carrotáxi sob a responsabilidade
de Benjamim Lopes e a esperança de retornar à sua
atividade profissional. Poucos meses depois estava de volta. Aqui,
reabre a sua oficina mecânica, e que desta vez teve assento
na Rua Germano Gonçalves com o nome de Oficina São
José.
A Oficina São José lhe sobreviveu por mais de dois
anos. O nome do mecânico Gasparino Rodrigues dos Santos
é agora lembrado com muitas saudades, principalmente entre
aqueles que tiveram a oportunidade de com ele conviver. Gasparino
Rodrigues dos Santos fez um pouco da verdadeira história
de Montes Claros sem, contudo, ter ainda o devido reconhecimento
do povo montes-clarense e nem da terra que ele tanto amou.
___________________________
*DURÃES, Juvenal Caldeira. Experiências de uma vida.
Unimontes. Pág. 90.
2006.
Gasparino Rodrigues dos Santos
CASOS
QU’IEU ÔVI
Edgar Antunes Pereira
Cadeira N. 32
Patrono: Edgar Martins Pereira
A veíci num é tão ruim assim não.
A genti veve di sardade. Vai pensano nas coisa qui passô.
Vai lembrano di tudo qui asucedeu. Das coisa boa e das ruim tomém.
A genti senta e fica matutano inté passá as hora,
fecha os zói e vê divagazim os acunticimento passano,
iguá qui fossi num firme. Já fui no cinema. Faiz
muintos ano. Fui uma veiz só.
Quando vem as lembrança, gosto di ficá quetinha
no meu canto, balangando na cadera, pra lá, pra cá.
Vêjo ieu nova, arrudiada di meus fius piqueno. Aí,
mi alembro das histora qu’iêu contava pr’êlis.
As veiz choro, mi dá um aperto duído aqui no coração.
Tão duído qui’as lágrima sartam dos
zói qui nem um corgo, moia a cara e desci pelas ruga, os
caminho que o tempo abriu. Inxugo cum’as costa das mão,
faço força e inxoto a tristeza pra lá.
Mi alembro das histora premera qu’iêu contava prus
meus minino, as merma qui ôvia da finada minha mãe,
adispois pros meus neto. Essis num quiria ôvi não.
Nascerum nôtro tempo. O tempo da televisão. Bicho
do capeta. Tirô di nóis a cunvivênça.
Os minino de
hoji prefere os desenho, os firme, as paiaçada dos artista,
nun liga mais pro Saci-pererê, nem pra mula-sem-cabeça.
Bicho papão nem si fala!
No meu tempo, cada época do ano tinha suas histora. Na
Sumana Santa, a genti contava as histora di assumbração.
Os bichim, meus fiu, ficava cum os zói regalado, espantadim
de dá dó. Contava tomém a histora de Nos’Sinhô
Jisus Cristo e seu sufrimento pra nus sarvá.
Nu
fim du’ano, a genti contava o nascimento do minino Jisus
qui nasceu dia di Natali, pobrizim de dá dó, iguali
nóis mermo, numa lapinha qui sirvia de curral dentro dum
côcho forrado de capim e arrudiado de animá. È
purisso qui os presépio são feitio di papeli pintado
cum calvão, socado inté virá pó, misturado
cum’água, i feitio imitano uma lapa, c’uma
vaca, um carnero , um burrin e o galo du lado minino Jisus.
Di
comu Nos’Sinhora fugiu cum São José muntada
num jirico, viajano a noite intera prá fugí de Herodis,
um rei marvado qui quiria matá todos minino cum mêdo
de Jisus virá rei e tumá seu trono. Nun é
qui, já naquele tempo, longe, longe, a pruficia falava
qui eli ia sê o Rei, o Rei di tôda a terra?!
Na Sumana Santa, a mininada mais véia gostava era de
assustá os ôtro inventano mar feitio pá pegá
de susto as muié qui invinha da igreja. A gente pegava
uma cabaça das grande i furava cum’a faca os zói,
o nariz e uma bôca nela. Isperava quitim distrás
da cerca. A cabaça com uma candiêro dentro paricia
um fantasma, inda mais qui a gente inrrolava um pano branco invorta
dela.
Laçada pur um cordão infiado no meio da cabaça,
bem onde fica o talo, cordão cumprido, qui dava prá
passá no gaio bem arto da pitombêra do quintá
da casa de mãe. Nóis iscondido prestano atenção
nos passos de quem invinha. Daí quando invinha arguém
era só puxá a cabaça pra vê a gritaria.
Gritaria e correria. Tinha genti qui borrava nas calça
de tanto medo. E nóis, iêu e mais meus irimão,
morreno de tanto ri.
Mais o qui os meus minino gostava mermo di ôvi era as histora
do capeta. Di como Malaquia cortô o rabo do coisa-ruim e
inganô êli.
Di como Coroné Vadim ficô rico e do trato qui’êli
feiz c’um o demo prá mode inrricá. Foi o Saci
qui insinô pr’êli. Iêu mermo fiz a ixpiriença,
mais nun deu certo não. Acho qui fiz arguma coisa errada,
meu ôvim gôro.
A histora di Malaquia era anssim:
No
dia di sexta-fera da Paxão, ninguém divia trabaiá,
mais mermo anssim Malaquia desobedeceno os preceito de Deus, saiu
pra cortá lenha e cumo castigo passô, pro seu azá,
inrriba duma moitia de cipó-de-chumbo.
Cipó-de-chumbo, pra quem num cunhece, é um cipozinho
rastero qui dá no chão e o distraído qui
passá por cima dele perde o juízo. Num sabe mais
onde tá e pr’onde vai, perde e roda, roda, roda sem
rumo, inté o efeitio passá.
Naquel’dia foi o qui assucedeu. Malaquia perdeu no mato,
andô, andô, inté cansá. Pirdido, cum
sêde e fome, quereno discansá, avistô a sombra
d'uma gamilera, arta e frondosa, beim no pé d’uma
serra.
Chegano lá, deparô c’uma lapa, d’uma
inormidade de grande, junto dela. Na isperança di incontrá
água e matá a sede foi sem cirimônia entrano
gruta adento.
Cum os cuidado qui merece intrá num lugá discunhecido.
Divagá, prestano atenção intudo, iscutano
qualqué baruim, por mais menor que fosse. Atento c’um
as mão nas oreia, pra mode iscutá mió, ôviu
uma barueira, baixinha, qui paricia voz di muinta genti reunida.
A midida qui entrava na lapa, as vóis aumentava, e, cheio
de medo, foi, anssim mermo, entrano gruta adento inté depará
c’um salão grande, maió que muintias casa,
bunito, c’um riacho d’água azulinha, azulinha
riflitino os brio das pedra das parede da gruta. E na bêra
do riacho, um moço vistoso, bem vistido, cheio di riso,
qui foi logo priguntano pro Malaquia:
- Cê veio pra festa?
Malaquia pensano na cumida e na bibida arrespondeu sem pestanejá,
dano uma di sabido:
- Vim. Ispero nun tê chegado atrasado.
- Não. Arrespondeu o moço. Tem muita cumida e bibida,
quem num temi pecá di gula vai si fartá.
Animado, Malaquia siguiu o moço qui cada veiz mais entrava
no fundo da gruta. Malaquia estranhô qui o moço di
jeito argum ficava discosta pr’eli. Andava só di
lado, ou punhava eli na frente.Discunfiado, pensô: Qui
tem coisa!
Pensô
no que fazê, fingiu trupicá e atrasô o passo.
Sem qui o moço apercebesse, ficou pra tráis. Tomô
o maió susto cum qui viu. Um rabão vremeio, c’uma
ponta pareceno um ferrão de apará boi brabo, saia
beim do trazero do moçô.
Assustado, gritô:
- Cê tem rabo! Cê né gente não. Cê
é o demo, seu iscumungado!
Mal acabô de falá, o moço transformô
intIrim. Os zói ficarum in brasa, os chifre riturcido iguali
di carnero sairum na cabeça, a boca cresceu, os dente ficarum
puntudo, as zoreia tomém, os pé mermo qui vê
os casco d’um bode, nas mão as zunha crescerum qui
nem di onça, o are cherava porva e sua voiz iguali um truvão.
Falava cuspino fogo, das venta saia fumaça.
Coisa horrorosa, sô!
O demo inloquecido por ser discuberto antis da hora, sortano fogo
pela venta, pulô em cima di Malaquia, qui cum’um gato
sartô di banda e gritô:
- Me acuda, São Jerome!!
Mais qui dipressa, meteu as mão na cintura, tirô
da bainha o facão Guarani, segurô cum’a mão
o rabo do capeta e cum a ôtra, duma facãozada só,
cortô o rabo do coisa ruim, bem dijuntin da bunda. Ficano
só um tocozin, um nadica de nada.
Aí é qui o demo indoideceu di veiz. Ficô aceso
di raiva, o fogo tomô conta dele tudim. Sua voiz ficô
mais rôca inda, dos zói faiscava raio, da boca e
das venta labareda de fogu. Des’jeitio, imbrabicido di raiva,
o malíguino partiu in direção di Malaquia,
dizeno:
-
Me dê meu rabo, e se apronte prá vim cumigo prás
profunda dus inferno. Seu pecadô mardito! Cê já
viu arguém trabaía in dia santo?
Malaquia arrespondeu, levantano e mostrano o rabo:
- Discunjuro, coisa ruim! Vô é ti parti no meio,
cê viu o qui fiz cum seu rabo? Si insistí, cortu
é seus chifre tomem. Cê’ quis é mi inganá
qu’ia mi levá prá cumê e bebê,
qu’ia mi levá pr’uma festa e na verdade verdadêra
ocê tava era mi levano prus quinto dus inferno.
Satanaz
mardito!
- Agora é qui ocê tá frito. Falô o capeta.
Vô chamá meus cumpanhero e vamo carregá ôce
a força pros inferno, colocá numa foguera donde
o fogo nunca apaga, e ocê vai ficá sintino ardê
a carne pro resto do sempre.
Malaquia, veno qui a coisa tava ficano inda mais preta, disse
logo di carrera:
- Eu faço com cê um trato. Ocê, coisa ruim,
vai mi dexá saí. E lá di fora ieu jogo o
rabo pr’ocê. Ieu num priciso di rabo ninhum, inda
mais um rabo feio quinem esse.
O capeta aceitô o trato, cum vregonha di aparecê tocó
prus companhero e sirvi di troça. Intonce, dado o cunsintimento,
Malaquia disparô numa correria danada e parô só
do lado de fora da lapa, olfegano e pono o curação
pela guela.
Tremeno
e suano ajueiô, agradeceu a São Jerome. Inda sigurano
o rabo, guardô o facão na cintura, incheu de coragi
e gritô bem arto pro demo:
- Oh fio das profundeza dus inferno qué seu rabo? Vai buscá!Diss’isso
atirano o rabo dentro dum buraco sem-fim que ficava bem dijunto
da porta da gruta, disfalçado distrás d’uma
pedra grandi.
O capeta, vremeio de raiva, gritô:
- Miseravi! Inda ti pego, cê vai mi pagá nen qui
fô nus fim dos tempo. Inda ti pego, seu fio da peste.
O demo sabeno qui nunca mais incontraria c`um seu rabo, pois tudo
qui caia ô era jugado pra drento daquela fenda, do buracosem-
fim, nunca mais era incontrado, risiguinado vortô prus inferno.
Iêu merma, já cansei de jogá preda dento deli
e nunca ôvi ninhuma batê no fundo. Minha vó
dizia qui tudo caia no vazio, no nada. Pra sempri.
Aí, iêu arrematava a histora:
Si argun d’ôces num procedê direito, brigá
c’uns irimão, fazê malineza, minti, fartá
na iscola, disrespeitá os pai, cumetê pecado e purisso
mermo fô prus inferno, é certo qui vão encontrá
lá um capeta cotó, arredio, o pió de todos
na marvadeza, rismungano:
- Inda pego aquele infiliz!.
É o capeta de Malaquia.
Já a histora do coroné invorvia tomém o “coisa-ruim”
mais era deferente, o saci-pererê fazia um aparte, foi ele
qui premero ajudô o coroné. O mulequim d’uma
perna só é malineza pura, vive pra brincá
de assustá os ôtro e pregá peça. Parece
di tão levado inté fazê parte do demo. Mais
ele né ruim não. É como todo minino, o pestinha
gosta mermo é de brincá.
Vadim era muintIo pobrizin. Vivia numa casinha fincada num boquerão
perto da nascente riacho do Buriti. Lugá muitIo bunito.
Na
casinha pobre di inxumentobe, donde morava, só tinha um
fugãozin di lenha di duas boca na cuzinha qui tomém
era sala. Tinha dois banquin di treis perna e uma mesa istreitia,
d’uma talba só, qui paricia mais um banco arto. N’ôtro
cômodo, duas cama di vara forrada di capim seco coberto
c’um pano di saco. Sua mãe era a viúva di
Salustiano.
Salustiano bebeu inté morrê. Bibida é coisa
do cão, ela dumina a gente di um jeitio qui num tem mais
jeitio. Gente pará cum tudo; di trabaiá, perdi a
vregonha, num vale mais nada. Deixa a muié e os fio sofreno
no mundo.
Cumo
sempre fazia, Vadim saiu di casa e foi pru mato vê si cunsiguia
arguma fruta pra cumê, e tomém pegá na armadiá
uma zabelê pr’êli e sua mãe tê
o qui cumê na janta. Chegô nu lugá da armadia,
oiô pra vê si tinha pegado arguma coisa, e nada. Arresorveu
intonce deitá imbaxo d’um pé di imbú
pra aguardá o resurtado.
Deitiô e drumiu. Drumiu e sonhô.
Sonhô qui o Saci Pererê, um nigrim di duê, dono
d’uma perna só, um muleque da merma idade di Vadim,
uns onze ano, pareceu, pr’êli. Era do jeitim qui ôvira
falá: preto qui nem calvão, os zói grande,
branco cum as minina dos zói negra quinem jabuticaba, lenço
di chita vremeia iscarlati amarrado no arto da cabeça,
fumano sem pará um cachimbo iscanchado no canto da boca,
sortano fumaça fidida di fumo de rolo pela boca e pela
venta, dano toda hora, gargaiada istridente, Iarrà, ré,rá,
rá, rá, ráaa .... riflitino mata adento,
qualqué qui fosse o mutivo, ô meso sem mutivo ninhum.
Sonhô qui o pestinha ficô cum muintia dó da
situação di pobreza dêli e purisso mermo insinô
pr’êlli um jeitio de inricá. Mais era priciso
pra acuntecê essa sorte, di inricá, chocá
um ovo de galo véi, só os galo véi bota.
Do ovo ia nascê um capetinha, e qui’êli tinha
de prendê o diabim numa garrafa e arroiá, muintio
bem arroiado, pr’êli nun iscapulí.
Ixpricô inda, qui toda a Sumana-Santa no galinhero o galo
mais veio botava um ovo. Qui’li fosse procurá, rivirá
os nin das galinha inté incontrá o tar ovo.
Qui a diferença do ovo di galo pr’um ovo di galinha,
era o tamano. O ovo de galo era piquinin e preto, do tamano dum
ovo di cadorna. Aí eli punhava o ovo dibacho do braço,
bem no suvaco, e isperava chocá por quarenta dia e quarenta
noite. Sem discuidiá.
Adispois, no dia marcado, interado os quarenta dia e quarenta
noite, eli tinha qui pô o ovo, meia noite, incima d’uma
mesa, ascendê uma vela, e prestá muintia atenção
pra vê a ora ixata do diabim nascê. Num pudia perdê
a atenção, pois o bichim era danado e só
ficava um minuto queto e nada mais.
Na ora certa de nascê, o capitinha furava o ovo cum o isporão
da ponta do rabo, deixava a casca, ispriguiçava, e ficava
qui nem besta, só fazeno di conta, ispiava em vorta, meio
parado, girano divagá, e assuntano o qui tava aconteceno.
Si num pegasse eli naquela ora, inquanto inda tava aturdoado,
num pegava mais não. O bichim era tinhoso. Caia no mundo
e vortava pros inferno qui é o lugá delis.
Vadim feiz como o Saci insinô.
Foi só o capetinha acabá di nascê, pr’êli
prendê o danadin na garrafa e arroiá bem arroiada.
Prendeu e iscondeu. O capetinha chamava Famalial. Daí in
diante as coisa mudô muintio.
Famalial acunseiava tudo qui Vadim ia fazê. Falô cum’é
qui’êli ia achá um cartera pirdida, chiinha
de dinhero. Insinô cumo negociá. O qui plantá
e coiê. Cumo comprá e vendê gado. De tar modo
qui Vadim inricô tanto qui virô coroné, pulítico,
e o fazendero mais famoso e rico de toda região.
Já véi e poderoso, Coroné Vadim têve
uma cunversa cum Famalial:
- O qu’iêu tenho devo agradecê ocê pur
dimais. Fiquei muintio rico e poderoso. Desdi qui ti choquei só
tive sorte na vida. Isso num tem preço.
- Tem sim! Arrespondeu Flamalial Sua alrma mi pertence.
Ela é minha liberdade, ocê morreno ieu tenho a incumbença
di ti acumpanhá di vorta pra minha casa nus infernu. Inté
acha ôtro bobo qui qué inricá fácil,
só na isperteza. Tudo na vida tem um preço.
Coroné
Vadim disisperô. Passá a eternidade nos infernu sofreno
pra sempre nun tava nos seus plano, era um preço muintio
arto. Cumé qui’êli havia di fazê pra
mode sarvá sua alrma.
Era
o jeitio acudi com Pererê de novo. Afiná foi ele
qui insinô como prendê o capitinha. Onde agora incontrá
o saci? Pensô, pensô e foi pro mermo lugazin qui quando
eli era minino havia sonhado, imbaixo du imbuzero.
Deitiô
e drumiu. Drumiu e sonhô de novo.
O muleque do perneta apareceu morreno de caçoá de
Vadim.
Disse:
- Cê quiria inrricá e inrricô, num mi priguntô
o preço, nem iêu falei. Agora ocê sabe. O preço
é sua alrma.
O coroné disisperado priguntô.
- Cumé qui’êu faço pra mi livrá
dessa sina? Tem dó de mim. Pelo amô qui ocê
tem pelas mata, pelos bichim da natureza, mi ajuda !
O saci arrespondeu.
- Só tem um jeitio. É ocê pidi perdão
pra Deus do Céu,
arrependê di tê caído na tentação,
e dá tudo pra igreja. Ficá pobre de novo. Disse
morreno di ri: Iarrá, rá,rá, rá, rá,
ráaa ... e sumiu no meio di um ridimunho di fumaça,
num piscá de zói.
Vadim, cum medo dos inferno, assim feiz.
É purisso qui todos os terreno daqui do cumércio
de Bela Vista é da igreja, di Nos’Sinhora e São
José. Daqui i d’ôtros lugá, onde fô
da Igreja todas as terra, e si as terra foi doada prum coroné
muintio rico, oceis pode tê a certeza qui’êlis
tomém tinha trato cum o demo.
Pois é, cansei de contá esta e ôtras histora
qu’ieu ôvi de minha mãe pro meus fios. Tempo
bão, cu’a mininada arrodiada em vorta d’ieu
c’os zói arregalado prestano muintia atenção
no qu’ieu contava...
Hoje, já num tenho ninguém mais pra ôvi e
é purisso, pras histora num acabá, nun caí
no isquicimento, que arresorvi contá procês todos.
Sinão elas morri, igual um dia vai acuntecê cumigo,
e passado uns tempo ninguém vai si alembrá mais.
Nem d’iêu e nem
delas.
“E correu treis léguas, cagô treis tora, seu
rei mando dizê qui
contassi ôtra histora”
A
PRESENÇA ARTÍSTICA DE ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA,
O ALEIJADINHO
Felicidade Patrocínio
Cadeira N. 20
Patrono: Camilo Prates
RESUMO: Após tomar conhecimento do abalo sofrido pela memória
cultural e histórica do povo mineiro, causado pelas denúncias
que negavam ao Aleijadinho a autoria de suas obras de arte, desenvolvemos
esta pesquisa em busca da verdade. Através de leituras,
análises de documentos, reflexões e comparações
de argumentos favoráveis e desfavoráveis, concordamos
com aqueles que devolveram ao Aleijadinho a sua criação.
Como
passageiros de um tempo de rupturas, cercados por painéis,
paradigmas luminosos e faiscantes da urbanidade pósmoderna
e influenciados pela pressa das máquinas do consumismo,
necessitamos, se não a todo momento, pelo menos de vez
em quando checar o nosso equilíbrio, as nossas referências
em defesa da nossa integridade como humanos. Somos responsáveis,
se não pelo destino não realizado das gerações
passadas, ou pelo alicerce da geração futura, pelo
menos pela nossa geração, já que não
somos os primeiros e nem seremos os últimos. Como seres
resultantes desse enlace entre gerações, somos históricos
e temos história.
O
tempo presente é incomensurável, apenas um limiar
e como somos mobilidade constante é preciso o contato com
nossas referências, evitando assim alienações
e preservando a nossa identidade. Ainda não se pode negar
que o homem é memória.
Em
Sócrates, a memória é armazém de idéias,
lugar da libertação dos erros provocados pelas meras
aparências. Para muitas culturas,
como a dos judeus, por exemplo, a memória é o lugar
onde vivem os mortos, portanto o lugar da imortalidade. Para a
Psicologia, o lugar onde as vivências conseguem intervenções
libertadoras. Até na própria cibernética,
virtualidade tão próxima do homem hoje, a memória
é armazém de informações.
Centralizando, pois, a idéia de homem, de sociedade como
memória total ou parcial, é que reconhecemos quão
oportuno e importante é a temática voltada para
as questões do patrimônio histórico e artístico
brasileiro. Ressaltando dentro desta área, o conhecimento
do Barroco, propomo-nos neste primeiro contato, uma análise
da sua figura máxima: Antônio Francisco Lisboa, o
Aleijadinho.
Buscando conhecer todo o contexto que envolve este personagem,
reportamo-nos às fontes de onde ele provém e o encontramos
no nascedouro de uma nova raça, gerada nas fusões
das positividades de duas etnias distantes, banhada no sincretismo
da resistência das identidades, no confronto de universos
radicalmente distintos: o branco europeu e o negro africano. Culturas
estas em diferentes estados de civilização, com
referências, práticas, sagrados e imaginários
diversos.
Da unidade das origens para a pluralidade num solo rico, aurífero,
mas estranho e inóspito e daí novamente para a unidade
do novo: surge o mulato.
Começa assim a surgir o Brasil que não nasce em
1500 como se pensa, mas no produto desta miscigenação
e nas primeiras expressões de brasilidade do seu povo:
as artes.
Descobre-se uma simbiose cabocla, cafusa, mulata no processo de
aculturação. O idioma Português se adoça,
nascem novas divindades no sincretismo do sagrado, torna-se rica
a culinária, mistura-se o ritmo latejante das senzalas
com as melodias ornadas e lamentosas dos salões, surgindo
uma nova música, e do exercício da habilidade técnica
plástica do negro conjugado com a erudição
do branco e motivado pela necessidade de representação
do mulato, surge em forma de escultura, arquitetura, pintura,
nos meados do século XVIII, uma arte genuinamente brasileira.
“Ora”, diz Sílvio de Vasconcelos1
:
LABOR
CLUBE DE MONTES CLAROS
Geralda Magela de Sena Almeida e Sousa
Cadeira N. 34
Patrono: Eva Bárbara Teixeira de Carvalho
JUVENTUDE, COMPANHEIRISMO E SERVIÇO - UM EXERCÍCIO
DE CIDADANIA
O LABOR CLUBE ainda hoje é lembrado por todos que o conheceram
como um grupo representativo de jovens da sociedade montes-clarense,
nas décadas de 1960/1980, que viveu o companheirismo e
o serviço à comunidade como um traço forte
que lhe caracterizou e possibilitou prosseguir na memória
de muitos e fazer parte da história da cidade.
UM CLUBE PRA SERVIR
Labor Clube foi o nome dado ao clube de serviço formado
por elementos do sexo feminino, solteiras ou casadas, com a idade
mínima de 16 anos. Fundado pela primeira vez em 21 de novembro
de 1959, em Governador Valadares (Minas Gerais), pelo orbiano
Ronald Amaral teve como primeira presidente a senhorita Semírames
Gomes. O Labor Clube de Montes Claros foi criado em março
de 1963. Era semelhante a outros já existentes como o Rotary
Club (um dos mais antigos), o Lions Clube e o Orbis Club (este
com suas atividades suspensas em Montes Claros há alguns
anos).
COMEÇOU ASSIM...
Em 27 de dezembro de 1962 o “O Jornal de Montes Claros”
sob o título: “ORBIS VAI FUNDAR O LABOR CLUBE”,
noticiou, pela primeira vez a intenção de se criar
um clube de serviço composto só de moças,
unidas pelos mesmos ideais do Orbis Clube. Desde maio de 1960
o Orbis Clube já existia em Montes Claros, por uma iniciativa
do saudoso rotariano Hildebrando Mendes e agregava jovens do sexo
masculino entre 18 a 26 anos de idade.
Era
29 de março de 1963, quando na residência de Raquel
Barroca Peres, um grupo de moças, iniciava as reuniões
preparatórias para a criação do Labor Clube,
em nossa cidade, nos mesmos moldes em que já funcionava
o Orbis Clube. E em maio deste mesmo ano, em reunião festiva,
com a presença do Rotary Club, Orbis Clube e diversas autoridades
montes-clarenses tornou-se então oficialmente criado e
instalado o LABOR CLUBE de Montes Claros.
O Grupo Fundador reunia, com idade entre 18 a 24 anos, as seguintes
jovens: Branca Dias Neto, Beatriz Dias Santos, Carmem Lúcia
Tupinambá Alves, Elizabeth Lüscher de Castro, Geralda
Magela de Sena Almeida, Josefina Pereira de Carvalho, Lúcia
Teixeira de Souza, Magda Vasconcelos Nascimento, Maria Elizabeth
Brant Maia, Maria de Jesus Brant Maia, Miriam Veloso Milo, Neusa
Gonçalves Dias, Neusa Linda de Mendonça e Paula,
Rachel Barroca Peres, Yolanda Caldeira Fróes e Wanda Maria
Fernandes Carvalho.
