dsgfs
curricilo
 

 

INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS

Fundado em 27 de dezembro de 2006.

VOLUME I

Montes Claros
Minas Gerais - Brasil
2007


COMISSÃO FUNDADORA 2006-2007


Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
Dr. LUIS RIBEIRO
Dr. WANDERLINO ARRUDA


DIRETORIA 2007- 2008

PRESIDENTE DE HONRA Dr. LUIZ DE PAULA FERREIRA
PRESIDENTE Dr. WANDERLINO ARRUDA
1º VICE - PRESIDENTE Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
2º VICE - PRESIDENTE Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
DIRETORA EXECUTIVA Profa. MARTA VERONICA V. LEITE
DIRETOR-SECRETÁRIO Dr. PETRÔNIO BRAZ
DIRETOR-SECRETÁRIO ADJUNTO Coronel LÁZARO FRANCISCO SENA
DIRETOR DE FINANÇAS Prof. JUVENAL CALDEIRA DURÃES
DIRETOR DE FINANÇAS ADJUNTO Historiador HÉLIO DE MORAIS
DIRETORA DE PROTOCOLO Profa. REGINA Mª BARROCA PERES
DIRETORA CULTURAL Profa. RAQUEL VELOSO MENDONÇA
DIRETORA DE BIBLIOTECA Escritora AMELINA CHAVES
DIRETORA DE MUSEU Historiadora MILENA A. C. MAURÍCIO
DIRETOR DE RELAÇÕES PÚBLICAS Dr. ITAMAURY TELLES DE OLIVEIRA
DIRETORIA DE JORNALISMO Jornalista LUIZ RIBEIRO

CONSELHO CONSULTIVO

Dr. JOSÉ GERALDO DE FREITAS DRUMOND
Dr. WALDYR DE SENA BATISTA
Profa. YVONNE DE OLIVEIRA SILVEIRA

COMISSÃO DE GEOGRAFIA E ECOLOGIA

Prof. IVO DAS CHAGAS
Profa. ANETE MARÍLIA PEREIRA
Profa. ANA IVÁNIA ALVES FONSECA
Profa. MARIA APARECIDA COSTA


COMISSÃO DE HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA

Profa. MARTA VERÔNICA VASCONCELOS LEITE
Profa. YARA MARIA COSTA DA SILVEIRA
Prof. CÉSAR HENRIQUE DE QUEIROZ PORTO
Profa. FELICIDADE PATROCÍNIO

COMISSÃO DE ANTROPOLOGIA, ETNOGRAFIA
E SOCIOLOGIA

Prof. GY REIS
Profa. CLÁUDIA REGINA ALMEIDA

COMISSÃO DE CLASSIFICAÇÃO E DE
ADMISSÃO DE SÓCIO
S

Jornalista MAGNOS DENNER MEDEIROS
Profa. MIRIAM CARVALHO
Dra. FELICIDADE VASCONCELOS TUPINAMBÁ
Profa. ZORAIDE GUERRA DAVID
Dr. WANDERLINO ARRUDA
Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM

COMISSÃO DA REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO

Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM - coordenador
Dr. ITAMAURY TELLES
Dr. PETRÔNIO BRAZ
Dr. WANDERLINO ARRUDA
Prof. JUVENAL CALDEIRA DURÃES
Profa. MARTA VERÔNICA VASCONCELOS LEITE
Jornalista LUIS CARLOS NOVAES


LISTA DE SÓCIOS EFETIVOS DO IHGMC

CD
Sócio
Patrono
99
Cônego Aderbal Murta de Almeida Waldemar Versiani dos Anjos
28
Escritora Amelina Chaves Darcy Ribeiro
78
Jornalista Américo Martins Filho
Mário Versiani Veloso
8
Profa. Anete Marilia Pereira
Antônio Jorge
45
Jornalista Angelina de Oliva Antunes
Henrique Oliva Brasil
3
Padre Antônio Alvimar Souza Antônio Augusto Teixeira
12
Dr.Antônio Augusto Pereira Moura Antônio Teixeira de Carvalho
43
Prof. Benedito de Paula Said
Godofredo Guedes
13
Prof. César Henrique de Q. Porto
Ângelo Soares Neto
31
Profa. Clarice Sarmento Gorayska Dulce Sarmento
4
Profa. Cláudia Regina Almeida Antônio Augusto Veloso - Desemb
93
Dr. Dário Teixeira Cotrim Simeão Ribeiro Pires
32
Dr. Edgar Antunes Pereira Edgar Martins Pereira
66
Arqueólogo Fabiano Lopes de Paula José Lopes de Carvalho
46
Profa Eliane Maria F. Ribeiro
Hebert de Souza - Betinho
20
Profa. Felicidade Patrocinio Camilo Prates
36
Dra. Felicidade Vasconcelos Tupinambá Felicidade Perpétua Tupinambá
29
Profa. Filomena Luciene Cordeiro Demóstenes Rockert
34
Prof. Geralda Magela de Sena Almeida e Sousa Eva Bárbara Teixeira de Carvalho
61
Jornalista Girleno Alencar Soares
José Alves de Macedo
97
Prof. Gy Reis Gomes Brito
Urbino Viana
82
Dr. Haroldo Lívio de Oliveira Nelson Vianna
80
Jornalista Helio Machado
Miguel Braga
23
Historiador Hélio Morais Carlos José Versiani
9
Profa. Isabel. Rebelo de Paula Antônio Lafetá Rebelo
84
Dr. Itamaury Teles de Oliveira Newton Prates
39
Prof. Ivo das Chagas Gentil Gonzaga
56
Escritor João Aroldo Pereira
João Luiz Lafetá
37
Historador Joâo Botelho Neto Francisco Barbosa Cursino
71
Dr. João Caetano Canela
Júlio César de Melo Franco
53 Dr. João Carlos Maia Sobreira de Carvalho João Batista de Paula
24
Dr. João Carlos Rodrigues Oliveira
Celestino Soares da Cruz
51
Dr. José Carlos Vale de Lima João Alencar Athayde
62
Prof. José Geraldo de Freitas Drumond José Esteves Rodrigues
90
José Henrique Brandão Romeu Barcelos Costa
1
Dr. José Santos Rametta Alpheu Gonçalves de Quadros
81
Prof. Juvenal Caldeira Durães Nathércio França
14
Profa. Karla Celene Campos Arthur Jardim Castro Gomes
74
Prof. Laurindo Mekie Pereira
Luiz Milton Prates
55
Cel. Lázaro Francisco Sena João Luiz de Almeida
57
Jornalista Luiz Carlos Novaes João Novaes Avelins
19
Dr. Luiz de Paula Ferreira Caio Mário Lafetá
94
Dr. Luiz Pires Filho
Teófilo Ribeiro Pires
59
Jornalista Luiz Ribeiro dos Santos João Valle Mauricio
22
Profa. Lygia dos Anjos Braga Carlos Gomes da Mota
6
Prof. Marcos Fábio Martins de Oliveira Antônio Gonçalves Chaves
91
Jornalista Márcia Sá
José Thomaz de Oliveira
7
Profa. Maria Aparecida Costa
Antônio Gonçalves Figueira
15
Jornalista Magnos Denner Medeiros
Ataliba Machado
100
Profa. Maria Clara Lage Vieira Wan-Dick Dumont
40
Dra. Maria da Glória Caxito Mameluque Georgino Jorge de Souza
49
Dra. Maria Fernanda M. Brito e Ramos Irmã Beata
10
Profa. Maria Florinda Ramos Pina
Antônio Loureiro Ramos
38
Profa. Maria Inês Silveira Carlos Francisco Sá
52
Profa. Maria Isabel M. Figueiredo Sobreira João Chaves
77
Profa. Maria Jacy de Oliveira Ribeiro Mário Ribeiro da Silveira
79
Profa. Maria José Colares Moreira Mauro de Araújo Moreira
42
Profa. Maria Luiza Silveira Teles Geraldo Tito da Silveira
65
Dra. Maria de Lourdes Chaves
José Gonçalves de Ulhoa
73
Dra. Maria das Mercês Paixão Guedes Lilia Câmara
87
Profa. Marta Edith Sayago Moreira Marques Pedro Martins de Sant’Anna
17
Profa. Marta Verônica Vasconcelos Leite Auguste de S Hillaire
2
Escritora Milene Antonieta Coutinho Maurício Alfredo de Souza Coutinho
88
Profa. Miriam Carvalho Plínio Ribeiro dos Santos
58
Prof. Necésio de Morais João Souto
5O
Escritor Olyntho Alves da Silveira Jair Oliveira
64
Profa. Palmira Santos Oliveira José Gomes de Oliveira
47
Jornalista Paulo César Narciso Soares Hermenegildo Chaves

83

Historiador Paulo Costa Con. Newton Caetano d'Angelis
63
Pedro de Oliveira José Gomes Machado

18

Dr. Petrônio Braz Brasiliano Braz
98
Jornalista Rafael Freitas Reis Virgilio Abreu de Paula
48
Profa. Raquel Veloso de Mendonça Hermes de Paula
27
Profa Regina Maria Barroca Peres
Dalva Dias Santiago de Paulo
11
Jornalista Reginauro Rodrigues da Silva
Ary Oliveira
41
Dr. Reinine Simões de Souza Geraldo Athayde
21
Dr. Reivaldo Simões de Souza Canela Cândido Canela
68
Profa. Rejane Meireles Amaral José Nunes Mourão
44
Historiador Roberto Carlos Morais Santiago Heloísa Veloso dos Anjos Sarmento
92
Prof. Roberto Pinto Fonseca Sebastião Tupinambá
89
Jornalista Rosângela Silveira
Robson Costa
96
Profa. Ruth Tupinambá Graça Tobias Leal Tupinambá
72
Jornalista Theodomiro Paulino Correa Lazinho Pimenta
16
Dr. Waldyr de Senna Batista
Athos Braga
91
Dr. Wesley Caldeira Sebastião Sobreira de Carvalho
33
Dr. Wanderlino Arruda Enéas Mineiro de Souza
5
Profa. Yvonne de Oliveira Silveira Antônio Ferreira de Oliveira
86
Profa. Zoraide Guerra David Patricio Guerra

Sócios Correspondentes

Prof. Regente Armênio Graça Filho Rio de Janeiro- RJ
Dr. Augusto José Vieira Neto Belo Horizonte - MG
Dr. Avay Miranda
Brasilia - DF
Jornalista Carlos Lindenberg Spínola Castro Belo Horizonte - MG
Dra. Carmem Netto Victória Belo Horizonte - MG
Dr. Enock Sacramento São Paulo - SP
Dr. Fernando Antônio Xavier Brandão Belo Horizonte MG
Dr. Eustáquio Wagnar Guimarães Gomes Belo Horizonte - MG
Escritor Flávio Henrique Ferreira Pinto Belo Horizonte - MG
Jornalista Geraldo Henriques (Riky Tereze) New York - USA
Jornalista João Martins Guanambi - BA
Dr. Jorge Lasmar Belo Horizonte MG
Prof. José Eustáquio Machado Coelho Belo Horizonte MG
Dr. Marco Aurélio Baggio Belo Horizonte MG
Prof. Dr. Jorge Ponciano Ribeiro Brasília - DF
Profa. Dra. Maria da Consolação M. Figueiredo Cowen London - England
Jornalista Paulo César Oliveira Belo Horizonte - MG
Escritor Reynaldo Veloso Souto Belo Horizonte - MG
Prof.Thiago Carvalho Makiyama
Gunma-Ken - Japão
Prof. Wellington Caldeira Gomes Belo Horizonte - MG
Dr. Ático Vilas-Boas da Mota Macaúbas - BA
Jornalista Jeremias Macário Vitória da Conquista- BA
Dr.André Kohene Caetité -BA
Historiador Zanoni Eustáquio Roque Neves Belo Horizonte - MG

NOTAS DOS COORDENADORES DA EDIÇÃO

A ordem de publicação dos trabalhos dos Sócios Efetivos obedeceu à seqüência
alfabética dos nomes dos autores. Em seguida, foram ordenados os trabalhos dos
Sócios Correspondentes;

A Revista não se responsabiliza por conceitos e declarações expedidos em
artigos publicados;

A revisão dos disquetes originais foi feita pelos próprios autores dos artigos
publicados.

ENDEREÇO DO IHGMC
Praça Dr. Chaves, 32
E-mail: ihgmc@gmail.com - Site: www.ihgmc.art.br
39400-005 - Montes Claros - Minas Gerais


Foto Histórica

Fotografia do Arquivo de Dário Teixeira Cotrim

FOTO HISTÓRICA DO IHGMC

No dia 27 de dezembro de 2007, na casa do confrade Wanderlino Arruda, foi criado o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros. Nesta oportunidade estiveram presentes os seguintes sócios: Yvonne de Oliveira Silveira, Zoraide Guerra David, Juvenal Caldeira Durães, Gy Reis, Luiz Ribeiro, Dário Teixeira Cotrim, Haroldo Lívio de Oliveira, Amelina Chaves e Wanderlino Arruda.

FINS DO IHGMC

Art. 2º - O IHGMC tem como finalidade a promoção de estudos e a difusão de conhecimentos de história, geografia e ciências afins, do município de Montes Claros e da região Norte de Minas, assim como o fomento da cultura, a defesa e a conservação do patrimônio histórico, artístico e cultural.


APRESENTAÇÃO DA REVISTA DO IHGMC

O Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, a Casa de Simeão Ribeiro Pires, em fase de consolidação e ainda com diretoria provisória, apresenta aos seus associados e aos leitores em geral a sua primeira publicação escrita, fruto do esforço pessoal do Vicepresidente Dário Teixeira Cotrim. Até agora toda divulgação era realizada pela Internet, através do site www.ihgmc.art.br, trabalho meu e do muito conhecido webmaster Djalma Souto.

Expressão máxima da inteligência e do conhecimento regionais, já com 85% do quadro social previsto, nosso Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros tem como missão pesquisar, interpretar e divulgar fatos históricos, geográficos, etnográficos, arqueológicos, genealógicos, assim como fomentar a cultura, a defesa e a conservação do patrimônio histórico, artístico e cultural de Montes Claros e do Norte de Minas.

Desde 27 de dezembro de 2006, data da fundação, temos contado com o apoio e orientação do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, nas pessoas dos doutores Marco Aurélio Baggio, Fernando Antônio Xavier Brandão e Jorge Lasmar, que também nos deram a honra de, em noite memorável, prestigiarem a cerimônia de posse dos fundadores e da primeira diretoria. As muitas fotos publicadas em nosso site dizem do encanto e do brilho de suas presenças. Importante ressaltar a colaboração constante do professor Herbert Sardinha Pinto, presidente emérito do IHGMG, companheiro e amigo de todas as horas.

É justo o nosso entusiasmo em lançar este número 1 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, definidora da organização inicial, da lista de patronos, dos sócios fundadores, da diretoria e dos conselhos. Mais justo ainda o nosso orgulho de apresentar os primeiros textos histórico-geográficos, constantes de estudos, relatos, memoriais, crônicas e artigos, contribuições indispensáveis para o registro de nossa cultura. Tudo sincera manifestação e testemunhos do quanto ainda podemos colaborar para a divulgação de acontecimentos marcantes e nomes de construtores do progresso.

Importante ressaltar que inicia esta série de colaborações o necrológio do historiador João Botelho Neto, o, primeiro companheiro a nos deixar prematuramente e com marcante saudade.
O texto tem a assinatura do nosso Vice-presidente dr. Haroldo Lívio de Oliveira que, juntamente com o Secretário, dr. Petrônio Braz, representou o IHGMC nas cerimônias de sepultamento realizadas na cidade de São Francisco. João Botelho Neto, cadeira 37, tinha como patrono o escritor Francisco Barbosa Cursino.

Esta primeira Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros será quase que imediatamente seguida pelo volume de número 2, já com muitos textos entregues à Comissão de Publicações.

Todos os custos das edições correm por conta dos autores publicados.

Montes Claros e o Norte de Minas, com justo orgulho para todos nós, são e continuarão sendo uma matriz cultural desta importante parte dos territórios de Minas Gerais e do Brasil.

Wanderlino Arruda
Presidente do IHGMC


CARAÇA NA HISTÒRIA DE MINAS

Amelina Chaves
Cadeira N. 28
Patrono: Darcy Ribeiro

Sempre cito na minha escrita que não sou historiadora, mas de uma forma ou de outra vivo ligada a história, talvez por uma necessidade de pesquisar assuntos vários. Ao ser contratada para escrever o livro – ITACAMBIRA NA MEMÓRIA DO TEMPO algo novo me tomou por completo: o gosto pelas pesquisas históricas. Li Rodrigo Bretãs, Paulo Setúbal, Simeão Ribeiro Pires e Agripa de Vasconcelos.