Eram jovens de diferentes famílias e idades que tinham,
no entanto, a mesma alegria de viver, despreendimento e disponibilidade
para o servir. Com o ideal de estimular o companheirismo e o trabalho
voluntário, num exemplo de compromisso, boa vontade e preocupando-se
já naquele tempo com as desigualdades e a paz no mundo,
as laborianas punham-se ao trabalho de convivência e construção
comunitária sob o lema: Viver, amar e servir.
JUVENTUDE, UM LEMA, UMA CANÇÃO , UMA BANDEIRA O
HINO DO LABOR, quando entoado, conseguia destacar e exaltar no
coração de cada laboriana a importância cidadã
de ser parte de um grupo que conseguia inserir nas prioridades
de sua vida e juventude, o serviço ao outro e a comunidade.
O orgulho que emergia aos primeiros acordes do seu hino era o
de servir à Pátria, um sentimento quase em desuso
nos dias de hoje: Somos do labor, proclamamos com ardor /Formamos
juntas grandioso colmeal / Nosso estandarte é esperança
e amor /Nossa divisa é nossa força triunfal. E em
coro continuavam: Avante, avante vamos pois cantar / Avante unidas
vamos pois servir / E proclamar esta verdade tão sublime
/De muito dar sem nada em troca exigir. A consciência de
grupo se materializava na figura incansável e laboriosa
das abelhinhas (como eram também chamadas).
A bandeira do LABOR CLUBE era retangular, branca, com o símbolo
do clube ao centro. Símbolo, que também se repetia
no Distintivo de Lapela.
No Labor Clube de 1960/1970 – Não importava o por
que ou para que, se a reunião era do Labor bastava chegar
uma laboriana, outra, a Nenenzinha, a Magela, a Regina que, num
repente, puxavam o canto: Esqueça...e o violão soava
forte acompanhado pelo coro animado do restante do grupo que fazia
valer o grito de guerra do Labor. Podiam ser reuniões administrativas,
festivas, saídas ou voltas dos serviços comunitários,
que a “nossa música” reforçava o entusiasmo
e a união necessária ou sinalizava a volta à
casa e o descanso merecido. Quando após os aniversários
os companheiros orbianos conduziam as laborianas até suas
casas, “pelas madrugadas” (11, 12 horas da noite),
o violão estava junto e os versos do “... Esqueça,
esqueça os males!...” entremeava as canções
da época, e pelas ruas tranqüilas e desertas embalava
o sono da cidade que àquela hora já se encontrava
adormecida.
O Labor cresceu em ação e serviço. Seu nome
extrapolou os limites de Montes Claros. Por estes sertões
do Norte de Minas, o Labor Clube iniciou sua expansão:
Pirapora, Francisco Sá, Janaúba e Bocaiúva,
sendo encontrado ainda em Curvelo e Sete Lagoas.
As dificuldades não as esmoreciam. Se era uma solicitação
para ajudar um irmão ou para melhorar a cidade, era com
alegria e disposição que sempre se apresentavam.
O envolvimento e entusiasmo eram tanto que amigos, irmãos,
namorados (e, mais tarde, maridos) perfilavam-se ao lado como
fiéis colaboradores e eram carinhosamente chamados de co-laborianos.
O serviço à comunidade se fez de forma mais concreta
no Bairro Maracanã. A comunidade nessa época era
constituída de umas cem casas, pobremente assentadas, distribuídas
espaçadamente aqui e ali, em clareiras abertas no matagal
dos lotes não cuidados. A população era muito
pobre. Mas o Labor buscando e agregando parcerias construiu com
osparceiros os alicerces daquele bairro : formação
de clube de Jovens, de Mães, criação de Lactário,
da Horta Comunitária, ativação de Posto Policial,
instalação do Conselho Comunitário foram
parte dos melhoramentos que surgiram do trabalho e dedicação
daquelas jovens.
Transbordante de alegria e entusiasmo de viver e servir o Labor
Clube cresceu tal qual uma colméia. O pequeno e inicial
enxame de abelhinhas (como eram carinhosamente denominadas) multiplicou-se,
expandiu-se, voou nos espaços em redor. Um dia o enxame
ganhou ares e desapareceu dos Montes Claros. Mas o doce mel permaneceu
escondido nos favos da memória montes-clarense.
Uma memória que pode estar ameaçada de destruição
diante da perda de referenciais teóricos. BITENCOURT (2001:138
-145) alertando para o perigo de destruição do passado
e da perda de referenciais históricos por parte dos jovens,
enfatiza a importância do historiador neste final de milênio
: Quase todos os jovens crescem
numa espécie de presente contínuo, sem qualquer
relação orgânica com o passado público
da época em que vivem. (...) somente a partir do momento
em que a sociedade resolve preservar e divulgar os seus bens culturais
é que se inicia o processo de construção
do seu ethos cultural e de sua cidadania.
Grupo
de laborianas em reunião festiva, Ano: 1973.
FONTE: Acervo particular do Labor Clube de Montes Claros.
Em
pé da esquerda para direita: 1. Wilma Sanches, 2. Magna
Casassanta, 3.
Aparecida Jorge, 4. Maninha Cardoso, 5. Zulma Ribeiro, 6. X Mourão,
7. Julinha
Lafetá, 8. Renata Brito, 9. Miriam Veloso Milo, 10. Geralda
Magela de Sena
Almeida, 11. Marinilza Mourão, 12. Almerinda Tolentino,
13. Carmem Lúcia
Marques, 14. Maria de Fátima Guimarães, 15. NI,
16. Rosália Gomes.
Obituário
HISTORIADOR
JOÃO BOTELHO NETO
Dr
Haroldo Lívio de Oliveira
Cadeira N. 82
Patrono: Nelson Viana
Finados.
O pavilhão brasileiro hasteado a meio pau, na entrada da
Câmara dos Vereadores, em São Francisco, confirmava
o decreto de luto oficial de dois dias pelo falecimento do ex-vereador
João Botelho Neto, notório pesquisador da história
local e ecologista consagrado. Merecidamente homenageado pela
municipalidade e aplaudido por todas as pessoas que o estimavam
e admiravam, seu nome está imortalizado na galeria dos
beneméritos de sua cidade por ter sido guardião
do patrimônio histórico e cultural e zelador vigilante
da Natureza. Cogita-se de sua indicação para patrono
do centro cultural a ser implantado no prédio do antigo
Cine Canoas, ora fechado.
João Botelho Neto, um nome que jamais será esquecido
pelas gerações sanfranciscanas, provém de
tronco familiar tradicionalmente vinculado ao amanho da gleba
e ao pastoreio, no sertãozinho do Pajeú. Foram seus
pais o pecuarista Zezé Botelho, patrono do Parque de Exposições
de São Francisco, e d. Emilia Neves Botelho. Nasceu em
31.01.1932, em São Francisco, e faleceu, em Montes Claros,
em 01.11.2007, aos 75 anos de idade, querendo viver
mais algum tempo para completar sua obra de pesquisa histórica
e ver o seu amado Rio São Francisco salvo da degradação
que o ameaça. Ele era um homem que sonhava e trabalhava
pela realização de seus sonhos.
Fez seus estudos no afamado Colégio São João,
de Januária, e na Universidade de Viçosa, de onde
saiu graduado técnico agrícola. Dedicou seu talento
e as energias de sua juventude ao serviço público,
nada exigindo em troca de sua dedicação. Exerceu
a vereança em Brasília de Minas e São Francisco,
gratuitamente, e chefiou gabinetes de diversos prefeitos, em seu
município natal.
O
historiador joão Botelho sendo diplomado no IHGMC
Sobretudo, apaixonou-se pela narrativa dos sábios naturalistas
europeus que percorreram o Norte de Minas, no século XIX,
tanto que pretendia publicar um estudo especial sobre a matéria
que tanto o atraiu. Deixou livros publicados e também uma
grande saudade. Era membro do Instituto Histórico e Geográfico
de Montes Claros e secretário da Academia de Letras, Ciências
e Artes do São Francisco – ACLECIA. Casou-se, em
primeiras núpcias, com ÁureaNeves
de Oliveira, com quem constituiu família. Enviuvando, contraiu
matrimonio com Joanita Cunha, que chora sua ausência.
Gozava de invejável reputação de cidadão
e chefe de família exemplar, impondo-se ao respeito geral.
Fundou a ONG Preservar, cujo nome diz tudo: preservação
dos bens culturais e naturais para manter viva a memória
de um povo rico em tradições. Sabe-se que o eminente
historiador Braziliano Braz registrou atos e fatos ocorridos no
passado de São Francisco. E que o pesquisador João
Botelho Neto batalhou para que a história local não
caísse na vala comum do esquecimento coletivo.
Sua alma partiu para a Eternidade, no dia de todos os santos.
E seu corpo desceu ao jazigo, no dia de todos os finados.
SECOS E MOLHADOS
Talvez por ser a Cidade da Arte e da Cultura, assim batizada pelo
teatrólogo Reginauro Silva, Montes Claros mantem-se uma
cidade pra lá de civilizada, onde sempre se comeu e se
bebeu do bom e do melhor. Esta vetusta tradição
de caprichar nos comes e bebes vem de muito longe. Vem desde os
primeiros albores da vida urbana, por ocasião da elevação
da vila as honras de Cidade do Império do Brazil, em 3
de julho de 1857. Consta, nos anais da história, que houve
retumbante comemoração cívica seguida de
farto regabofe.
O montes-clarense de antanho fazia questão de acompanhar
as novidades da culinária, que vinham de Paris via Rio
de Janeiro. Nossos historiadores noticiam um banquete a rigor
oferecido ao ministro da Viação, nosso conterrâneo
Francisco Sá, em 1924, faltando apenas dois anos para a
chegada dos trilhos da EFCB. Cumpriu-se, rigorosamente, o protocolo
observado em recepções oficiais. Todos os cavalheiros
de traje passeio completo e todas as damas vestindo a toalete
do “dernier cri”. Evidentemente, que o cardápio
foi escrito em francês e a cozinha parisiense foi copiada,
no que apresentava de mais deliciosas iguarias. O champanhe Veuve
Clicquot jorrou e o ágape foi aberto com o brinde de praxe
em honra do Presidente da República. Isto prova, historicamente,
que o povo de Montes Claros sempre esteve na vanguarda de costumes
fidalgos, notadamente no que diz respeito à cozinha e bodega.
Ao
longo do tempo, sempre tivemos ótimos bares e restaurantes.
E notáveis cozinheiros, registre-se por questão
de justiça. Quando aqui cheguei, em 1953, já havia
locais afamados pela excelência da mesa. O maitre Pedro
de Alcântara Valério, que veio do Rio, pontificava
no ramo. Em seguida, vieram o Acaiaca, o Mangueirinha, o Mangueirão
e o Intermezzo, entre outros que marcaram época, nos Anos
Dourados.
Atualmente, Montes Claros é uma verdadeira metrópole
da gastronomia. Os moradores da cidade e os visitantes, elogiam
o alto nível dos restaurantes e “buffets”,
que oferecem cozinha de padrão internacional.
Embora não seja da minha conta, não consigo entender
porque empresas locais , às vezes, contratam “buffets”
de outras localidades para suas recepções. Recentemente,
veio um de São Paulo trazendo até as cadeiras, como
se não dispuséssemos de estabelecimentos capacitados
para atendimento nota 10. Pode ter sido falta de informação
sobre nossas tradições culinárias e experiência
na arte de receber. Resta a certeza de que essas empresas, caso
venham a conhecer a prata da casa, chegarão à conclusão
de que buscar “buffet” lá fora é jogar
dinheiro pela janela. Ressalva-se, entretanto, que o dono do dinheiro
pode gasta-lo como bem entender. E que isto não é
da conta de ninguém...
O
ROMÃOZINHO DE PORTEIRINHA
Itamaury Teles
Cadeira N. 84
Patrono: Newton Prates
Quando Porteirinha ainda era distrito de Grão Mogol, em
1926, acontecimentos estranhos, atribuídos a um suposto
romãozinho, deixaram em polvorosa não só
a residência do casal Filogônio Telles de Menezes
e Guiomar, mas também boa parte da
pequena população do lugarejo.
Geraldo Telles, filho primogênito, tinha pouco mais de seis
anos e assistiu a muitas das estripulias do chamado romãozinho,
tendo “dele” recebido algumas moedas de cobre. Às
vezes, como declarou tempos depois, fazia-se passar por “ele”,
atirando cacos de telha nos transeuntes, escondido nas ramagens
de uma frondosa mangueira. Mas ficava apenas nisso.
No livro “Montes Claros, sua história, sua gente,
seus costumes”, do historiador montes-clarense Hermes de
Paula, há uma breve referência a esse acontecimento.
Sob o título “Entes Sobrenaturais”, em uma
linha e sem maiores detalhes, o Dr. Hermes
informa que “em Porteirinha surgiu um romãozinho
que ficou famoso”.
Isso dá bem a dimensão que o caso tomou, no âmbito
regional, pois a primeira edição do livro somente
veio a lume após mais de trinta anos, na década
de 50. Segundo o historiador De Paula, “depois de uma investigação
rigorosa, verifica-se que o romãozinho não passa
de uma criança, residente na própria casa, dotada
de um grande poder de simulação, que consegue ir
ludibriando a todos”.
O Padre Quevedo, não faz muito tempo, desvendou um suposto
caso de romãozinho no “Fantástico”,
provando, com utilização de câmeras escondidas,
toda a farsa perpetrada por uma adolescente, que derrubava holofotes
da equipe de filmagem e armários da casa, de maneira muito
bem dissimulada.
Mas os fatos ocorridos em Porteirinha têm peculiaridades
que continuam aguçando a curiosidade dos estudiosos. Há
uma busca incessante de explicações plausíveis
no campo da ciência para os fenômenos de combustão
espontânea, levitação, aparecimento de objetos
e telecinese. Até hoje, contudo, permanecem nas denominadas
fronteiras do desconhecido.
Cientistas costumam fazer vistas grossas a essas manifestações,
pela impossibilidade de explicá-las. Uma velha piada mostra,
com efeito, um cientista contemplando um ser humano a levitar.
Por não entender o fenômeno, o sábio olhou
o que levitava e disse:
- É, é mesmo interessante. Mas enquanto não
houver explicação científica, isto é
inconcebível. E foi com o espírito desarmado para
julgamentos que, em pleno Natal de 1976, buscando obter maiores
detalhes sobre o suposto Romãozinho, gravei entrevista
com o Sr. Filogônio Telles, à época dos acontecimentos
um próspero dono de tropas. Já cego e rondando a
casa dos oitenta anos, lembrou-se, com detalhes, como ocorrera
a primeira manifestação dita sobrenatural.
Estava ele em um quarto, quando um cepo de madeira lavrada, medindo
15 cm X 15 cm e com meio metro de comprimento, caiu no chão.
Ele ficou bastante intrigado com o fato, pois aquele pedaço
de madeira não poderia ter passado por lugar algum. O quarto
estava totalmente fechado e não havia uma fresta sequer
no telhado.
Os Telles moravam em numa enorme casa de esquina, onde hoje existem
vários imóveis comerciais, que pertencem ou pertenceram
aos descendentes do Sr. Pedro Caires, na antiga Praça da
Bandeira, em Porteirinha. Foi ali que as principais manifestações
ocorreram, durante exatos e longos 90 dias.
Nesse período, segundo o Sr. Filó, muito café
coado e muita comida pronta eram sistematicamente postos a perder
pelo romãozinho, que misturava ingredientes pouco convencionais
nas panelas: cumbuca seca de limão, estrume de cavalo,
pedaços de couro cru, osso para fazer sabão etc.
As
coisas só começaram a melhorar um pouco no seio
familiar após a passagem de um amigo baiano, que ensinou
o Sr. Telles a separar, primeiro para o romãozinho, tudo
que se fizesse em casa.
Daí para frente, podia-se ver marcas de dedo de menino
de dois anos sendo formadas na farinha colocada em pratos esmaltados
e a xícara movimentando-se sozinha no ar, como se alguém
invisível estivesse a tomar café, “com toda
delicadeza”, segundo o relato do Sr. Telles de Menezes.
O romãozinho não limitou sua atuação
apenas no âmbito da família do Sr. Filogônio.
A sua primeira “diabrura” externa ocorreu em um açougue.
Notando a falta de uma grande manta de carne de sol que preparava,
o açougueiro Adelino ficou espantado, pensando ter sido
vítima de furto. Mas, enquanto matutava, começou
a sentir cheiro de carne assada. Quando olhou para o meio da rua,
lá estava a carne, que sumira do gancho, girando sozinha
em forquilhas de madeira, sobre uma pequena fogueira. O homem
ficou quase maluco com o que vira...
As mulheres do lugar decidiram rezar o terço, diariamente,
pedindo para que aquela “atentação”
acabasse. Num desses encontros noturnos de oração,
num salão da casa do Sr. Terêncio Rodrigues, quando
começaram a rezar a ladainha, apareceu, de repente, sobre
a cabeça de uma mulher conhecida por Mocinha, um gato preto,
que causou grande confusão e acabou com a reza.
- Miaaaaaaaauuuuuuu!!!!
O gato saiu pulando e miando, de cabeça em cabeça,
e Farofa (Anfilófia), irmã de Serrote (Sesóstris
Lima), correu com o felino, agarrado em sua touca, para o meio
da praça, largando pra trás seus chinelos, que só
foram encontrados no dia seguinte.
Noutra ocasião, Chiquinha, criada dos Telles, chegou gritando:
- Madrinha, tão pondo fogo na roupa ali no arame!
O Sr. Benedito Fernandes, que se encontrava por perto, pediu uma
bacia d’água para apagar o fogo. Quando atirou a
água sobre as vestes em chamas, parecia ter jogado gasolina.
Aí é que o fogo crepitou vigoroso e só se
viam os botões de madrepérola caindo, um a um, das
melhores roupas da família.
O romãozinho tinha uma maneira peculiar de demonstrar sua
presença: manifestava-se jogando torrões nas orelhas
das pessoas. Nessas ocasiões, os importunados faziam pedidos
e eram prontamente atendidos:
- Ao invés de jogar torrão, porque não me
manda um pedaço de sambaré? – pediu um comerciante
que necessitava colar um dinheiro velho com aquela cola natural,
parecida com um broto de cana, encontradiça nas cercanias
da Cachoeira do Serrado e do Pico Sanharó.
-
Foi só falar e “vapt”, o sambaré apareceu
na hora – relata o Sr. Filogônio.
Certa vez, o menino Geraldo pediu dinheiro em lugar dos torrões
que recebia na orelha e caíram dois cobres. Comprou bananas
e, quando as comia, segredou a um amigo que havia adquirido aquelas
frutas na venda do “seu” Eduardo, com dinheiro que
ganhara do romãozinho. O menino correu para lá e
perguntou ao comerciante se o filho de Filó havia comprado
bananas em sua mão:
- Comprou. Com um dinheiro velho, azinhavrado!
- Romãozinho que deu ele – revelou o inconfidente.
- Ave, Maria!!! – espantou-se “seu” Eduardo,
dirigindo-se à gaveta para lançar fora aqueles cobres,
nada mais encontrando.
Como era muito religioso, mandou fazer um grande cruzeiro de aroeira
e o fincou no meio da Praça Tiradentes. Até meados
da década de 60 essa grande cruz de madeira estava lá.
Depois, foi retirada para a construção de um jardim
e levada para o cemitério velho, onde jaz esquecida...
Outra ocorrência relatada pelo Sr. Filogônio Telles:
o romãozinho pegou um cachorro preto, de sua propriedade,
e bateu tanto que ele nunca mais voltou a guardar a residência
do antigo dono. Mudou-se definitivamente para a casa de um camarada,
ajudante da tropa. O cachorro ficava suspenso no ar, com o cabo
esticado pra cima, como se houvesse alguém invisível
a segurá-lo por ali. Ele gania, chorava e urinava, enquanto
o romãozinho metia a taca, sem dó nem piedade...
Houve um caso de um rapaz, chamado Hildebrando, que estava “pilando
a dois” com a criada Chiquinha. Começaram a discutir
e ele deu um “pescoção” nela. Nesse
exato momento, ouviuse um grande barulho e o agressor ficou totalmente
cercado por cacos
de garrafas.
- Do pilão pra cá fez-se uma argola e ele não
podia se mexer. Tivemos que arranjar uma tábua, abrindo
um canal, para ele sair... - relembrou-se o velho tropeiro.
A mesma Chiquinha fora um dia à casa do Sr. Natinho, “próximo
de onde era o mercado velho, abaixo da casa do Sr. Nezinho Nogueira”.
Lá chegando, pediram a ela para lavar algumas vasilhas
que estavam numa gamela. Quando ela apanhou a gamela, “apareceu
um fogo, 50 vezes mais claro que a luz do sol, que doía
a vista. Essa “coisa” tomou dela a gamela num barulho
medonho” – continuou “seu” Filó.
Depois de tantas ocorrências desagradáveis, o Sr.
Filogônio viajou para Montes Claros, em busca de solução
para aqueles insólitos acontecimentos. Ali, encontrou-se
com o médium Cícero Pereira e algumas orações
foram feitas, sem resultado prático. Após, rumou-se
para Campinas-SP, onde obteve algumas explicações
sobre as prováveis causas do fenômeno. Soube que
todas aquelas manifestações tinham relacionamento
com a menina que criava, considerada no meio espírita uma
“médium transporte”, capaz até mesmo
de receber receita médica de um espírito. Era, como
diziam, um elemento bom.
Antes mesmo de mudar-se para São Paulo, casada prematuramente
aos 13 anos, Chiquinha recebeu uma mensagem pintada com tabatinga
em seu cobertor: Mariano longe. Interpretaram-na como sendo o
provável nome daquele suposto ente sobrenatural.
O certo, porém, é que essa mensagem escrita foi
a última manifestação do romãozinho
de Porteirinha.
DOCUMENTO
HISTÓRICO
Diploma de nomeação para a Guarda
Nacional - Domiciano Ferreira Pimenta
(Montes Claros de Ontem e de Hoje - Yvonne Silveira e Zezé
Colares, página 26)
BREVE
HISTÓRICO DA AVIAÇÃO DE MONTES CLAROS
Juvenal Caldeira Durães
Cadeira N. 81
Patrono: Nathércio França
o
fim da década de trinta, eu estudava numa escolinha coberta
com telhas comuns, piso de chão batido e mantida pelos
nossos pais. Era situada numa localidade chamada de Boqueirão,
próxima ao Cantinho, fazenda de meu pai hoje, pertencente
ao 55º Batalhão de Infantaria do Exército Brasileiro.
A nossa professorinha chamava-se Maria e na sua ausência,
nós a chamávamos de Mariquinha Baixinha, por que
ela ombreava conosco com sua pequenina estatura, apesar de pertencermos
a faixas-etárias bem diferentes. A idade média da
turma era de dez anos de idade e ela era uma quadragenária.
Numa tarde daquelas, nós estávamos absortos diante
de uma avaliação escolar, dadas pela nossa rigorosa
mestra, de poucas palavras e de semblante triste. Mas, a nossa
concentração, apesar de profunda, foi quebrada,
repentinamente, com roncos fortes e
estranhos sobre o teto do casebre que nos servia de escola. A
professorinha, também assustada, não teve como nos
impedir de abandonar o recinto e nossas tarefas, destinadas à
avaliação daquele mês. Quando alcançamos
o terreiro naquela correria desordenada, ainda conseguimos avistar
duas máquinas voadoras desaparecendo sobre as copas das
árvores das mediações e na direção
de Montes Claros.
A professora não sendo capaz de conter-nos naquele momento
de balbúrdia provocada por um acontecimento que nos estarrecera,
não teve alternativa a não ser, soltar-nos mais
cedo naquela tarde inesquecível que nos encheram de espanto
e de curiosidade.
Eu e alguns colegas das mesmas bandas seguimos às pressas
para darmos a alvissareira notícia as nossas respectivas
famílias. Nós sempre parávamos no rio Matias
para uma nadada refrescante em suas águas límpidas
e correntes, quando saíamos das aulas. Naquela tarde foi
diferente, passamos a galope pelas correntezas da saudosa ribeira
e mais adiante, cada um seguiu o seu caminho, apressado, rumo
à casa, a fim de levar a notícia aos familiares.
Mas, toda a vizinhança já estava inteirada da novidade
e, também, alvoroçada.
Finalmente, cheguei à nossa casa e apesar do fato ser de
conhecimento de todos, eu fiz questão de contar tintim
por tintim, sem perder nenhuma passagem de udo que havia acontecido
na escola, naquela tarde ensolarada. Eu não me continha,
não parava de relatar o assunto, tirando risadas dos presentes,
apesar de seus espantos. Depois daquele reboliço, o meu
pai explicou-me que aqueles aparelhos voadores, até então
desconhecidos na nossa região, chamavam-se aviões
e que outros maiores existiam “lá prá cima”
isto é, em São Paulo e Rio de Janeiro.
Volta à escola, recebemos pesado sermão da professorinha
indignada com a nossa bagunça durante o acontecimento.
Ela anulou a prova inacabada e deu-nos outra “caprichada”,
em represália ao nosso procedimento, deixando-nos com baixas
notas naquele mês. Mas, nada impedia o meu orgulho de saber
um pouco mais do assunto com as explicações pacientes
de meu pai e durante o recreio, cada um gabava-se mais do que
o outro sobre o assunto.
Um
vizinho estava trabalhando tranqüilo e despreocupado na roça
no momento em que os estranhos aparelhos voadores passaram roncando
sobre a sua cabeça. Ele, sem saber o que estava acontecendo,
entrou em pânico e pensou que o céu estava desabando
sobre a região. Atarantado com aquele barulho desconhecido,
ele largou a enxada de lado e saiu correndo em debandada para
acudir a sua casa ou morrer juntamente com a família. Naquela
carreira desordenada, ele caiu numa ribanceira e sofreu escoriações
generalizadas pelo corpo, o que dificultou a sua chegada para
acalmar a família apavorada. Quando o visitamos, ele ainda
estava um pouco assustado e com alguns ferimentos profundos. O
seu braço direito quebrado na correria foi encanado com
talas de madeira leve e enfaixado com uma tira de pano branco,
pelos amigos.