Buscando mais, visitei todas as cidades históricas de Minas Gerais. Prostei-me de joelhos diante das obras do Aleijadinho. Aprendi que a história pode ser romanceada levando o estilo do autor como fez Paulo Setúbal em “O Caçador de Esmeraldas”. Sem,
contudo, fugir aos fatos históricos, conforme foram registrados. Tomada por uma paixão desmedida, eu fui buscar as origens de “CHAVES”, em Montes Claros e foi nesta caminhada que cheguei ao Caraça. Por ser a escola onde muitos dos nossos estadistas foram educados, encontrei nomes que ocuparam a Presidência do Estado de Minas tais como: Antonio Augusto Moreira Penna (1892 a 1894); Fernando Melo Viana (1924 a 1926); Arthur da Silva Bernardes (1918 a 1922); Antonio Augusto de Lima (18-III-1891 a 16-VI-1891);
Joaquim Cândido da Costa Senna (1902); Olegário Maciel (1924-1933). Assim foi construído a história do Caraça.

Entre os livros raros de sua biblioteca, encontrei depoimentos de pessoas que visitaram esse colégio como este que segue:- “Impressão do Caraça, quem as poderá traduzir em palavras? Sentimo-nos aqui mais perto do Céu e, do trono de Maria, Mãe dos homens, desejamos arrancar as mais preciosas benções para este instituto, berço glorioso Lazarista congregação da Missão no Brasil, obras fundadas de um apostolado modelar”. Caraça, 26 de janeiro de 1927. + Antonio Arcebispo de Belo Horizonte.

CARAÇA DO IRMÃO LOURENÇO

–A história do Irmão Lourenço (1770 – 1819)
–Caraça Português (1820-1854) dirigido pelos padres Portugueses da Congregação da Missão.
– Caraça Francês (1854- 1903) cujo primeiro superior era francês, da mesma Congregação, Padre Miguel Sipolis.
–Caraça Brasileiro. (1903 – Até hoje) a partir de quando tomou a direção da casa o Padre Francisco de Paula e Silva, brasileiro. Nesse período, surgiu a Associação dos ex-alunos.

O IRMÃO LOURENÇO

Irmão Lourenço foi o fundador do Caraça. Personagem curioso e lendário na história de Minas, e viveu no fim do século XVIII até o princípio do século XIX. Era português da família dos Távoras (Carlos de Mendonça Távora.) e foi perseguido pela espada do Marquês de Pombal. Motivo da sua fuga para o Brasil. Ei-lo no ano de 1763, em Minas, na cidade de Diamantina, tomando o hábito da Ordem Terceira de São Francisco. Até o ano de 1770, trabalha a serviço de contrato de diamantes, para João Fernandes de Oliveira. De repente ele desaparece para surgir no Caraça em 1774, construindo o Santuário. Fez com dinheiro e escravos e auxilio dos fies, que vinham fazendo mineração e peregrinação no alto da serra.

O espírito religioso do povo, junto à fama do misterioso fundador do santuário de Nossa Senhora Mãe dos Homens, e a beleza da região fizeram muitas pessoas subirem até o Caraça. Um dos primeiros visitantes foi Saint Hilaire, cientista francês no ano de 1816. Mais tarde escreveu no seu livro de viagens: “A meu ver, nenhum lugar poderia ser o melhor escolhido para nele fundar uma casa de educação”. O Irmão Lourenço Morreu com idade avançada – 96 anos, em 27 de outubro de 1819. Viveram cinqüenta anos no Caraça...

CARAÇA PORTUGUESA

Sete meses depois da morte do Irmão Lourenço, chegou ao Caraça no dia 15 de abril de 1820, dois padres portugueses da Congregação da Missão fundada por São Vicente de Paulo. Foram mandados por D. João VI para tomar posse da herança deixada pelo Irmão Lourenço. São eles. Padre Leandro Rebelo Peixoto e Castro e Padre Antonio Ferreira Viçoso. Vinham com novas idéias, começaram logo pregando missões em Catas Altas e Barbacena, e quando voltaram traziam os primeiros quatro alunos para abertura do colégio. Assim, o Caraça estava abrindo as porta para uma nova era no setor educacional brasileiro. Pois após a expulsão dos Jesuítas do Brasil, em 1758, seria o Caraça a primeira experiência de ensino sistemático no país. Como em tudo existe divergência política, onde houve até ataques de jornais maçons, até aconteceu o abandono da direção, no Caraça era só tristeza e desolação. Com a saída dos padres ficou desfalcado de elementos da congregação do colégio e do seminário ficou fechado até a visita do Padre Antonio Morais Torres, que depois de muita luta conseguiu obter de D. Pedro uma autorização para recorrer á casa Mãe da congregação em Paris. Assim no ano de 1849, vieram 5 padres, 3 irmãos coadjutores e 12 irmãs vicentinas,

Foram todos para Mariana. O padre foi para o Caraça começar novamente a trabalhar em torno da educação, buscando novos alunos. Tanto que, na direção dos Franceses fizeram grandes mudanças.

Com grande dificuldade da época o Caraça vem caminhando, até hoje num desafio, mantido através de doações, e muito sacrifícios. Nos registros encontrei histórias fantásticas de doações como esta: “30 de março de 1944... Chaga ao Caraça, como o
caminhão carregado de gêneros alimentícios, o Tenente Durval de Morais Barros, ex-aluno caracense”.

A historia do Caraça registra freqüentemente visitas de exalunos, que chegam saudosos e emocionados, cheios de gratidão e de boas lembranças do antigo educandário. Como se pode notar, a preocupação de todos que deram uma parcela de colaboração para que este colégio seja sempre centro de irradiação espiritual, com peregrinação e retiros, como se nas suas paredes negras estivesse impregnada de fé, e o espírito do seu fundador permanece ali na entrada nos abençoado na chegada. Esta é uma pequena parcela da grandeza histórica guardada entre as serras que lhe deu o nome. Sem contar o espetáculo que podemos assistir no silêncio da noite quando os padres chamam os lobos guarás e eles descem a majestosamente a serra como donos daquelas paragens e vem mansamente comer nas mãos dos operários da fé que os alimentam carinhosamente.

Assim revi um pouco da historia do Caraça com a emoção de quem descobre um universo novo, e o fascínio da descoberta, de quem aprende amar as pesquisas, e aceitar os desafios que ela propõe. Vem desta caminhada a idéia de reunir em um livro a vida do historiador Hermes de Paula, pela sua contribuição da fundação Vila das Formigas, hoje Montes Claros.


Caraça


DR. HERMES AUGUSTO DE PAULA

Clarice Sarmento
Cadeira N. 31
Patrono: Dulce Sarmento

Muito bonita e significativa a frase divulgada pela Fundação Roberto Marinho, segundo a qual o homem estará imortalizado e sempre revivido em cada realização, em cada criação, em cada obra.

Hermes Augusto de Paula (Dr. Hermes) não será esquecido já que, em cada canto desta cidade, há um sonho ou idéia sua germinando, crescendo, expandindo-se ou acontecendo.

Ele soube, como ninguém, ser idealista, sonhador, apaixonado pela vida e por essa cidade, acrescentando a nossa história, um capítulo de trabalho e dedicação.

Era formado em medicina pela Faculdade Fluminense e especializou-se em Análises Clínicas, Microbiologia e Soroterapia pelo Instituto Vital Brasil (Niterói) e Butantã (S. Paulo).

Mas seu interesse não era voltado apenas para a medicina:

-Reorganizou a Associação Escoteira Gonçalves Figueira¸ fundou o Montes Claros Tênis Clube, foi presidente do Clube Montes Claros, idealizou e fundou o Pentáurea Clube.

-Diretor clínico da Santa Casa, vice-diretor da Conferência Vicentina, fundou e presidiu o Rotary e o Elos Clube de Montes Claros.

- Membro do Instituto Genealógico Brasileiro, da Sociedade de Higiene, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e da Associação de Pesquisadores da MPB.

- Professor de Higiene e Puericultura na Escola Normal e no Colégio Imaculada Conceição, dirigiu o Jornal Gazeta do Norte.

- Membro fundador da Academia Montesclarense de Letras, pertencia à Academia Municipalista de Letras de Belo Horizonte (MG) e a de Piracicaba (S. Paulo).

-Idealizou e fundou a Famed (Faculdade de medicina da FUNM) e o Instituto Antônio Teixeira de Carvalho (Centro de Saúde, hoje clínica médica da UNIMONTES); instalou o primeiro laboratório de análises clínicas da região e a regional da Associação Médica.

- Também se interessou por política, tendo sido candidato a prefeito por duas vezes. Na primeira, em 1950, perdeu para Capitão Enéias e, na segunda, em 1970, foi derrotado por Dr. Pedro Santos.

Mais do que suas realizações, foi o muito que deu de si, seu interesse para quantos o procuraram para consultas, conselhos ou remédios; seu consultório vivia cheio de pobres que nunca voltaram sem a amostra grátis, as recomendações e atendimento atencioso.

Interessava-se por tudo. Revirava papéis, fotografias e documentos antigos, perguntando, rastreando e recompondo a história de Montes Claros e sua gente.

Nunca caçou ou pescou, mas fundou o Clube de Caça e Pesca Egydio Prates, como também foi membro da Associação Atlética Cassimiro de Abreu e da Liga Montese-clarense de Desportos, sem nunca ter jogado futebol.

Desafinado, nunca compôs ou tocou nenhum instrumento, mas foi presidente da Banda Euterpe e membro do Sindicato Independente dos Compositores e Autores.

Admirador do saber popular, suas festas e folguedos, incentivou foliões pastorinhas, violeiros e cantadores, registrando tudo que se relacionava com o folclore. Ressuscitou as festas de agosto para as comemorações do centenário da cidade, organizadas com todo o seu empenho. Quando a velha Igrejinha do Rosário foi derrubada, foi sua liderança e iniciativa que levaram à construção de uma nova “Casa Santa” para as Festas de Agosto.

A seresta era sua paixão. Com a Seresta João Chaves levou nossos seresteiros a todo o Brasil e até ao exterior (Argentina)

Também não sabia dançar. Pisava no pé do par e saía do ritmo, mas ensinou a nós, (brotinhos) como eram chamadas as mocinhas daquele tempo, a Dança de São Gonçalo (revejo-me de vestido branco rodado, arco de flores, no galpão do Colégio Imaculada. Ele, tocando um enorme tambor, presidia as evoluções, cantando as intermináveis estrofes).

Com a mesma disposição participava de áridas reuniões e cerimônias sociais, cívicas ou políticas, jantares, bailes ou serestas que entravam noite a dentro. Emprestava sua casa a quem precisasse de uma sede para festinhas de escola ou dos inúmeros clubes volantes daquele tempo.

Dr. Hermes morreu em 10-06-1983.

Para os que conviveram com a sua energia e seu astral maravilhoso, sua presença permanece e é sempre reencontrada em cada criação ou sonho seu, em cada noite de seresta ou manhã de catopês, em cada alegria de festa ou clarão de lua cheia.

“ O homem é eterno enquanto seu trabalho permanece”


Hermes Augusto de Paula


MEMÓRIAS DE MONTES CLAROS

Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires

 

A PRINCESINHA DE MONTES CLAROS – MEMÓRIA I

Vocês sabiam que a nossa cidade de Montes Claros abrigou, em seu seio, uma linda menina que era uma das filhas legitimadas do nosso imperador Dom Pedro I? Naturalmente, uma princesinha de verdade. Pois bem, isso aconteceu mais ou menos nos meados de 1823, segundo narra o historiador doutor Hermes de Paula no seu influente livro “Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes”, o que deixou a nossa cidade toda feliz e garbosa com este interessante fato.

É certo que na Corte Imperial vivia uma criada de encantos vários que conquistou o arrebatado desejo sexual do Imperador, tendo com ele um abrasado caso de amor. Desta suposta união nasceu-lhes então uma linda menina e que era muito mimosa e inteligente; de cabelos louros e de olhos azuis, ela foi mimada e adorada pelo nosso mandatário maior. Infelizmente não se sabe o nome dela e nem tampouco o de sua mãe. Era preciso que fosse assim para preservar o casamento imperial, o que não ia lá muito bem, haja vista a enorme quantidade de amantes que o Imperador tinha nas alcovas do seu palácio e, também, fora dele. A história teve cuidado de registrar, através dos tempos, as muitas escapulidas do monarca. Assim como ocorreu com o romance dele com a Marquesa de Santos; com as francesas Noemi Thierry e Clemence Saisset; com a brasileira Maria Benedita Delfim Pereira, com a uruguaia Maria del Carmem Garcia e a monja portuguesa Ana Augusta, também aconteceu com a sua criada-concubina, uma adorável e bela mucama, a que vinha cuidando dos afazeres domésticos da Casa Imperial e de suas filhas.

É interessante notar que o nosso imperador Dom Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon era um conquistador compulsivo de mulheres, e disso não há dúvida nenhuma. Nem mesmo a inocente criada-concubina da Casa Imperial escapou de suas investidas amorosas.

Entretanto a sua mulher, a imperatriz Leopoldina, descobriu desde o primeiro momento a paternidade daquela linda criancinha e providenciou deportá-la, de imediato, para o continente africano, juntamente com a sua dedica mãe. Angola seria o destino final das duas inocentes criaturas, primeiro por ser uma colônia portuguesa e, depois, era ali o mercado central da escravidão-negra o que, por certo, daria cabo delas para todo e sempre. Esperava-se apenas o zarpar de algum navio-negreiro, o que acontecia de tempos em tempos.

Na Corte Imperial a princesinha vivia feliz na companhia de Maria da Glória, Miguel e Januária. Logo se tornou evidente que essa amizade alimentava ainda mais o ódio da maldosa imperatriz Leopoldina, e afastá-la da convivência de suas filhas era apenas uma questão de tempo. De pouco tempo, diga-se de passagem.

Mas Dom Pedro I foi avisado a tempo da intenção de sua mulher e no seu rumoroso arrebatamento não hesitou em solicitar dos seus asseclas que a jovem criada e sua pequenina filha, a princesinha, fossem entregues aos cuidados de um Conselheiro, em Tijuco (hoje a cidade de Diamantina), “com mil e uma recomendações”. E assim foi feito.

Algum tempo depois, grassando na região de Diamantina uma epidemia de varíola, ambas vieram para o arraial de Formigas de Montes Claros, fugindo daquele terrível mal. Aqui elas foram endereçadas ao diligente sargento-mor Jerônimo Xavier de Souza que providenciou, ainda sob sigilo, uma morada à altura das recomendações do Imperador, onde elas, mãe e filha pudessem viver tranqüilamente.

De nada valeu a fuga; a menina já partira do arraial do Tijuco com a doença incubada no corpo e veio falecer alguns dias depois. Com o óbito da criança não era preciso mais manter o sigilo imposto pela Milícia Provincial de Diamantina. Em vista disso o sargento-mor Jerônimo Xavier de Souza revelou ao padre Feliciano Fernandes de Aguiar o segredo vindo da Corte Imperial, e que imediatamente ordenou fosse sepultado o corpo da nossa princesinha junto ao primitivo altar-mor da vetusta capela construída por José Lopes de Carvalho, exatamente onde está hoje a Matriz de Nossa Senhora da Conceição e São José.

Felizmente a jovem criada sobreviveu à filha e matrimoniou-se em seguida com o militar Jerônimo Xavier de Souza. Estou convencido também de que eles foram felizes para sempre.


DONA TIBURTINA ANDRADE ALVES – MEMÓRIA II

O tiroteio do dia 6 de fevereiro de 1930, em Montes Claros, envolvendo os militantes da caravana dos Conservadores contra os da Aliança Liberal, precede o movimento político que veio pôr abaixo a Primeira República ou Velha República. Era a Revolução de 1930 que se iniciava em Montes Claros. Contudo, registra-se nos anais da história, que este movimento irrompeu no dia 3 de outubro e terminava no dia 24 do mesmo mês com a deposição do Presidente Washington Luiz Pereira de Souza e a dissolução da representação popular no Congresso Nacional. Em matéria de jornal, disse o jornalista Assis Chateaubriand que a cidade de “Montes Claros fixa no momento culminante da consciência brasileira”.

Por isso podemos afirmar que a cidade de Montes Claros foi palco do primeiro episódio que antecedeu a revolução de 30. As suas ruas foram invadidas por pessoas oriundas de Granjas Reunidas e também da capital do Estado, eles que vieram fazer frente aos inimigos políticos do vice-presidente da República, Dr Fernando de Melo Viana. Ora, sabemos que tudo isso aconteceu durante a visita de Melo Viana quando aqui esteve para participar do Congresso de Algodão e Cereais, evento elaborado com o intuito tão somente de fazer propaganda eleitoral em favor da candidatura de Júlio Prestes para presidente da República, quebrando, assim, a tradição da Política do Café com Leite.

Por assim dizer, a política fervilhava mediante a paixão e o desejo dos militantes da Aliança Liberal em defender a integridade física do seu represente maior, o Dr João José Alves. As ofensas que poderiam advir desses manifestantes – o que de fato ocorreu – representavam para o povo montes-clarense uma violência aos princípios políticos os que se constituem na ética, na moral e nos bons costumes. Os mais exaltados certamente eram os jagunços do conde Alfredo Dolabela. Aliás, toda a comitiva representava perigo às nossas tradições políticas.


Nesta época a cidade de Montes Claros dividia a sua política em duas facções distintas: o Partido de Cima apoiado pela Aliança Liberal e que tinha como chefe o Dr Honorato José Alves, e o Partido de Baixo, amparado na concentração dos Conservadores, e que era liderado pelo deputado Camilo Filinto Prates. Segundo o historiador Henrique de Oliva Brasil o objetivo maior do Dr João Alves era o de “prestar apoio ao seu irmão, o deputado Honorato José Alves”.

Naquela noite, da Estação Ferroviária, a comitiva descia para a região baixa da cidade, quando ao passar em frente da casa do Dr João Alves, aconteceu o que ninguém queria que acontecesse. Na escuridão da noite tiros de carabinas abafaram os gritos de “Viva a Aliança Liberal!” Na ocorrência policial esses gritos foram dados pelo menino Austílio Benjarane Tecles, que era conhecido pelo apelido de Fifi, onde estaria a causa do tiroteio. Depois do cessar-fogo foram contabilizadas as seguintes mortes: José Antônio da Conceição, João Soares da Silva, conhecido pela alcunha de João Gordo, Rafael Fleury da Rocha que era secretário particular do vicepresidente Melo Viana, dona Iracy de Oliveira Novaes, Moacyr Dolabela Portela e o menino, o Fifi “que era tão nosso amigo”, segundo palavras da própria dona Tiburtina Andrade Alves. Escusado será dizer que dona Tiburtina, ao longo dos tempos ficou sendo injustamente a responsável pelos graves acontecimentos naquele final de noite.


O tiroteio em frente à casa do Dr João Alves teve repercussão nacional. O presidente da república, Washington Luiz, preconceituosamente, deu-lhe o nome de Tocaia dos Bugres, tachando assim o povo de Montes Claros de gente semicivilizada. O castigo veio a cavalo. Washington Luiz foi deposto e Getúlio Vargas assume o poder que duraria uma década e meia.

Disse o saudoso escritor Geraldo Tito Silveira que “dona Tiburtina é hoje uma mulher lendária como dona Beija, Joaquina do Pompeu, Maria da Cruz, Chica da Silva e outras, embora tenha sido muito diferente de todas elas, pois não se aproveitava de sua posição para mandar tirar a vida alheia”. Tem razão o ilustre confrade na sua afirmação porque a fama de “mulher carniceira” não lhe foi atribuída senão por vingança ou despeito.


SIMEÃO RIBEIRO PIRES – MEMÓRIA III

Montes Claros se enfeitou para receber a “Casa de Simeão Ribeiro Pires”, nome fantasia do Instituto Histórico de Geográfico de Montes Claros. Por que Simeão e não Darcy Ribeiro ou Cyro dos Anjos? Por que Simeão e não João Vale Maurício ou Cândido Canela? Por que Simeão e não Hermes de Paula ou Urbino Viana? Porque Simeão foi o mais autêntico historiador-geográfico de Montes Claros. Era um contumaz pesquisador. Coletava peças de nossa história e as colecionava com o objetivo de preservar o passado de nossa gente e de nossos costumes.

Foi o acadêmico Simeão Ribeiro o único historiador de Montes Claros que esteve visitando a Torre do Tombo, em Lisboa, para trazer preciosas informações sobre as nossas origens. Exemplo incontestável figura na localização da Fazenda Brejo Grande, a primeira das propriedades de Antônio Gonçalves Figueira, onde existiu o primeiro engenho de cana que produzia o mascavo e a cachaça.

Premiado no primeiro concurso anual “Diogo de Vasconcelos”, sobre a história de Minas, em 1977, o doutor Simeão Ribeiro lança com grande sucesso o seu livro “Raízes de Minas”. Sobre “Raízes de Minas” diz a Comissão em seu Relatório: “o que, desde logo, ressalta é a novidade do assunto, nunca antes assim extensamente tratado: o latifúndio de Guedes de Brito, Nunes Viana, a Guerra dos Emboabas e a penetração baiana. Depois, cumpre louvar a intensa consulta às fontes primárias, compulsadas até em arquivos portugueses e ultramarinos, além do proveito que soube tirar”.

1. BIOGRAFIA

O doutor Simeão Ribeiro Pires era filho do coronel Luiz Antônio Pires e de dona Maria Ribeiro Pires, nasceu em Coração de Jesus aos 24 de março de 1919. Fez o curso primário em Montes Claros, onde iniciou o secundário, continuando-o em Belo Horizonte
e o terminou no GRAMBERY, de Juiz de Fora. Diplomou-se em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual de Minas Gerais, em 1943. Foi presidente do Diretório dos Estudantes de Engenharia, Aspirante Oficial do Exercito pelo CPOR, premiado na Convenção Nacional de Engenheiros com a monografia “Ensino da Engenharia”. Ocupou o cargo de Oficial Técnico da Rede Mineira de Viação. Empreiteiro de obras ferroviárias em trechos das ligações: Monte Azul-Brumado. Nova Era-Dom Silvério e Belo Horizonte-Itabira. Ingressou na política de sua terra natal e foi eleito Prefeito Municipal de Montes Claros, em outubro de 1958 quando governo a nossa cidade nos anos de 1959/63. Vereador à Câmara Municipal de Montes Claros de 1963/72. Diretor da Frigonorte no seu período de construção, diretor do Colégio Tiradentes da Polícia Militar de Minas Gerais no ano de 1964. Recebeu, dentre outras, as comendas: Medalha de Ouro – Mérito Industrial – da Federação das Indústrias de Minas Gerais no ano de 1967 e a Medalha da Inconfidência do Governo do Estado de Minas Gerais. Professor da Escola Estadual “Prof. Plínio Ribeiro” de Montes Claros e professor de Estudos de Problemas Brasileiros da Faculdade de Direito de Montes Claros. Homem de elevado espírito público, grande tribuno e um pesquisador incansável.

2. BIBLIOGRAFIA

O acadêmico, Simeão Ribeiro Pires, publicou os seguintes livros: Gorutuba: o padre e a bala de ouro; Raízes de Minas e Serra Geral: diamantes, garimpeiros e escravos.

Sobre o seu livro Gorutuba: o padre e a bala de ouro, à guisa do prefácio disse Alberto Deodato: “ por onde andamos acabamos convencidos de que o Brasil é um Gorutuba, muito grande”. Raízes de Minas, que mereceu vários comentários, o eminente historiador baiano doutor Pedro Calmon manifestou da seguinte maneira: “Raízes de Minas, que hoje li, de um trago, tão importantes são as suas novidades, louvavelmente pesquisadas e cheias de interesse para os que estudam as origens, na história e na geografia, de sua grande província, um pouco também minha”. Na mesma linha de raciocínio,numa extensa carta-prefácio endereçada ao autor de Raízes de Minas, o mestre João Camilo de Oliveira Torres concluiu as suas palavras dizendo que é “um trabalho no qual se aprende em todas as páginas”. Mais recentemente, o nosso confrade Wanderlino Arruda, numa belíssima colocação sobre a obra de Simeão Ribeiro expende da seguinte maneira: “A cada letra lida ou vivida, a cada palmo de terra que Simeão trilhou, tudo foi pesquisa com o destino só: mostrar que por aqui está o verdadeiro coração da história brasileira, Minas como centro da coragem e da elaboração da raça. A cada trama, cada delinear de caracteres, cada justiça feita ou a cada injustiça sofrida, eis o caldeirão que cozinhou o tempero do Brasil”.


Simeão Ribeiro Pires

3. HOMENAGEM PÓSTUMA

O nosso confrade doutor Simeão Ribeiro Pires era membro efetivo da Academia Montes-clarense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Agora ele será o patrono do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, uma homenagem das mais justas em vista do que ele representa para a história de Montes Claros e do estado de Minas Gerais. Por tudo isso e muito mais o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros passará a ser denominada “Casa de Simeão Ribeiro Pires”.


O MECÂNICO GASPARINO - MEMÓRIA IV

A história das Oficinas Mecânicas de Montes Claros tem um personagem que hoje vive meio esquecido no tempo. É o saudoso mecânico Gasparino Rodrigues dos Santos, conhecido muitas vezes pela alcunha de Gaspar. Ele era filho de Claudino Rodrigues dos Santos e de dona Júlia Carneiro dos Santos. Nasceu em Juramento no dia 20 de março de 1926 e faleceu em primeiro de julho de 1989, aqui em Montes Claros. A trajetória de vida de Gasparino iniciava no ano de 1943, quando ainda rapaz, foi trabalhar na Oficina Mecânica de Chico Surdo – uma oficina que ficava na Avenida Afonso Pena com os fundos para a Avenida Coronel Prates – como aprendiz de mecânica. Ainda muito moço, depois de aprender algumas lições do ofício, ele parte para a cidade de Piuí, em Minas Gerais, onde exerce com brilhantismo a sua profissão. Foi o emaranhado de peças se encaixando no bloco do motor e, depois logo em seguida o barulho estridente dos motores roncando que seduziram o jovem Gasparino.
Aquela zuada estrepitosa era música para os seus ouvidos. E as graxasnas estopas lambuzando as suas roupas faziam parte da sua ocupação profissional.

Depois de uma temporada de cinco anos na cidade de Piuí ele retorna para a sua querida cidade de Montes Claros. Chegando aqui vai imediatamente prestar serviços como funcionário contratado da Empreza Maia & Cia Ltda, agente da Ford Motor Company Exports Inc. Curioso como ele só gostava de burilar as pequenas peças que formam o motor de um carro. Assim ele arrebanhava para si a confiança e a simpatia dos seus colegas. Nunca desistia de uma empreitada e sempre o resultado do seu trabalho era elogiado por todos.

Nascia assim a paixão inquestionável pelo automóvel.

Disse o ilustre professor Juvenal Caldeira Durães*, no seu livro de memórias Experiências de uma vida, que “não tendo o sucesso esperado, desfiz-me da oficina de selaria e passei para a aprendizagem de mecânica de automóveis como aprendiz de Gasparino Rodrigues dos Santos, famoso mecânico da cidade e meu amigo de infância”. É verdade que muitas pessoas passaram pela oficina do seu Gaspar. Por outro lado o seu Gaspar era uma pessoa séria e competente, não tolerava serviços incompletos e nem serviços mal feitos. Preservava com rigor o trabalho que exercia na oficina da Ford.

No ano de 1951, em parceria com o seu compadre Manoel Durval Batista, eles criaram a sua própria empresa. Uma oficina mecânica que foi instalada quase no início da Rua São Francisco. A nova empresa tinha como nome fantasia o de Oficina Progresso com especialidade em consertar os carros da Willys Overland do Brasil (Jeep e Rural) e qualquer um outro tipo de caminhão. Lembrou-me sua viúva, dona Maria Lima Rodrigues, que quando naquela época a primeira filha do casal cantarolava pelas dependências da casa essa preciosa quadrinha: “Oficina Progresso/ mecânica em geral/ na rua São Francisco/ De Gasparino e Durval”.

Com o passar do tempo houve a necessidade da oficina mudar de endereço. Isso permitiu aos sócios estabelecerem-se em uma nova oficina mecânica. Desta vez foi a mesma Oficina Progresso estabelecida num terreno vago onde é hoje o Posto da Petromoc. É claro que a continuidade do nome serviu para não dispersar os seus clientes contumazes. Do ponto de vista prático sabemos que a fama da Oficina Progresso fazia sucesso em alhures.

Desfeito a sociedade Gasparino & Durval, o seu Gaspar foi trabalhar numa pequena oficina mecânica na cidade ribeirinha de Carinhanha, que ficava às margens do rio São Francisco, no estado da Bahia. Ficou por lá apenas o necessário para resolver uma encomenda de retífica de motor. Mas, neste ínterim ele deixou aqui o seu carrotáxi sob a responsabilidade de Benjamim Lopes e a esperança de retornar à sua atividade profissional. Poucos meses depois estava de volta. Aqui, reabre a sua oficina mecânica, e que desta vez teve assento na Rua Germano Gonçalves com o nome de Oficina São José.

A Oficina São José lhe sobreviveu por mais de dois anos. O nome do mecânico Gasparino Rodrigues dos Santos é agora lembrado com muitas saudades, principalmente entre aqueles que tiveram a oportunidade de com ele conviver. Gasparino Rodrigues dos Santos fez um pouco da verdadeira história de Montes Claros sem, contudo, ter ainda o devido reconhecimento do povo montes-clarense e nem da terra que ele tanto amou.
___________________________
*DURÃES, Juvenal Caldeira. Experiências de uma vida. Unimontes. Pág. 90.
2006.


Gasparino Rodrigues dos Santos


CASOS QU’IEU ÔVI

Edgar Antunes Pereira
Cadeira N. 32
Patrono: Edgar Martins Pereira


A veíci num é tão ruim assim não. A genti veve di sardade. Vai pensano nas coisa qui passô. Vai lembrano di tudo qui asucedeu. Das coisa boa e das ruim tomém.

A genti senta e fica matutano inté passá as hora, fecha os zói e vê divagazim os acunticimento passano, iguá qui fossi num firme. Já fui no cinema. Faiz muintos ano. Fui uma veiz só.

Quando vem as lembrança, gosto di ficá quetinha no meu canto, balangando na cadera, pra lá, pra cá. Vêjo ieu nova, arrudiada di meus fius piqueno. Aí, mi alembro das histora qu’iêu contava pr’êlis. As veiz choro, mi dá um aperto duído aqui no coração. Tão duído qui’as lágrima sartam dos zói qui nem um corgo, moia a cara e desci pelas ruga, os caminho que o tempo abriu. Inxugo cum’as costa das mão, faço força e inxoto a tristeza pra lá.

Mi alembro das histora premera qu’iêu contava prus meus minino, as merma qui ôvia da finada minha mãe, adispois pros meus neto. Essis num quiria ôvi não. Nascerum nôtro tempo. O tempo da televisão. Bicho do capeta. Tirô di nóis a cunvivênça. Os minino de
hoji prefere os desenho, os firme, as paiaçada dos artista, nun liga mais pro Saci-pererê, nem pra mula-sem-cabeça. Bicho papão nem si fala!

No meu tempo, cada época do ano tinha suas histora. Na Sumana Santa, a genti contava as histora di assumbração. Os bichim, meus fiu, ficava cum os zói regalado, espantadim de dá dó. Contava tomém a histora de Nos’Sinhô Jisus Cristo e seu sufrimento pra nus sarvá.

Nu fim du’ano, a genti contava o nascimento do minino Jisus qui nasceu dia di Natali, pobrizim de dá dó, iguali nóis mermo, numa lapinha qui sirvia de curral dentro dum côcho forrado de capim e arrudiado de animá. È purisso qui os presépio são feitio di papeli pintado cum calvão, socado inté virá pó, misturado cum’água, i feitio imitano uma lapa, c’uma vaca, um carnero , um burrin e o galo du lado minino Jisus.

Di comu Nos’Sinhora fugiu cum São José muntada num jirico, viajano a noite intera prá fugí de Herodis, um rei marvado qui quiria matá todos minino cum mêdo de Jisus virá rei e tumá seu trono. Nun é qui, já naquele tempo, longe, longe, a pruficia falava qui eli ia sê o Rei, o Rei di tôda a terra?!

Na Sumana Santa, a mininada mais véia gostava era de assustá os ôtro inventano mar feitio pá pegá de susto as muié qui invinha da igreja. A gente pegava uma cabaça das grande i furava cum’a faca os zói, o nariz e uma bôca nela. Isperava quitim distrás da cerca. A cabaça com uma candiêro dentro paricia um fantasma, inda mais qui a gente inrrolava um pano branco invorta dela.

Laçada pur um cordão infiado no meio da cabaça, bem onde fica o talo, cordão cumprido, qui dava prá passá no gaio bem arto da pitombêra do quintá da casa de mãe. Nóis iscondido prestano atenção nos passos de quem invinha. Daí quando invinha arguém era só puxá a cabaça pra vê a gritaria. Gritaria e correria. Tinha genti qui borrava nas calça de tanto medo. E nóis, iêu e mais meus irimão, morreno de tanto ri.

Mais o qui os meus minino gostava mermo di ôvi era as histora do capeta. Di como Malaquia cortô o rabo do coisa-ruim e inganô êli.

Di como Coroné Vadim ficô rico e do trato qui’êli feiz c’um o demo prá mode inrricá. Foi o Saci qui insinô pr’êli. Iêu mermo fiz a ixpiriença, mais nun deu certo não. Acho qui fiz arguma coisa errada, meu ôvim gôro.

A histora di Malaquia era anssim:

No dia di sexta-fera da Paxão, ninguém divia trabaiá, mais mermo anssim Malaquia desobedeceno os preceito de Deus, saiu pra cortá lenha e cumo castigo passô, pro seu azá, inrriba duma moitia de cipó-de-chumbo.

Cipó-de-chumbo, pra quem num cunhece, é um cipozinho rastero qui dá no chão e o distraído qui passá por cima dele perde o juízo. Num sabe mais onde tá e pr’onde vai, perde e roda, roda, roda sem rumo, inté o efeitio passá.