Muitos anos depois, eu contando o fato para o meu amigo Wandaick
Wanderley, ele explicou-me, com detalhes, muitas coisas a respeito
da aviação de Montes Claros. E sempre acrescentava
alguma coisa a mais em suas informações, durante
o tempo que fomos colegas na faculdade e no magistério.
Ele disse-me, em nossas constantes conversas, que aqueles aviões
que nos assustaram, tinham procedência da cidade vizinha
de Bocaiúva, que acabava de inaugurar o seu campo de pousos
para pequenos aviões. E disse ainda, para a minha surpresa,
que um dos ocupantes daquelas aeronaves, era seu pai Flamarion
Wanderley, que acompanhava seus instrutores.
Ele conta que, Flamarion Wanderley e seu colega Nathércio
França, aproveitando do incentivo do Ministério
da Aeronáutica, ingressaram-se na segunda turma da Escola
do Aeroclube do Brasil, situada na Ponta do Calabouço,
no Rio de Janeiro. Eles saíram brevetados e prontos para
participarem dos primeiros grupos de pilotos civis do Brasil e
também, para fundarem o Aeroclube de Montes Claros, no
fim da década de trinta.
Wandaick disse que seu pai falava-lhe muitas coisas a respeito
da aviação de nossa terra e contou-lhe que naquele
dia, do nosso apavoramento na escola, eles, também, ficaram
espantados lá de cima quando sobrevoavam a cidade, com
um monte de pessoas lá embaixo todas de branco. Que só
depois ficaram sabendo que eram os funcionários e os internos
da Santa Casa que saíram dos leitos com suas vestimentas
brancas para verem os aviões voando nos céus claros
da cidade.
Em 1938, levado pela influência política de que já
gozava José Maria Alkimim, Bocaiúva inaugurou o
seu campo de pousos, primeiro do Norte de Minas, com dois aviões
do Exército Brasileiro – tipo Waco biplano, pilotados
por oficiais do Exército, que sobrevoaram, pela primeira
vez, a nossa Cidade.
Em Montes Claros, após o acontecimento dos dois aviões
que invadiram nosso espaço, construíram no final
de 1938, um aeródromo com duas pistas perpendiculares de
terra batida para pousos de pequenos aviões, no local onde,
mais tarde, vieram a construir a atual pista. Uma pista daquelas
tinha sentido norte/sul e a outra, sentido leste/oeste, que eram
utilizadas de acordo com a direção dos ventos, nos
momentos de pousos dos teco-tecos.
O Aeroclube de Montes Claros foi fundado oficialmente em 11 de
junho de 1939, porém, suas atividades foram paralisadas
no período de 1952/67 por motivo administrativo. Aquela
Associação tinha trinta e dois sócios nas
seguintes categorias: efetivos, honorários, beneméritos
e remidos. E, recebeu da Campanha Nacional da Aviação
patrocinada por Assis Chateaubriand, o avião Piper Club
65 – Prefixo PP-TMD, doado pela Prefeitura do Rio de Janeiro
– Administração Henrique Dodsworth e, recebeu,
também, a aeronave de prefixo PP-TTO, doada pela Colônia
Israelita do Rio de Janeiro.
João Leopoldo conta, com certo orgulho, que seu pai Nathércio
França e o amigo e colega de turma, Flamarion Wanderlei
foram os fundadores do Aeroclube de Montes Claros, com sede provisória
numa sala do 1º. andar da Casa Alves, localizada no centro
da cidade. Conta ainda que, o piloto Nathércio foi obrigado
a fazer uma aterrissagem forçada no meio do mato, com seu
teco-teco, enquanto conduzia o advogado Dr. Carlos Mota a uma
cidade vizinha.
Todavia, foram socorridos por fazendeiros da região, sem
maiores conseqüências. João lembra ainda das
piruetas e vôos rasantes de seu pai e das apreensões
de sua mãe com suas orações para proteger
o marido extravagante.
A primeira diretoria do Aeroclube foi composta pelos fundadores:
Presidente: Levy Lafetá
Secretário: Álvaro Marcílio
Tesoureiro: Nathércio França
Diretor Técnico: Flamarion Wanderley
Presidente de honra: Antônio Teixeira de Carvalho.
As primeiras turmas tiveram como alunos:
Antônio Lafetá Rebello (Toninho Rebello), Ormezindo
Lima (Maroto), Mário Rodrigues (Marinho Alvorada), Judith
Alves (Juju), Mário Magnus Cardoso (Marinho) e outros,
que formaram um grupo de destaque, dando início a aviação
de Montes Claros.
Montes
Claros é uma cidade simples, com seu centro antigo de ruas
estreitas, mal cuidadas, com trânsito confuso e sem grandes
atrativos turísticos. Por outro lado, ela cresce vertiginosamente,
ampliando os seus recursos e seus bairros nobres. Além
disto, é uma cidade cosmopolita, que abraça os seus
filhos natos e de coração, dos quais, saem os mais
ilustres homens que ficam na sua história com louvor, como
esses precursores da aviação de nossa terra, que
eu tive a sorte de conhecer e até de conviver com alguns
deles, que aqui destaco:
Nathércio França era uma pessoa simpática,
atenciosa, íntegra e de delicadeza incomum, dotes que me
levaram a escolher o seu nome para patronear-me no Instituto Histórico
e Geográfico de Montes Claros (IHGMC) e o que motiva a
deter-me, um pouco mais, sobre a sua pessoa neste contexto:
Nathércio França procede de uma família tradicional
da cidade de Araguari-MG. Ele nasceu em 05/09/1905. Foi transferido
para a cidade de Montes Claros a serviço do Banco Comércio
e Indústria S.A. em 1929, onde conheceu Antônia de
Andrade Alves (Nina), filha do famoso casal Dr. João Alves
e Dona Tiburtina, com quem se casou aos 26 anos de idade, em 1931,
e tiveram um casal de filhos. Ele estagiou-se no Rio de Janeiro,
com seu colega e amigo Flamariom Wanderley, onde foram brevetados
e se tornaram pilotos civis do Brasil, com condições
para fundar o Aeroclube de Montes Claros.
Nathércio França recebeu o título de Cidadão
Montesclarense pela Câmara por ter desempenhado funções
na comunidade, tais como:
- Um dos fundadores da aviação e do Aeroclube de
Montes Claros
- Fundador do Rotary Clube Norte
- Secretário da Companhia Energética – MG.
- Secretário da CAEMC (Companhia de Água) e da Telemig.
- Foi componente da diretoria da Associação Comercial
e Industrial de Montes Claros.
- Representante da RENNER, aproximadamente, 30 anos.
- Representante da CHEVROLET, 10 anos aproximadamente.
- Trabalhou na Nacional Aéreo, por 10 anos, além
de outras.
Aos
46 anos de idade, o Sr. Nathércio perdeu a filha, Geralda
Maria Alves França proveniente de uma cirurgia de apendicite.
Com esse transe, ele abandonou a aviação em intenção
à filha, que sentia certas apreensões, juntamente
com sua mãe, durante seus vôos rasantes e piruetas
sobre a Cidade.
Em 1958, ele estabeleceu a loja Renner, que teve continuidade
com o filho João Leopldo. E aos 76 anos de idade, quando
ele exercia a liderança espírita na Fraternidade
Canacy, veio a falecer, vítima de um câncer de estômago.
Deixou esposa, filho, nora, netos, netas e muita saudade.
- Flamarion Wanderley, outro piloto e fundador da aviação
norte mineira, que merece ser lembrado. Ele era um homem robusto
destemido, correto e de ações firmes. Contribuiu
para o progresso da cidade com seu trabalho honesto e deixou uma
família abastada e seguindo seus passos de honestidade.
São meus amigos e o Wandaik, meu colega de faculdade e
de magistério, por certo tempo, é meu compadre e
grande amigo desde muitos anos.
- Mário Magnus (Marinho) é meu velho amigo e colega
de trabalho na RFFS/A nos bons tempos daquela Empresa, hoje extinta
pela calamitosa administração do país. Nós
trabalhamos juntos no escritório do XM - RFFS/A, ocasião
em que eu tive a oportunidade de desfrutar de sua amizade e de
suas boas qualidades. Ele era empolgado com a aviação
e queixava-se com sentimento de ter sido preterido quando se ofereceu
para combater na linha de frente da Segunda Guerra Mundial como
piloto de aviões de combate.
Ele iniciou seu curso na Escola Salgado Filho, no Rio de Janeiro
e terminou no Aeroclube de Montes Claros, onde continuou atuando
como piloto e como dirigente, depois de receber o brevet. Além
de sua valiosa contribuição no aeroclube local,
ele dirigiu as construções dos campos de pousos
das cidades norte-mineiras de Almenara e de Grão Mogol.
Mário contou-me que certo dia, o avião TTO apresentara
pequenos defeitos, que foram corrigidos por ele, sem maiores dificuldades.
Então, o seu colega Toninho Rebello o convidou para eles
testarem no ar, a sua revisão e assumiu o comando do aparelho.
Ele assentou-se ao lado do companheiro ávido para pilotar
e levantaram vôo. Sobrevoaram as mediações
do aeroporto com tranqüilidade e no momento em que Toninho
preparava para a aterrissagem, eles foram tomados de pavor com
o avião desnorteado e caindo num matagal próximo
ao campo de pousos, porém, sem maiores conseqüências,
sorte que não teve o instrutor Rafael Frantaus que faleceu
quando caiu com o avião que pilotava, nas vizinhanças
da Cidade.
Na última vez que visitei o Marinho em sua casa, ele mostrou-se
contente de rever-me. Lembramos de muitas coisas do passado e
ele disse-me, “que nem todo mal é mal”. E justificou,
relembrando com calma o seu passado como a queda do TTO e de tantas
outras coisas que passaram pela sua vida e deu graças a
Deus por ter sido rejeitado como piloto de combate na guerra nazista,
o que provavelmente, o livrou da morte prematura. Hoje, ele, já
com idade avançada, tem satisfação de dizer
que vive tranqüilo e desfrutando das benesses da vida ao
lado de seus entes queridos e com muitas histórias para
contar.
- Antônio Lafetá Rebello (Toninho Rebello) foi outro
aluno que merece destaque. Além de destacar como piloto
e colaborador do aeroclube, foi homem honesto e um dos mais brilhantes
e melhores prefeitos de Montes Claros, em suas duas gestões
positivas.
- Ormezindo Lima (Maroto), outro aluno que merece menção.
Deixou o seu nome consagrado pela sua atuação no
aeroclube e como participante no progresso da cidade, servindo
a comunidade com seu carro de praça, por muitos anos.
- Mário Rodrigues foi aluno de destaque no aeroclube e
também, próspero industrial da cidade, com sua preciosa
manteiga Alvorada, o que lhe deu o apelido de Marinho Alvorada.
- Dona Judith Alves (Juju). Primeira mulher no Norte de Minas
a participar do aeroclube e receber o brevet, vencendo os preconceitos
da época em relação à mulher, com
coragem e determinação. Não a conheci, mas
sei que ela vive no Rio de Janeiro, forte e com seu perfil de
mulher de ação.
Muitos outros nomes mereciam ser citados e comentados, porém,
deixo de mencioná-los por não ter as necessárias
informações.
Atualmente, o Aeroclube de Montes Claros, depois de sua interrupção
temporária, encontra-se numa nova fase de prosperidade,
apesar de ter perdido suas antigas aeronaves de maneira trágica
e possuir, no momento, um avião CESNA 150, doado pelo empresário
Walduck Wanderley, a pedido do então diretor Mário
Magnus. O Aeroclube utiliza, também, um Skydive 180, 250hp
pertencente ao atual presidente Jorge Lúcio. Há,
ainda, um Echo ultraleve avançado de 100hp de propriedade
de Walas Rodrigues de Souza.
O velho aeroporto funcionou no período de 1939/61. O atual,
que leva o nome do ex-prefeito “Mário Ribeiro”,
foi inaugurado posteriormente e conta com aparelhos adequados
e modernos equipamentos. Conta ainda, com uma pista asfaltada
dentro dos padrões oficiais e balizamento apropriado. Tem
uma infra-estrutura capaz de suportar aviões de tamanhos
consideráveis com segurança e eficiência.
É administrado pela Empresa Brasileira de Infra-estrutura
Aeroportuária (INFRAERO), desde 1980, atividade exercida,
anteriormente, pela Prefeitura Municipal. O Sítio Aeroportuário
tem uma área de quase dois milhões de metros quadrados.
Sua pista é de 2100m de comprimento por 45m de largura.
A maior parte deste terreno foi adquirida da família do
empresário Armênio Veloso e a outra parte, da fazenda
de propriedade da família de João Mendonça.
A
partir de 1942, o aeroporto de Montes Claros recebeu a PanAir
do Brasil, primeira empresa a instalar-se em Montes Claros. Ligava
a nossa cidade a Belo Horizonte, a Salvador e a Recife. Posteriormente,
veio a Nacional Serviços Aéreos, em 1948. Em 1974,
a VARIG implantou o jato na região com o Boeing 737, com
capacidade para transportar 109 passageiros e seis toneladas de
bagagem e cargas. Em 1977, interrompe seu movimento por motivo
de infra-estrutura das pistas, sendo atendida as suas exigências
com a ampliação do aeródromo, ela volta a
operar, mas, alegando dificuldades financeiras, encerrou, definitivamente,
em 2004 as suas atividades locais. A Nordeste Linhas Aéreas,
em 1977, instalou em Montes Claros por certo tempo. Atualmente,
Montes Claros conta, com a companhia Total Linhas Aéreas
e a OceanAir.
Assim,
fiz uma revista superficial e breve da aviação de
Montes Claros, com a intenção maior de dar algumas
informações essenciais do passado e de homenagear
os ilustres pioneiros daaviação do norte de Minas.
E, para alcançar o meu propósito, usei as informações
que tive de meus bons amigos e das claras lembranças que
ainda carrego desde aqueles saudosos tempos de infância
que passei nesta Cidade, onde nasci no final da década
de vinte e que desfruto, ainda hoje, da generosidade de seu povo
e da bondade de Deus.
Nathércio França
Nathércio França
SAUDADES
DO AGRESTE
Karla Celene Campos
Cadeira N. 14
Patrono: Arthur Jardim de Castro Gomes
De dentro da minha estante de tesouros e preciosidades retiro,
com mãos cuidadosas e respeito profundo, um LP que se encontra,
como outros bolachões nestes tempos de internet e de CDs,
coberto de poeira.
O pó acumulado com o passar das décadas, uma vez
transferido para as minhas mãos, anuncia a chegança
de uma saudade que acessa a memória e provoca uma viagem
com destino a um momento especial na história cultural
do Norte de Minas: o surgimento do Agreste, grupo que, nos rastros
do Grupo Raízes coordenado por Charles Boavista e Tino
Gomes, abrigou, nos anos 80, poetas, músicos e cantadores.
E cativou o país, cantando em nossa língua as coisas
da gente daqui.
O nome do LP, Chegança, é também título
da última faixa do lado B - (lembra que os velhos vinis
tinham o lado A e o lado B? As novas gerações desconhecem
palavras como: vira o disco lá...). E a canção
Chegança, de Gútia, chamava: Vem, que é chegada
a hora / Retome a sua estrada / Levante o seu cantar / Já
não se prende em gaiola / O pássaro-verdade / Que
eu não vi a voar./ Vem pr’eu te contar / As coisas
do lugar / (...) Pouco importa a chaga aberta / Deus é
pai, mas não conserta / O que o homem fez criar / Vem pra
me ajudar / Nas coisas do sertão / O chão rachando
seco / Um filho magro, uma oração.
E
coerente com a letra de Chegança, a foto em preto e branco
da capa mostra casinhas antigas e miúdas assistindo à
passagem de homens e mulheres, alguns com guarda-chuvas abertos
numa proteção contra o sol do sertão, na
Praça da Matriz, irreconhecível na velha foto. A
legenda sob o retrato esclarece:
Procissão e prece a S. Sebastião
pela terminação da seca em Montes Claros.
Janeiro de 1904. Foto do arquivo de Téo Azevedo.
Gravado
em setembro de 1982, no estúdio Mosh, em São Paulo,
Chegança, 2o. LP do grupo, com participação
de Wanderdaik, vinha coroar a saga de Manoelito, Braúna,
Sérgio, Pedro Boi, Tom Andrade, Chorró e Gútia,
que no dia 7 de janeiro de 1977, após a realização
do I Festival Universitário da Canção Popular
(FUCAP), em Montes Claros, formaram o grupo. O livro da moda,
Tieta do Agreste, de Jorge Amado, displicentemente esquecido num
canto de mesa durante um encontro dos componentes, serviu de inspiração
para o Braúna:
- Por que não colocar o nome do grupo Agreste?
Pronto. Estava batizado o grupo musical que romperia as fronteiras
de Minas Gerais; que teria a atenção de um dos mais
respeitados dentre os críticos musicais do país,
J. R. Tinhorão, que no Jornal do Brasil de 31 de março
de 1981 tecia comentários favoráveis aos sete rapazes
do Norte de Minas: Gútia, Pedro Boi, Tom, Zé Chorró,
Sérgio, Manoelito e Braúna; que teria o 1o. LP comentado
na seção MPB da revista Iris Foto, de São
Paulo, de circulação nacional; que participaria
de vários programas de televisão, como o Som Brasil,
apresentado por Rolando Boldrin, na Rede Globo e no programa Hebe
Camargo, no SBT; que faria o Brasil inteiro cantar Zumbi, obraprima
que resume as vivências e os sentimentos do africano que,
em nome da liberdade, desafia castigos e imposições:
No sacolejo do navio / Que cheguei aqui / Meio vivo, meio morto
/ Foi o que eu senti / O meu corpo lá jogado / Na pedra
do porto / Meio vivo, meio morto / Mas não desisti / Pois
quem nasceu pra ser guerreiro / Não aceita cativeiro /
Por isso eu decidi / Enquanto os ecos dos tambores / Ressoam nos
ares / Correndo na mata virgem / Vou
fundar Palmares / A sua chibata / Por mais que me bata / O meu
corpo maltrata / Eu vou resistir / A sua chibata /Por mais que
me bata / Se não me mata / Eu torno a fugir.
Zumbi, de Pedro Boi e Braúna, tornou-se a música
de abertura da novela Rosa Baiana, apresentada na Rede Bandeirantes,
num tempo em que o sucesso dos folhetins não era exclusividade
da Globo. Além dessa, o grupo emplacou também na
novela a canção
Jaíba, da mesma dupla de compositores.
Braúna, nascido em Nova Esperança; Tom Andrade,
de São Francisco; Sérgio, Gútia e Wanderdaik,
montes-clarenses; Manoelito, do Brejo das Almas ou Francisco Sá
e Pedro Boi, de São João da Ponte, se faziam ouvir
no Brasil inteiro:
Vou pegar o mundo e virar ao avesso / Vou juntar os homens num
só mutirão / Vou chamar a vida pra brincar de roda
/ Vou ser seu amigo / Vou te dar a mão. Muitos foram os
caminhos percorridos até a gravação do 1o.
LP, lançado em 1980, pela Bandeirantes, sob a coordenação
de Téo Azevedo. Desse primeiro disco faz parte Ponte Cigana,
de Gútia e Braúna:
Não pode me entender / Quem nunca sentiu o cheiro / De
terra molhada / Quando a chuvarada / Molha as terras do gerais.
/ Não pode me entender / Quem nunca matou a fome / Com
raiz de macaxeira / E a fruta do ananás...
E,
no espírito dessa canção, vale revelar um
fato vivenciado pelos componentes do Agreste, durante estada em
São Paulo, para gravar participação no programa
do Boldrin. Sampa, com sua garoa, frio intenso e céu cinzento
fazia aqueles filhos do norte experimentar o desamparo longe do
sol do torrão natal. A solução seria aquecer
o peito e matar a saudade com os litros de licor de pequi Corby
embalados nas mochilas e capangas dos viajantes-cantadores. Mas,
o que fazer se a poderosa Globo proibia o consumo de bebidas alcoólicas
em seus estúdios? Simples: seduzir o diretor com a gostosura
do precioso líquido... Deu certo. O diretor não
só liberou o consumo como suplicou a Manoelito:
- Pelo amor de Deus, manda uma caixa desse negócio cá
pra nós!...
Para a felicidade dos rapazes, o diretor pôde entender quem
mata o frio e a saudade com o gosto do licor do pequi do gerais...
Não
chega a ser /Um pontinho preto no mapa / Mas quando a gente se
afasta / Coração pede pra voltar.
O
sucesso era real.
Os organizadores de uma série de shows realizados na Praça
da Sé, em São Paulo, em 1982, propagandeavam em
boletim impresso:
Tendo nascido numa região das mais ricas culturalmente,
o Norte de Minas, o Grupo Agreste tem como base de apoio as folias
de reis, os aboios, os lundus, os cocos, os calangos e os ritmos
dos catopês, marujos e caboclinhos, além das cantigas
mais variadas cantadas pelos remadores das canoas e barcas do
São Francisco. É um grupo que, além da paixão
inicial pela música, procura mostrar a beleza da região
preservando suas mais profundas raízes musicais quanto
lingüístico-regionalistas.
Ultrapassando o campo da música, Quebra de Milho, de Tom
Andrade e Manoelito, foi escolhida pelos autores do livro didático
Trilhas da Geografia, da 7a. série, editora Scipione, para
ilustrar referências à vida rural brasileira. Para
se avaliar a grandeza dessa escolha, é preciso que seja
dito que a canção que ilustrou a vida na cidade
foi Música Urbana II, de uma das mais importantes bandas
do rock nacional, a Legião Urbana, de Renato Russo.
A revista Minas Hoje, de Belo Horizonte, em sua edição
de fevereiro de 1981 confirmava:
A boa aceitação do trabalho do Agreste em todo o
País e principalmente no Norte de Minas, onde é
tido como o cartão postal da região, pois cada componente
legou ao grupo um pouquinho da característica de Francisco
Sá, Montes Claros, São Francisco, Montalvânia,
Pirapora, Januária, Janaúba e de cada canto do cerrado.
(...) O Grupo Agreste não vai parar aí. Já
está preparando, com muita calma e muito carinho, o seu
segundo disco, uma gravação que certamente irá
garantir-lhe um lugar no meio artístico brasileiro e mostrar
para o Brasil as peculiaridades desse vasto Norte de Minas, uma
região que precisa ser descoberta pelos brasileiros.
Pois é: veio o 2o. disco e, mais, não veio. Depois
de Chegança, o grupo dissolveu-se. Chegada a hora de levantar
vôo em direção a outras plagas e realizar
shows em outras partes do país, já não havia
um pensamento único dentro do grupo: divergências
decretaram então o fim do Agreste.
Cada qual em cada canto, juntos não mais, só pra
deixar na boca da gente o gosto das coisas boas que não
ficam para sempre. Era o começo da década de 80.
Como numa passagem de meteoro, o Agreste se desfazia quando ainda
mal começava. Pelo jeito, nunca mais as páginas
dos jornais mostrariam reportagens como a do Diário de
Montes Claros, que noticiara, em primeira página, no dia
14 de setembro de 1979:
“Divisor de Águas” do Agreste estréia
hoje. Um canto de esperança de uma geração
que acredita na poesia. O show será apresentado no Centro
Cultural, às 21 horas, pelo preço único de
50 cruzeiros.”
Do
palco, num momento como aquele, os músicos, como que em
transe, sentiam até a respiração de uma platéia
também em transe.
Vinte
anos depois, rebuliço no meio artístico-cultural
de Montes Claros. O Jornal do Norte anunciava em agosto de 1999:
Agreste volta 20 anos depois.
Felipe Gabrich comemorava:
Cá estão eles: Manoelito, Pedro Boi, Braúna,
Tom Andrade, Sérgio, Gútia e Zé Chorró.
Autênticos sertanejos-ciganos. Os cabelos, nem tanto, mas
as vozes continuam as mesmas. Assim como a mensagem de seus versos
e a dolência de suas músicas, que nem os anos conseguiram
matar. Bem-vindo, Agreste!
No
Jornal de Notícias de 9 de julho de 1999, Luís Carlos
Novaes anunciava:
Agreste
volta com bagagem enraizada. Grupo tenta não deixar morrer
toda a beleza do povo simples e esquecido do Norte de Minas.
Contrariando as superstições, o 13 de agosto de
1999, uma sexta-feira, foi noite de sorte para os fãs do
Agreste. O lançamento do CD “Agreste, 20 anos depois”
representava a esperança da volta.
O repórter Artur Júnior entrevistava lideranças
culturais impregnadas de confiança: a escritora Amelina
Chaves, por exemplo, confessava:
Estou emocionada com a volta do Grupo. Salve o Agreste!
Ivonne Silveira, presidente da Academia Montes-clarense de Letras,
também comemorava:
A volta do grupo representa o que há de melhor em termos
de música regional.
Téo Azevedo: O Agreste foi e continua sendo um dos mais
importantes grupos que surgiram na cultura popular mineira. Foi
uma pena que durou pouco tempo. Mas eu estou muito feliz com essa
possível volta.
Charles
Boavista: A volta do Grupo Agreste, 20 anos depois, representa
a abertura de uma porta para que os músicos regionais voltem
a compor canções que falem das nossas tradições
e da nossa gente. Exemplo como este deve ser seguido e comemorado,
pois foi um empreendimento cultural corajoso, que merece o respeito
e a
atenção de todos os órgãos ligados
à cultura.
A cantora lírica Maristela Cardoso: Parece que não
passou o tempo e que o Grupo não se dissolveu. Fico muito
feliz com esseretorno.
Retorno que, no entanto, não se concretizou. A sorte, para
os fãs do Agreste, pousou mesmo somente na sexta-feira,
13 de agosto de 1999. Lançado o CD dos Vinte anos depois,
que encantou o velho público e a nova geração,
o Grupo não se refez, contrariando todas as expectativas.
Como no título de um dos seus grandes sucessos, A lenda
do arco-íris (Veja morena, que belo arco-íris /
Bebendo água no meio do rio / Chuva estiada, festival de
cores / Beleza igual aqui nunca se viu...), o Agreste virou lenda,
meteórico arco-íris a riscar o céu da nossa
saudade.
Beleza igual aqui nunca se viu.
DE
MINAS PARA A BAHIA
Lázaro Francisco Sena
Cadeira N. 55
Patrono: João Luiz de Almeida
Os registros são escassos, mas é certo que, ao final
do Século XVIII, toda uma família, com “parentes
e aderentes”, deslocou-se da região central de Minas
Gerais para o interior da Bahia. Trata-se dos GOMES DE AZEVEDO,
chefiados pelo Capitão e Comendador Domingos Gomes de Azevedo.
A saudosa historiadora Helena Lima Santos, em sua magistral obra
“CAETITÉ, Pequenina e Ilustre”, refere-se a
esse “mineiro da região de Caetés, Mariana
e Vila Rica” que, com a sua esposa Ana Joaquina Sofia de
Jesus (ou de Azevedo), dez filhos e inúmeros parentes e
amigos vieram para a região de Caetité, para fugir
das perseguições impostas pelos governantes da Colônia,
após o fracasso da Inconfidência Mineira em 1789.
Tal era a expressão da comitiva migrante, que provocou
mudanças significativas na incipiente cultura regional,
quer nos usos e costumes locais, no domínio da agricultura
e da pecuária, nas artes e na religião. Enfim, houve
um salto desenvolvimentista, não só na sede do Município,
em Caetité, mas principalmente no antigo arraial do Gentio,
beneficiário das férteis vazantes do Rio Carnaíba
de Dentro, onde a maioria da comitiva se estabeleceu. Em nossas
pesquisas nos livros de nascimentos, batizados, óbitos
e casamentos da Paróquia de Senhora Santana de Caetité,
nada encontramos sobre os GOMES DE AZEVEDO antes do início
do Século XIX, mas, a partir dessa época, tornou-se
nome freqüente no registro desses eventos, a começar
pelo grande número de casamentos dos que chegaram de Minas
com membros das famílias tradicionais da localidade.
Nesta
singela abordagem sobre a contribuição dos GOMES
DE AZEVEDO para o progresso regional, vamos tratar especialmente
da construção da Igreja de Nossa Senhora do Rosário
do Gentio, uma obra arrojada para a época e o local, com
destaque para a suntuosidade do altar-mor, todo esculpido em madeira
de lei e montado com arranjos e motivos do simbolismo religioso.
Muitas histórias, diferentes e até conflitantes,
perturbaram a nossa mente de criança sobre a edificação
daquela Igreja. Hoje, porém, com amparo na tradição
oral, mais os registros de fatos que recolhemos em fontes originais,
além das informações de abnegados pesquisadores
como o historiador Dário Teixeira Cotrim, ousamos apresentar
a nossa versão sobre tão magnífico empreendimento.
Chegamos
à conclusão de que o chefe da comitiva mineira,
o Comendador Domingos Gomes de Azevedo, após as dificuldades
iniciais para estabelecer os seus parentes e amigos na sede do
Município, adquiriu a fazenda da Volta, nas proximidades
do arraial do Gentio, certamente uma das melhores e maiores daquela
época, haja vista que, no mesmo local, hoje se assenta
o núcleo colonial do açude de Ceraíma, fonte
de abastecimento de frutas, verduras, legumes e cereais para todo
o sudoeste baiano. Considerando que se tratava de uma família
muito religiosa, ao ponto de dois dos filhos do casal já
serem sacerdotes quando chegaram de Minas Gerais, logo as atenções
se voltaram para a capela então existente no Arraial. Era
preciso construir uma igreja maior, capaz de acolher todos os
fiéis da crescente comunidade. Ora, ninguém melhor
do que a esposa do Comendador, Ana Joaquina Sofia de Azevedo,
a quem os pósteros se referiam como Joaquininha, também
chamada “Velha da Volta”, para assumir a direção
do empreendimento. A morte do Comendador em 1831, longe de esmorecer
o seu ânimo, motivou-lhe a dedicação, agora
em companhia de seus três netos, filhos de Joaquim Venâncio
de Azevedo: José Venâncio Gomes de Azevedo, José
Justino Gomes
de Azevedo e Domingos Gomes de Azevedo (neto do Comendador).
Paralelamente
à construção da Igreja, cada um deles construía
a sua própria residência, as três melhores
casas da localidade, todas com a parte do fundo chegando até
à lagoa ali existente. Quis o destino, todavia, que a felicidade
da família mais uma vez se interrompesse, com a morte de
Domingos Gomes de Azevedo, o neto, muito jovem ainda, em 1840,
ficando a sua casa sem concluir, assim como a própria Igreja
que, mesmo inconclusa, foi inaugurada naquele ano, conforme relato
do escritor Domingos Antônio Teixeira em sua obra póstuma
RESPINGOS HISTÓRICOS.
Era
voz corrente entre os mais antigos que a casa não concluída
foi doada para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, da
mesma forma que as terras ao redor dela que se situassem até
meia légua de distância, tudo por iniciativa e com
o patrocínio da Velha da Volta, que não sabemos
por quanto tempo sobreviveu ao desditoso falecimento de seu neto,
a quem criara como se filho fosse.
Desapareciam
as pessoas, mas estavam assentadas as bases para o progresso do
Arraial que se transformou em Vila e foi beneficiado com a criação,
em 1849, da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário
do Gentio, cujos limites alcançavam as margens do Rio Verde
Pequeno, na divisa de Minas com a Bahia.
Por mais de um século, a Igreja do Gentio exerceu fascínio
sobre os fiéis católicos da região, até
que outras comunidades surgiram nas proximidades, como a cidade
de Guanambi a partir de 1920, provocando a estagnação
e a decadência daquela vila. O final infeliz aconteceu em
1957, quando a Igreja foi demolida para o represamento das águas
do açude de Ceraíma, que hoje exerce função
vital para a sobrevivência de Guanambi.
Já
se passaram cinqüenta anos desde a demolição
e o desmonte do altar-mor, cujas peças ainda se encontram
sob a guarda de pessoas da comunidade, já que a capela
então construída para substituir a antiga Igreja
não dispõe de estrutura para a sua remontagem. Há
dois anos, todavia, foi iniciada a construção de
um novo templo, na atual Vila de Ceraíma, capaz de acolher
o antigo altar, com todo o seu esplendor. Concitamos a todos os
descendentes dos GOMES DE AZEVEDO para que participem dessa obra,
em homenagem a Ana Joaquina Sofia de Jesus (ou de Azevedo), a
nossa estimada e esquecida VELHA DA VOLTA.
Igreja de Nossa Senhora do Rosário do Gentio em momento
de procissão
O
PILÃO NO ENXOVAL DA NOIVA
Luiz
de Paula Ferreira
Cadeira N. 19
Patrono: Caio Mário Lafetá
Onde já se viu casar filha e não dar pilão?
– perguntou o pai do noivo.
Era domingo, de manhã, e havia muita gente na venda. O
velho Janjão, pai do noivo, conversava numa roda de amigos
e de repente alteou a voz e fez o desabafo. E sem esconder sua
contrariedade, despediu-se dos amigos, com um simples aceno de
mão, saindo para a rua.
A pergunta era pertinente. Naquele tempo, o pilão era componente
insubstituível do enxoval das noivas.
Sebastião Carapina, que participava do grupo, acompanhou
com o olhar a saída do amigo e a seguir, voltando-se para
os companheiros, falou em tom de explicação:
- O Janjão tem razão. Faltam somente três
dias para a realização do casamento. A casa dos
noivos está mobiliada, pronta para recebê-los. Só
falta o pilão.
E
baixando a voz:
- Mas o pai da noiva também tem razão. – E
acentuou as palavras seguintes com um sorriso de cumplicidade:
- O pilão está pronto. É uma jóia.
É o pilão que eu sempre tive vontade de fazer em
toda minha vida. Desta vez tive carta branca.
- O que esse pilão tem mais do que os outros? – quis
saber um dos presentes.
- Muita coisa, meu amigo. E pacientemente passou a explicar. –
É diferente, a começar pela madeira empregada. É
âmago de braúna, pesada como chumbo e sem uma trinca
sequer. Trazida pelo pai da noiva, da fazenda dele, na Serra do
Cabral. Além disso – prosseguiu – preferi o
formato de cálice, mais trabalhoso, é verdade, mas
muito mais bonito e mais nobre. E houve esmero no trabalho. O
mesmo capricho foi dado às mãos de pilão,
feitas de cerne de itapicuru, trazido também da fazenda
do pai da noiva.
Sebastião
Carapina estava empolgado com sua obra de arte.
- Vocês podem acreditar. O pilão é uma jóia.
Nós vamos leválo para a casa dos noivos quando eles
estiverem na igreja. É uma surpresa, para quando voltarem.
E assim foi feito.
Velhos tempos. Bons tempos.
O pilão era um dos utensílios domésticos
mais utilizados em uma casa de família. Era no pilão
que se descascava o arroz, moíam-se os grãos do
café torrado, quebrava-se o milho para a quirera dos pintos,
esmagavam-se as bagas de mamona para fazer o azeite que alimentava
as candeias. E era no pilão que se socava a carne seca
com farinha para fazer a paçoca, um dos pratos típicos
da cozinha brasileira.
Era um traste de uso diário em torno do qual se criaram
costumes que vieram passando de geração para geração.
Havia o pilão deitado e o pilão em pé. Qualquer
deles poderia
ser operado por mais de uma pessoa. Mas o deitado era mais apropriado
para duas. Tinha a abertura no centro de uma tora de madeira de
mais ou menos 80 centímetros de comprimento. Para duas
pessoas trabalharem sentadas, uma em frente a outra.
O pilão em pé era redondo, de cintura ou em forma
de cálice, com cerca de 80 centímetros de altura
e em torno dele podiam trabalhar até três pessoas.
Utensílio
precioso, no uso diário, o pilão despertou a criatividade
e os dotes artísticos das gerações passadas.
E criou em torno de sua utilização habilidades e
manifestações artísticas que se incorporaram
ao nosso folclore.
Era algo bonito de se ver uma pilação de arroz executada
por pilãozeiras competentes.
Conheci,
na infância, duas pilãozeiras famosas. Duas irmãs,
Vitalina e Minervina. Duas mulatas robustas e sadias, muito alegres
e desembaraçadas, exímias na profissão. Trabalhavam
cantando. Faziam do trabalho uma festa.
Orquestravam as cantigas com repiques que faziam nas laterais
do pilão. E em sequência imprimiam movimento rotatório
às mãos-de-pilão e as atiravam para o alto,
em direção à companheira, sem perda da cadência
das cantigas. As mãos-de-pilão cruzavam o ar produzindo
um belo e festivo visual até chegarem às mãos
da parceira.
Lembro-me de que uma dessas cantigas. Era cantada e representada.
A Minervina cantava :
Ora põe a laranja
no chão, Vitalina,
ora põe a laranja
no chão.
O amor que não bambeia ...
ora apanha a laranja
no chão, Vitalina.
Enquanto
a Minervina cantava, a Vitalina se curvava e levava uma das mãos
ao chão, fazendo o gesto de pôr a laranja no chão.
E depois repetia a cena, agora para apanhar a laranja, como mandava
a cantiga.
E cantava em resposta. Era o mesmo refrão, com a mudança
do quinto verso – o amor que não bambeia ... –
que era o mote lançado pela companheira. Cabia a Vitalina
respondê-lo, após o que cantavam o refrão
a duas vozes, atiravam as mãos de pilão para se
cruzarem, rodopiando, no alto, e se abaixavam na representação
de pôr e de apanhar a laranja no chão. E retornavam
a tempo de receberem as mãos de pilão, ainda rodopiando.
Em seqüências apresentavam primorosa exibição
de repiques nas laterais do pilão, que naquele momento
se transformava em instrumento de percussão.
Era
um espetáculo admirável, de canto e coreografia,
que as máquinas de beneficiar arroz fizeram desaparecer.
Hoje o pilão persiste como objeto de adorno ou peça
de colecionadores, a guardar em sua mudez estática a lembrança
de um tempo em que a falta do pilão no enxoval da noiva
era motivo para impedir o casamento.
- Onde já se viu casar filha e não dar pilão?
GERALDO
VIEIRA: RETRATO DE UM HERÓI
Maria Clara Lage Vieira
Cadeira N. 100
Patrono: Wan-dick Dumont
Nasci em Belo Horizonte quando a cidade ainda tinha o rosto de
cidade do interior e se podia conhecer bem as pessoas. As famílias
que ali viviam eram interioranas e teriam se mudado para a capital
buscando, quem sabe, uma vida melhor. A família de meus
pais, por exemplo, era de Sant'Ana dos Ferros, perto de Itabira,
Monlevade, Guanhães.
Na
minha adolescência, ainda havia banda de música no
coreto da Praça da Liberdade, aos domingos, com direito
ao "footing", quando as moças desfilavam para
os rapazes e apenas arriscavam um olhar ou um discreto sorriso.
Belo Horizonte havia crescido um pouco, mas ainda era romântica
na segunda metade dos anos 50.
Hoje não se tem tempo para conhecer pessoas em Belo Horizonte.
A cidade se expandiu e se tornou metrópole.
No final dos anos 60, casei-me e vim morar em Bocaiúva,
famosa pela chegada dos americanos por ocasião do eclipse
de 47 e mais famosa ainda por ser a terra do Senhor do Bonfim.
Bem sei que a Bahia tem suas prerrogativas de ter como padroeiro
o Senhor do Bonfim. Está bem. Mas Bocaiúva é
a terra mineira do Senhor do Bonfim. Afinal, Ele tem o direito
de ter um cantinho seu em cada estado deste imenso país.
Pois bem, em Minas
Gerais, Ele escolheu Bocaiúva.
E foi em Bocaiúva, nesta pequena cidade do nosso grande
sertão, que eu tive a oportunidade de conhecer uma das
personalidades mais marcantes da minha vida. E não só
tive a oportunidade de conhecê-la, mas tive o privilégio
de conviver com ela.
Costumamos construir imagens de heróis através de
seus feitos grandiosos, que tenham, de alguma forma, transformado
a humanidade, ou apenas uma determinada comunidade. Isto tudo
com muito alarde para que seus feitos fiquem conhecidos e gravados
na memória das pessoas. Muitas vezes, esses heróis
não foram tão heróis e tiveram suas fraquezas,
seus deslizes. Mas ficaram consagrados e são heróis.
Geraldo
Vieira foi um herói sem alarde, humilde, sem ninguém
que apregoasse seus feitos. Só agora é que esta
simples e desconhecida escriba resolveu contar e cantar a sua
vida, tão serena, tão despretensiosa e tão
heróica.
Ele
nasceu em Itacambira, MG, em 30 de setembro de 1913, terceiro
filho de uma prole de seis. Pela ordem cronológica, eram
: Sebastião, Bráulio, ele (Geraldo), Aleixina, Antônio
e Nenzinha. Eram, portanto, quatro irmãos e duas irmãs.
Sua
mãe faleceu muito cedo, deixando os seus filhos, ainda
pequenos, aos cuidados do pai. Este desorientou-se com sua morte.
Não sabia reunir os filhos, que cresceram sem aquele aconchego
de família que só uma mãe pode dar. Antônio,
ainda menino, foi com um tio para São Paulo e, lá,
encantou-se com um circo, acompanhando a equipe circense. E nunca
mais se teve notícias dele. Geraldo apegouse mais às
irmãs, que eram mais novas do que ele, e também
porque,
por natureza, as mulheres são mais dóceis.
Ele
tinha seis anos quando sua mãe morreu. Sentiu muita falta
dela e resolveu tomar conta da casa e das irmãs. Com tão
pequena idade, era ele quem cozinhava para a família, já
que os irmãos mais velhos trabalhavam fora.
Assim,
nosso personagem abraçou o trabalho desde a mais tenra
infância.
Certa
vez, o pai o levou com ele para São Paulo, a fim de trabalhar
numa fazenda de café.
O
tempo passou. Os outros irmãos se casaram, as irmãs
também. E ele tinha carência de afeto e um coração
imenso, cheio de amor.
Muito
cedo, ele também se casou. A noiva foi Maria do Rosário
Dias. Foi em 30 de outubro de 1930. Ele tinha dezessete anos e
ela quinze: duas crianças, mas muito responsáveis.
Davam-se muito bem. Amavam-se muito. Um amor sereno, companheiro,
juntos em qualquer circunstância. E isto perdurou por toda
a vida. As pessoas se maravilhavam ao vê-lo, já velhinhos,
descerem a rua de mãos dadas.
Quando Geraldo e Bela (apelido da esposa) tinham já quatro
filhos, foram tentar a sorte em São Paulo. Bocaiúva,
há 70 anos atrás, tinha pouco recurso e ele precisava
ter bum trabalho que lhe desse segurança. Um fato interessante
é que, nessa época, ele trabalhou numa região
em que hoje é Interlagos.
Ficaram
em São Paulo algum tempo, mas a saudade da terra que o
adotara falou mais alto. Então voltou para Bocaiúva,
onde trabalhou em uma padaria.
Como era um profissional dedicado e entendia de tudo um pouco,
foi chamado para trabalhar na prefeitura, na função
de guardafio, que era a pessoa encarregada do conserto e manutenção
de linhas de telégrafo.
Depois de algum tempo, voltou ao trabalho de confecção
de pães.
Novamente, foi chamado pela prefeitura, desta vez para gerenciar
a usina geradora de energia elétrica que abastecia Bocaiúva.
Trabalhou nesse mister por 7 anos, deixando o ofício para
começar uma panificadora em sociedade com um parente.
Mais tarde, teve seu próprio negócio no fornecimento
de pães para a comunidade.
Na época, não havia na cidade prestadores de serviços
em geral. Assim, inteligente, interessado e prestativo, nas horas
vagas, consertava armas de fogo, máquinas, rádios
e outros aparelhos eletrodomésticos. As
pessoas sempre o procuravam para desembaraçar problemas.
Teve 14 filhos, 8 mulheres e 6 homens, que criou com energia,
austeridade e carinho.
Sua figura, a um tempo popular e aristocrática, inspirava
confiança e fazia lembrar a imagem de Abraão, patriarca
a quem Deus prometeu uma descendência maior que as estrelas
do céu. Viu nascer os 14 filhos. Uma filha, ele perdeu
quando criancinha (Os recursos médicos eram precários).
Mas conseguiu criar os 13 e, quando ele faleceu, todos eles tinham
uma vida organizada. Viu nascer também mais de quarenta
netos e outros tantos bisneto. A sua esposa conheceu dois tetranetos
e hoje esse número já cresceu.
Há muitos bons livros que nos informam e formam, dandonos
maior capacidade de compreender a vida e habilidade para vivê-la
com galhardia, enfrentando as vicissitudes com coragem e ajudando
as pessoas a também enfrentar.
Mas Geraldo Vieira, que começou a trabalhar bem cedo, com
dedicação e afinco, só teve tempo de freqüentar
a escola para aprender os rudimentos de escrita e leitura e as
quatro operações matemáticas.
Entretanto, a sua sabedoria era imensa. Sabia dar um conselho
sensato, tinha uma prosa agradável e usava da mesma energia
e sinceridade para fazer um elogio ou uma repreensão. Muitas
vezes presenciei pessoas vindo conversar com ele, pedindo sugestão,
orientação. E ele as dava com segurança e
presteza.
Teve uma infância difícil, faltou-lhe a mãe
prematuramente, o que deixa uma lacuna na mente de qualquer criança.
Trabalhou a vida toda com bom humor e dedicação.
Precisava, é claro, ganhar a vida para garantir o sustento
da família. Mas a sua preocupação maior era
servir bem as pessoas. Ajudou, serviu, batalhou durante anos a
fio. Tinha todos os motivos para ser uma pessoa rebelde, revoltada.
Seus irmãos debandaram e ele fez tudo o que podia para
encontrar o paradeiro deles. Queria reunir a família. Queria
dividir com os irmãos aquele sentimento infinito de afeto
que ele tinha no seu coração e oferecia a todos.
Quando o peso da idade o abateu, ainda aparentava uma energia
férrea, própria dos grandes espíritos, que
dominam o físico, fazendo-o obedecer-lhes.
Apesar
da pequena freqüência aos bancos escolares tinha um
surpreendente conhecimento da vida e das coisas. Às vezes,
fazia poesia naturalmente. Amava a esposa com delicadeza, respeito
e carinho. No início do casamento, ela confeccionou-lhe
algumas camisas. Ao ouvir a cunhada criticar que as camisas estavam
mal
feitas, ele interveio:
- Estão ótimas. Foi ela quem fez para mim!
Tinha o cuidado, pela manhã, de colocar os chinelos dela
em posição estratégica, para que, ao se levantar,
ela não pisasse no chão. Lembrava-se de cada pormenor,
para agradá-la.
Quando
nasceu o filho caçula, ele exclamou: "Este é
o meu último botão que desabrochou da minha querida
roseira."
Foi
tão marcante na formação dos filhos que,
até hoje, nove anos de seu falecimento, cada um deles demonstra,
em suas idéias e atitudes, sinais da presença influente
do pai. Morreu com muita serenidade, consciente de que sua missão
estava cumprida.
Na minha infância, escutava um disquinho que contava a história
da Formiguinha e a Neve.
A formiguinha era trabalhadora e,numa manhã de inverno,
saíra para seu trabalho diário. De repente, no caminho,
um floco de neve caiu e prendeu o seu pezinho. Ela pedia a todos
os seres que passavam que desprendessem o seu pé e cada
um dizia que o outro era mais forte. Até que chegou a morte,
que lhe disse que mais forte do que ela era Deus. Então
a formiguinha, quase morta, fez uma prece a Deus.
E a historinha termina assim: "E Deus então, que ouve
todas as preces, sorriu.Estendeu a mão por cima das montanhas
e ordenou que viesse a primavera. No mesmo instante, no seu carro
de veludo e ouro, a primavera desceu sobre a terra, enchendo de
flores os campos, enchendo de luzes os caminhos.E vendo a formiguinha
quase morta, gelada pelo frio, tomou-a carinhosamente entre as
mãos e a levou para o seu reino encantado, onde não
há inverno, onde o sol brilha sempre e onde os campos estão
sempre cobertos de flores.”
O que aconteceu com Geraldo Vieira foi mais ou menos isto. O seu
corpo, tão forte e incansável capitulou. E Deus
o levou com carinho para o seu Reino, onde o sofrimento não
existe. Só amor, exatamente aquele amor desinteressado
e puro que ele cultivou mansamente e espalhou por todas as pessoas
que conviveram com ele.
Existem seres humanos que vivem somente para amealhar vantagens
próprias, muitas vezes em detrimento dos outros. Existem
outros que querem ajudar para obter recompensa ou para que todos
o reverenciem, reconhecendo o seu valor. Mas existem aqueles seres
raros que fazem o bem, lutam, esforçam-se, porque esta
é a sua maneira de ser, simplesmente porque não
saberiam viver de outra maneira - como Geraldo Vieira.
Esses, sim, são heróis!
Geraldo
Vieira
“SOB
A SOMBRA DE TUAS ASAS”
Maria das Mercês Paixão Guedes
Cadeira N. 73
Patrono: Lília Câmara
APRESENTAÇÃO
A
obra escrita por Franscino Oliveira Silva, padre da Arquidiocese
de Montes Claros, intitulada SUB UMBRA ALARUM TUARUM – História
da criação e organização da Diocese
de Montes Claros (1903-1943), publicada em 2005, relata com riqueza
de detalhes e pesquisa aprimorada essa linda criação.
Através
dessa obra, nós brasileiros e principalmente nós
mineiros do Norte de Minas, passamos a conhecer parte da nossa
história e a nos orgulhar da Criação da Diocese
de Montes Claros, criada sob grandes mudanças sócio-político-econômica
e religiosa, onde nenhum obstáculo derrotou a Fé
daqueles que estavam determinados a vencer.
Sentindo a necessidade de divulgar esse trabalho, relatamos sinteticamente
a história contada pelo Padre Franscino Oliveira Silva.
SUB UMBRA ALARUM TUARUM
“Sob a Sombra de Tuas Asas”
História da Criação e organização
da Diocese de Montes Claros
(1903 – 1943)
Sub Umbra Alarum Taurum, essas palavras em latim, encontram-se
literalmente no salmo 16, 8b (cf. Bibliorum Sacrorum iuxta vulgatam
Clementinam Nova editio, Cittá del Vaticano 1951, 476).
Em
1959, no centenário do nascimento de D. João Antonio
Pimenta, primeiro Bispo da Diocese de Montes Claros, as palavras
Sub Umbra Alarum Taurum tornaram-se as divisas do Brasão
de Armas do Município de Montes Claros, oficializado pela
Lei n. 430,
de 5 de março de 1959.
Criação e Organização da Diocese de
Montes Claros (1903-1943)
A realidade da Igreja Católica desde a sua implantação
lusitana no Brasil até à Proclamação
da República, mostra como a Diocese de Montes Claros, criada
em 1910, fez seus primeiros passos depois de um período
de quatrocentos anos em que a Igreja esteve submissa ao Estado
português sob regime de padroado.
Este padroado atribuía direitos e deveres ao Rei de Portugal.
Entre os direitos estava o de administrar livremente os bens da
Igreja que se encontravam no ultramar português podendo
reter, no tesouro da Coroa, todos os rendimentos e dízimos
eclesiásticos. Outro direito era o de apresentar candidatos
a todos os benefícios eclesiásticos, incluindo sés
episcopais.
Quanto aos deveres, o padroeiro ficou com o encargo de mandar
construir, conservar e reparar as igrejas, os mosteiros e lugares
pios em todo o ultramar; devia dotar os templos, mosteiros e oratórios
com objetos sagrados e de culto; prover as Igrejas com clero suficiente
e dar-lhe o devido sustento.
Em 7 de janeiro de 1890, foi determinada a separação
entre a Igreja e o Estado, e com a sua extinção,
uma nova era se abriu para a Igreja, porque ela se viu livre das
ingerências do Estado. O episcopado brasileiro traçara
então um plano de atuação pastoral a fim
de favorecer a reestruturação da Igreja Católica
no Brasil.