Naquel’dia foi o qui assucedeu. Malaquia perdeu no mato, andô, andô, inté cansá. Pirdido, cum sêde e fome, quereno discansá, avistô a sombra d'uma gamilera, arta e frondosa, beim no pé d’uma serra.

Chegano lá, deparô c’uma lapa, d’uma inormidade de grande, junto dela. Na isperança di incontrá água e matá a sede foi sem cirimônia entrano gruta adento.

Cum os cuidado qui merece intrá num lugá discunhecido. Divagá, prestano atenção intudo, iscutano qualqué baruim, por mais menor que fosse. Atento c’um as mão nas oreia, pra mode iscutá mió, ôviu uma barueira, baixinha, qui paricia voz di muinta genti reunida.

A midida qui entrava na lapa, as vóis aumentava, e, cheio de medo, foi, anssim mermo, entrano gruta adento inté depará c’um salão grande, maió que muintias casa, bunito, c’um riacho d’água azulinha, azulinha riflitino os brio das pedra das parede da gruta. E na bêra do riacho, um moço vistoso, bem vistido, cheio di riso, qui foi logo priguntano pro Malaquia:

- Cê veio pra festa?

Malaquia pensano na cumida e na bibida arrespondeu sem pestanejá, dano uma di sabido:

- Vim. Ispero nun tê chegado atrasado.

- Não. Arrespondeu o moço. Tem muita cumida e bibida, quem num temi pecá di gula vai si fartá.

Animado, Malaquia siguiu o moço qui cada veiz mais entrava no fundo da gruta. Malaquia estranhô qui o moço di jeito argum ficava discosta pr’eli. Andava só di lado, ou punhava eli na frente.Discunfiado, pensô: Qui tem coisa!

Pensô no que fazê, fingiu trupicá e atrasô o passo. Sem qui o moço apercebesse, ficou pra tráis. Tomô o maió susto cum qui viu. Um rabão vremeio, c’uma ponta pareceno um ferrão de apará boi brabo, saia beim do trazero do moçô.

Assustado, gritô:

- Cê tem rabo! Cê né gente não. Cê é o demo, seu iscumungado!

Mal acabô de falá, o moço transformô intIrim. Os zói ficarum in brasa, os chifre riturcido iguali di carnero sairum na cabeça, a boca cresceu, os dente ficarum puntudo, as zoreia tomém, os pé mermo qui vê os casco d’um bode, nas mão as zunha crescerum qui nem di onça, o are cherava porva e sua voiz iguali um truvão. Falava cuspino fogo, das venta saia fumaça.

Coisa horrorosa, sô!

O demo inloquecido por ser discuberto antis da hora, sortano fogo pela venta, pulô em cima di Malaquia, qui cum’um gato sartô di banda e gritô:

- Me acuda, São Jerome!!

Mais qui dipressa, meteu as mão na cintura, tirô da bainha o facão Guarani, segurô cum’a mão o rabo do capeta e cum a ôtra, duma facãozada só, cortô o rabo do coisa ruim, bem dijuntin da bunda. Ficano só um tocozin, um nadica de nada.

Aí é qui o demo indoideceu di veiz. Ficô aceso di raiva, o fogo tomô conta dele tudim. Sua voiz ficô mais rôca inda, dos zói faiscava raio, da boca e das venta labareda de fogu. Des’jeitio, imbrabicido di raiva, o malíguino partiu in direção di Malaquia, dizeno:

- Me dê meu rabo, e se apronte prá vim cumigo prás profunda dus inferno. Seu pecadô mardito! Cê já viu arguém trabaía in dia santo?

Malaquia arrespondeu, levantano e mostrano o rabo:

- Discunjuro, coisa ruim! Vô é ti parti no meio, cê viu o qui fiz cum seu rabo? Si insistí, cortu é seus chifre tomem. Cê’ quis é mi inganá qu’ia mi levá prá cumê e bebê, qu’ia mi levá pr’uma festa e na verdade verdadêra ocê tava era mi levano prus quinto dus inferno.
Satanaz mardito!

- Agora é qui ocê tá frito. Falô o capeta. Vô chamá meus cumpanhero e vamo carregá ôce a força pros inferno, colocá numa foguera donde o fogo nunca apaga, e ocê vai ficá sintino ardê a carne pro resto do sempre.

Malaquia, veno qui a coisa tava ficano inda mais preta, disse logo di carrera:

- Eu faço com cê um trato. Ocê, coisa ruim, vai mi dexá saí. E lá di fora ieu jogo o rabo pr’ocê. Ieu num priciso di rabo ninhum, inda mais um rabo feio quinem esse.

O capeta aceitô o trato, cum vregonha di aparecê tocó prus companhero e sirvi di troça. Intonce, dado o cunsintimento, Malaquia disparô numa correria danada e parô só do lado de fora da lapa, olfegano e pono o curação pela guela.

Tremeno e suano ajueiô, agradeceu a São Jerome. Inda sigurano o rabo, guardô o facão na cintura, incheu de coragi e gritô bem arto pro demo:

- Oh fio das profundeza dus inferno qué seu rabo? Vai buscá!Diss’isso atirano o rabo dentro dum buraco sem-fim que ficava bem dijunto da porta da gruta, disfalçado distrás d’uma pedra grandi.

O capeta, vremeio de raiva, gritô:

- Miseravi! Inda ti pego, cê vai mi pagá nen qui fô nus fim dos tempo. Inda ti pego, seu fio da peste.

O demo sabeno qui nunca mais incontraria c`um seu rabo, pois tudo qui caia ô era jugado pra drento daquela fenda, do buracosem- fim, nunca mais era incontrado, risiguinado vortô prus inferno. Iêu merma, já cansei de jogá preda dento deli e nunca ôvi ninhuma batê no fundo. Minha vó dizia qui tudo caia no vazio, no nada. Pra sempri.

Aí, iêu arrematava a histora:

Si argun d’ôces num procedê direito, brigá c’uns irimão, fazê malineza, minti, fartá na iscola, disrespeitá os pai, cumetê pecado e purisso mermo fô prus inferno, é certo qui vão encontrá lá um capeta cotó, arredio, o pió de todos na marvadeza, rismungano:

- Inda pego aquele infiliz!.

É o capeta de Malaquia.

Já a histora do coroné invorvia tomém o “coisa-ruim” mais era deferente, o saci-pererê fazia um aparte, foi ele qui premero ajudô o coroné. O mulequim d’uma perna só é malineza pura, vive pra brincá de assustá os ôtro e pregá peça. Parece di tão levado inté fazê parte do demo. Mais ele né ruim não. É como todo minino, o pestinha gosta mermo é de brincá.

Vadim era muintIo pobrizin. Vivia numa casinha fincada num boquerão perto da nascente riacho do Buriti. Lugá muitIo bunito.

Na casinha pobre di inxumentobe, donde morava, só tinha um fugãozin di lenha di duas boca na cuzinha qui tomém era sala. Tinha dois banquin di treis perna e uma mesa istreitia, d’uma talba só, qui paricia mais um banco arto. N’ôtro cômodo, duas cama di vara forrada di capim seco coberto c’um pano di saco. Sua mãe era a viúva di Salustiano.

Salustiano bebeu inté morrê. Bibida é coisa do cão, ela dumina a gente di um jeitio qui num tem mais jeitio. Gente pará cum tudo; di trabaiá, perdi a vregonha, num vale mais nada. Deixa a muié e os fio sofreno no mundo.

Cumo sempre fazia, Vadim saiu di casa e foi pru mato vê si cunsiguia arguma fruta pra cumê, e tomém pegá na armadiá uma zabelê pr’êli e sua mãe tê o qui cumê na janta. Chegô nu lugá da armadia, oiô pra vê si tinha pegado arguma coisa, e nada. Arresorveu intonce deitá imbaxo d’um pé di imbú pra aguardá o resurtado.

Deitiô e drumiu. Drumiu e sonhô.

Sonhô qui o Saci Pererê, um nigrim di duê, dono d’uma perna só, um muleque da merma idade di Vadim, uns onze ano, pareceu, pr’êli. Era do jeitim qui ôvira falá: preto qui nem calvão, os zói grande, branco cum as minina dos zói negra quinem jabuticaba, lenço di chita vremeia iscarlati amarrado no arto da cabeça, fumano sem pará um cachimbo iscanchado no canto da boca, sortano fumaça fidida di fumo de rolo pela boca e pela venta, dano toda hora, gargaiada istridente, Iarrà, ré,rá, rá, rá, ráaa .... riflitino mata adento, qualqué qui fosse o mutivo, ô meso sem mutivo ninhum.

Sonhô qui o pestinha ficô cum muintia dó da situação di pobreza dêli e purisso mermo insinô pr’êlli um jeitio de inricá. Mais era priciso pra acuntecê essa sorte, di inricá, chocá um ovo de galo véi, só os galo véi bota. Do ovo ia nascê um capetinha, e qui’êli tinha de prendê o diabim numa garrafa e arroiá, muintio bem arroiado, pr’êli nun iscapulí.

Ixpricô inda, qui toda a Sumana-Santa no galinhero o galo mais veio botava um ovo. Qui’li fosse procurá, rivirá os nin das galinha inté incontrá o tar ovo.

Qui a diferença do ovo di galo pr’um ovo di galinha, era o tamano. O ovo de galo era piquinin e preto, do tamano dum ovo di cadorna. Aí eli punhava o ovo dibacho do braço, bem no suvaco, e isperava chocá por quarenta dia e quarenta noite. Sem discuidiá.

Adispois, no dia marcado, interado os quarenta dia e quarenta noite, eli tinha qui pô o ovo, meia noite, incima d’uma mesa, ascendê uma vela, e prestá muintia atenção pra vê a ora ixata do diabim nascê. Num pudia perdê a atenção, pois o bichim era danado e só ficava um minuto queto e nada mais.

Na ora certa de nascê, o capitinha furava o ovo cum o isporão da ponta do rabo, deixava a casca, ispriguiçava, e ficava qui nem besta, só fazeno di conta, ispiava em vorta, meio parado, girano divagá, e assuntano o qui tava aconteceno. Si num pegasse eli naquela ora, inquanto inda tava aturdoado, num pegava mais não. O bichim era tinhoso. Caia no mundo e vortava pros inferno qui é o lugá delis.

Vadim feiz como o Saci insinô.

Foi só o capetinha acabá di nascê, pr’êli prendê o danadin na garrafa e arroiá bem arroiada. Prendeu e iscondeu. O capetinha chamava Famalial. Daí in diante as coisa mudô muintio.

Famalial acunseiava tudo qui Vadim ia fazê. Falô cum’é qui’êli ia achá um cartera pirdida, chiinha de dinhero. Insinô cumo negociá. O qui plantá e coiê. Cumo comprá e vendê gado. De tar modo qui Vadim inricô tanto qui virô coroné, pulítico, e o fazendero mais famoso e rico de toda região.

Já véi e poderoso, Coroné Vadim têve uma cunversa cum Famalial:

- O qu’iêu tenho devo agradecê ocê pur dimais. Fiquei muintio rico e poderoso. Desdi qui ti choquei só tive sorte na vida. Isso num tem preço.

- Tem sim! Arrespondeu Flamalial Sua alrma mi pertence.

Ela é minha liberdade, ocê morreno ieu tenho a incumbença di ti acumpanhá di vorta pra minha casa nus infernu. Inté acha ôtro bobo qui qué inricá fácil, só na isperteza. Tudo na vida tem um preço.

Coroné Vadim disisperô. Passá a eternidade nos infernu sofreno pra sempre nun tava nos seus plano, era um preço muintio arto. Cumé qui’êli havia di fazê pra mode sarvá sua alrma.

Era o jeitio acudi com Pererê de novo. Afiná foi ele qui insinô como prendê o capitinha. Onde agora incontrá o saci? Pensô, pensô e foi pro mermo lugazin qui quando eli era minino havia sonhado, imbaixo du imbuzero.

Deitiô e drumiu. Drumiu e sonhô de novo.

O muleque do perneta apareceu morreno de caçoá de Vadim.

Disse:

- Cê quiria inrricá e inrricô, num mi priguntô o preço, nem iêu falei. Agora ocê sabe. O preço é sua alrma.

O coroné disisperado priguntô.

- Cumé qui’êu faço pra mi livrá dessa sina? Tem dó de mim. Pelo amô qui ocê tem pelas mata, pelos bichim da natureza, mi ajuda !

O saci arrespondeu.

- Só tem um jeitio. É ocê pidi perdão pra Deus do Céu, arrependê di tê caído na tentação, e dá tudo pra igreja. Ficá pobre de novo. Disse morreno di ri: Iarrá, rá,rá, rá, rá, ráaa ... e sumiu no meio di um ridimunho di fumaça, num piscá de zói.

Vadim, cum medo dos inferno, assim feiz.

É purisso qui todos os terreno daqui do cumércio de Bela Vista é da igreja, di Nos’Sinhora e São José. Daqui i d’ôtros lugá, onde fô da Igreja todas as terra, e si as terra foi doada prum coroné muintio rico, oceis pode tê a certeza qui’êlis tomém tinha trato cum o demo.

Pois é, cansei de contá esta e ôtras histora qu’ieu ôvi de minha mãe pro meus fios. Tempo bão, cu’a mininada arrodiada em vorta d’ieu c’os zói arregalado prestano muintia atenção no qu’ieu contava...

Hoje, já num tenho ninguém mais pra ôvi e é purisso, pras histora num acabá, nun caí no isquicimento, que arresorvi contá procês todos. Sinão elas morri, igual um dia vai acuntecê cumigo, e passado uns tempo ninguém vai si alembrá mais. Nem d’iêu e nem
delas.

“E correu treis léguas, cagô treis tora, seu rei mando dizê qui
contassi ôtra histora”


A PRESENÇA ARTÍSTICA DE ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA,
O ALEIJADINHO

Felicidade Patrocínio
Cadeira N. 20
Patrono: Camilo Prates

RESUMO: Após tomar conhecimento do abalo sofrido pela memória cultural e histórica do povo mineiro, causado pelas denúncias que negavam ao Aleijadinho a autoria de suas obras de arte, desenvolvemos esta pesquisa em busca da verdade. Através de leituras, análises de documentos, reflexões e comparações de argumentos favoráveis e desfavoráveis, concordamos com aqueles que devolveram ao Aleijadinho a sua criação.

Como passageiros de um tempo de rupturas, cercados por painéis, paradigmas luminosos e faiscantes da urbanidade pósmoderna e influenciados pela pressa das máquinas do consumismo, necessitamos, se não a todo momento, pelo menos de vez em quando checar o nosso equilíbrio, as nossas referências em defesa da nossa integridade como humanos. Somos responsáveis, se não pelo destino não realizado das gerações passadas, ou pelo alicerce da geração futura, pelo menos pela nossa geração, já que não somos os primeiros e nem seremos os últimos. Como seres resultantes desse enlace entre gerações, somos históricos e temos história.

O tempo presente é incomensurável, apenas um limiar e como somos mobilidade constante é preciso o contato com nossas referências, evitando assim alienações e preservando a nossa identidade. Ainda não se pode negar que o homem é memória.

Em Sócrates, a memória é armazém de idéias, lugar da libertação dos erros provocados pelas meras aparências. Para muitas culturas, como a dos judeus, por exemplo, a memória é o lugar onde vivem os mortos, portanto o lugar da imortalidade. Para a Psicologia, o lugar onde as vivências conseguem intervenções libertadoras. Até na própria cibernética, virtualidade tão próxima do homem hoje, a memória é armazém de informações.

Centralizando, pois, a idéia de homem, de sociedade como memória total ou parcial, é que reconhecemos quão oportuno e importante é a temática voltada para as questões do patrimônio histórico e artístico brasileiro. Ressaltando dentro desta área, o conhecimento do Barroco, propomo-nos neste primeiro contato, uma análise da sua figura máxima: Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.

Buscando conhecer todo o contexto que envolve este personagem, reportamo-nos às fontes de onde ele provém e o encontramos no nascedouro de uma nova raça, gerada nas fusões das positividades de duas etnias distantes, banhada no sincretismo da resistência das identidades, no confronto de universos radicalmente distintos: o branco europeu e o negro africano. Culturas estas em diferentes estados de civilização, com referências, práticas, sagrados e imaginários diversos.

Da unidade das origens para a pluralidade num solo rico, aurífero, mas estranho e inóspito e daí novamente para a unidade do novo: surge o mulato.

Começa assim a surgir o Brasil que não nasce em 1500 como se pensa, mas no produto desta miscigenação e nas primeiras expressões de brasilidade do seu povo: as artes.

Descobre-se uma simbiose cabocla, cafusa, mulata no processo de aculturação. O idioma Português se adoça, nascem novas divindades no sincretismo do sagrado, torna-se rica a culinária, mistura-se o ritmo latejante das senzalas com as melodias ornadas e lamentosas dos salões, surgindo uma nova música, e do exercício da habilidade técnica plástica do negro conjugado com a erudição do branco e motivado pela necessidade de representação do mulato, surge em forma de escultura, arquitetura, pintura, nos meados do século XVIII, uma arte genuinamente brasileira. “Ora”, diz Sílvio de Vasconcelos1 :

o Brasil até então era integralmente e só português
[...] “Portuguesa era a maioria da população
ponderável, os usos, os costumes, as ferramentas,
o modo de ser da colônia e fundamentalmente a
sua economia. Toda a civilização litorânea
correspondia a uma cultura transplantada e solidamente
amarrada à mãe-pátria...”.

Mas no século XVIII em Minas Gerais, ocorrem três fenômenos que alteram profundamente a situação: uma relativa autonomia econômica proporcionada pelo ouro enviado para Portugal (sabe-se que das levas de 25 toneladas ao ano que embarcavam, outras tantas aqui desapareciam), também o relaxamento dos laços relacionais com a coroa e a constituição (aqui já se percebe um aspecto mais político, gerando a Inconfidência Mineira), e também o surgimento de um agrupamento humano de porte bastante diferenciado do português: o mulato, gerado na intensa miscigenação favorecida pela falta de mulheres brancas na colônia. Entre eles, surge em Vila Rica, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que veio a se tornar no maior fenômeno da arte barroca brasileira.

A pesquisadora do Barroco e estudiosa da vida e obras de Aleijadinho, Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira2 , assim como muitos outros, parte da primeira biografia do artista, feita por Rodrigo J. Ferreira Bretas, quatro décadas após a sua morte e cujos dados são enriquecidos pelo documento de Mariana: “Registro dos Fatos Notáveis” elaborado em 1790 (quando Antônio Francisco Lisboa ainda era vivo, com 52 anos), pelo segundo vereador daquela Comarca Capitão Joaquim José da Silva. Registro este que se fazia de costume e a mando de D. Maria I, Rainha de Portugal. O documento citado faz largas referências à obra e pessoa do Aleijadinho, destacando a beleza e o vigor e considerando-o “singular e superior a todos”, denominando-o até de o “novo Praxíteles” da arte. Rodrigo Bretas completa a dita biografia com as conclusões da pesquisa que procedera, através inclusive de entrevistas aos parentes e contemporâneos vivos do Aleijadinho. Com base neste documento, a posteridade soube que as mais belas expressões da escultura e arquitetura sacras que coroavam as Minas Gerais, como, por exemplo, a igreja de São Francisco de Vila Rica e o conjunto escultural dos Passos e dos Profetas em Congonhas, tinham provindo das mãos dilaceradas, de um corpo enfermo, disforme, por isso apelidado de Aleijadinho. A partir daí, a tradição oral constrói o Mito. Como naquela época a arte era nascente e no Brasil ainda não era costume assinar as obras artísticas, a arquitetura de muitas igrejas e quase toda escultura barroca de qualidade eram atribuídas ao gênio.

______________________________________________
1
- VASCONCELOS, Silvio de. Antônio Francisco Lisboa e a nacionalidade.
Revista Aleijadinho. No especial editado pelo Conselho Estadual da Cultura de
Minas Gerais. 1983. Belo Horizonte. p. 67.
2 - OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. A obra do Aleijadinho em Congonhas.
No especial editado pelo Conselho Estadual da Cultura de Minas Gerais. 1983. Belo
Horizonte. p. 11.

O desejo do maravilhoso, a ânsia de transcendência sempre nos levaram às projeções do Mito. No entanto, esgotam-se as Minas, esvazia-se a Vila, e o Mito por um tempo dorme esquecido. Mas o movimento artístico dos Modernos, já no início do século XX, o revaloriza.

A seguir, esse Mito é questionado, tanto na autoria das obras atribuídas quanto na possibilidade da própria existência. Primeiro, pelo historiador Feu de Carvalho3 que promoveu uma destruição quase completa da história do Aleijadinho, provando documentalmente serem as autorias de duas obras (o lavabo do Carmo de Ouro Preto e o pórtico das Mercês) de outro autor. Fazendo exceção a estas obras, o escritor Mário de Andrade dirá que “O Sr. Feu de Carvalho só conseguiu duvidar e negar. Mas provar as suas negativas, não”4 . A seguir, o também historiador José Mariano Filho, que critica a investigação documental do SPHAN, preferindo a este método as análises estilísticas da obra, tenta reduzir o acervo do artista discordando da sua competência na arquitetura5. Continuando a implosão o Sr. Augusto de Lima Júnior irá negar a própria existência do Aleijadinho, assim como a do Joaquim José Silva, redator dos Fatos Notáveis de Mariana, apropriados pelo biógrafo Bretas6 .

Mais recentemente, causaram polêmica as afirmativas do Sr. Dalton Sala, em entrevista ao repórter Jair Ratter, publicada pela Folha Ilustrada de São Paulo no dia 16/03/19967 , acusando o pesquisador Rodrigo Mello Franco e o próprio SPHAN (Serviço do Patrimônio Històrico Artístico Nacional) como fabricadores de Mitos. Nega a existência de Aleijadinho e do próprio Tiradentes. Afirma serem, ambos, mitos construídos a partir de uma necessidade política e ideológica da ditadura de Getúlio Vargas e que o SPAHN, criado duas semanas após o golpe de 1937, tinha como meta colaborar na construção de uma identidade nacional, afirmando, mais, que o historiador da arte Germain Bazin confessara ter sido pressionado pelo então presidente do SPHAN, Rodrigo Melo e por Lúcio Costa, para emitir parecer favorável ao Aleijadinho na comprovação da autoria de suas obras. Do outro lado rebatiam, não só dezenas de historiadores, mas também o Estado de Minas Gerais, autoridades e imprensa. O pesquisador Rodrigo Mello Franco à frente da equipe do SPHAN, investiga incansavelmente, vasculhando os arquivos das Ordens Terceiras, Confrarias, Irmandades e estabelecimentos públicos de Minas, Brasil e especialmente da antiga região do ouro.

Diante das controvérsias, percebemos que a questão deveria ser alvo de análise de todos aqueles que aspiram ao esclarecimento consciente e livre, alicerçado em fundamentações concretas, mas também racionalizado na autonomia do próprio pensamento. A questão muito complexa transcendia os âmbitos da justiça às autorias,
era sim, também, uma questão histórica, política envolvendo coletividades, individualidades, ancestralidades, referências pátrias não só para os mineiros mas para os brasileiros em geral. Uma questão de identidade nacional foram plantadas sérias dúvidas.

_______________________________________________
3 - Feu de Carvalho. Aleijadinho. Belo Horizonte: Ed. Históricas. 1934.
4 ANDRADE, Mario de. Aspectos das artes plásticas no Brasil. São Paulo: Martins.
1965.
5 BAZIN, Germain. O Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil. Tradução Marisa
Murray. Rio de Janeiro: Record. 1979. p. 108.
6 Idem, p. 109.
7 Folha Ilustrada de São Paulo. 16/03/1996. p. 8.

CONCLUSÃO

Foram as dúvidas responsáveis pelo “Cogito ergo sum” cartesiano. Elas motivaram as luzes, desenvolveram a racionalidade e levaram ao uso do método. Aqui também foram as dúvidas colocadas que moveram as vontades e as investigações científicas levando a muitas certezas. Fizemos o mesmo: partimos das obras, elas existem, aí estão; a seguir dissecamos o primeiro texto biográfico do Aleijadinho, escrito por Rodrigo Bretas, passamos pelas publicações do SPHAN, principalmente os artigos do Sr. Rodrigo Mello Franco e consultamos larga bibliografia. Após muitos dias de leitura, após comparações refletidas dos argumentos favoráveis e desfavoráveis à afirmação da história do Aleijadinho, ficamos com aqueles cuja coerência, método, persistência na pesquisa, peso dos argumentos documentais e notória autoridade do discurso, devolveram ao Aleijadinho a autoria de suas obras mais significativas como os Passos e os Profetas de Congonhas, a Capela Franciscana de Ouro Preto, entre dezenas de outras importantes obras (os anexos que acompanham este artigo comprovam o dito).

Da condição de mulato, filho bastardo, parte da vida enfermo ao ponto de perder os dedos dos pés e das mãos, de aparência informe, asqueroso, o Aleijadinho deixou para Minas, o Brasil, a humanidade, uma rara expressão de beleza. Transcendendo as suas precárias circunstancias, elevou-se da sua solidão contingente, amparando-se numa experiência estética sem precedentes nascida na liberdade que se impôs, na autonomia de pensamento que conquistou, banhada na beleza da sua alma, na ânsia de infinito e conduzida à produção pela força de uma máscula determinação.

O Aleijadinho é brasileiro. A arte do Aleijadinho, não importa a influência, é brasileira.

Sua porta é o Barroco, porque o barroco sugere o paradoxo (veja o Barroco da alegria da Capela Franciscana, na sua juventude e veja o trágico dos Passos e Profetas da sua maturidade enferma). O Barroco sugere a tensão, o teatral, a antítese, o Barroco reflete uma concepção filosófica, o sentimento do tempo, da crise, da criação, da liberdade, de Deus, do absoluto.

Reflete nele o paradoxo entre o corpo e a alma, o dualismo que eternamente perturba o homem. Aleijado, velho, doente, o Aleijadinho solicita os ferros amarrados aos pulsos, retira da pedra e da madeira a mera coisidade, transcendendo-as, transcendendo a si próprio. Aleijadinho tem sede de vida, de imortalidade. Aleijadinho sabe que “a vida é breve e que a arte é longa”.


ANEXO

CITAÇÕES RELATIVAS AO RISCO DA IGREJA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS DE OURO PRETO

O ciclo rococó da arte colonial brasileira do século XVIII, apesar de interessar particularmente à decoração interna e externa dos monumentos religiosos, teve também manifestações no campo da arquitetura, de que constituem exemplos primordiais as igrejas projetadas pelo Aleijadinho em Minas Gerais. Estas igrejas são as de Nossa Senhora do Carmo e São Francisco de Assis, de São João Del Rei. (DE OLIVEIRA, 1998, p. 82)

Entrando-se agora na apreciação do mérito do Aleijadinho como escultor e entalhador, tanto quanto pode fazê-lo quem não é profissional na matéria e somente a vista das obras que deixou na capela de São Francisco de Assis, desta cidade, cuja planta é sua (BRETAS, 1984, p. 15).

A primeira menção histórica relativa à carreira artística de Antônio Francisco Lisboa data do ano de 1766, quando o artista recebe a importante encomenda do projeto da Igreja de São Francisco de Assis, de Ouro Preto. Para esta magnífica igreja, o Aleijadinho realizaria ainda toda uma série de obras. (OLIVEIRA, 1983, p. 12)

Testemunhos insuspeitos atribuem o projeto da capela de São Francisco, de Vila Rica, de 1766, a Antônio Francisco Lisboa. O registro do vereador de Mariana, divulgado por Bretas, mencionava-o, e o professor Marcelo Furtado de Menezes, em comunicação feita ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de 1939, afirma ter visto os desenhos originais, embora não podendo precisar se continham ou não o nome do autor. Contudo, como na época em que manuseou os ditos desenhos (1911) aceitou-oscomo do mestre, presumia haver encontrado provas a respeito (VASCONCELOS, 1979).

A encomenda do risco para a Igreja de São Francisco de Assis, de Ouro Preto, foi-lhe feita em 1766 e, após o falecimento de seu pai, no ano seguinte, assumiu a direção das obras da igreja de Nossa Senhora do Carmo na mesma cidade, cujo risco originariamente de seu pai iria, pouco depois de 1770, alterar em pontos essenciais (TOLEDO, 1983, p. 210).

Assinala Germain Bazin que Antônio Francisco Lisboa recebeu a encomenda do projeto para São Francisco, de Ouro Preto, quando contava apenas 28 anos de idade, e, deveríamos lembrar, num meio artístico onde se destacavam conceituados mestres. Nota ainda o historiador francês: ‘Dès 1769-1770, à peine passe trente ans, il s´attaque aux púlpitos de la même église et il realise là son premier chef-d´oeuvre dans l´art de la sculpture em Pierre, qui n´etait pás pratique avant lui’. A essa inovação seguem-se outras que revelam conhecimentos do que se passava em Portugal (Op. Cit. p. 214).

Mas no espírito de forte rivalidade entre as grandes Ordens Terceiras, também os franciscanos apelaram para Antônio Francisco e, mesmo antes dos carmelitas, o contrataram para executar o risco de sua grande capela em Vila Rica. Esta tem uma extraordinária composição de fachada, onde o movimento é enfatizado pelo jogo sábio dos planos e dos elementos decorativos, que, em curvas e contracurvas, sobem da portada até o óculo – aqui fechado por um medalhão com a esfinge de S. Francisco de Assis recebendo os estigmas do Monte Alverne (MELLO, 1985, p. 161)

Observações de vários pesquisadores sobre a 1a biografia, TRAÇOS BIOGRÁFICOS RELATIVOS AO FINADO ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA, DISTINTO ESCULTOR MINEIRO CONHECIDO PELO APELIDO DE ALEIJADINHO (Rodrigo J. Ferreira Bretas)

Prova suplementar da fortuna deste texto são as diversas reedições parciais ou integrais, que se sucederam à do correio oficial de Minas em agosto de 1858 (OLIVEIRA, 1984, p. 21).

Consignada em 85 extensas notas que acompanham o texto esta “verificação documental” comprovam o rigor cientifico da pesquisa de Rodrigo José Ferreira Bretas que parece ter-se enganado em apenas um ponto: admitiu como do Aleijadinho um hipotético registro de batismo do ano de 1730, data que entra em contradição flagrante com os dados fornecidos por um outro documento esse de veracidade indiscutível, o atestado de óbito do artista” (OLIVEIRA, 1984, p. 21).

O texto de Bretas, embora não eximindo de significantes equívocos e certa tendência a exageros, compreensíveis em trabalho jornalístico, confirmouse quase totalmente por documentos e estudos fidedignos posteriores (VASCONCELOS, p. 9).

Contudo, em manuscrito original de seu trabalho conservado em arquivo da arquidiocese de Mariana, Bretas remete o nascimento a 1938, advertindo corresponder a data a informações contidas no registro de óbito do artista (VASCONCELOS, p. 9).

Pouco a pouco coligaram-se documentos numerosos que, datados desde 1770 até 1809 inclusive, elucidaram pormenorizadamente a atividade exercida
pelo artista insigne. Verificou-se então que essa documentação não só confirmava, na sua grande maioria, as atribuições de Rodrigo Bretas, como também importava em ampliar a relação das obras que tinham de ser creditadas de direito a Antônio Francisco Lisboa (RODRIGO, O Estado de São Paulo, 22-06- 1948).

Havia em Rodrigo Bretas um grande talento de historiador; é preciso admirar a habilidade com que soube interrogar as testemunhas, orientar-lhes as lembranças sem provocá-las, coordenar suas informações; o relato que nos faz sem efeito literário, respira à verdade. Lá, como em outros lugares, fatos verificados nos arquivos provam a certeza do informante (BAZIN, 1979, p. 104).

Observações sobre o texto:
O ALEIJADINHO, DE FEU DE CARVALHO (1934)

...obtive o recente opúsculo sobre o Aleijadinho, do historiador mineiro Feu de Carvalho, editado pelas Edições Históricas, de Belo Horizonte em 1934. É um bem estranho livro, em que o Sr. Feu de Carvalho, legítimo S. Tomé da história pátria, custa a reprimir a sua inexplicável má vontade contra o Aleijadinho. O Sr. Feu de Carvalho nega quase tudo o que Bretas, a tradição e os autores têm atribuído ao Aleijadinho e só acredita no que os documentos que ele pôde obter provam ser do gênio. É uma destruição quase completa... (ANDRADE, 1965, p. 40)

O Sr. Feu de Carvalho só conseguiu duvidar e negar. Mas provar as suas negativas, não. Só o conseguiu, com os documentos, quanto a duas obras: o admirável lavabo do Carmo de Ouro Preto e o sem grande importância pórtico das Mercês [...] O resto do que o Sr. Feu de Carvalho recusa ao Aleijadinho, ele nega sem provar (ANDRADE, 1965, p. 40).

... a sua paixão negativista o leva também a absurdos perfeitamente indesculpáveis. Pra negar a autoria do S. Jorge (p. 46) lembra que o Aleijadinho já não estava então em Vila Rica, mas trabalhando em Congonhas ... não existindo telefone e telégrafo o Sr. Feu de Carvalho nega o direito de locomoção ... nada impede que de Vila Rica se tenha feito uma encomenda a um artista conhecido e apreciado, parando em Congonhas... Mas o Sr. Feu de Carvalho incomodado por tamanha distância prefere ditar que a maioria das obras de Aleijadinho tenha sido feitas por artistas encomendados em Portugal (ANDRADE, 1965, p. 40).

... Menos digno ainda do historiador é (p. 53) duvidar de certas obras de pedra do Aleijadinho, porque sendo este aleijado de ambas as mãos, sozinho não poderia, é claro, deslocar e mover tão pesados blocos de pedra (ANDRADE, 1965, p. 40).