AS
PRIMEIRAS SEMENTES
Em 1899, foi realizada a primeira reunião dos bispos latinoamericanos,
esse Concílio Plenário favoreceu o envolvimento
do episcopado no processo de romanização de suas
Igrejas Particulares. Reflexos da influência desse Concílio
alcançaram o Norte de Minas,
com a realização do Primeiro Sínodo Diocesano
de Diamantina (1903). Os aspectos evidenciados pretendem fornecer
uma visão panorâmica da realidade sócio-político-religiosa
da Igreja do Brasil, nos quatros primeiros séculos, com
a intenção de apresentar os fatos que se referem
às primeiras sementes lançadas na região
depois de escolhida como território para a fundação
da Diocese de Montes Claros.
Em 10 de agosto de 1853, um decreto imperial autorizou a criação
da Diocese de Diamantina e em 6 de junho de 1854 o Papa Pio IX,
instituiu canonicamente a Diocese que jurisdicionava toda a porção
territorial norte-mineira. O território da futura Diocese
de Montes Claros deixou de pertencer à Arquidiocese de
Salvador para estar sob a jurisdição de um bispo
de Minas Gerais. O povo do Norte de Minas entrará numa
nova fase de sua história religiosa.
OS
PREMONSTRATENSES
Em 27 de julho de 1903, os cônegos premonstratenses chegam
a Montes Claros, e o início de apostolado, embora cheio
de dificuldades e exigências, foi marcado por grande entusiasmo.
Embora não existisse no Brasil uma perseguição
à Igreja como em
outros países da América Latina, por todas as partes
do Brasil existia uma minoria que não olhava com bons olhos
a presença do clero e muito menos quando se tratava de
estrangeiros.
Os premonstratenses, no primeiro ano de apostolado, já
podiam apresentar aos bispos de Diamantina os resultados positivos.
Favoreceram à Irmandade do Apostolado da oração,
ofereceram catecismo para 150 crianças e empregaram esforços
na restauração de inúmeras igrejas.
A chegada de Dom Joaquim a Montes Claros lhe proporcionou uma
agradável surpresa. No ano anterior em visita a Januária,
ele manifestou publicamente o desejo de trabalhar pela criação
de uma nova Diocese, provavelmente com sede naquela cidade; mas
ao conhecer a cidade de Montes Claros, desde já pode contar
com uma nova possibilidade.
A preparação, realizada pelos premonstratenses causou-lhe
muita satisfação. Conhecendo um pouco a realidade
que marcava a Igreja do Brasil após a separação
entre a Igreja e o Estado, nota-se que em Montes Claros, a boa
convivência entre ambos apresenta boas perspectivas para
o futuro. O bispo coadjutor de Diamantina, percebe uma sociedade
aberta a presença da Igreja.
Naquele ano da visita de D. Joaquim, a missão premonstratense
no Estado de Minas se encontrava da seguinte maneira: os cônegos
Vincart e padre Chico em Montes Claros, os cônegos Fisingher
e Boelaerts em Sete Lagoas, e o prior Alderic de Paw em Congonhas
do Campo. Em 1905 chegou um novo missionário para Montes
Claros, o cônego Benoit Maussem e após sua chegada,
fundou-se o Colégio São Norberto, que não
obteve o sucesso esperado, que era educar a juventude sob os princípios
da vida cristã.
Eles não conseguiram manter o colégio, mas puderam
fundar um jornal na cidade de Montes Claros, intitulado A Verdade,
sob a direção deles e a colaboração
de alguns católicos. Nesse mesmo ano ocorreu a chegada
das religiosas belgas e mais dois missionários para ajudar
na realização da missão que havia crescido
desde a primeira chegada dos primeiros missionários premonstratenses
a Montes Claros.
Foi um tempo muito favorável ao apostolado dos cônegos
premonstratenses, pois passaram a administrar várias paróquias:
Itacambira, Jequitaí, Coração de Jesus, São
Francisco, Olhos d'Água e Terra Branca. Ainda que os missionários
apresentassem qualquer dificuldade ao bispo, tornava-se até
mesmo arriscado fazer-lhes qualquer repreensão. Numa região
de tão poucos recursos, só o fato de ter padres
já era muito positivo. O modo como viviam, muitas vezes
sozinhos, no serviço religioso a essas paróquias,
lhes dava uma aparência de padres quase diocesanos.
Religiosas Belgas aventuram-se na educação feminina
norte-mineira O padre Chico foi à Bélgica por motivos
de saúde em 1906, e ali fez a solicitação
das irmãs missionárias para Montes Claros. Aos 16
de abril de 1907 padre Chico acompanhou as quatro irmãs,
enviadas pela Madre Maria Benedita ao Brasil. Vieram a Irmã
Odília (Jeanne Dirckx), superiora; Irmã Otávia
(Zulma Isabelle Vendevogel); Irmã Remígia (Anne
Cornélie Rommens) e Irmã Blandina (Jeanne Beckmans)
e mais dois missionários, premonstratenses para o Brasil,
o cônego Paul Lenaerts e cônego Grégoire Dosche,
chegando ao Brasil em 14 de junho de 1907.
Ainda que a missão brasileira houvesse apresentado problemas,
a Madre Ângela resolveu continuar o trabalho; em 1909, a
madre resolveu mandar outras irmãs que fossem mais experientes
e com conhecimentos na área da educação.
As irmãs escolhidas foram Irmã Berchmans e Irmã
Blanche e logo depois chegaram as irmãs Canuta, Berta e
Samuela. Para a Santa Casa chegaram as Irmãs Beatriz, Rufina
e Hipólita. Nos primeiros anos, as irmãs pareciam
não observar bem a clausura no Brasil. Em 1910 a Madre
Ângela impôs uma disciplina mais rigorosa.
Origem missionária da Diocese, Organização
pastoral, Orientações doutrinais, Itinerário
do episcopado.
A
criação da diocese de Montes Claros ocorreu num
período em que a Igreja no Brasil trabalhava pela sua reestruturação.
Dom Joaquim Silvério de Souza, bispo de Diamantina, desde
o início de seu episcopado, ainda como bispo coadjutor,
não mediu esforços para que o espírito de
reforma católica beneficiasse o extremo Norte de Minas,
onde o povo na sua grande maioria professava o catolicismo, mas
estava sem receber a devida assistência espiritual.
Diante da necessidade de construir um patrimônio para a
nova diocese, não se pode desconhecer a contribuição
dos premonstratenses belgas, sobretudo considerando os esforços
realizados pelo Cônego Maurice Gaspar, através de
várias viagens, enquanto arrecadava as contribuições
do povo, ele o conscientizava a respeito dos benefícios
que iria trazer a criação do bispado.
Dom Joaquim viu seus esforços coroados com a Bula Postulat
Sane, o Papa Pio X (1904-1914), que criou a diocese de Montes
Claros em 1910. No ano seguinte, Dom João Antonio Pimenta
foi nomeado como primeiro bispo dessa diocese. Os padres que iniciam
essa nova história foram formados no Seminário de
Diamantina, onde receberam as orientações que lhes
facilitariam o exercício de um ministério junto
aos sertanejos, uma vez que tinham sido amoldados segundo o espírito
tridentino, ou seja, foram preparados para oferecer ao povo o
ensino da doutrina cristã, exigir uma vida moral segundo
aquilo que a Igreja estabelecia e levá-los a uma maior
freqüência aos sacramentos, sobretudo a confissão
e comunhão.
O nascimento da Diocese de Montes Claros em ambiente republicano.
Para
falar da criação dessa diocese, é necessário
levar em consideração o amplo contexto sócio-político-cultural
e eclesiástico da época, A diocese ocorre no período
que marca a metade da chamada primeira República (1890-1930),
observa-se que a sociedade brasileira conservava muitas coisas
da estrutura do período imperial (1822-1889); fase histórica
em que o antigo e o novo coexistiam, onde a entrada do Brasil
no período republicano não foi marcada por grande
entusiasmo em toda a sociedade brasileira, composta por uma elite
indiferente ao substrato cultural e religioso. Época marcada
pelo coronelismo, onde cabia a eles observar e controlar se o
eleitor era ou não alfabetizado; era o senhor absoluto
dentro do seu território, pois controlava social e economicamente
o povo, as instituições públicas com favores,
o acesso aos serviços
públicos e o empréstimo de dinheiro. É nesse
contexto histórico que nasce a Diocese de Montes Claros,
com um bispo que, na sua atuação pastoral, procura
se manter como ele mesmo diz, numa atitude sensata de
neutralidade.
Primeiros esforços para a criação da Diocese
de Montes Claros.
Em 1899 já era ventilada a idéia da criação
de uma nova diocese no extremo Norte de Minas. Dom Joaquim Silvério
de Souza não escondia a sua simpatia pela cidade de Januária,
mas foi em Montes Claros que tal sonho se transformou em realidade.
Dom Joaquim escreveu ao Núncio Apostólico Dom Giulio
Tonti (1902-1906) a respeito da necessidade da criação
de uma nova diocese no Norte de Minas. Para Dom Joaquim era uma
necessidade inadiável, pois era muito difícil acudir
aquela região a 100 léguas da sede do bispado, por
isso propôs ao núncio que entrasse em entendimento
com o deputado federal Lindolpho Caetano, a fim de que ele pudesse
promover a aquisição da casa para Palácio
e Seminário.
O Núncio acolheu com interesse o projeto e se prontificou
imediatamente a executá-lo, mas com duas exigências:
1- O consenso dos três bispos das dioceses cujo território
deveria ser desmembrado – Bahia, Goiás e Diamantina;
2- Obtido o consenso, apresentassem as oportunas garantias requeridas
no caso. Prontificou-se a informar à Santa Sé a
respeito do desejo da criação da nova diocese.
Em 1907 veio um outro Núncio para o Brasil – Dom
Alessandro Bavona (1906-1910). Neste mesmo ano, Dom Joaquim escreveu
ao Núncio para falar sobre os trabalhos dele pela criação
da nova diocese. Ele explicou que se tratava de uma região
pobre composta de um território extenso. Para a nova diocese
iriam passar todas as povoações compreendidas dentro
dos limites da arquidiocese da Bahia com Diamantina pelo rio Jequetinhonha,
Itacambirussu, Congonhas Grandes, Jequitaí, São
Francisco até Urucuia. Seriam 23 paróquias com possibilidade
de criação de outras e 7 cidades para constituição
da nova diocese. Quando a idéia da criação
de um novo bispado ia deixando de ser um distante ideal, os padres
premonstratenses, resolveram lançar pela imprensa a idéia
de que a sede do novo bispado deveria ser em Montes Claros.
Em
21 de dezembro de 1907, o deputado Camilo Prates lançou
um artigo no jornal A Verdade sobre a necessidade e a importância
da nova diocese no Norte de Minas. Nesse artigo ele aplaude as
iniciativas do Bispo de Diamantina e afirma demagogicamente que
os norte-mineiros “não precisam de catequese”
porque já são todos católicos, mas é
para ser atendido “o anseio dos católicos pelos sacramentos
da Igreja”; ele ressalta a impossibilidade de somente um
bispo diocesano atender todo Norte de Minas.
Nessa época representantes de Montes Claros estão
convencidos que essa cidade é a que melhor atendia as exigências
para sede do novo bispado, ou seja, posição geográfica,
facilidade de comunicação com os centros civilizados,
recursos materiais para manutenção de instituições
acessórias a um bispado, clima e outros, e também
já possuíam dois colégios religiosos, o dos
premonstratenses e o das religiosas de Berlaar.
A
BULA POSTULAT SANE (10/12/1910)
No dia 10 de dezembro de 1910, o Papa Pio X com a Bula Postulat
Sane criou a Diocese de Montes Claros, que compreende toda a parte
do extremo Norte de Minas.
DAS PARÓQUIAS RICAS ÀS MAIS POBRES
O primeiro bispo de Montes Claros, Dom João Antonio Pimenta,
teve logo o interesse e conhecimento da formação
dessas paróquias. As paróquias seguem uma classificação
do ponto de vista financeiro.
O CLERO DIOCESANO DA NOVA DIOCESE DE MONTES CLAROS
Durante seu episcopado (1911-1943), na diocese de Montes Claros,
Dom João Antonio Pimenta contou com aproximadamente 113
padres. Alguns padres estrangeiros, na maioria portugueses. Os
religiosos que estiveram na diocese nessa ocasião somente
os
premonstratenses, e já no final do episcopado d Dom João,
os franciscanos da Ordem dos Frades.
O Bispo que preferiu Montes Claros e sua especial Carta de saudações
aos seus diocesanos.
A
Diocese de Montes Claros, criada em 10 de dezembro de 1910, inicialmente
ficou sob a administração de Dom Joaquim Silvério
de Souza. No dia 7 de março de 1911, com a Bula Commissum
humilitati nostrae, o Papa Pio X nomeou Dom João Antonio
Pimenta como o primeiro bispo de Montes Claros.
ESTRUTURA DA CARTA
Em sua carta Dom João destaca: primeira parte; Regeneração
da sociedade civil – Deus criou o homem para viver em sociedade;
Não pode haver sociedade sem autoridade; três ordens
de deveres: Do Estado para com Deus; Dos súditos para com
as autoridades; Do soberano para com os súditos. Segunda
parte: Regeneração da Família e Conclusão.
Na carta Pastoral, o primeiro Bispo de Montes Claros apresenta
suas preocupações diante dos desafios daquela época
e ao mesmo tempo afirma os propósitos que tem para aquela
nova diocese. Comungando de um mesmo pensamento que marca o episcopado
brasileiro nesse período, ele sabe que a Igreja necessita
de reconquistar seu espaço e influência na sociedade.
Para alguém que recebeu sua formação durante
o período do império seria difícil adaptar-se
aos novos tempos. Ele, porém, foi nomeado bispo já
no período republicano porque demonstrava ter as qualidades
para atender às exigências desses tempos novos para
Igreja. Na sua primeira carta projetou para seu episcopado na
nova diocese uma atenção especial às famílias,
tema que mereceu mais atenção nessa sua primeira
manifestação aos novos diocesanos.
INÍCIO DO EPISCOPADO DE DOM JOÃO ANTONIO
PIMENTA (1911-1922)
Na diocese de Montes Claros, os primeiros anos de apostolados
de Dom João foram marcados por intensas atividades. Seus
primeiros cinco anos de atuação pastoral foram dedicadas
às visitas pastorais de todo território diocesano
e à organização dos elementos necessários
à estrutura de uma diocese: residência episcopal,
seminário, catedral, etc., sem contar sua preocupação
em promover missões populares e reunião de seu presbitério
para os retiros espirituais.
A INDIFERENÇA DO CLERO NA POSSE DO BISPO?
Dom João Antonio Pimenta chegou a Montes Claros no dia
7 de outubro de 1911. Sua chegada foi marcada pela entrada revestida
de uma pompa triunfal. No dia seguinte foi a solene entrada na
Catedral às 10 horas da manhã, acompanhado pelo
clero, pelo presidente e demais membros da Câmara Municipal,
pelas autoridades civis e militares e pessoas de todas as classes
sociais. Na porta da Catedral, ele foi recebido pelo Cônego
Carlos Antonio Vincart, premonstratense. Houve a celebração
da primeira Missa Pontifical que foi “soleníssima
e comovente”. Acredita-se que todos os padres tinham consciência
do significado da presença de um sucessor dos apóstolos
para o progresso do cristianismo no extremo Norte de Minas, mas
também entendiam que nessa nova etapa ocorreriam mudanças
no modo como viviam o ministério sacerdotal, já
não mais como aqueles antepassados que tiraram proveito
pessoal devido a um certo isolamento da vigilância episcopal.
ORGANIZAÇÃO DA DIOCESE
O bispo de Montes Claros, na sua primeira Carta Pastoral, deixou
claro que constatava, no programa do seu episcopado, um trabalho
em prol da família e o amor à Pátria. Numa
Carta Pastoral sobre o Ano Santo, em 1926, pede ao povo orações
pelo Brasil, por Minas e revela seu encantamento pelas terras
de Minas Gerais.
“Orai
por nossa querida pátria, o Brasil e de modo particular
por esta parte em que nossos olhos, em se abrindo pela primeira
vez, extasiaram-se na contemplação de um dos mais
famosos da natureza: a terra mineira; com suas alterosas montanhas,
seus fertilíssimos vales, seus rios caudalosos, seus mil
regatos sussurrantes, suas majestosas florestas, seus campos recamados
de flores, suas auras embalsamadas, suas fantásticas cascatas,
suas soberbas cachoeiras, sua opulenta fauna e variadíssima
flora, com os mil primores, enfim, com que a dotou a mão
dadivosa do Criador; orai, repito, com particular empenho por
nossa querida Minas, para que Deus continue a protegê-la
no meio do turbilhão de ódios e anarquia que nos
circunda e ameaça de todos os lados: orai para que não
desfaleça a Fé que herdamos dos nossos antepassados:
Fé robusta e operosa que lhes formou o caráter adamantino
e sem jaça; que os enriqueceu de um conjunto de raras virtudes
cristã e sociais; que lhes inspirou o mais terno e carinhoso
amor à família, e a mais robusta e abnegada dedicação
à pátria.”
A
sua chegada a Montes Claros, em outubro de 1911, reservou-lhe
já de início uma situação lamentável:
a residência episcopal não tinha nenhuma mobília.
Em 1918 publicou um artigo intitulado “Viver às Claras”,
no jornal Montes Claros. Esclareceu a sociedade montes-clarense
que tinha recebido só uma casa, sem mobília, para
sua residência e a pequena mobília comprada pelo
Cônego Carlos Vincart, pároco da única paróquia
da sede episcopal, foi paga pelo Bispo de Diamantina; ficando
ainda uma dívida, e, Dom João a pagou. Depois desse
esclarecimento, alguns objetos foram oferecidos para residência
episcopal, já que a verdade era conhecida de todas.
Para
a manutenção e organização do Palácio
Episcopal intitulado por Dom João como Palácio da
Santa Cruz, ele usou de seus próprios recursos. Nos seus
primeiros seis anos, não pode avançar muito na administração
da diocese, devido à precária situação
financeira dela. O Bispo empregou tudo o que havia recebido em
favor da diocese. Em 1914, Dom João, quando construía
o Palácio Diocesano, gastou também suas modestas
rendas mais de 35 contos de réis.
No seu episcopado, Dom João sempre se manifestou preocupado
com a instrução do povo da região, mas, sobretudo
nesse período os governos se preocupavam um pouco com a
instrução. Falando desse mal, presente em todo o
país, assim se manifestou no
Jornal Gazeta do Norte.
“A falta de instrução se devem o desprezo
pelos deveres cívicos, o desrespeito às leis, o
suborno fácil, a trahição aos princípios
de honra, a ausência de amor pátrio, todas as calamidades
enfim, que impendem o homem de conhecer a sua força no
conjunto dessa invencível agremiação que
se chama povo”.
SINAIS
DE CRISTIANIZAÇÃO DA SOCIEDADE MONTESCLARENSE
Uma constante nos jornais montes-clarenses era a presença
da Igreja que marcava a história de Montes Claros. Na medida
do possível, procurou marcar religiosamente a sociedade
de então.
AS VISITAS PASTORAIS
Quando o bispo chegava a qualquer lugar, cidade ou vila, povoação
ou fazenda, muitas pessoas o aguardavam para ouvir a palavra de
Deus e receber os sacramentos. Imediatamente, sem que pudessem
repousar, o bispo e seus auxiliares iniciavam as confissões.
Trabalhavam dia e noite sem descanso, pregando, confessando e
crismando desde às 5 horas e meia da manhã até
às 9 horas da noite.
AS MISSÕES POPULARES
Dom João considerava as missões um meio extraordinário
para conservar o espírito religioso no uso das populações.
Essas missões têm uma base acentuadamente moralista,
enfatizando as verdades eternas do pecado, da morte e do inferno,
e busca a reforma dos costumes entre os fiéis católicos.
Mesmo que as dificuldades fossem muitas, as missões e as
visitas pastorais eram os meios que se apresentavam para manter
viva a fé do povo e reformar os costumes.
SEGUNDA FASE DO EPISCOPADO DE DOM JOÃO ANTONIO
PIMENTA (1922-1943)
A segunda fase do episcopado de Dom João pode ser considerada
a partir de 1922, depois de seus primeiros onze anos na diocese
de Montes Claros. Dom João estava com 63 anos e já
se considerava velho e sem forças de antes. Mesmo assim
continuava firme nos trabalhos da diocese.
Nessa
segunda fase, a diocese de Montes Claros conta com novos padres
diocesanos e premonstratenses, mas ainda não atende a necessidade
da região. Ocorreram diversas transformações
na cidade de Montes Claros: a chegada dos meios de transportes,
criação de estradas para o uso do automóvel
e a estrada de ferro. Devido a essas mudanças muitas pessoas
começam a passar por Montes Claros e muitas delas permaneciam
na cidade, favorecendo o crescimento da população.
A partir da década de trinta, para favorecer o apostolado
de Dom João, que começava a sentir o peso da idade,
é nomeado Dom Aristides de Araújo Porto como seu
bispo coadjutor.
IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DAS MERCÊS – SANTA
CASA
A Santa Casa de Montes Claros foi fundada em 13 de outubro de
1877. Todas as camadas sociais pequenos e grandes inscreveram-se
na Casa de Caridade de Nossa Senhora das Mercês. O primeiro
bispo de Montes Claros, durante a regência da Diocese de
Montes Claros, manteve um controle constante da Santa Casa, até
então obra social de maior relevância na cidade.
Em 1943, dois meses antes de sua morte, Dom João ainda
foi à Santa Casa e pronunciou um discurso de meia hora
por ocasião do lançamento da pedra fundamental do
novo edifício, fazendo valer seus aprimorados dotes oratórios.
DOM ARISTIDES DE ARAÚJO, BISPO COADJUTOR
Quando Dom João completou 70 anos, já com a saúde
bastante debilitada, encontrava-se sem forças para realizar
uma série de atividades. O Papa Pio XI nomeou um bispo
coadjutor para Montes Claros – Dom Aristides de Araújo.
UM BISPO SUB UMBRA ALARUM DE D. JOÃO
Dom João, através de uma Carta Pastoral, apresentou
oficialmente seu coadjutor. Procurou transmitir ao povo o significado
daquele acontecimento para a diocese, deixando claro que graças
à presença do novo bispo, poderia continuar no governo
da diocese até o fim de sua vida.
Dom Aristides, desde o início, mostrou-se humilde, caridoso
e enérgico no cumprimento de seus deveres eclesiásticos,
intransigente, mas dedicado. Ele realizou um intenso trabalho
na Diocese de Montes Claros enquanto coadjutor. Após a
morte de Dom João, Dom Aristides atendeu a algumas necessidades
urgentes da diocese, dedicando-se especialmente na pastoral vocacional.
Seu episcopado foi breve, durou apenas quatro anos, devido à
sua morte em 1947.
A
IGREJA DE MONTES CLAROS NA SUA PRIMEIRA MOBILIZAÇÃO
POLÍTICA DO POVO
Em 1933, Dom Aristides instalou na cidade de Montes Claros a Junta
Regional da Liga Eleitoral Católica (LEC) da diocese de
Montes Claros. Expôs ao povo os fins da Liga e os princípios
que defendia: 1. Manutenção do ensino religioso
nas escolas; 2. Assistência religiosa às forças
armadas; 3. conservação da indissolubilidade do
matrimônio; 4. reconhecimento do casamento religioso para
efeitos civis. A Liga tinha por objetivo encaminhar os fiéis
para o exato cumprimento do dever, ou seja, fazer eleitores e
orientá-los na escolha dos candidatos a que devem dar o
seu voto. Uma idéia forte na Liga, de acordo com Dom Aristides,
era não entregar os destinos de um povo a inimigos de Deus,
ou seja, ao temido “perigo vermelho” que era o comunismo.
UMA
NOVA CATEDRAL
A partir de 1922, muitos bispos no Brasil procuravam mostrar a
Igreja Católica através de manifestações
públicas. Em Montes Claros, Dom João quis que ficasse
bem visível na cidade a construção de um
imponente templo religioso. Um templo que, de acordo com a mentalidade
da época, fizesse visível a verdadeira Igreja de
Jesus Cristo aos olhos dos protestantes e espíritas montesclarenses.
Dom João era consciente de seu dever, como primeiro bispo,
consolidar a fundação da construção
da Catedral e outros
edifícios necessários para o regular funcionamento
da diocese. Em 1926, Dom João dá início à
construção da nova Catedral. Em 2 de setembro de
1926, foi o lançamento da pedra fundamental desse templo.
Dom João contou com a ajuda do cônego Maurice, que
quando foi à Bélgica ficou encarregado de encontrar
na ordem premonstatense um sacerdote para traçar a planta
e executar a obra da Catedral. O Cônego Jeronymo Lambim
com estudos em Arquitetura foi escolhido para desenvolver essa
missão. Ele apresentou ao bispo dois projetos: um era de
execução fácil e barato, o outro, Dom João
considerou mais correspondente à dignidade da futura Igreja.
Dom João tinha consciência do pouco recurso financeiro
da região, mas mesmo assim optou pelo projeto mais pomposo.
O cônego Jeronymo traçou a planta e dirigiu os trabalhos
por dois anos, após esses dois anos à frente da
obra considerou desnecessária a sua presença em
Montes Claros, decidiu então ir para paróquia de
Salinas, onde faleceu em 1933, vítima de tifo.
Após a saída de Dom Jeronymo a direção
das obras foi confiada ao Capitão Francisco José
Guimarães, auxiliado por seu irmão Santos Guimarães.
Provavelmente D. João, ao convidar o Ministro da Viação
e Obras Públicas e outras autoridades para ver as obras,
além de cumprir as formalidades, esperava contar também
com um apoio, uma ajuda significativa para a construção
da Catedral. Em 1938, o bispo preparou um texto a fim de que publicado
no jornal e que fosse lido nas missas, nas associações,
etc, pois percebera a impossibilidade de continuar a obra da Catedral
por motivos financeiros. O apelo foi tão bem recebido que
esse artigo foi publicado de tempos em tempos, sempre com uma
resposta generosa por parte do povo.
Em 1939, foi a bênção da Cruz que encima a
torre principal da Catedral. Nesta ocasião, Dom João
pode contemplar todo conjunto da forma exterior da Catedral, todavia
não alcançou o término e inauguração
do templo que foi em 1950.