... Se o Sr. Feu de Carvalho tivesse documentos certos que desmentissem a verdade tradicional, era virtude denunciar esta verdade, repudiá-la, exigir a revisão de valores (ANDRADE, 1965, p. 40).

... Porém, o Sr. Feu de Carvalho não agiu nem como historiador, nem como dono das suas virtudes pessoais, que estou longe de ignorar, quando duvida e mais duvida, e por isso nega e mais nega, estribado apenas e tão-somente na verdade histórica de que um pórtico medíocre e um lavabo admirável não são do Aleijadinho. Sem outras provas maiores me conservo com Bretas, com Vasconcelos, com a tradição (ANDRADE, 1965, p. 40)

Foi então que, empenhado em pôr termo às hipóteses um tanto fantasistas lançados pela profusão dos admiradores de Antônio Francisco Lisboa, o Sr. Feu de Carvalho contestou ao Aleijadinho quase todas as obras que lhe eram atribuídas e pôs em dúvida a própria contribuição biográfica de Rodrigo Bretas. Seu trabalho, a que falta autoridade de investigação direta no domínio que era objeto de sua crítica, ressente-se, além disso, de grande incompreensão e injusto desapreço pela obra do escultor dos profetas de Congonhas (RODRIGO, p. 38).

PESQUISADORES ESTRANGEIROS EM MINAS NO SÉCULO XVIII (Citações relacionadas ao Aleijadinho)

Dos viajantes estrangeiros que estiveram em Minas na primeira metade do século XVIII e publicaram narrativas de suas viagens, nenhum conheceu Antônio Francisco pessoalmente e incluíram em seus textos apenas o que “ouviram dizer” a seu respeito.

1811 – Wilhelm Eschwege: “O principal escultor que aqui se salientou é um homem aleijado: com as mãos paralíticas, ele se faz amarrar o cinzel e executa desta maneira ...” [Anote-se o verbo no tempo presente – se faz amarrar –, o que confirma ter sido a informação redigida ainda em vida de Antônio Francisco] (VASCONCELOS, 1979, p. 22).
1808-1818 – John Luccock: “Dizem ser obra de um artista que não tinha mãos, sendo o martelo e o cinzel fixados em seus pulsos”.
1816 – Auguste de Saint-Hilaire: “... ele perdeu os dedos e se fazia atar os ferros à extremidade do antebraço”.
1831 – Friedrich von Weech: “… foram esculpidas por um homem sem mãos ...”.
1850-1857 – Francis de Castelnau: “A porta da igreja principal de Sabará foi executada por um homem sem mãos”.
1868 – Richard Francis Burton: “Seu trabalho se fazia com ferramentas ajustadas por um ajudante aos cotos que representavam os braços” (VASCONCELOS, 1979, p. 22)
1790 – Joaquim José da Silva: “Tem-se que lhe amarrar os ferros para que possa trabalhar”.
1811 – Wilhelm Eschwege: “Ele tinha as mãos paralisadas e era preciso que lhe prendessem o cinzel”.
1808-1811 – John Luccock: “Ele não tinha mais mão e era preciso prender o martelo e o cinzel no seu punho”.
1818 – A. de Saint Hilaire: “Ele perdeu o uso das extremidades e fazia-se amarrar os ferros à extremidades do antebraço”.

1831 – Friedrich von Woech: “As estátuas de Congonhas foram esculpidas por um homem sem maos”.
1850 – Francis de Castelnau: “A porta da igreja principal de Sabará foi executada por um homem sem mãos”.
1858 – Rodrigo Bretas: “Perda dos dedos das mãos, salvo o polegar e o indicador. Martelo e cinzel amarrados às mãos deficientes”.
1868 – Richard Francis Burton: “As esculturas de S. Francisco de Assis, de S. João Del Rei, são frutos da habilidade manual de um homem que não tinha mãos”.

Olhando esse quadro, vemos quão rápida foi a mutação da história em lenda; desde 1820 o Aleijadinho tornou-se, na imagem dos homens, nada mais nada menos que uma lenda; foi preciso, em suma, a pesquisa de Bretas para consertar esses erros e revelar a verdade, já bastante trágica, que é a de se
saber que o Aleijadinho era paralítico ou mutilado das mãos (GERMAIN, 1979, p. 105)

* Obs: Os documentos alusivos se encontram nos locais de origem.
Obs: Aparecem registrados em livros de receitas e despesas de irmandades outros pagamentos relacionados com o Aleijadinho, por exemplo: no Livro de Receitas e Despesas da Irmandade de N. Sa. das Mercês e Perdões de Vila Rica (fls. 71, 81e 87) consta:

1777 – “Pelo que despendeu com dois pretos que carregaram Antônio Francisco para rever o risco da obra, ½ oitavas”.
1778 – “Pela despesa de quem carregou para esta capela a Antônio Francisco, para certa averiguação da nova obra, ¼ oitavas”. OBS: estes documentos comprovam o serviço e a circunstância física de Aleijadinho).


RELAÇÃO DE PAGAMENTOS FEITOS A ANTÔNIO
FRANCISCO, EM OITAVAS DE OURO (DOCUMENTADOS)

1761 Móveis Palácio, Vila Rica
25,00
1770 N/E* N. Sa. Carmo, S abará
112,00
1771 Risco Açougue, Vila Rica
3,00
1772 Púlpito S. Francisco, Vila Rica (resto)
17,00
1772 Risco Altar S. José, Vila Rica
15,00
1773-4 Barrete (jornais de trabalho)
76,00
1774-5 Novo risco portada S. Francisco, Vila Rica
12,00
1774 N/E* N. As. Carmo, Sabará
140,00
1774 Projeto S. Francisco, S. João Del Rei
50,00
1775 Risco capela-mor N. Sa. Mercês, Vila Rica
6,00
1778 Louvação N. Sa. Carmo, Sabará
32,00
1779 Imagens N. Sa. Carmo, Sabará
50,00
1779 Risco tribunas capela-mor, S. Francisco Vila Rica
20,00
1779 Risco cancelo N. Sa. Carmo, Sabará
4,00
1781 N/E* N. Sa. Carmo, Sabará
75,40
1781 Coro, púlpitos, coro, campas Carmo, Sabará
166,00
1781 Cancelo Carmo, Sabará, etc.
266,00
1781 Cancelo, púlpito, coro, campas Carmo, Sabará
179,80
1789 Pedra de ara S. Francisco, Sabará
1,50
1790 Altar-mor S. Francisco, Vila Rica (1.750$000 -
pagamentos parcelados comprovados)
1.458,30
1794 Louvação S. Francisco, Vila Rica
145,00
1796-9 Imagens dos Passos, Congonhas
938,00
1799 4 anjos N. Sa. Pilar, Vila Rica
12,00
1800-5 Profetas, Congonhas
376,00
1804 Caixa órgão, Congonhas
80,00
1805 Lâmpadas, Congonhas
30,70
1807 Altares (2) Carmo, Vila Rica (parcial)
352,250
1808 Guarda-pó e camarim 2 retábulos - Carmo, Vila Rica
545,50
1810 Risco Matriz (fachada) S. José Del Rei
10,00
**  

RELAÇÃO DAS OBRAS DOCUMENTADAS DE ANTÔNIO FRANCISCO LISBOA ***
1752 Vila Rica Palácio Risco Chafariz, do pai
1757 Vila Rica Chafariz Alto da Cruz Risco do pai
1761 Vila Rica Chafariz Alto da Cruz Busto
1761 Vila Rica Palácio Mesa e 4 bancos
1770 Sabará N. Sa. Carmo Trabalho não especificado
1771 Rio Pomba Matriz Medição do risco do altar-mor
1771-2 Vila Rica S. José Risco altar-mor
1771 Vila Rica N. Sa. Carmo Medição do risco
1771 Vila Rica Açougue Risco
1771-2 Vila Rica S. Francisco Púlpitos
1773-4 Vila Rica S. Francisco Barrete capela-mor
1774 S. João Del Rei S. Francisco Aprovação do risco
1774 Sabará N. Sa. Carmo Trabalho não especificado
1774 Vila Rica S. Francisco Novo risco da portada
1775 Vila Rica N. Sa. Mercês Risco da capela-mor altar
1777-8 Vila Rica N. Sa. Mercês Inspeção de obras
1778 Sabará N. Sa. Carmo Inspeção de obras
1778-9 Vila Rica S. Francisco Risco do altar-mor
1779 Sabará N. Sa. Carmo Imagem, risco cancelo
1781 Sabará N. Sa. Carmo Trabalho não especificado
1781 S. João Del Rei S. Francisco Encomenda risco altar-mor
1781-82 Sabará N. Sa. Carmo Cancelo, púlpitos, coro e portas principais
1785 Morro Grande Matriz Inspeção de obras
1789 Vila Rica S. Francisco Pedras de ara
1790 Mariana Casa câmara Registro do segundo verador
1790-94 Vila Rica S. Francisco Altar-mor
1794 Vila Rica S. Francisco Inspeção de obras
1796-9 Congonhas Bom Jesus Figuras dos passos
1799-27 Vila Rica N. Sa. Pilar 4 anjos de andor
1800-5 Congonhas Bom Jesus 12 profetas
1801-6 Congonhas Bom Jesus Lâmpadas
1804 Congonhas Bom Jesus Caixa de órgão
1806 Sabará N. Sa. Carmo Risco altar-mor não aceito
1807 Vila Rica N. Sa. Carmo Retábulos S. João e N. Sa. Piedade
1808 Congonhas Bom Jesus Castiçais
1808-9 Vila Rica N. Sa. Carmo Retábulos de S. Quitéria e S. Luzia
1810 S. João Del Rei Matriz Risco fachada, cancelo
1829 Vila Rica S. Francisco Execução retábulos laterais de seu risco

** Vida e obra de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho
*** Dados do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Ministério da Educação e Cultura. Judith Martins, Di-cionário de Artistas e Artífices dos séculos XVIII e XIX em Minas Gerais, p. 364
In Vida e obra de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Silvio de Vasconcelos. São Paulo: Plamipress. p. 9.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ANDRADE, Mário de. Aspectos das Artes Plásticas no Brasil. São Paulo: Martins. 1965.
BAZIN, Germain. O Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil. Trad. Marisa Murray. Rio de Janeiro: Record. 1979.
ANDRADE, Rodrigo M. F. de. Aleijadinho, na paz das serranias guarda o tesouro do gênio barroco. In O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 20/04/1963.
______. Contribuição para o estudo da obra do Aleijadinho.
Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Revista 60 anos. Org. Ítalo Campo Fiorito. Rio de Janeiro. 1997.
______. Data do nascimento do Aleijadinho e fontes de sua obra. In Estado de Minas. Belo Horizonte, 23/08/1964.
______. Do mestre aos discípulos do Aleijadinho. In O Estado de São Paulo. Ano 9, nº 407, 21/11/1964.
______. O Aleijadinho Imaginário. In O Estado de São Paulo. S.P. 29/06/1948.
______. Obras recentemente atribuídas ao Aleijadinho. In O Estado de São Paulo. 22/06/1948.
______. Novidade sobre o Aleijadinho. In A Manhã. Rio de Janeiro, 23-07-1943.
CASTEDO, Leopoldo. A constante barroca na arte brasileira. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Federal de Cultura. Rio de Janeiro. 1987.
FLUSSER, Vilém. A perda da fé. In Ficções Filosóficas. São Paulo: Edusp. 1998.
HILAIRE, Auguste de S. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Tomo 1º. Trad. Clado Ribeiro de Lessa. São Paulo/ Rio de Janeiro/ Recife/ Porto Alegre: Cia Editora Nacional.
1938.
JORGE, Fernando. Notas sobre o Aleijadinho. São Paulo:
Brusco e Cia. 1949.
LATERZA, Moacyr; VIEGAS, Sonia Maria. O Aleijadinho e o Barroco da Alegria. In O Estado de Minas, Caderno Pensar, 25/12/1999. p. 2.
M. FILHO, José. Antônio Francisco Lisboa. Rio de Janeiro:
[s.m.] 1943.
MACHADO FILHO, Aires da Mata. O enigma do Aleijadinho. Rio de Janeiro: José Olimpio. 1975.
MELO, Suzy de. Barroco mineiro. São Paulo: Brasiliense, 1985.
OLIVEIRA, Myriam A. R. de. A arquitetura e as artes plásticas no século XVIII brasileiro. In O universo mágico do Barroco brasileiro. São Paulo: Sesi – Serviço Social da Industria. Divisão de Desenvolvimento Sociocultural. Curadoria e Pesquisa. Emanoel Araújo. 1998.
______. A obra do Aleijadinho em Congonhas. Revista no especial. O Aleijadinho – Belo Horizonte: Conselho Estadual de Cultura. Minas Gerais. 1983. pg. 12.
______. Escultura colonial brasileira: um estudo preliminar.
In. [s,m.t.].
______. Escultura no Brasil colonial. In O universo mágico do Barroco brasileiro. São Paulo: Sesi – Serviço Social da Industria.
Divisão de Desenvolvimento Sociocultural. Curadoria e Pesquisa.
Emanoel Araújo. 1998.
______. Notas sobre Rodrigo José Ferreira Bretas. MEYER, Claus. Fatos de Claus Meyer, texto de Rodrigo José Ferreira Bretas:
comentários de Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira. Rio de Janeiro:
Livro arte. 1984.
PIANZOLA, Maurice. Brasil Barroco. Rio de Janeiro/ São Paulo: Record. 1975.
VASCONCELOS, Silvio de. Vida e Obra de Antônio Francisco Lisboa: o Aleijadinho. São Paulo: [s.m.] 1979. S.D.
ZANINI, Walter. org. História geral da arte no Brasil. Vol. I.
São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles. 1983.


LABOR CLUBE DE MONTES CLAROS

Geralda Magela de Sena Almeida e Sousa
Cadeira N. 34
Patrono: Eva Bárbara Teixeira de Carvalho


JUVENTUDE, COMPANHEIRISMO E SERVIÇO - UM EXERCÍCIO DE CIDADANIA

O LABOR CLUBE ainda hoje é lembrado por todos que o conheceram como um grupo representativo de jovens da sociedade montes-clarense, nas décadas de 1960/1980, que viveu o companheirismo e o serviço à comunidade como um traço forte que lhe caracterizou e possibilitou prosseguir na memória de muitos e fazer parte da história da cidade.

UM CLUBE PRA SERVIR

Labor Clube foi o nome dado ao clube de serviço formado por elementos do sexo feminino, solteiras ou casadas, com a idade mínima de 16 anos. Fundado pela primeira vez em 21 de novembro de 1959, em Governador Valadares (Minas Gerais), pelo orbiano Ronald Amaral teve como primeira presidente a senhorita Semírames Gomes. O Labor Clube de Montes Claros foi criado em março de 1963. Era semelhante a outros já existentes como o Rotary Club (um dos mais antigos), o Lions Clube e o Orbis Club (este com suas atividades suspensas em Montes Claros há alguns anos).

COMEÇOU ASSIM...

Em 27 de dezembro de 1962 o “O Jornal de Montes Claros” sob o título: “ORBIS VAI FUNDAR O LABOR CLUBE”, noticiou, pela primeira vez a intenção de se criar um clube de serviço composto só de moças, unidas pelos mesmos ideais do Orbis Clube. Desde maio de 1960 o Orbis Clube já existia em Montes Claros, por uma iniciativa do saudoso rotariano Hildebrando Mendes e agregava jovens do sexo masculino entre 18 a 26 anos de idade.

Era 29 de março de 1963, quando na residência de Raquel Barroca Peres, um grupo de moças, iniciava as reuniões preparatórias para a criação do Labor Clube, em nossa cidade, nos mesmos moldes em que já funcionava o Orbis Clube. E em maio deste mesmo ano, em reunião festiva, com a presença do Rotary Club, Orbis Clube e diversas autoridades montes-clarenses tornou-se então oficialmente criado e instalado o LABOR CLUBE de Montes Claros.

O Grupo Fundador reunia, com idade entre 18 a 24 anos, as seguintes jovens: Branca Dias Neto, Beatriz Dias Santos, Carmem Lúcia Tupinambá Alves, Elizabeth Lüscher de Castro, Geralda Magela de Sena Almeida, Josefina Pereira de Carvalho, Lúcia Teixeira de Souza, Magda Vasconcelos Nascimento, Maria Elizabeth Brant Maia, Maria de Jesus Brant Maia, Miriam Veloso Milo, Neusa Gonçalves Dias, Neusa Linda de Mendonça e Paula, Rachel Barroca Peres, Yolanda Caldeira Fróes e Wanda Maria Fernandes Carvalho.

Eram jovens de diferentes famílias e idades que tinham, no entanto, a mesma alegria de viver, despreendimento e disponibilidade para o servir. Com o ideal de estimular o companheirismo e o trabalho voluntário, num exemplo de compromisso, boa vontade e preocupando-se já naquele tempo com as desigualdades e a paz no mundo, as laborianas punham-se ao trabalho de convivência e construção comunitária sob o lema: Viver, amar e servir.