A Catedral de Montes Claros tornou-se uma obra de rara beleza
no coração do sertão mineiro, apresenta uma
aparência neogótica e alguns traços românticos
e clássicos.
Brotou
no coração do sertão mineiro a Igreja do
bispo, uma Catedral de elegância onde, “debaixo de
suas futuras torres ponte agudas, ameaçadoras das nuvens,
celebrará a Cristandade suas grandes festas, com toda a
exterioridade pomposa necessária mesmo às coisas
mais sérias e sagradas”.
ÚLTIMOS ANOS DE DOM JOÃO PIMENTA
Em 1928, Dom João escreveu seu testamento – registrado
no Cartório do segundo Ofício de Montes Claros -
onde procurou oferecer esclarecimentos a respeito de sua pessoa
e sua missão na diocese, fez ainda algumas recomendações
à sua família.
“Tendo cumprido no decorrer de minha vida meus deveres de
justiça e caridade para com [...] e tendo despendido com
estes ônus os poucos proventos de meu ministério,
nada possuo na atualidade, a exceção dos objetos
de meu uso”.
Pediu para mandar celebrar trinta missas no tempo de sua morte;
quis deixar claro que o Palácio construído por ele
era propriedade da Diocese, assim como o Seminário Diocesano
com a sua mobília. Para terminar seu testamento, fez um
pedido de perdão às pessoas que tivesse ofendido
por explosões de seu temperamento nervoso; também
pediu perdão aos pobres pelo fato de não ter podido
acudir-lhes sempre em suas necessidades; à sua família
deixou recomendações para que não traísse
a fé e as tradições da família, inscrevendo-se
em sociedades secretas e nomeadamente da maçonaria e que
se abstivessem de bebidas alcoólicas e do vício
do jogo.
Ele
reconhecia que a sua missão na diocese de Montes Claros
o levou a um afastamento dos grandes centros do país. Vivendo
nesse isolamento a que se condenou, ele se considerava uma pessoa
longe das idéias político-sociais do país
nos últimos anos de vida.
D. JOÃO DIANTE DO INTEGRALISMO E DO COMUNISMO
Segundo Dom João o integralismo era positivo para aquele
tempo porque apresentava um programa que prometia respeitar a
consciência religiosa da nação. Ao falar das
idéias comunistas que provocam a perturbação
da ordem, Dom João ressaltou o seguinte:
“O que aconteceu na Hespanha serve-nos de advertência
muito grave. Se os comunistas triunfarem correremos perigos sérios
e imediatos. Se forem derrotados, teremos uma trégua talvez
um pouco prolongada, mas outros homens surgirão com as
mesmas idéias e atitudes, como perigosos inimigos das instituições,
da moral, da família e da religião. Porque homens
máos existirão sempre”.
BISPO ATÉ MORRER
Em julho de 1943, quando o primeiro bispo de Montes Claros termina
sua caminhada na terra, acontecem muitas manifestações
de reconhecimento pelos seus serviços à Igreja e
à sociedade norte-mineira. Os últimos cumprimentos
confirmam um reconhecimento de muitos que viram nele “a
imagem e o exemplo de uma ação vigilante e incansável,
a serviço da fé”.
BISPOS – DIOCESE DE MONTES CLAROS - 1911 - 2007
Dom João Antonio Pimenta, nascido no Arraial de Capelinha,
em 12 de dezembro de 1859. Foi ordenado sacerdote em 10/07/1883,
nomeado Vigário de Capelinha em 1892, nomeado como primeiro
Bispo da Diocese de Montes Claros em 1911.
Em apenas dez anos de governo, organizou a Cúria Diocesana,
colocou ordem nas paróquias, criou quatro novas freguesias,
aumentou para 25 o número dos nossos sacerdotes, organizou
a obra das vocações, reivindicou e movimentou o
patrimônio da Matriz, construiu o Palácio Santa Cruz,
o Seminário, fez sete visitas pastorais, escreveu cinco
cartas pastorais e atuou seriamente na reforma do clero de forma
enérgica e producente e de retiros espirituais.
Dom João faleceu em 20 de julho de 1943 e está sepultado
na Cripta da Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida de
Montes Claros. Seu lema de Episcopado era “Sob A Sombra
De Tuas Asas.
Dom Aristides de Araújo Porto, nascido em São João
Nepomuceno, em 5 de outubro de 1904. Ordenou-se Sacerdote em 1927,
exerceu várias atividades sacerdotais em São Paulo,
foi Arcebispo de Olinda e Recife e de Niterói, e membro
da comissão permanente responsável pela direção
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Nomeado Bispo de Diocesano de Montes Claros em 1943. De uma simplicidade
extrema, logo se tornou estimado pelo povo. Impulsionou as obras
da Catedral após o falecimento de Dom João Pimenta.
Dom Aristides levantou o prestígio da Igreja, reconciliando-a
com as elites intelectuais da cidade.
Dom
Antonio de Almeida Morais Júnior, nascido em Sant'Ana de
Paraisópolis, em 26 de junho de 1904. Ordenou-se Sacerdote
em 1927. Em 2 de outubro de 1948 foi escolhido para terceiro Bispo
de Montes Claros. Destacava-se pela sua jovialidade e um grande
poder de comunicação que fizeram dele um amigo de
todos. Considerado o melhor orador da história de Montes
Claros.
Dom
Luiz Vitor Sartori, foi sagrado bispo a 1º de junho de 1949.
Simples, enérgico trabalhador, tornando-se em pouco tempo,
membro da nossa comunidade, trabalhando como o melhor dos seus
filhos. Lema do seu episcopado “Na Bondade, Justiça
E Verdade”.
Dom
José Alves Trindade, simplesmente José, nascido
em Lagoa Dourada, em 7 de outubro de 1912.Tomou posse na Igreja
Particular de Montes Claros em 6 de outubro de 1956, morreu aos
92 anos, no dia 8 de março de 2005. Culto, excelente redator,
com publicação constante na imprensa de Montes Claros,
deixou um magnífico legado de bons ensinamentos. Lema do
seu Episcopado “Que Todos Sejam Um”.
Dom Geraldo Majela de Castro, nascido em Montes Claros, no dia
24 de junho de 1930. Aos 11 anos de idade, entrou para o Seminário
Pirapora do Bom Jesus, em São Paulo, foi ordenado Sacerdote
pela Ordem premonstatense, em 8 de dezembro de 1953, sagrado no
Episcopado em 8 de setembro de 1982. A partir de primeiro de junho
de 1988, assumiu definitivamente a Igreja Particular, tornando-se
o sexto Bispo da Diocese de Montes Claros.
Em 25 de abril de 2001, o Papa João Paulo II, anunciou
a elevação da Diocese de Montes Claros à
condição de Arquidiocese. Em 29 de julho de 200l,
Dom Geraldo foi efetivado como primeiro Arcebispo Metropolitano
de Montes Claros. Seu Ministério prima pela preocupação
social com forte espiritualidade. Ele foi o idealizador da Pastoral
da Criança de Minas Gerais, juntamente com as Irmãs
Juliana Philomena Verbist e Venina de Oliveira Tristão.
Ao completar 75 anos, idade limite para exercer o episcopado,
ele o renuncia e em 2007 torna-se Administrador Diocesano de Montes
Claros e desde então, Dom Geraldo Majela de Castro é
o Arcebispo Emérito de Montes Claros.
Durante o seu Arcebispado, Dom Geraldo criou 34 paróquias
e quase-paróquias. Hoje a Arquidiocese de Montes Claros
tem 60 paróquias e quase-paróquias. Atualmente,
ele é pároco da Paróquia São João
Batista de Terra Branca. Lema do seu episcopado “Ide Também
Vós Para A Minha Vinha”.
Dom José Alberto Moura, nascido em Ituiutaba, no dia 23
de outubro de 1943. É ordenado Sacerdote em 1971. Montes
Claros, ganha em 7 de fevereiro de 2007, seu segundo Arcebispo
e sétimo Bispo Diocesano. Seu lema de episcopado é
“Acreditei, Por Isso Falei.”
Fontes
e Bibliografias
____________________________________________
SILVA, Francisco Oliveira, Sub Umbra Alarum Tuarum – História
da criação e organização da Diocese
de Montes Claros, 1903-1943 / Francisco Oliveira Silva –
Belo Horizonte: FUMARC, 2005.
Mestrado em História Eclesiástica pela Pontifícia
Universidade Gregoriana (1995), doutorado em História Eclesiástica
pela Pontifícia Universidade Gregoriana (2004) –
reconhecido pela Universidade de São Paulo como Doutor
em História Social conforme registro nº 070046. Idiomas:
Italiano, Francês, Alemão, Espanhol, Inglês
e Latim.
Site da Arquidiocese de Montes Claros, www.arquimoc.org.br
Bandeira
de Montes Claros
Bandeira do Município de Montes Claros.
Decreto nº 564, de 18 de novembro de 1981.
(Site do Instituto Histórico e Geográfico de Montes
Claros).
Documento
Histórico
BRASÃO
DE ARMAS DO MUNICIPIO DE MONTES CLAROS E SEU
EMBLEMA REPRESENTATIVO
Documento do Arquivo histórico de Dário
Teixeira Cotrim,
cedido gentilmente por Ruth Tupinambá Graça.
VILA
RISONHA DE SANTO ANTÔNIO DA MANGA DE
SÃO ROMÃO - DECADÊNCIA E ASCENSÃO
Maria
da Glória Caxito Mameluque
Cadeira N. 40
Patrono: Georgino Jorge de Souza
São Romão, terra onde nasci e me criei tem muitas
histórias de guerras, revoluções e galhardia
do seu povo, contada de boca em boca pelos mais velhos, que delas
se lembram com orgulho. No entanto, teve fases contraditórias
de ascensão e decadência. Sua história é
marcada pela luta contra os índios caiapós e pela
repressão aos quilombos e aos assaltantes de estrada. Mas
é marcada, sobretudo, pelo inconformismo com o jugo colonial,
que explode na Revolução do Sertão em 1736.
Os revoltosos de São Romão formam uma espécie
de governo provisório, cujo plano geral era de que o distrito
de Ouros – a região do rio das Velhas e do Sabarabuçu
– se juntaria aos revoltosos assim que fosse dominado o
sertão do São Francisco.
São Romão foi centro comercial de importância,
com negócios de peixe, carne, melancias, açúcar
e, sobretudo, de sal: “naquele lugar labora o negócio
de sal fabricado nas salinas do rio São Francisco, capitania
da Bahia e Pernambuco, que, pelo mesmo rio acima, sobem quantidade
de barcas a aportar em São Romão, onde concorrem
os tropeiros a comprá-lo para conduzirem às minas
de Goiás e muitas povoações das Gerais.”
(Descrição geográfica, histórica e
política da Capitania das Minas Gerais, 1781, autor ignorado,
RevI.H.G.B,LXXI, parte I, 147).
Por resolução da Assembléia Geral de 13 de
outubro de 1831, sancionada pela Regência, foi o arraial
elevado à categoria de Vila, com a denominação
de Vila Risonha de Santo Antônio da Manga de São
Romão. Em 1871, a lei nº1.755 de 30 de março,
transferiu a sede da Vila Risonha para o arraial de Pedras dos
Angicos. Perdeu a regalia de sede municipal e também a
de sede da Paróquia. Esta foi restaurada pela Lei nº
3.485, de 04 de outubro de 1887, que transferiu a freguesia de
Morrinhos para Santo Antônio da Manga. Finalmente, ao ser
criado o novo município com a lei nº 843, de 07 de
setembro de 1923, teve sua denominação mudada pela
mesma lei, de Santo Antônio da Manga de São Romão,
para São Romão.
Nas
minhas pesquisas para escrever a sua história, deparome
com o noticiário impresso no Jornal “Minas Gerais”,
da Imprensa Oficial, do ano de 1925:
“A
antiga “Vila Risonha de Santo Antônio da Manga de
São Romão há cerca de 95 anos passados, fora
sede de um grande e rico município, que não só
pela fertilidade e mineração de seu magnífico
solo, como também pela operosidade dos seus filhos, ocupava
uma posição de apreciável realce no seio
da província de Minas, justamente considerado um dos mais
prósperos municípios do vale do São Francisco.
Nessa próspera situação, trabalhando a estabilidade
do seu progresso, conservou-se até que, pelas artimanhas
de certos políticos, lhe foi arrebatada em 1873 a categoria
de vila e transferida para o povoado de Pedras dos Angicos a sede
da Comarca.
Mantinha
por esse tempo ativo comércio com a zona próxima
da província de Goiás, possuía considerável
lavoura, trabalhada pelo braço da raça negra a par
da bem desenvolvida indústria pastoril.
Mas, com a perda da sede da comarca, iniciara-se a decadência
dessa próspera localidade, a qual, lenta a princípio,
se tornara intensa pelo concurso de várias circunstâncias,
adredemente trabalhadas pelos seus rancorosos inimigos políticos,
que tudo empenharam na campanha de descrédito e derrocada
do município.
Destarte, São Romão, no período de 1895 a
1907, tivera estremecimentos de inqualificável tapera,
agonizando através de desconchavados casebres, ameaçando
ruínas por sob um punhado de indolentes pescadores, já
sem comércio, sem vida, enfim..
Foi então que por iniciativa do coronel Francisco José
da Silva Caxito, o Governo do Estado mandou construir uma estrada
de rodagem, ligando o decadente arraial à cidade de Formosa,
no Estado de Goiás, a qual marcara um como início
de nova era para o distrito e sede deste, pela atração
que exercera sobre o comércio com os vizinhos centros de
produção.
Pouco
depois, estabelecia-se no arraial o esforçado comerciante
Francisco de Sales Peixoto, que a golpes de poderosa propaganda
conseguiu chamar ao velho arraial a concorrência das povoações
ribeirinhas, que traziam ao seu mercado o produto dos seus trabalhos
industrial e agrícola, contribuindo deste modo para o levantamento
do seu comércio.
Todavia esses valiosos fatores, tendo contra si a tremenda decadência
em que se encontrava o arraial, ainda eram insuficientes para
elevar o nível moral e comercial da legendária terra
dos Caiapós, à altura em que estivera no áureo
período de 1826 a 1873, pois faltavam esses surtos de iniciativa
particular, o princípio básico de todo progresso:
a autonomia.
Coube à luminosa administração do inolvidável
brasileiro Dr.Raul Soares partir a nefanda grilhete que reduzira
São Romão à triste posição
de simples distrito, criando pela Lei nº 843, de 7 de setembro
de 1923, o município de São Romão, que foi
solenemente instalado a 02 de março de 1924.
A partir desta memorável data, o município de São
Romão vem trabalhando galhardamente o seu progresso, conduzido
por uma operosa administração chefiada clarividentemente
pelo coronel Saint-Clair Fernandes Valadares, presidente da Câmara,
que tem posto a sua experimentada atividade a serviço do
levantamento do município.
A vila de São Romão demora à margem esquerda
do rio São Francisco, em posição vantajosa
e considerável altura, que lhe garantem invejável
salubridade; possui vários edifícios públicos:
paço municipal, mercado, dois higiênicos prédios
em que funcionam duas escolas; duas igrejas, dois cemitérios
e é iluminada a querosene. O governo municipal, autorizado
pela Câmara, dará brevemente à vila, iluminação
elétrica e água encanada.
No
corrente ano, São Romão vai ter o seu grupo escolar,
que já se acha em construção num dos melhores
pontos de sua sede. Essa grandiosa realização é
mais um feito do Cel.Saint-clair Fernandes Valadares em prol do
engrandecimento do município, o qual captara a atenção
do ilustre Sr.Dr.Sandoval de Azevedo, que eficazmente vem desenvolvendo
o problema da difusão do ensino, apoiado pelo ilustre Dr.Fernando
Melo Viana.
Limites e extensão territorial: O município de São
Romão limita-se a leste pelo rio São Francisco com
os municípios de Brasília e São Francisco;
pelos córregos de Santa Rita e Rio Preto com o de Januária;
pelo rio Carinhanha com o Estado da Bahía; pela serra das
Vertentes com o Estado de Goiás; ao Sul com os municípios
de Paracatu e João Pinheiro; pelo rio Paracatu com o município
de Pirapora. A maior extensão do município é
a que se distende de Leste a Oeste, partindo da foz do rio Urucuia
até as cabeceiras do mesmo, numa distância de 350
quilômetros, por 12 de largura; o extremo Este do município,
além de guardar os seus maiores recursos naturais, dista
poucas léguas do Planalto central, ponto escolhido para
a futura capital da República.
Divisão Distrital: compõe-se o
município de cinco distritos: vila de São Romão,
sede; Capão Redondo, Arinos, Formoso, Buritis e Juanópolis.
População: a população
do município é de 20.000 habitantes.
Área: 22.970 Km²
Paróquia: Está entregue à
direção do Padre Amaro Falcão, vigário
de São Francisco.
Habitações: A vila compõe-se
de 250 casas e várias em construção.
Coletorias: Coletor federal: Cap. José
Caetano Gomes; coletor estadual:
Cap. Argemiro Peixoto; coletor municipal: Eustachio Martins de
Sant´ana.
Associações: Mães de Família;
Sociedade Operária Beneficente; São
Romão Foot-ball Club; Filarmônica 7 de setembro;
SS.Sacramento; N.Sra. do Rosário; São Francisco
de Paula e Sagrado Coração de Jesus.
Viação: somente a vila dispõe
de meios de locomoção e transporte proporcionado
pela navegação fluvial do São Francisco.
O transporte de gêneros entre a sede do município
e seus distritos faz-se por meio de morosos carros de bois, que
por estradas primitivas levam muitos dias de viagem, dando ao
comércio sérios prejuízos.
Agricultura: Contrastando com a uberdade dos
terrenos situados nos distritos de Buritis, Arinos e Formoso,
a agricultura neste município é pouco desenvolvida
e muito rotineira, cultivando-se em pequena escala, arroz, feijão,
mandioca e cana.
Riquezas naturais: O município de São
Romão possui riquíssimas lavras de diamante, situadas
em Capão Redondo, nos córregos da Extrema, Lavado,
Santa Fé, Arinos, no rio Claro, que já foram exploradas
dando apreciáveis resultados.
Florestas: Os distritos de Buritis, Arinos e
São Romão estão cobertos de ricas florestas
de madeira de lei, destacando-se aroeiras, vinhático, cedro,
angico, sucupira, jatobá, umburana e tamboril.
Quedas d´água: Destacam-se já
por sua beleza natural como pelo volume de vazão e altura
dos seus saltos, as cachoeiras da Ilha, Gibóia, São
Miguel, São Norberto, Santo André e Extrema.
Caça e pesca: A fauna desse município
é bastante rica, abundando em todo o seu território
veados, pacas, antas, capivaras, cutias, tamanduás, onças,
garças, jacus, perdizes, marrecos, etc. Em peixe de toda
espécie, o município é incomparavelmente
rico.
Fazendeiros: Os principais: Cel. Severiano Gonçalves
de Abreu, Francisco Alves Pereira, Cel. Saint-Clair Fernandes
Valadares, Vitalino da Fonseca Melo, Benevides Borges Carneiro
e outros.
Instrução: Na sede do município
há duas escolas primárias e uma em
cada distrito.
Administração judiciária:
1º Juiz de Paz: Adelino Alves da Silva; 2º
Francisco José Leite; 3º Vicente Pereira Salgado.
Polícia:
Delegado Cap. Belarmino Rodrigues Barbosa.
Administração Municipal: Presidente
da Câmara Cel. Saint-Clair Fernandes Valadares; Vice-presidente:
farmacêutico Manoel Simões Caxito; Secretário:
Cap. Lindolfo Gonçalves Sobrinho; Secretário do
Poder Executivo: Cap.Francisco de Sales Peixoto. Vereadores: Capitães
Altino Alves da Silva, José Pereira Lameirão, Benevides
Borges Carneiro e David Leopoldo de Lima.
São
Romão - Minas Gerais
MULHERES
BREJEIRAS
Maria Inês Silveira Carlos
Cadeira N. 38
Patrono: Francisco Sá
Quando alguns elementos da “Bandeira” de Fernão
Dias Paes Leme fundaram em 1704 o povoado de Cruz das Almas das
Caatingas do Rio Verde, o mundo vivia numa sociedade patriarcal.
Patriarcado significa o poder do homem na família e na
sociedade. Os patriarcas detinham o poder da vida e da morte sobre
seus filhos, mulheres e escravos. Por essas bandas eles eram conhecidos
como coronéis. E as mulheres brejeiras viviam submissas
a esse poder, sem oportunidades e benefícios. Sem direito
a decisões e vontades.
O mundo antigo dava pouca importância à mulher. Aristóteles,
filósofo grego do século IV antes de Cristo, dizia
que a mulher pode ser definida como um homem inferior. E assim
a mulher ficou durante séculos. Foi a partir da Revolução
Francesa em 1789 que a mulher passou a sentir sua força
e potencialidade, e seu grito de liberdade começou a ecoar
pelos quadrantes da terra. É claro que por aqui esse grito
não chegou logo. Havia um imenso oceano de preconceitos
e tabus que norteavam nossa sociedade. O masculino ainda prevalecia
sobre o feminino.
O tempo correu. O povoado passou a Distrito com o nome de São
Gonçalo do Brejo das Almas. Em 1923, criou-se o município
de Brejo das Almas, desmembrado-se de Montes Claros. Em sete de
setembro de 1924, foi instalado. Em 1938, adotou o nome de Francisco
Sá.
A
população era pequena, formada por fazendeiros e
alguns comerciantes. Grande parte das mulheres era analfabeta.
Poucas freqüentavam a escola. O destino da maioria era o
casamento e para lavar, passar, cozinhar, servir ao marido e criar
os numerosos filhos, não era necessário ir à
escola. Muitos casamentos eram arranjados pelos pais e normalmente
casavam-se com os primos para perpetuar o nome da família.
Quando
ficavam viúvas, cobriam-se de luto pelo resto da vida.
Sua existência resumia-se em ir à igreja (onde os
homens sentavam-se na frente e as mulheres atrás), visitar
os parentes e cuidar dos filhos. As diversões e festas
estavam proibidas. Por não possuírem mais um marido
para acompanhá-las, uma mulher viúva jamais poderia
sair sozinha.
As separações conjugais estavam fora de cogitação:
tinham que cumprir seu papel de esposa, mãe e mulher. Sofriam
em silêncio a dor da traição, a dor do abandono,
a dor da violência física, mental e social. A honra
era lavada com sangue.
Na
década de 40, algumas modificações foram
sentidas: Havia algumas corajosas mulheres trabalhando no serviço
público, ao lado dos homens. Várias jovens, após
cursar o primário na Escola Eliseu Laborne, procuraram
galgar degraus mais altos: foram estudar em Montes Claros, Belo
Horizonte, Diamantina. Porém, a maioria permanecia apenas
com o curso primário. Então nos anos 50, pessoas
iluminadas conceberam o Ginásio Mariquinha Silveira, onde
foi implantado o Curso Ginasial. As mentes começaram a
abrir-se e os preconceitos a cair. A oportunidade chegou para
muitas jovens que agarraram-na num abraço de decisão
de crescer e mudar. O Ginásio
Mariquinha Silveira transformou-se na Escola Estadual Tiburtino
Pena. Em 1965 criou-se o Curso de Magistério e em 1967,
formou-se a primeira turma de Normalistas de Francisco Sá.
Embaladas pela Jovem Guarda, pelos Beatles, Elvis Presley e tantos
outros formadores de opinião, as mulheres brejeiras, nos
anos 60 viram-se de repente diante de uma grande transformação.
O mundo não era mais o mesmo. Era preciso seguir a grande
onda. As saias encurtaram, o maiô foi substituído
pelo biquíni. Já podiam sair sozinhas e namorar
com mais liberdade. E ouviram falar pela primeira vez na pílula
anticoncepcional, que foi sem dúvida a maior de todas as
nossas conquistas. A mulher agora era dona do seu próprio
corpo: poderia escolher quantos filhos queria e quando os queria
ter.
Não podemos esquecer das primeiras mulheres brejeiras que
lutaram e ajudaram a construir com suor e abnegação
essa bela terra. Primeiro, elas geraram os filhos e netos que
hoje formam nossa sociedade. Segundo, porque tiveram a coragem
de quebrar barreiras e romper tabus.
O progresso de Francisco Sá está extremamente ligado
ao trabalho de suas mulheres. Deixando de lado vários títulos
tais como: Rainha do Lar, Sexo Frágil, elas foram à
luta em busca de identidade própria. Nos anos 70 e 80,
novos espaços foram abertos, tanto no campo como na cidade.
A economia cresceu bastante com a explosão da agricultura
do alho. Sendo que cerca de 80% da mão de obra era feminina.
Trabalhavam de 8 a 10 horas por dia. Eram exímias operárias,
principalmente em trançar o alho. Mas o salário
era bem menor do que ganhava um homem.
O curso superior começa a ser uma realidade para as mulheres
brejeiras. O sonho da universidade não estava mais tão
distante. E assim, dezenas dessas aguerridas mulheres (solteiras
e casadas) lotaram a universidade de Montes Claros atrás
de melhores oportunidades.
Hoje, onde estão as mulheres brejeiras? A maioria está
militando nas escolas. O magistério é a grande força
motriz que move as engrenagens da nossa sociedade. Talvez por
falta de opção em outros campos elas têm se
dedicado em ensinar. Ou será por que ainda temos ecos de
um passado machista em que a mulher só podia exercer a
profissão de professora por ser considerada uma extensão
de seu lar? Temos uma boa parte trabalhando no serviço
público municipal, estadual e federal. Há um número
bastante expressivo na área autônoma. A trabalhadora
rural é um grande exemplo de luta e garra. Muitas de nossas
mulheres brilham lá fora.
Timidamente
estamos ingressando na política. Durante esses 83 anos
de emancipação, o Poder Legislativo ainda não
atingiu o número de 10 vereadoras; e só em 2004
tivemos a primeira candidata ao cargo de prefeita.
Existe
um grande número de mulheres invisíveis; são
aquelas que trabalham muito, mas não fazem parte das estatísticas.
Não possuem carteira assinada, não têm acesso
à previdência e nem a aposentadoria futura. São
as donas de casa, as empregadas domésticas e as bóias-frias.
Há também as que estão desempregadas por
falta de qualificação ou de vagas.
Ao amanhecer do século XXI, a mulher brejeira ainda não
pode dizer que já conquistou tudo. Realmente, há
um novo paradigma, um avanço no conhecimento, nas concepções.
O século XX trouxe inúmeros avanços, todos
com muita luta, é claro. Mas é preciso fazer mais.
É preciso criar novas fontes de trabalho, mais escolas
e, sobretudo cumprir as leis. É necessário que se
cumpra à lei com rigor, principalmente quando se trata
da violência contra as mulheres, que, infelizmente, aqui
ainda se pratica muito.
A época é de intenso desafio. Não dá
mais para retroceder. As máscaras caíram. Hoje,
a mulher mostra sua verdadeira personalidade e vai atrás
de seus sonhos, de seus anseios. Podemos escolher se queremos
ser mãe dedicada, uma profissional de sucesso, uma boa
companheira ou tudo isso junto. Coragem e determinação
não nos
faltam, segundo Milton Nascimento e Fernando Brant no belíssimo
poema Maria Maria, porque “quem traz no corpo essa marca
possui a estranha mania de ter fé na vida”.
DA
VELHA GUARDA
Maria Luiza Silveira Telles
Cadeira N. 54
Patrono: Coronel Geraldo Tito da Silveira
INTRODUÇÃO
Q
uando levantamos a vida de alguém, que foi importante dentro
de uma comunidade ou dentro de uma instituição,
estamos a resgatar a História. E é no passado, em
nossas raízes, que vamos compreender melhor o nosso presente
e projetar o futuro. Pretendemos, aqui, fazer um breve levantamento
da trajetória de vida de Geraldo Tito Silveira, escritor
de vinte e quatro obras publicadas e onze ainda inéditas,
historiador e tenente-coronel da Polícia Militar de Minas
Gerais, comumente conhecido pela alcunha de Cel. Tito.
DADOS
BIOGRÁFICOS
Geraldo Tito Silveira nasceu em Francisco Sá, então
Brejo das Almas, município de Montes Claros, no dia 6 de
fevereiro de 1917, e faleceu nesta cidade, no dia 18 de dezembro,
de 2005. Era filho de Jacinto Alves da Silveira, emancipador do
município de
Francisco Sá, fazendeiro e político, primeiro presidente
da Câmara Municipal de sua terra, e da Professora Maria
Luiza Araújo da Silveira, a mais antiga mestra formada
de Brejo das Almas.
Terminou, com distinção, o curso primário
no Grupo Escolar de Brejo das Almas, onde era diretora sua própria
mãe. Este era o primeiro diploma de outros tantos que receberia
pela vida afora.
Aos
12 anos, transferiu-se para Montes Claros, indo residir com seus
padrinhos, Dr. João José Alves e Dona Tiburtina
Câmara Alves, quando entrou para o Ginásio Diocesano,
dirigido pelos padres premonstratenses, tendo tido por mestres
e amigos, por toda uma vida, pessoas como o padre Marcus e padre
Chico. Foi contemporâneo de vários futuros políticos
e figuras importantes em Montes Claros e região, como Anfrísio
Coelho, Anísio Santos, Luiz de Paula, Konstantin Cristoff
e tantos outros.
Aos
16 anos, terminado o ginásio, foi para Belo Horizonte,
onde começaria uma vida brilhante, profícua e de
grande expansão intelectual. Com seu pai já paralisado
pelo Mal de Parkinson, esgotado em seus recursos financeiros pela
política e pelos médicos da capital, prometendo-lhe
sempre a cura, Geraldo Tito Silveira, já tendo feito exames
para o curso de odontologia, viu-se obrigado a trabalhar, entrando,
então, para a Força Policial do Estado de Minas
Gerais.
Fez o Curso de oficiais e foi declarado aspirante, na turma de
1941, pelo Comandante-Geral, Cel. Alvino Alves Menezes. Começava,
aí, uma carreira extraordinária dentro da corporação,
que amou, talvez, tanto ou mais, que à sua própria
família.
Durante
sua carreira militar foi delegado especial das seguintes cidades:
Tupaciguara, Abaeté, Itabirito, Manhumirim, Araxá,
Pedro Leopoldo, Itanhandu, Pouso Alto, Machado, São Lourenço,
Francisco Sá, Porteirinha, Montes Claros, Santos Dumont
e Bocaiúva.
Como
oficial de gabinete de vários Comandantes-Gerais, trabalhou
intensamente no sentido de conseguir instalar um batalhão
em sua amada Montes Claros, sendo, depois, este o 10º Batalhão,
onde foi comandante e sub-comandante.
Foi
assistente militar do Secretário de Estado do Interior,
Dr. João Nogueira de Rezende, ajudante de ordens do Núncio
Apostólico no Brasil, Dom Armando Lombardi, diretor da
Escola Caio Martins, em Esmeraldas, professor de História
do Colégio Tiradentes, em Belo Horizonte, etc.
Além do curso de Oficiais, diplomou-se, ainda, como Instrutor
de Educação Física, Assistente Social, e,
dentre outros, fez o curso de Aperfeiçoamento de Oficiais
e Ciências Psicobiofísicas.
OBRAS
Deixou publicadas as seguintes obras: “Pôncio Pilatos”,
“O Padre Velho”, “Memórias de Cláudia
Prócula”, “Crônica da Polícia
Militar de Minas Gerais”, “Os Milicianos da Capitania
do Ouro”, “Os Litóstrotos”, “A
Família Silveira de Brejo das Almas”, “Conversa
de Meganha”, “O quarto Mosqueteiro”, “Evangelho
segundo Judas”, “O salto no Tempo”, “Lembranças
antigas do Brejo das Almas”, “Fumaça de Satanás”,
“O clero da Foice e do Martelo”, “Tocaia de
Bugres”, “A dança da Gangorra”, “Os
Bigodudos”. Deixou inéditas onze obras, quase todas
sobre Jesus, os evangelhos apócrifos e a criação
do universo. Todas estas obras fazem parte da Biblioteca do Exército,
da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos (Acessionslist:Brazil)
e da Biblioteca “Coronel Geraldo Tito Silveira”, do
10º Batalhão.
PRÊMIOS
LITERÁRIOS
Recebeu vários prêmios literários, sendo os
mais importantes: Prêmio Cidade de Belo Horizonte, categoria
Conto; Prêmio Reader's Digest, categoria Livro.
HONRARIAS
- Medalha da Inconfidência;
- Medalha Cel. Fulgêncio de Sousa Santos;
- Medalha do Dever cumprido;
- Certificado de participação, com louvor, da Comissão
do Bicentenário da morte de Tiradentes;
- Diploma do 55º Batalhão de Infantaria do Ministério
do Exército por palestras proferidas;
- Diploma “Jair de Oliveira”, pela 1ª Delegacia
Regional do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais,
por seu trabalho como jornalista;
- título de benemérito da Biblioteca Pública
de Montes Claros;
- Diploma de Pesquisador Honoris Causa, conferido pela Academia
de Polícia Militar de Minas Gerais;
- Medalha Alferes Tiradentes;
- Medalha de Honra da Inconfidência;
- Medalha do Bicentenário da morte de Tiradentes;
- título de Historiador Emérito da Polícia
Militar de Minas Gerais;
- Medalha pelos 30 anos de serviços prestados
OUTRAS ATIVIDADES
Geraldo Tito Silveira foi, também, jornalista por cerca
de 50 anos, escrevendo para o Estado de Minas, Hoje em Dia, Diário
da Tarde, Diário de Minas, O Globo, Jornal do Brasil, além
dos jornais de Montes Claros, como O Diário, Jornal do
Norte e Jornal de Notícias. Foi
diretor-superintendente do Jornal do Norte, de 1983 a 1984. Escreveu
para diversas revistas e mereceu críticas extraordinárias
dos famosos jornalistas: Miguel Chalup, Augusto de Lima Júnior,
Manoel Hygino dos Santos, Moacir de Andrade, Mello Cançado,
Euclides de Andrade, Jair Silva e outros.
Foi membro da Academia Municipalista de Letras, Academia Montesclarense
de Letras, Instituto Histórico e Geográfico de Minas
Gerais e acadêmico fundador da Academia de Letras João
Guimarães Rosa, da Polícia Militar de Minas Gerais.
Além destas atividades, foi, ainda, prefeito de sua terra
natal e chefe de segurança das Usinas Malvinas.
DESCENDÊNCIA
Casou-se, em primeiras núpcias, com a professora de Ioga,
Maria José Nunes Silveira, de ilustre família mineira,
oriunda do sul de Minas, tendo tido com ela seis filhos: Maria
Luiza Silveira Teles, professora universitária aposentada,
escritora e terapeuta; José Jorge Nunes Silveira, jornalista
e funcionário público federal; Dr. Eustáquio
Nunes Silveira, desembargador federal aposentado; Dr. Alexandre
Nunes Silveira, advogado da CEF; Dr. Aristóbulo Nunes Silveira,
médico cardiologista; Dr.TitoValério Messala da
Silveira, engenheiro de Telecomunicações da TV Record.
Deixou, ainda, os seguintes netos: Alex Vladimir Sarmento da Silveira,
Iuri Sarmento da Silveira, Dimitri Sarmento da Silveira, Ana Flávia
Weber da Silveira, Tatiana Silveira Teles, Andréia Silveira
Matos, Daniela Silveira Carvalho, Igor Santos Silveira, Alessandra
Rabelo Silveira, Felipe de Paula Silveira. Desta descendência,
teve os seguintes bisnetos: Líliam Teles Silveira Sena,
Andrey Silveira, Axel Silveira, Aline Silveira Matos, Pedro Silveira
Matos e Ludmila Silveira Carvalho.
Em segundas núpcias, casou-se com a senhora Maria de Fátima
Oliva da Silveira, tendo com ela a filha Ivana Oliva da Silveira.
CONCLUSÃO
A seu respeito escreveu o grande poeta e intelectual, Cândido
Canela: “Conheço Geraldo Tito Silveira desde os tempos
de calças curtas. Ao contrário do que muitos pensam,
trata-se de um homem de bom coração, caridoso, cidadão
correto, militar digno de seus galões, espírita
kardecista convicto, excelente esposo, pai e avô amorosíssimo.”
Por ter lidado com oligarquias que queriam dobrá-lo pela
força da autoridade e do dinheiro e com pessoas que o ameaçavam,
através de armas, por circunstâncias de sua própria
profissão, ele desenvolveu uma couraça de brabeza.
Entretanto,
prova das palavras de Cândido Canela foi o fato de ter deixado,
por onde passou, dezenas de afilhados, filhos de soldados, cabos
e sargentos, que sempre o amaram e respeitaram muito. Em Barbacena,
ajudou muito no Lactário. Sempre foi buscado por seus companheiros
subordinados, na Polícia Militar, para conselhos e ajuda
de todo tipo.
Geraldo
Tito Silveira, ou Cel. Tito, como era conhecido, além de
um brilhante legado à Polícia Militar de Minas Gerais
e à sociedade, deixa, também, pastas e mais pastas
de documentos e pesquisas nas mãos de sua filha, a Professora
e escritora Maria Luiza Silveira Teles.
Morreu o brilhante intelectual, o soldado de coração,
o homem de coragem, o espírito combativo, o espiritualista,
uma verdadeira enciclopédia humana, o coronel da “velha
guarda”. Mas, por ele, que sempre repetia as palavras de
John Donne:“ Não perguntes por quem os sinos dobram.
Eles dobram por ti”, os sinos haverão de dobrar sempre
nos corações daqueles que o amaram.
ITACARAMBI:
UMA CIDADE ENTRE RIOS E CAVERNAS
Marta Verônica Vasconcelos Leite
Cadeira N. 17
Patronio: Agusto de St Hilaire
RESUMO
studo sistemático da oferta turística da cidade
de Itacarambi, município norte-mineiro com um rico conjunto
de recursos naturais, culturais e históricos. Cidade conhecida
como Porto de Jacarés, é marcada pela influência
do Rio São Francisco. No cenário nacional, destaca-se
como um dos municípios que abrigam o Parque Nacional Cavernas
do Peruaçu.
PALAVRAS-CHAVE
Itacarambi, Rio São Francisco, Oferta Turística,
Parque Nacional Cavernas do Peruaçu.
INTRODUÇÃO
O amanhecer no Rio São Francisco tendo como fundo o morro
que dá nome à cidade, Itacarambi: “Rio da
Pedra Redonda”, “Peixe que nada em volta da Pedra”
ou ainda “Pedra de Duas Caras”.
Revoada de pássaros, casinhas em estilo colonial brasileiro,
mais além olhos d'água, canyons, campos, matas,
grutas. É o Peruaçu. Festas populares e religiosas,
misto da alma sertaneja, sem falar na receptividade de um povo
mestiço, bom por natureza.
Paz,
água, belezas agrestes e únicas. Itacarambi parece
ser um paraíso distante, mas não é. Está
“logo ali”, a 220 km de Montes Claros e 660 de Belo
Horizonte.
A
história do município tem como um de seus marcos
iniciais um arraial de poucos habitantes, apelidados de jacarezinhos.
Era comum à época que barqueiros avistassem vários
desses répteis tomando sol às margens do Rio São
Francisco, de onde a origem da denominação. Esses
primeiros moradores do lugar eram índios Gamelas e Xacriabás,
que ainda hoje habitam as proximidades da região.
Na
margem oposta ao antigo arraial localiza-se a Ilha do Capão,
a qual formou-se com a abertura de um braço do rio por
esses mesmos índios. Com sua força braçal
eles retiraram areia dando origem a uma lagoa de grande beleza,
porém habitada por piranhas, o mais voraz dos peixes de
água doce. Hoje a Ilha do Capão pertence a uma comunidade
crioula, já que seus primeiros moradores retiraramse para
São João das Missões.
Outra
antiga comunidade é Brejo do Pindaíba, onde a devoção
a Nossa Senhora Santana mobiliza a todos em uma bela festa no
dia 26 de julho.
Prosseguindo
sua história, o povoado de Jacaré recebeu o nome
de Itacarambi pela Lei n.º 921, de 24 de setembro de 1926,
momento em que o local contava com apenas três ruas e a
“estrada” do Rio São Francisco, como relatam
seus moradores mais antigos, porque o rio era a estrada.
Em
30 de dezembro de 1962, Itacarambi, então distrito pertencente
a Januária, é elevado a município pela Lei
n.º 2.764. no ano seguinte, é instalada a intendência
do Senhor Nelson Fonseca Pinto, dando início à cidade.
RAÍZES DE UM POVO
A ocupação da região de Itacarambi remonta
a períodos préhistóricos. Nos sítios
arqueológicos do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu,
localizado neste município, inúmeros abrigos e entradas
de cavernas contém registros de ocupação
humana datados em até 12 mil anos.
Os verdadeiros primeiros habitantes do local eram grupos de caçadores
e coletores, que só mais tarde foram substituídos
pelas populações indígenas de agricultores.
Dentre os registros pré-históricos, há inscrições
rupestres nas paredes das grutas e cavernas, além de “oficinas,
espaços rituais, habitações, silos para guardar
alimentos, cerâmica (...) os quais vêm fornecendo
dados essenciais para a reconstituição dos vários
aspectos do modo de vida dos homens pré-históricos
do interior do Brasil.”
Posteriormente,
vieram os bandeirantes em busca das riquezas escondidas no subsolo
e, com o passar do tempo, o povo de Itacarambi foi se constituindo
nessa mistura de nativos, colonizadores brancos e seus escravos,
além de escravos fugidos e nordestinos, que desciam pelo
Rio São Francisco e iam se acomodando às suas margens.
Ainda
hoje, sobrevivem famílias que tiveram papel marcante nessa
história, como os Ferreira de Brejo da Pindaíba,
os Moreira, os Azevedo e os Barbosa, essas duas últimas
vindas da Bahia. Além disso, destacam-se a figura do Coronel
Horácio de Matos e as famílias Sá, Corrêa,
dentre outras.
Outros
importantes personagens dessa história são os missionários
jesuítas, que deixaram sua marca na catequese da região
e na construção de igrejas.
Em
Itacarambi, além de construírem o templo em 1794,
eles incentivaram a devoção a Nossa Senhora da Conceição,
que se tornou a padroeira da cidade. De construção
rústica e estilo eclético, essa igreja encontra-se
voltada pra o Rio São Francisco, como é comum nas
cidades ribeirinhas. Como propagadores do cristianismo, os jesuítas
também ergueram um cruzeiro em madeiro à frente
da mesma.
ASPECTOS
FÍSICOS
Itacarambi
tem relevo de planalto, com cerca da 85% de terrenos planos, 10%
ondulados e 5% montanhosos.
A
vegetação é de transição entre
o cerrado e a caatinga. Sua flora é de savana, contando
com um rico patrimônio de mais de dez mil espécies.
Entre as espécies mais comuns estão: o Barbatimão,
o Pau-santo, a Aroeira-do-sertão, o Tingui, o Murici, o
Pequizeiro, o Jatobá, o Araticum e a Barriguda-de-espinho
ou Embaré.
Dois
rios perenes cortam o município: O Rio São Francisco,
já citado, e o Rio Peruaçu, além de seus
afluentes. A temperatura média oscila entre 26 e 12 graus.
Possui hoje 17.455 habitantes, entre a sede do município
e a zona rural.
ASPECTOS
ECONÔMICOS
A
base da economia em Itacarambi ainda á a agricultura, com
cultivo de milho, feijão, mamona, banana, mandioca, entre
outros. Possui pecuária de corte em 250 propriedades e
192 criadores.
Há
no município exploração de manganês
e presença da agroindústria, em que se destaca a
indústria de beneficiamento de combustíveis à
base de mamona.
Infelizmente,
a pesca no Rio São Francisco não é mais uma
atividade relevante para Itacarambi, em virtude da escassez de
peixes.
ASPECTOS
CULTURAIS
O
Rio São Francisco esteve na origem dessa cidade e ainda
hoje é fonte primordial de vida e importante atrativo turístico,
posto que a ele se ligam as principais influências culturais.
Das
manifestações populares e folclóricas destacam-se
o Carimbó, dança presente no norte e nordeste do
país e que certamente chegou à região através
do Rio São Francisco. Nela se percebem influências
afro, indígena e portuguesa, uma vez que é marcada
pelo uso do atabaque – tambor feito de tronco coberto com
couro de veado.
Os
dançarinos de Carimbó evoluem em pares. O cavalheiro
comanda os passos seguido pela dama, que dá inúmeras
voltas, sempre obedecendo ao ritmo dos instrumentos e lembrando
uma dança de roda. É uma dança livre, com
a marcação do ritmo feita pela perna direita enquanto
a esquerda é arrastada ou visa e versa. Os braços
se elevam acima dos ombros em forma de “L” e acompanham
o gingado do corpo.
O
traje usado no Carimbó é composto por saias longas
e rodadas e blusas brancas paras as mulheres. Para os homens,
roupas comuns com um lenço em volta do pescoço e
calças erguidas acima dos tornozelos.
De tradição portuguesa, a Dança da Fita também
acontece em Itacarambi. Rapazes e moças giram em torno
de um mastro onde são afixadas fitas coloridas que durante
a dança são trançadas e destrançadas.
Essa dança representa uma louvação à
fertilidade da árvore, como agradecimento aos seus frutos
e como pedido de fartura para as próximas colheitas.
Outra manifestação de destaque é o “Reis
do Boi”, folgueto popular que acontece nas cidades ribeirinhas
do São Francisco, em algumas delas participando do Reisado.
De origem portuguesa, tratase de uma representação
de captura, morte e ressurreição do boi. A figura
do boi remete ao cotidiano rural da região. Acontece no
período junino e está ligado também às
festas da colheita e a elementos religiosos, em virtude da ressurreição,
aspecto sincrético utilizado pelos jesuítas.
Outro ritual comum nas cidades ribeirinhas é o Terno dos
Temerosos ou Rei dos Cacetes, que lembra batalhas distantes. Vestidos
com trajes de marinheiros, os dançarinos apresentam-se
através de gestos e batidas de paus.
Itacarambi também valoriza o canto coral, destacando-se
na cidade o Coral das escolas Municipais, com repertório
sacro e popular.
Mantendo a tradição ribeirinha, a culinária
local valoriza os peixes, especialmente o surubim preparado em
postas assadas ou em cozimento com leite de côco e tempeiro
verde.
Férias em Itacambira se tornaram especiais depois da criação
da Thurma do Babbaloo. O evento, que acontece no Clube Recreativo
para aproximadamente 1.100 pessoas, atrai turistas e filhos ausentes
da cidade, além de moradores da região.
Também atraem numerosos turistas os enduros nas trilhas
dos gerais e o cross country, que ocorrem nos meses de setembro
e outubro. São campeonatos que partem da Praça da
Água Viva e movimentam toda a cidade.
As festas juninas são tradicionais, especialmente a chamada
Festa da Dora, realizada na primeira quinzena do mês, mobilizando
toda a população com barraquinhas, bandas e atrativos
culinários.
Uma curiosidade é o Campeonato de Som Automotivo. O evento
ocorre sempre nos domingos de Carnaval na Praça Água
Viva, reunindo moradores e visitantes interessados na área.
As vaquejadas do mês de julho são outra tradição
local. Ocorrem na Fazenda Lago da Serra e atraem aproximadamente
500 pessoas a cada ano.
Além dos eventos citados, vale ressaltar as festas da Padroeira
Imaculada Conceição nos meses de novembro e dezembro,
com público estimado em 3 mil pessoas. Como festa religiosa,
mantém as tradições do levantamento de mastro,
das coroações, missas, procissões com imagens
e decoração de ruas e praças nas cores azul
e branca.
ATRATIVOS NATURAIS
O Parque Nacional Cavernas do Peruaçu (PNCP) é sem
dúvida o local em que se concentram os maiores atrativos
naturais do norte de Minas e uma das mais importantes reservas
de proteção ambiental do Brasil. Localiza-se na
rodovia MG 135, km 155, no distrito de Fabião I, contanto
com posto de fiscalização do IBAMA.
O Parque constitui unidade de conservação federal
por possuir mais de 140 cavernas e 80 sítios arqueológicos
catalogados com pinturas rupestres de extremo valor histórico,
ainda merecendo investigações mais apuradas. Seu
Plano de Manejo foi aprovado pelo
IBAMA em 28 de dezembro de 2005.
Com 56.800 hectares, possui potencial indiscutível para
o ecoturismo, prática de esportes de aventura, espeleologia,
pesquisas científicas e atividades de educação
ambiental.
São destaques os sítios arqueológicos: Buraco
dos Macacos, Gruta do Janelão, Arco do André e as
Lapas dos Desenhos, dos Cascudos, dos Troncos, do Cabloco e do
Brejal. Essas cavernas impressionam por suas grandes dimensões,
sendo que em algumas o Rio Peruaçu desaparece , correndo
subterrâneo, para surgir bem à frente.
Vale ressaltar que no cenário internacional as dimensões
da caverna do Janelão só são comparáveis
às da Caverna Deer Cave no Parque Nacional de Mule em Sarawak,
Borneo. Ainda assim, segundo especialistas, o Janelão ganha
em beleza cênica. “No Janelão tudo é
grandioso, desde o pé direito que ultrapassa 100 metros
de altura, proporcionando uma das mais belas visões do
Brasil subterrâneo, até uma estalactite medindo 28
metros, a maior do mundo, segundo a SBE.”
DE ACORDO COM O PLANO DE MANEJO DO PARQUE DO PERUAÇU
“Em nível internacional existem poucos locais que
reúnam de forma tão magnífica e com tanta
relevância científica atrativos naturais como é
o caso do Cânion, das cavernas e dos sítios arqueológicos
do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu.”
A principal via de acesso aos atrativos dentro do parque é
uma estrada de terra que liga os distritos de Fabião I
e Vargem Grande. Há uma linha de ônibus municipal
que serve essa estrada duas vezes por dia.
Por fim, cabe informar que:
“O Parque pode ser visitado por qualquer cidadão,
desde que acompanhado por um condutor cadastrado da área.
O turismo deverá seguir os roteiros pré-definidos
disponíveis no PNCP e acompanhar a rotina geral de visitação
do Parque (atividades recreativas, educativas e integrativas).”
Considerações finais: possibilidades turísticas.
O
levantamento dos aspectos históricos, econômicos,
culturais e naturais de Itacarambi revela que a cidade possui
considerável potencial turístico.
Observando sua infra-estrutura, conclui-se a viabilidade do atendimento
ao turista em virtude da existência de hotéis, pousadas
e área de campi, com equipamentos e serviços à
altura de cidades de porte médio. Além disso, conta
com comércio diversificado, agência bancária,
correios, policiamento civil e militar, hospital, clínicas
médicas e postos de saúde para bem atender os visitantes.
Em fim, vale a pena conhecer Itacarambi, essa cidade às
margens do Rio São Francisco, que possui na arqueologia,
fauna e flora uma riqueza incalculável hoje preservada
graças ao Parque Nacional Cavernas do Peruaçu. Não
obstante, mesmo que ele não existisse, seria motivo suficiente
para visitar a cidade o rico patrimônio imaterial que vai
do por do sol indescritível ao precioso acervo de histórias
do homem mestiço cujos ancestrais habitam o lugar há
milênios.Referências Bibliográficas.
ARQUEOLOGIA
A fascinante pré-história de Minas Gerais. In: Revista
Minas Faz Ciência, n. 26, junho a agosto de 2006. Disponível
em: http://revista.fapemig.br/materia.php?id=175. Acesso em 07
de junho de 2006.
ITACARAMBI
Disponível em:
http://www.descubraminas.com.br/destinosturisticos/
hpg_municipio.asp?id_municipio=61. Acesso em 01 de junho de 2006.
LIMA, J. Parque Nacional Cavernas do Peruaçu – MG.
Disponível em: http://www.geo.org.br/. Acesso em 01 de
junho de 2006. MATA-MACHADO, B. História do Sertão
Noroeste de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1991.
PILÓ, L. B.; RUBBIOLI, E. Cavernas do Vale do Rio Peruaçu
(Januária e Itacarambi), MG: obra-prima de carste brasileiro.