JUVENTUDE, UM LEMA, UMA CANÇÃO , UMA BANDEIRA O HINO DO LABOR, quando entoado, conseguia destacar e exaltar no coração de cada laboriana a importância cidadã de ser parte de um grupo que conseguia inserir nas prioridades de sua vida e juventude, o serviço ao outro e a comunidade. O orgulho que emergia aos primeiros acordes do seu hino era o de servir à Pátria, um sentimento quase em desuso nos dias de hoje: Somos do labor, proclamamos com ardor /Formamos juntas grandioso colmeal / Nosso estandarte é esperança e amor /Nossa divisa é nossa força triunfal. E em coro continuavam: Avante, avante vamos pois cantar / Avante unidas vamos pois servir / E proclamar esta verdade tão sublime /De muito dar sem nada em troca exigir. A consciência de grupo se materializava na figura incansável e laboriosa das abelhinhas (como eram também chamadas).

A bandeira do LABOR CLUBE era retangular, branca, com o símbolo do clube ao centro. Símbolo, que também se repetia no Distintivo de Lapela.

No Labor Clube de 1960/1970 – Não importava o por que ou para que, se a reunião era do Labor bastava chegar uma laboriana, outra, a Nenenzinha, a Magela, a Regina que, num repente, puxavam o canto: Esqueça...e o violão soava forte acompanhado pelo coro animado do restante do grupo que fazia valer o grito de guerra do Labor. Podiam ser reuniões administrativas, festivas, saídas ou voltas dos serviços comunitários, que a “nossa música” reforçava o entusiasmo e a união necessária ou sinalizava a volta à casa e o descanso merecido. Quando após os aniversários os companheiros orbianos conduziam as laborianas até suas casas, “pelas madrugadas” (11, 12 horas da noite), o violão estava junto e os versos do “... Esqueça, esqueça os males!...” entremeava as canções da época, e pelas ruas tranqüilas e desertas embalava o sono da cidade que àquela hora já se encontrava adormecida.

O Labor cresceu em ação e serviço. Seu nome extrapolou os limites de Montes Claros. Por estes sertões do Norte de Minas, o Labor Clube iniciou sua expansão: Pirapora, Francisco Sá, Janaúba e Bocaiúva, sendo encontrado ainda em Curvelo e Sete Lagoas.
As dificuldades não as esmoreciam. Se era uma solicitação para ajudar um irmão ou para melhorar a cidade, era com alegria e disposição que sempre se apresentavam. O envolvimento e entusiasmo eram tanto que amigos, irmãos, namorados (e, mais tarde, maridos) perfilavam-se ao lado como fiéis colaboradores e eram carinhosamente chamados de co-laborianos. O serviço à comunidade se fez de forma mais concreta no Bairro Maracanã. A comunidade nessa época era constituída de umas cem casas, pobremente assentadas, distribuídas espaçadamente aqui e ali, em clareiras abertas no matagal dos lotes não cuidados. A população era muito pobre. Mas o Labor buscando e agregando parcerias construiu com osparceiros os alicerces daquele bairro : formação de clube de Jovens, de Mães, criação de Lactário, da Horta Comunitária, ativação de Posto Policial, instalação do Conselho Comunitário foram parte dos melhoramentos que surgiram do trabalho e dedicação daquelas jovens.

Transbordante de alegria e entusiasmo de viver e servir o Labor Clube cresceu tal qual uma colméia. O pequeno e inicial enxame de abelhinhas (como eram carinhosamente denominadas) multiplicou-se, expandiu-se, voou nos espaços em redor. Um dia o enxame ganhou ares e desapareceu dos Montes Claros. Mas o doce mel permaneceu escondido nos favos da memória montes-clarense.

Uma memória que pode estar ameaçada de destruição diante da perda de referenciais teóricos. BITENCOURT (2001:138 -145) alertando para o perigo de destruição do passado e da perda de referenciais históricos por parte dos jovens, enfatiza a importância do historiador neste final de milênio : Quase todos os jovens crescem
numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. (...) somente a partir do momento em que a sociedade resolve preservar e divulgar os seus bens culturais é que se inicia o processo de construção do seu ethos cultural e de sua cidadania.

Grupo de laborianas em reunião festiva, Ano: 1973.
FONTE: Acervo particular do Labor Clube de Montes Claros.


Em pé da esquerda para direita: 1. Wilma Sanches, 2. Magna Casassanta, 3.
Aparecida Jorge, 4. Maninha Cardoso, 5. Zulma Ribeiro, 6. X Mourão, 7. Julinha
Lafetá, 8. Renata Brito, 9. Miriam Veloso Milo, 10. Geralda Magela de Sena
Almeida, 11. Marinilza Mourão, 12. Almerinda Tolentino, 13. Carmem Lúcia
Marques, 14. Maria de Fátima Guimarães, 15. NI, 16. Rosália Gomes.


Obituário

HISTORIADOR JOÃO BOTELHO NETO

Dr Haroldo Lívio de Oliveira
Cadeira N. 82
Patrono: Nelson Viana

Finados. O pavilhão brasileiro hasteado a meio pau, na entrada da Câmara dos Vereadores, em São Francisco, confirmava o decreto de luto oficial de dois dias pelo falecimento do ex-vereador João Botelho Neto, notório pesquisador da história local e ecologista consagrado. Merecidamente homenageado pela municipalidade e aplaudido por todas as pessoas que o estimavam e admiravam, seu nome está imortalizado na galeria dos beneméritos de sua cidade por ter sido guardião do patrimônio histórico e cultural e zelador vigilante da Natureza. Cogita-se de sua indicação para patrono do centro cultural a ser implantado no prédio do antigo Cine Canoas, ora fechado.

João Botelho Neto, um nome que jamais será esquecido pelas gerações sanfranciscanas, provém de tronco familiar tradicionalmente vinculado ao amanho da gleba e ao pastoreio, no sertãozinho do Pajeú. Foram seus pais o pecuarista Zezé Botelho, patrono do Parque de Exposições de São Francisco, e d. Emilia Neves Botelho. Nasceu em 31.01.1932, em São Francisco, e faleceu, em Montes Claros, em 01.11.2007, aos 75 anos de idade, querendo viver
mais algum tempo para completar sua obra de pesquisa histórica e ver o seu amado Rio São Francisco salvo da degradação que o ameaça. Ele era um homem que sonhava e trabalhava pela realização de seus sonhos.

Fez seus estudos no afamado Colégio São João, de Januária, e na Universidade de Viçosa, de onde saiu graduado técnico agrícola. Dedicou seu talento e as energias de sua juventude ao serviço público, nada exigindo em troca de sua dedicação. Exerceu a vereança em Brasília de Minas e São Francisco, gratuitamente, e chefiou gabinetes de diversos prefeitos, em seu município natal.


O historiador joão Botelho sendo diplomado no IHGMC


Sobretudo, apaixonou-se pela narrativa dos sábios naturalistas europeus que percorreram o Norte de Minas, no século XIX, tanto que pretendia publicar um estudo especial sobre a matéria que tanto o atraiu. Deixou livros publicados e também uma grande saudade. Era membro do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros e secretário da Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco – ACLECIA. Casou-se, em primeiras núpcias, com Áurea
Neves de Oliveira, com quem constituiu família. Enviuvando, contraiu matrimonio com Joanita Cunha, que chora sua ausência.
Gozava de invejável reputação de cidadão e chefe de família exemplar, impondo-se ao respeito geral. Fundou a ONG Preservar, cujo nome diz tudo: preservação dos bens culturais e naturais para manter viva a memória de um povo rico em tradições. Sabe-se que o eminente historiador Braziliano Braz registrou atos e fatos ocorridos no passado de São Francisco. E que o pesquisador João Botelho Neto batalhou para que a história local não caísse na vala comum do esquecimento coletivo.


Sua alma partiu para a Eternidade, no dia de todos os santos. E seu corpo desceu ao jazigo, no dia de todos os finados.


SECOS E MOLHADOS

Talvez por ser a Cidade da Arte e da Cultura, assim batizada pelo teatrólogo Reginauro Silva, Montes Claros mantem-se uma cidade pra lá de civilizada, onde sempre se comeu e se bebeu do bom e do melhor. Esta vetusta tradição de caprichar nos comes e bebes vem de muito longe. Vem desde os primeiros albores da vida urbana, por ocasião da elevação da vila as honras de Cidade do Império do Brazil, em 3 de julho de 1857. Consta, nos anais da história, que houve retumbante comemoração cívica seguida de farto regabofe.

O montes-clarense de antanho fazia questão de acompanhar as novidades da culinária, que vinham de Paris via Rio de Janeiro. Nossos historiadores noticiam um banquete a rigor oferecido ao ministro da Viação, nosso conterrâneo Francisco Sá, em 1924, faltando apenas dois anos para a chegada dos trilhos da EFCB. Cumpriu-se, rigorosamente, o protocolo observado em recepções oficiais. Todos os cavalheiros de traje passeio completo e todas as damas vestindo a toalete do “dernier cri”. Evidentemente, que o cardápio foi escrito em francês e a cozinha parisiense foi copiada, no que apresentava de mais deliciosas iguarias. O champanhe Veuve Clicquot jorrou e o ágape foi aberto com o brinde de praxe em honra do Presidente da República. Isto prova, historicamente, que o povo de Montes Claros sempre esteve na vanguarda de costumes fidalgos, notadamente no que diz respeito à cozinha e bodega.

Ao longo do tempo, sempre tivemos ótimos bares e restaurantes. E notáveis cozinheiros, registre-se por questão de justiça. Quando aqui cheguei, em 1953, já havia locais afamados pela excelência da mesa. O maitre Pedro de Alcântara Valério, que veio do Rio, pontificava no ramo. Em seguida, vieram o Acaiaca, o Mangueirinha, o Mangueirão e o Intermezzo, entre outros que marcaram época, nos Anos Dourados.
Atualmente, Montes Claros é uma verdadeira metrópole da gastronomia. Os moradores da cidade e os visitantes, elogiam o alto nível dos restaurantes e “buffets”, que oferecem cozinha de padrão internacional.

Embora não seja da minha conta, não consigo entender porque empresas locais , às vezes, contratam “buffets” de outras localidades para suas recepções. Recentemente, veio um de São Paulo trazendo até as cadeiras, como se não dispuséssemos de estabelecimentos capacitados para atendimento nota 10. Pode ter sido falta de informação sobre nossas tradições culinárias e experiência na arte de receber. Resta a certeza de que essas empresas, caso venham a conhecer a prata da casa, chegarão à conclusão de que buscar “buffet” lá fora é jogar dinheiro pela janela. Ressalva-se, entretanto, que o dono do dinheiro pode gasta-lo como bem entender. E que isto não é da conta de ninguém...


O ROMÃOZINHO DE PORTEIRINHA

Itamaury Teles
Cadeira N. 84
Patrono: Newton Prates

Quando Porteirinha ainda era distrito de Grão Mogol, em 1926, acontecimentos estranhos, atribuídos a um suposto romãozinho, deixaram em polvorosa não só a residência do casal Filogônio Telles de Menezes e Guiomar, mas também boa parte da
pequena população do lugarejo.

Geraldo Telles, filho primogênito, tinha pouco mais de seis anos e assistiu a muitas das estripulias do chamado romãozinho, tendo “dele” recebido algumas moedas de cobre. Às vezes, como declarou tempos depois, fazia-se passar por “ele”, atirando cacos de telha nos transeuntes, escondido nas ramagens de uma frondosa mangueira. Mas ficava apenas nisso.

No livro “Montes Claros, sua história, sua gente, seus costumes”, do historiador montes-clarense Hermes de Paula, há uma breve referência a esse acontecimento. Sob o título “Entes Sobrenaturais”, em uma linha e sem maiores detalhes, o Dr. Hermes
informa que “em Porteirinha surgiu um romãozinho que ficou famoso”.

Isso dá bem a dimensão que o caso tomou, no âmbito regional, pois a primeira edição do livro somente veio a lume após mais de trinta anos, na década de 50. Segundo o historiador De Paula, “depois de uma investigação rigorosa, verifica-se que o romãozinho não passa de uma criança, residente na própria casa, dotada de um grande poder de simulação, que consegue ir ludibriando a todos”.

O Padre Quevedo, não faz muito tempo, desvendou um suposto caso de romãozinho no “Fantástico”, provando, com utilização de câmeras escondidas, toda a farsa perpetrada por uma adolescente, que derrubava holofotes da equipe de filmagem e armários da casa, de maneira muito bem dissimulada.

Mas os fatos ocorridos em Porteirinha têm peculiaridades que continuam aguçando a curiosidade dos estudiosos. Há uma busca incessante de explicações plausíveis no campo da ciência para os fenômenos de combustão espontânea, levitação, aparecimento de objetos e telecinese. Até hoje, contudo, permanecem nas denominadas fronteiras do desconhecido.

Cientistas costumam fazer vistas grossas a essas manifestações, pela impossibilidade de explicá-las. Uma velha piada mostra, com efeito, um cientista contemplando um ser humano a levitar. Por não entender o fenômeno, o sábio olhou o que levitava e disse:

- É, é mesmo interessante. Mas enquanto não houver explicação científica, isto é inconcebível. E foi com o espírito desarmado para julgamentos que, em pleno Natal de 1976, buscando obter maiores detalhes sobre o suposto Romãozinho, gravei entrevista com o Sr. Filogônio Telles, à época dos acontecimentos um próspero dono de tropas. Já cego e rondando a casa dos oitenta anos, lembrou-se, com detalhes, como ocorrera a primeira manifestação dita sobrenatural.

Estava ele em um quarto, quando um cepo de madeira lavrada, medindo 15 cm X 15 cm e com meio metro de comprimento, caiu no chão. Ele ficou bastante intrigado com o fato, pois aquele pedaço de madeira não poderia ter passado por lugar algum. O quarto estava totalmente fechado e não havia uma fresta sequer no telhado.

Os Telles moravam em numa enorme casa de esquina, onde hoje existem vários imóveis comerciais, que pertencem ou pertenceram aos descendentes do Sr. Pedro Caires, na antiga Praça da Bandeira, em Porteirinha. Foi ali que as principais manifestações ocorreram, durante exatos e longos 90 dias.

Nesse período, segundo o Sr. Filó, muito café coado e muita comida pronta eram sistematicamente postos a perder pelo romãozinho, que misturava ingredientes pouco convencionais nas panelas: cumbuca seca de limão, estrume de cavalo, pedaços de couro cru, osso para fazer sabão etc.

As coisas só começaram a melhorar um pouco no seio familiar após a passagem de um amigo baiano, que ensinou o Sr. Telles a separar, primeiro para o romãozinho, tudo que se fizesse em casa.

Daí para frente, podia-se ver marcas de dedo de menino de dois anos sendo formadas na farinha colocada em pratos esmaltados e a xícara movimentando-se sozinha no ar, como se alguém invisível estivesse a tomar café, “com toda delicadeza”, segundo o relato do Sr. Telles de Menezes.

O romãozinho não limitou sua atuação apenas no âmbito da família do Sr. Filogônio.

A sua primeira “diabrura” externa ocorreu em um açougue. Notando a falta de uma grande manta de carne de sol que preparava, o açougueiro Adelino ficou espantado, pensando ter sido vítima de furto. Mas, enquanto matutava, começou a sentir cheiro de carne assada. Quando olhou para o meio da rua, lá estava a carne, que sumira do gancho, girando sozinha em forquilhas de madeira, sobre uma pequena fogueira. O homem ficou quase maluco com o que vira...

As mulheres do lugar decidiram rezar o terço, diariamente, pedindo para que aquela “atentação” acabasse. Num desses encontros noturnos de oração, num salão da casa do Sr. Terêncio Rodrigues, quando começaram a rezar a ladainha, apareceu, de repente, sobre a cabeça de uma mulher conhecida por Mocinha, um gato preto, que causou grande confusão e acabou com a reza.

- Miaaaaaaaauuuuuuu!!!!

O gato saiu pulando e miando, de cabeça em cabeça, e Farofa (Anfilófia), irmã de Serrote (Sesóstris Lima), correu com o felino, agarrado em sua touca, para o meio da praça, largando pra trás seus chinelos, que só foram encontrados no dia seguinte.

Noutra ocasião, Chiquinha, criada dos Telles, chegou gritando:

- Madrinha, tão pondo fogo na roupa ali no arame!

O Sr. Benedito Fernandes, que se encontrava por perto, pediu uma bacia d’água para apagar o fogo. Quando atirou a água sobre as vestes em chamas, parecia ter jogado gasolina. Aí é que o fogo crepitou vigoroso e só se viam os botões de madrepérola caindo, um a um, das melhores roupas da família.

O romãozinho tinha uma maneira peculiar de demonstrar sua presença: manifestava-se jogando torrões nas orelhas das pessoas. Nessas ocasiões, os importunados faziam pedidos e eram prontamente atendidos:

- Ao invés de jogar torrão, porque não me manda um pedaço de sambaré? – pediu um comerciante que necessitava colar um dinheiro velho com aquela cola natural, parecida com um broto de cana, encontradiça nas cercanias da Cachoeira do Serrado e do Pico Sanharó.