In: Schobbenhaus, C.; Campos, D. A.; Queiroz, E. T.; Winge, M.;
Berbert-Born, M. L.C. (Edit.) Sítios Geológicos
e Paleontológicos do Brasil. Brasília: Comissão
Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos
(SIGEP), 2002, p. 453-60.
PLANO de Manejo do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu.
[s.n.d.]
____________________________________
1
- A variedade de significações para o nome do município
deve-se, possivelmente, à remota coexistência
de diferentes tribos indígenas nas margens do rio, as quais
comunicavam-se cada uma em seu
próprio dialeto do Tupi-guarani.
2 - Dados retirados do site Descubra Minas.
3 - Piló e Rubbioli, 2002
4 - Lima, s/d.
5 - idem
6 - Plano de Manejo do PNCP
7 - idem
LÁGRIMAS
PELO COMENDADOR
Olyntho Alves da Silveira
Cadeira N. 50
Patrono: Jair Oliveira
Não
se completaram vinte dias quando, no nosso último encontro,
falei-lhe na doença que ameaçava um nosso amigo
e companheiro do Elos Clube. E ele, ao mesmo tempo assustado e
pesaroso pelo choque da notícia, lamentou o estado do amigo
comum e, no seu sotaque de português, fez uma rogativa a
Deus, pelo companheiro. E, no entanto, foi por sua boa alma que
rogamos a Deus, hoje, enquanto o amigo de quem lhe falei, segundo
notícias, está fora de perigo. Prova da ignorância
do homem, frente aos desígnios do Criador.
Não posso afirmar ter sido Antônio Loureiro Ramos
um homem feliz, dependendo do conceito que cada qual de nós
tem de Felicidade. Segundo o poeta, ela nunca está onde
a procuramos, e nunca a procuramos onde ela está. E neste
jogo de palavras, vamosnos embaraçando. Em relação
ao nosso Comendador, só posso afirmar que foi um homem
bom. E o homem bom só é feliz quando procura dar
felicidade a alguém. E foi o que ele fez. Então,
a conclusão é lógica. Falem por mim, os que
ele ajudou. Principalmente os seus compatriotas. Dentro desta
conceituação, o comendador Antônio Loureiro
Ramos deve ter sido feliz. Porém, levando-se em conta o
que disse certa escritora alemã que, abjurando o protestantismo
aderiu ao catolicismo, talvez agora, que ele aqui não mais
está, pode sentir-se feliz. Refiro-me à autora do
Sudário de Verônica, Gertrud von Le Fort, quando
escreve: “Felicidade só há no céu e
Justiça só no inferno; nesta terra há a cruz”.
Palavras contundentes, mas que me parece verdadeiras. Ora, quem
passou por esta terra conduzindo a própria cruz e procurou
ainda aliviar a outros do peso da suas, ao se transferir daqui,
só deve ter um caminho a trilhar: o do céu, pois
nunca mereceria a justiça do inferno.
Um
homem que guardava no coração o amor de duas pátrias,
sempre a balançar entre as duas, não poderia conservá-lo
forte por muito tempo. E ontem, ele parou para tristeza de suas
duas famílias: a do sangue e a elista.
O esfacelamento da pátria do seu berço trouxe-lhe
muita tristeza. Em palestras que mantivemos com ele, eu e alguns
companheiros elistas, eu, pelo menos vi, no espelho dos seus olhos,
o abatimento que vinha da alma.
Chegara mesmo ele a afirmar-nos temer uma nova visita ao seu velho
Portugal, por receio de não o reconhecer! E esta dor sempre
renovada por notícias negativas, como a ferrugem destrói
o ferro, minava-lhe o coração, já doente.
Mesmo com o conforto e o carinho da família e os estímulos
dos companheiros do Elos Clube, ele sofria. Não seria preciso
um psicólogo para notar-lhe a transformação
depois da desagregação da pátria de além-mar.
E ontem ele baqueou. Mas ali, no seu clube – que foi uma
das suas muitas realizações positivas -, nunca estará
ausente o seu espírito. Porque tudo que lá construiu,
fá-lo-á sempre presente, mesmo fechado, na linguagem
do silêncio.
Meu
caro comendador Antônio Ramos! A sua alma presenciou ali,
a apoteose das homenagens ao seu corpo inerte. E uma das mais
tocantes, foi a que lhe prestaram os soldados do fogo. Prova de
que neste mundo em decomposição, há ainda
os que cultivam um dos mais elevados sentimentos de nobreza humana:
GRATIDÃO. E deste sentimento deram prova os componentes
do Corpo de Bombeiros, criado aqui pelo seu esforço. Aos
seus homens, do comandante ás praças, o reconhecimento
dos Elos Clube. Foi com esta finalidade, ausente amigo, que fiz
esta crônica, falando em Você.
Porque
o homem só se torna verdadeiramente grande quando é
digno das homenagens dos humildes, porque nascem da Sinceridade.
Verto
poeta inicia assim o seu canto: “Lágrimas fingidas,
não as quero...” Mas, as derramadas pelo Comendador,
foram sinceras, quando os oradores lhe faziam o necrológio.
E isto não é muito comum.
A
DIMENSÃO DE UM HOMEM
Petrônio Braz
Cadeira N. 18
Patrono: Brasiliano Braz
A MANHÃ DE UMA VIDA
O historiador Brasiliano Braz, patrono da Cadeira nº 18 do
Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros,
da Cadeira nº 01 da Academia de Letras, Ciências e
Artes do São Francisco e da Cadeira nº 36 da Academia
de Letras do Noroeste de Minas (Paracatu), foi parte viva da história
do município de São Francisco/MG, que ele tão
bem escreveu, e com a qual se identificou nos últimos cinqüenta
anos de sua vida.
Ao
contrário de muitos políticos, ele assentou sua
vida no respeito ao patrimônio público. Deu muito
de si, sem nada tirar para si mesmo. Muito deu e pouco recebeu
em troca de sua honestidade pública, hoje decantada, constituindo-se
motivo de encômios de todos que o conheceram e pretexto
de orgulho de seus familiares.
Sua vida teve início no arraial de Contendas, hoje próspera
cidade de Brasília de Minas, nos últimos anos do
Século XIX, ou mais precisamente no dia 09 de junho de
1897.
Sant'Ana de Contendas era, ainda, uma Vila, sede do município
desmembrado de Montes Claros, antiga Formigas. Ali a vida comunitária
desenvolvia-se sob os efeitos das contendas entre os habitantes
das margens direita e esquerda do ribeirão Paracatu.
Na
pequena povoação o menino Braz Caxeado de Almeida,
que mais tarde se tornaria Brasiliano Brasilino Braz, ou simplesmente
Brasiliano Braz, na espontaneidade inerente aos filhotes das águias,
que desconhecem a visão majestosa do universo, dos levantados
montes ou dos vales infinitos, na visão primária
das cercanias de Contendas, cobertas de coqueirais, cujos horizontes
vêm enturvados pelas suaves ondulações do
terreno informe, quis procurar, ainda na infância, amplidões
maiores. Como uma jovem águia, que nos seus primeiros e
vacilantes vôos aventura-se pelo azul celeste do empíreo,
que se descortina à sua frente, Brasiliano Braz quis ver
além daqueles horizontes incertos.
Nessa
aventura, empurrado pelas mãos de Aisa, o mensageiro homérico
do Destino, arribou à então insegura terra de São
Francisco, ainda conhecida por Pedras dos Angicos, ou simplesmente
Pedras.
Ali,
nas margens do majestoso rio São Francisco, sobre o cais
natural de xisto calcário, de incomparável perfeição,
vegetava denso angical. Cais e angical uniam-se em um complexo
uniforme. O primeiro dava à cidade a proteção
necessária contra as inundações periódicas
do rio, que lhe tinha emprestado o nome; o segundo ornava o local
com sua selvagem beleza. Nesse conjunto Domingos do Prado, o bandeirante
intrépido, construiu a primeira capela, indispensável
aos colonizadores, apegados à fé religiosa da Igreja
de Cristo.
Em
Brasiliano Braz, que ali chegou na aurora do Século XX,
o líder já se antecipava ao jovem que aspirava crescer,
que já buscava, desde a infância, avaliar o que existia
por entre as capas de tantos livros quantos encontrasse em seu
percurso de vida, fundindo os alicerces culturais, que haveriam
de sustentar o autodidata do futuro, e marcariam precocemente
sua personalidade. Ali criou raízes e construiu seu único
e permanente ninho, como a águia dos Alpes italianos. O
jovem Braz, já conhecido como Brazinho, não teve
dúvidas em trocar os coqueirais das Contendas pelos angicais
das Pedras dos Angicos.
A
predestinação, a firmeza de propósitos, a
coragem e a fidelidade aos amigos fizeram dele um líder
cuja força e poder somente no ancião foram abrandadas.
A
consideração pública, afirmou Péricles
na clássica Grécia, só pode ser obtida pelos
que têm talento e probidade. O talento de Brasiliano Braz
fez dele o historiador; sua probidade, que se originou de sua
integridade moral, criou o líder incontestável.
Nos
primeiros anos do Século XX viveu, como espectador eqüidistante,
no palco dos horripilantes prélios políticos. Conheceu
e conviveu com inúmeros líderes da comunidade nascente.
Viu, à noite, a pequena cidade iluminada pelos lampiões
a querosene. Estava presente, no cenário urbano das Pedras
dos Angicos, quando ocorreu o assassinato do juiz político
Antero Simões e presenciou a invasão da cidade pelo
bando de Antônio Dó.
Ainda
na infância, graças aos seus atributos pessoais já
marcantes, foi amparado pelo coronel João Dias Maynart,
após o falecimento de seu pai João Caxeado de Almeida,
em 1905, órfão que era de mãe desde 1903,
e nele, por este gesto magnânimo, começaram a se
fixar os sentimentos de amor à terra de São Francisco.
Antes
de ingressar, como protagonista, na vida pública, o que
ocorreu a partir de 1931, acompanhou, já com o interesse
nascente, os acontecimentos da vida social e política da
terra adotiva. Presenciou perseguições, que eram
uma constante no quadro político-social. Não o simples
afastamento de um cargo público, mas o frio assassinato,
a eliminação sumária de grandes vultos.
A
visão de tais fatos foi criando, em seu espírito
em formação, a revolta contra essa forma hedionda
de fazer política. Forma execrável de disputa, em
que valia não o jogo de palavras, o gênio criador,
o patriotismo das idéias, o caráter, ou a eloqüência,
mas
a força bruta, o poder de aliciamento de jagunços,
a submissão. O caudilhismo impunha-se e, diante dele, muitos
pagaram com o próprio sangue o direito de exercer a cidadania.
O
ZÊNITE DE UM HOMEM
O
direito da força contra a força do direito tem sido
uma constante na vida político-administrativa do Brasil.
A campanha civilista de Rui Barbosa, em 1910, não foi bastante
forte para se impor diante do poder dos coronéis, que dominavam
a política do interior do País.
A
Aliança Liberal, em 1930, viria, pela força, por
fim à Primeira República. João Neves da Fontoura,
em um de seus discursos inflamados no Congresso Nacional, antes
da Revolução, afirmou: Vamos amanhã para
o prélio aceso das urnas e, quiçá, para o
prélio terrível das armas. Getúlio Vargas,
candidato da oposição, antes de soltar ao mar a
quilha e ao vento o pano, tentou uma pacificação,
que não teve êxito pela intransigência do presidente
Washington Luiz.
Nas
urnas saiu vitoriosa a candidatura de Júlio Prestes e a
3 de outubro irrompeu a Revolução, já com
Olegário Maciel no governo de Minas Gerais, em substituição
Antônio Carlos.
Com
a vitória da Revolução, com Getúlio
Vargas no poder, advém a permanência de Olegário
Maciel na direção dos destinos de Minas, assumindo
Oscar Caetano Gomes a chefia do governo em São Francisco,
como primeiro Prefeito Municipal.
Com
Oscar Caetano Gomes a paz se instalou em São Francisco,
nascendo uma nova era de prosperidade e de desenvolvimento. A
partir daí começa a verdadeira vida pública
de Brasiliano Braz.
Dissolvido
o Partido Republicano Mineiro, em sua substituição
foi criada, sob a inspiração de Francisco Campos
e Gustavo Capanema, a Legião de Outubro e a ela Brasiliano
Braz se incorporou, ao lado de outros líderes políticos
locais.
Em
1931 ocupou ele o primeiro cargo público, o de Conselheiro
Municipal, por nomeação de Oscar Caetano Gomes.
Pouco depois, renunciou a esse cargo para ocupar o de Juiz de
Paz do Distrito da Cidade, por nomeação do presidente
do Estado, Olegário Maciel. Nesse cargo exerceu, em substituição,
as funções de Juiz de Direito da Comarca, e eu tive,
por algumas vezes em minhas mãos, autos de processos daqueles
tempos, em que se encontram despachos seus, com aquela caligrafia
perfeita e inconfundível.
O
exercício do juizado de paz não o afastou do contato
direto com a administração municipal. Nesse mister
foi auxiliar direto da administração na construção
do prédio do Grupo Escolar “Coelho Neto”, que
já comemorou seu cinqüentenário. Por delegação
do
Prefeito, dirigiu as obras de construção do primeiro
aeroporto da cidade e da primeira rodovia ligando São Francisco
a Brasília, hoje de Minas.
Ainda
em 1931, sem impedimento para o exercício do cargo de Juiz
de Paz, foi nomeado Prefeito substituto de São Francisco.
Construído
o aeroporto (campo de aviação como era conhecido),
a cidade de São Francisco foi incluída na rota dos
aviões do Correio Aéreo Nacional e, já no
final de 1931, os biplanos vermelhos e assustadores, novidade
em qualquer parte do Brasil de então, passaram a pousar
regularmente na cidade, levando ao campo de aviação
a comunidade são-franciscana inteira e trazendo correspondências,
medicamentos e notícias do mundo exterior. Os bandeirantes
do ar, modernos desbravadores do interior brasileiro, quebraram,
assim, o isolamento secular da gente ribeirinha com a vida que
corre acelerada no litoral pátrio.
O ano de 1936 marcou o primeiro contato de Brasiliano Braz direto
com o povo-massa, como candidato ao cargo de vereador.
Como o mais votado, e já comprovadamente o mais capaz,
assumiu a presidência da Câmara Municipal.
Licenciando-se
Oscar Caetano Gomes, em princípios de 1937, como substituto
legal e sem solução de continuidade do governo,
assumiu Brasiliano Braz o cargo de Prefeito Municipal, exercendo-o
até o final daquele ano.
A
implantação do Estado Novo não modificou
a estruturas do poder político em São Francisco,
reassumindo Oscar Caetano Gomes a Prefeitura em princípios
de 1938, cargo que exerceu até 1944, com ligeiro intervalo
ocupado pelo Dr. Geraldo Ribas.
A
apocalíptica Segunda Grande Guerra encontrou a terra de
São Francisco em perfeita paz, e por ela passou sem transtornos
maiores. A admirável concórdia comunitária,
ao lado de uma organização administrativa estável,
deu ao município alguns anos de permanente equilíbrio
social. Não vive mais o responsável por aquele oásis
de tempo definitivamente belo, mas a memória, a lembrança
de Oscar Caetano Gomes há de merecer sempre os elogios
públicos. Oscar Caetano Gomes foi um idealista, o grande
teórico da paz social de São Francisco, e Brasiliano
Braz, seu companheiro e amigo, foi o executor dos atos, que levariam
a bom termo o ideal perseguido. Mediador constante entre o poder
municipal e o povo, solidário nos momentos de crise, artífice
dos entendimentos maiores, sentinela avançada a oscultar
as ondulações dos sentimentos
populares, Brasiliano Braz foi o mais eficiente auxiliar de governo
que um Prefeito pode espirar.
Em 1945, Brasiliano Braz foi nomeado Prefeito efetivo do município,
mas já estava em marcha a redemocratização
do País, com a retomada do processo constitucional, decaído
do poder com a Revolução de 1930. O anseio democrático
nascia da vontade do povo e era uma imposição da
vitoriosa campanha da Força Expedicionário Brasileira
nos campos de guerra da Europa. Injusto seria que o sangue glorioso
de nossos soldados tivesse sido derramado apenas em proveito da
liberdade de outros povos.
Restabelecidos
os princípios democráticos, adveio, em 1947, o pleito
municipal e Brasiliano Braz, por imposição de seus
amigos e como presidente do Diretório Municipal do Partido
Social Democrático – PSD, parte para as urnas em
busca do apoio popular como candidato a Prefeito Municipal, enquanto
Oscar Caetano Gomes recolhia-se à vida privada. Vitorioso
assume o comando político e administrativo do município.
No comando político haveria de permanecer por muito tempo
e, no administrativo, até a eleição, em 1950,
de Francisco Gonçalves de Mendonça, seu companheiro
político.
Sua
liderança se afirmou e criou raízes graças
à sua marcante individualidade e ao concurso incondicional
de homens como José de Almeida Souto, Cassiano José
Vieira, Elpídio Rodrigues da Fonseca, Leovegildo Narciso
de Oliveira, Eloi Antônio Mendes, Lotário de Almeida
e Silva, José Francisco Guimarães, Dr. Brício
de Castro Dourado, Adão Vieira da Rocha, Inocêncio
Cangussú, Ursulino de Matos Miranda, Juca Mendes, Antônio
José Vieira, João José Vieira, Cipriano Vieira
de Aquino, Moacir Gangana, Sady Leite Maynart e tantos outros.
A VISÃO DO HOMEM PÚBLICO
A visão superior do homem público se fez presente
na sua administração, de 1947 a 1950, e se projetou
pelos anos seguintes. Naqueles poucos anos foram delineados os
novos rumos da vida comunitária de São Francisco.
Deu
o prefeito Brasiliano Braz integral apoio à juventude,
incentivando o esporte. Do apoio do Prefeito, seguro e permanente,
nasceu, pelas mãos do jovem Aristomil Gonçalves
de Mendonça, a Associação Esportiva de São
Francisco. Mas o sonho já acalentado por Brasiliano Braz,
sua meta maior no setor esportivo, era a construção
de uma moderna praça de esportes. Dos planos à realidade
foram-se os anos e a praça somente teve início de
1957, para ser concluída alguns anos depois.
A
saúde pública, tão bem cuidada no governo
Oscar Caetano Gomes, quando havia sido criado e instado o Hospital
Municipal, sob a direção do saudoso médico
Dr. Brício de Castro Dourado, necessitava de amparo maior.
A luta de Brasiliano Braz junto ao governo da República
pela construção e instalação do Hospital
Regional, que até hoje presta relevantes serviços
à população local, não foi pequena,
apesar da comprovada boa vontade do presidente Eurico Dutra para
com o Vale do São Francisco.
Não
ficou aí, porém, a atuação de Brasiliano
Braz. A sua grande realização humanitária,
hoje esquecida, constituiu-se na erradicação da
lepra, que fazia da Vila de Logradouro e do próprio distrito
de Conceição da Vargem, um lugar inabitável.
Não mandou mensageiros à região. A ela compareceu
pessoalmente, várias e várias vezes, convencendo
a todos os doentes a aceitarem, em benefício da comunidade,
e de seus próprios familiares, o isolamento na colônia
Santa Izabel, em Betim/MG. O mal foi cortado pela raiz e o município
de São Francisco se orgulha, hoje, de não possuir
leprosos, enquanto o estado de Minas Gerais ocupa o primeiro lugar,
no Brasil, em incidência de hanseníase.
Todos
os setores da vida comunitária estavam presentes na visão
a longo prazo do administrador, do homem público. São
Francisco, isolado do mundo, precisava de uma rodovia de ligação
com Montes Claros. O projeto foi aprovado, mas somente teve iniciada
sua execução em 1957 e concluída em 1958.
Teve
Brasiliano Braz influência decisiva na construção
das primeiras obras portuárias, influência que se
estendeu até ao projeto. Foi uma realização
do governo federal, mas não teria chegado a São
Francisco, como não chegou a São Romão e
a outras cidades do Vale, não fosse a presença constante
do Prefeito no Rio de Janeiro, então capital da República,
em busca de melhoramentos para sua cidade.
A
luz, a energia elétrica farta, era o grande sonho do povo
são-franciscano. Da luta de Brasiliano Braz, de sua quase
teimosia, de sua pertinácia, brilha hoje, nas ruas e nas
casas de São Francisco, a luz da Hidroelétrica de
Pandeiros.
A
construção da Usina, que a todos veio beneficiar,
combatida nas esferas da administração federal pela
falta, na época, de interesse econômico que justificasse
sua construção, foi uma realização
política de Brasiliano Braz e de Mário José
Lisboa, então Prefeito de Januária.
Participei
pessoalmente dessa grande luta e já no apagar das luzes
de meu governo à frente do Município, em janeiro
de 1959, as águas caudalosas da Cachoeira de Pandeiros
geravam a energia, que passou a iluminar as casas e proporcionar
o progresso de São Francisco.
Não
mais o Prefeito Municipal, mas o chefe político, levou
Brasiliano Braz a buscar junto ao governo federal, em 1955, em
nossa administração, a construção
do perfeito serviço de abastecimento de água da
cidade, que se realizou com o apoio do DNOCS. Projeto avançado
para á época, uma realização de grande
vulto, que ainda hoje serve à cidade, sem necessidade de
modificações profundas.
O
seu trabalho administrativo e político teve, no Estado
e na Federação, o apoio sempre presente do deputado
José Maria de Alkmim e de Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Sua casa, por duas vezes, hospedou o mais ilustre brasileiro do
século passado.
Estribado
em suas realizações administrativas, o político
Brasiliano Braz projetou sua imagem e seu prestígio pelos
anos que se seguiram. Extrapolou os limites do Município
para ser eleito, em 1962, membro do Diretório Estadual
do PSD, onde conviveu na intimidade do ex-Ministro José
Maria Alkmim, do ex-governador Benedito Valadares e dos futuros
governadores Bias Fortes, Israel Pinheiro e Tancredo Neves.
Dentro
de sua visão de homem público, com a implantação
da energia elétrica de Pandeiros, com a construção
da rodovia ligando São Francisco a Montes Claros, com a
construção do serviço de abastecimento de
água com estação de tratamento, com a construção
e instalação do Hospital Regional, com a construção
do cais do porto, com o Ginásio Municipal em funcionamento,
com a construção das rodovias municipais ligando
a sede do Município aos distritos de Urucuia e Conceição
da Vargem e à região de Santa Justa, com a construção
do novo aeroporto (Alto Bandeirante), com a implantação
do serviço de travessia do rio São Francisco através
de barco a motor,
com a erradicação da lepra no distrito de Conceição
da Vargem, com a implantação das Escolas “Caio
Martins”, a infra-estrutura do Município, em fins
de 1958, estava praticamente concluída, restando apenas
a rede de esgotos e o matadouro. Dentro de sua visão de
homem público, os serviços de pavimentação
das vias públicos viriam, naturalmente, após a implantação
da rede de esgotos.
AS
PRIMEIRAS HORAS DE UMA TARDE BRILHANTE
A
vida pública é uma seqüência interminável
de dias e noites de constante prestação de serviços.
Brasiliano Braz foi, na afirmação insuspeita do
conselheiro Sylo Costa, do Tribunal de Contas do Estado de Minas
Gerais, o maior político do Norte de Minas.
Como
o vereador mais votado, voltou Brasiliano Braz à Câmara
Municipal de São Francisco em 1966, tendo, durante todo
o quatriênio, ocupada a presidência da Comissão
de Finanças, Justiça e Legislação.
Em
1976 retornou ele à Câmara Municipal e o ano de 1982,
em novo mandato, veio encontrá-lo, aos 84 anos de idade,
como presidente da Câmara Municipal de São Francisco.
O
homem público abriu espaço ao historiador e eis
que, em 1977, ano em que a cidade comemorou seu centenário,
Brasiliano Braz, numa demonstração de seu amor sempre
presente à terra de São Francisco, e numa comprovação
pública de sua invejável cultura humanística,
acumulada no correr dos anos, nos brindou com sua insuperável
obra: SÃO FRANCISCO NOS CAMINHOS DA HISTÓRIA.
Em
seu livro ele resgatou as raízes da civilização
barranqueira, os alicerces da vida comunitária local e
mostrou as tradições, que vão sendo esquecidas.
Sendo-lhe
outorgado, posteriormente, o título de cidadão honorário
de São Francisco ficam sem efeito suas palavras, na apresentação
de seu livro: Dentre tantos filhos ilustres que, aqui e lá
fora, deram renome à terra de São Francisco, quer
na ciência, quer nas artes, nenhum se lembrou de escrever
uma página sequer sobre a história da terra os viu
nascer.
De
ser informado que Brasiliano Braz nunca discrepou do retilíneo
caminho da virtude pessoal, em qualquer situação
que enfrentasse.
O ANOITECER COM LUZES
Aqui
o homem público e o historiador. Do pai extremado, do esposo
dedicado não posso esquivar-me. Feliz o ser humano que
possa ter tido um pai como tivemos eu e meu irmão, um avô
como tiveram meus filhos e meus sobrinhos, um sogro como tiveram
suas noras, um esposo como teve minha mãe.
O
pai que muito estimei, cujas pegadas tenho procurado seguir na
busca de uma auto-afirmação pessoal, o pai que foi
sócio correspondente da Academia Montes-clarense de Letras,
o pai que deteve o diploma de Mérito da Polícia
Militar de Minas Gerais, o pai
cujo nome está incluído na Enciclopédia dos
Escritores Brasileiros, o pai que estimarei para o resto de minha
vida, não mais existe. Faleceu pobre, mas com honra, no
dia 24 de abril de 1989, tendo sido sepultado no Cemitério
da Saudade, em São Francisco. Mas, se válida a afirmação
de Péricles em seu discurso aos mortos de Atenas, ele tem
por túmulo toda a terra de São Francisco.
Seu
nome está emprestado para a designação de
uma das maiores avenidas de São Francisco, a terra que
ele tanto amou. É ele patrono de uma das escolas estaduais
da cidade, a Escola Estadual Brasiliano Braz. É patrono
do Plenário da Câmara Municipal de São Francisco
e empresta, ainda, o seu nome ao Estádio Municipal de Futebol
e à rodovia que liga São Francisco a Brasília
de Minas, por força de lei estadual oriunda de projeto
de autoria do deputado Péricles Ferreira.
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