- Foi só falar e “vapt”, o sambaré apareceu na hora – relata o Sr. Filogônio.

Certa vez, o menino Geraldo pediu dinheiro em lugar dos torrões que recebia na orelha e caíram dois cobres. Comprou bananas e, quando as comia, segredou a um amigo que havia adquirido aquelas frutas na venda do “seu” Eduardo, com dinheiro que ganhara do romãozinho. O menino correu para lá e perguntou ao comerciante se o filho de Filó havia comprado bananas em sua mão:

- Comprou. Com um dinheiro velho, azinhavrado!

- Romãozinho que deu ele – revelou o inconfidente.

- Ave, Maria!!! – espantou-se “seu” Eduardo, dirigindo-se à gaveta para lançar fora aqueles cobres, nada mais encontrando.

Como era muito religioso, mandou fazer um grande cruzeiro de aroeira e o fincou no meio da Praça Tiradentes. Até meados da década de 60 essa grande cruz de madeira estava lá. Depois, foi retirada para a construção de um jardim e levada para o cemitério velho, onde jaz esquecida...

Outra ocorrência relatada pelo Sr. Filogônio Telles: o romãozinho pegou um cachorro preto, de sua propriedade, e bateu tanto que ele nunca mais voltou a guardar a residência do antigo dono. Mudou-se definitivamente para a casa de um camarada, ajudante da tropa. O cachorro ficava suspenso no ar, com o cabo esticado pra cima, como se houvesse alguém invisível a segurá-lo por ali. Ele gania, chorava e urinava, enquanto o romãozinho metia a taca, sem dó nem piedade...

Houve um caso de um rapaz, chamado Hildebrando, que estava “pilando a dois” com a criada Chiquinha. Começaram a discutir e ele deu um “pescoção” nela. Nesse exato momento, ouviuse um grande barulho e o agressor ficou totalmente cercado por cacos
de garrafas.

- Do pilão pra cá fez-se uma argola e ele não podia se mexer. Tivemos que arranjar uma tábua, abrindo um canal, para ele sair... - relembrou-se o velho tropeiro.

A mesma Chiquinha fora um dia à casa do Sr. Natinho, “próximo de onde era o mercado velho, abaixo da casa do Sr. Nezinho Nogueira”. Lá chegando, pediram a ela para lavar algumas vasilhas que estavam numa gamela. Quando ela apanhou a gamela, “apareceu
um fogo, 50 vezes mais claro que a luz do sol, que doía a vista. Essa “coisa” tomou dela a gamela num barulho medonho” – continuou “seu” Filó.

Depois de tantas ocorrências desagradáveis, o Sr. Filogônio viajou para Montes Claros, em busca de solução para aqueles insólitos acontecimentos. Ali, encontrou-se com o médium Cícero Pereira e algumas orações foram feitas, sem resultado prático. Após, rumou-se para Campinas-SP, onde obteve algumas explicações sobre as prováveis causas do fenômeno. Soube que todas aquelas manifestações tinham relacionamento com a menina que criava, considerada no meio espírita uma “médium transporte”, capaz até mesmo de receber receita médica de um espírito. Era, como diziam, um elemento bom.

Antes mesmo de mudar-se para São Paulo, casada prematuramente aos 13 anos, Chiquinha recebeu uma mensagem pintada com tabatinga em seu cobertor: Mariano longe. Interpretaram-na como sendo o provável nome daquele suposto ente sobrenatural.

O certo, porém, é que essa mensagem escrita foi a última manifestação do romãozinho de Porteirinha.

 

DOCUMENTO HISTÓRICO


Diploma de nomeação para a Guarda Nacional - Domiciano Ferreira Pimenta
(Montes Claros de Ontem e de Hoje - Yvonne Silveira e Zezé Colares, página 26)


BREVE HISTÓRICO DA AVIAÇÃO DE MONTES CLAROS

Juvenal Caldeira Durães
Cadeira N. 81
Patrono: Nathércio França

 

o fim da década de trinta, eu estudava numa escolinha coberta com telhas comuns, piso de chão batido e mantida pelos nossos pais. Era situada numa localidade chamada de Boqueirão, próxima ao Cantinho, fazenda de meu pai hoje, pertencente ao 55º Batalhão de Infantaria do Exército Brasileiro. A nossa professorinha chamava-se Maria e na sua ausência, nós a chamávamos de Mariquinha Baixinha, por que ela ombreava conosco com sua pequenina estatura, apesar de pertencermos a faixas-etárias bem diferentes. A idade média da turma era de dez anos de idade e ela era uma quadragenária.

Numa tarde daquelas, nós estávamos absortos diante de uma avaliação escolar, dadas pela nossa rigorosa mestra, de poucas palavras e de semblante triste. Mas, a nossa concentração, apesar de profunda, foi quebrada, repentinamente, com roncos fortes e
estranhos sobre o teto do casebre que nos servia de escola. A professorinha, também assustada, não teve como nos impedir de abandonar o recinto e nossas tarefas, destinadas à avaliação daquele mês. Quando alcançamos o terreiro naquela correria desordenada, ainda conseguimos avistar duas máquinas voadoras desaparecendo sobre as copas das árvores das mediações e na direção de Montes Claros.

A professora não sendo capaz de conter-nos naquele momento de balbúrdia provocada por um acontecimento que nos estarrecera, não teve alternativa a não ser, soltar-nos mais cedo naquela tarde inesquecível que nos encheram de espanto e de curiosidade.

Eu e alguns colegas das mesmas bandas seguimos às pressas para darmos a alvissareira notícia as nossas respectivas famílias. Nós sempre parávamos no rio Matias para uma nadada refrescante em suas águas límpidas e correntes, quando saíamos das aulas. Naquela tarde foi diferente, passamos a galope pelas correntezas da saudosa ribeira e mais adiante, cada um seguiu o seu caminho, apressado, rumo à casa, a fim de levar a notícia aos familiares. Mas, toda a vizinhança já estava inteirada da novidade e, também, alvoroçada.

Finalmente, cheguei à nossa casa e apesar do fato ser de conhecimento de todos, eu fiz questão de contar tintim por tintim, sem perder nenhuma passagem de udo que havia acontecido na escola, naquela tarde ensolarada. Eu não me continha, não parava de relatar o assunto, tirando risadas dos presentes, apesar de seus espantos. Depois daquele reboliço, o meu pai explicou-me que aqueles aparelhos voadores, até então desconhecidos na nossa região, chamavam-se aviões e que outros maiores existiam “lá prá cima” isto é, em São Paulo e Rio de Janeiro.

Volta à escola, recebemos pesado sermão da professorinha indignada com a nossa bagunça durante o acontecimento. Ela anulou a prova inacabada e deu-nos outra “caprichada”, em represália ao nosso procedimento, deixando-nos com baixas notas naquele mês. Mas, nada impedia o meu orgulho de saber um pouco mais do assunto com as explicações pacientes de meu pai e durante o recreio, cada um gabava-se mais do que o outro sobre o assunto.

Um vizinho estava trabalhando tranqüilo e despreocupado na roça no momento em que os estranhos aparelhos voadores passaram roncando sobre a sua cabeça. Ele, sem saber o que estava acontecendo, entrou em pânico e pensou que o céu estava desabando sobre a região. Atarantado com aquele barulho desconhecido, ele largou a enxada de lado e saiu correndo em debandada para acudir a sua casa ou morrer juntamente com a família. Naquela carreira desordenada, ele caiu numa ribanceira e sofreu escoriações generalizadas pelo corpo, o que dificultou a sua chegada para acalmar a família apavorada. Quando o visitamos, ele ainda estava um pouco assustado e com alguns ferimentos profundos. O seu braço direito quebrado na correria foi encanado com talas de madeira leve e enfaixado com uma tira de pano branco, pelos amigos.

Muitos anos depois, eu contando o fato para o meu amigo Wandaick Wanderley, ele explicou-me, com detalhes, muitas coisas a respeito da aviação de Montes Claros. E sempre acrescentava alguma coisa a mais em suas informações, durante o tempo que fomos colegas na faculdade e no magistério.

Ele disse-me, em nossas constantes conversas, que aqueles aviões que nos assustaram, tinham procedência da cidade vizinha de Bocaiúva, que acabava de inaugurar o seu campo de pousos para pequenos aviões. E disse ainda, para a minha surpresa, que um dos ocupantes daquelas aeronaves, era seu pai Flamarion Wanderley, que acompanhava seus instrutores.

Ele conta que, Flamarion Wanderley e seu colega Nathércio França, aproveitando do incentivo do Ministério da Aeronáutica, ingressaram-se na segunda turma da Escola do Aeroclube do Brasil, situada na Ponta do Calabouço, no Rio de Janeiro. Eles saíram brevetados e prontos para participarem dos primeiros grupos de pilotos civis do Brasil e também, para fundarem o Aeroclube de Montes Claros, no fim da década de trinta.

Wandaick disse que seu pai falava-lhe muitas coisas a respeito da aviação de nossa terra e contou-lhe que naquele dia, do nosso apavoramento na escola, eles, também, ficaram espantados lá de cima quando sobrevoavam a cidade, com um monte de pessoas lá embaixo todas de branco. Que só depois ficaram sabendo que eram os funcionários e os internos da Santa Casa que saíram dos leitos com suas vestimentas brancas para verem os aviões voando nos céus claros da cidade.

Em 1938, levado pela influência política de que já gozava José Maria Alkimim, Bocaiúva inaugurou o seu campo de pousos, primeiro do Norte de Minas, com dois aviões do Exército Brasileiro – tipo Waco biplano, pilotados por oficiais do Exército, que sobrevoaram, pela primeira vez, a nossa Cidade.

Em Montes Claros, após o acontecimento dos dois aviões que invadiram nosso espaço, construíram no final de 1938, um aeródromo com duas pistas perpendiculares de terra batida para pousos de pequenos aviões, no local onde, mais tarde, vieram a construir a atual pista. Uma pista daquelas tinha sentido norte/sul e a outra, sentido leste/oeste, que eram utilizadas de acordo com a direção dos ventos, nos momentos de pousos dos teco-tecos.

O Aeroclube de Montes Claros foi fundado oficialmente em 11 de junho de 1939, porém, suas atividades foram paralisadas no período de 1952/67 por motivo administrativo. Aquela Associação tinha trinta e dois sócios nas seguintes categorias: efetivos, honorários, beneméritos e remidos. E, recebeu da Campanha Nacional da Aviação patrocinada por Assis Chateaubriand, o avião Piper Club 65 – Prefixo PP-TMD, doado pela Prefeitura do Rio de Janeiro – Administração Henrique Dodsworth e, recebeu, também, a aeronave de prefixo PP-TTO, doada pela Colônia Israelita do Rio de Janeiro.

João Leopoldo conta, com certo orgulho, que seu pai Nathércio França e o amigo e colega de turma, Flamarion Wanderlei foram os fundadores do Aeroclube de Montes Claros, com sede provisória numa sala do 1º. andar da Casa Alves, localizada no centro da cidade. Conta ainda que, o piloto Nathércio foi obrigado a fazer uma aterrissagem forçada no meio do mato, com seu teco-teco, enquanto conduzia o advogado Dr. Carlos Mota a uma cidade vizinha. Todavia, foram socorridos por fazendeiros da região, sem maiores conseqüências. João lembra ainda das piruetas e vôos rasantes de seu pai e das apreensões de sua mãe com suas orações para proteger o marido extravagante.

A primeira diretoria do Aeroclube foi composta pelos fundadores:
Presidente: Levy Lafetá
Secretário: Álvaro Marcílio
Tesoureiro: Nathércio França
Diretor Técnico: Flamarion Wanderley
Presidente de honra: Antônio Teixeira de Carvalho.
As primeiras turmas tiveram como alunos:
Antônio Lafetá Rebello (Toninho Rebello), Ormezindo Lima (Maroto), Mário Rodrigues (Marinho Alvorada), Judith Alves (Juju), Mário Magnus Cardoso (Marinho) e outros, que formaram um grupo de destaque, dando início a aviação de Montes Claros.

Montes Claros é uma cidade simples, com seu centro antigo de ruas estreitas, mal cuidadas, com trânsito confuso e sem grandes atrativos turísticos. Por outro lado, ela cresce vertiginosamente, ampliando os seus recursos e seus bairros nobres. Além disto, é uma cidade cosmopolita, que abraça os seus filhos natos e de coração, dos quais, saem os mais ilustres homens que ficam na sua história com louvor, como esses precursores da aviação de nossa terra, que eu tive a sorte de conhecer e até de conviver com alguns deles, que aqui destaco:

Nathércio França era uma pessoa simpática, atenciosa, íntegra e de delicadeza incomum, dotes que me levaram a escolher o seu nome para patronear-me no Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros (IHGMC) e o que motiva a deter-me, um pouco mais, sobre a sua pessoa neste contexto:

Nathércio França procede de uma família tradicional da cidade de Araguari-MG. Ele nasceu em 05/09/1905. Foi transferido para a cidade de Montes Claros a serviço do Banco Comércio e Indústria S.A. em 1929, onde conheceu Antônia de Andrade Alves (Nina), filha do famoso casal Dr. João Alves e Dona Tiburtina, com quem se casou aos 26 anos de idade, em 1931, e tiveram um casal de filhos. Ele estagiou-se no Rio de Janeiro, com seu colega e amigo Flamariom Wanderley, onde foram brevetados e se tornaram pilotos civis do Brasil, com condições para fundar o Aeroclube de Montes Claros.

Nathércio França recebeu o título de Cidadão Montesclarense pela Câmara por ter desempenhado funções na comunidade, tais como:
- Um dos fundadores da aviação e do Aeroclube de Montes Claros
- Fundador do Rotary Clube Norte
- Secretário da Companhia Energética – MG.
- Secretário da CAEMC (Companhia de Água) e da Telemig.
- Foi componente da diretoria da Associação Comercial e Industrial de Montes Claros.
- Representante da RENNER, aproximadamente, 30 anos.
- Representante da CHEVROLET, 10 anos aproximadamente.
- Trabalhou na Nacional Aéreo, por 10 anos, além de outras.

Aos 46 anos de idade, o Sr. Nathércio perdeu a filha, Geralda Maria Alves França proveniente de uma cirurgia de apendicite. Com esse transe, ele abandonou a aviação em intenção à filha, que sentia certas apreensões, juntamente com sua mãe, durante seus vôos rasantes e piruetas sobre a Cidade.

Em 1958, ele estabeleceu a loja Renner, que teve continuidade com o filho João Leopldo. E aos 76 anos de idade, quando ele exercia a liderança espírita na Fraternidade Canacy, veio a falecer, vítima de um câncer de estômago. Deixou esposa, filho, nora, netos, netas e muita saudade.

- Flamarion Wanderley, outro piloto e fundador da aviação norte mineira, que merece ser lembrado. Ele era um homem robusto destemido, correto e de ações firmes. Contribuiu para o progresso da cidade com seu trabalho honesto e deixou uma família abastada e seguindo seus passos de honestidade. São meus amigos e o Wandaik, meu colega de faculdade e de magistério, por certo tempo, é meu compadre e grande amigo desde muitos anos.

- Mário Magnus (Marinho) é meu velho amigo e colega de trabalho na RFFS/A nos bons tempos daquela Empresa, hoje extinta pela calamitosa administração do país. Nós trabalhamos juntos no escritório do XM - RFFS/A, ocasião em que eu tive a oportunidade de desfrutar de sua amizade e de suas boas qualidades. Ele era empolgado com a aviação e queixava-se com sentimento de ter sido preterido quando se ofereceu para combater na linha de frente da Segunda Guerra Mundial como piloto de aviões de combate.

Ele iniciou seu curso na Escola Salgado Filho, no Rio de Janeiro e terminou no Aeroclube de Montes Claros, onde continuou atuando como piloto e como dirigente, depois de receber o brevet. Além de sua valiosa contribuição no aeroclube local, ele dirigiu as construções dos campos de pousos das cidades norte-mineiras de Almenara e de Grão Mogol.

Mário contou-me que certo dia, o avião TTO apresentara pequenos defeitos, que foram corrigidos por ele, sem maiores dificuldades. Então, o seu colega Toninho Rebello o convidou para eles testarem no ar, a sua revisão e assumiu o comando do aparelho. Ele assentou-se ao lado do companheiro ávido para pilotar e levantaram vôo. Sobrevoaram as mediações do aeroporto com tranqüilidade e no momento em que Toninho preparava para a aterrissagem, eles foram tomados de pavor com o avião desnorteado e caindo num matagal próximo ao campo de pousos, porém, sem maiores conseqüências, sorte que não teve o instrutor Rafael Frantaus que faleceu quando caiu com o avião que pilotava, nas vizinhanças da Cidade.

Na última vez que visitei o Marinho em sua casa, ele mostrou-se contente de rever-me. Lembramos de muitas coisas do passado e ele disse-me, “que nem todo mal é mal”. E justificou, relembrando com calma o seu passado como a queda do TTO e de tantas outras coisas que passaram pela sua vida e deu graças a Deus por ter sido rejeitado como piloto de combate na guerra nazista, o que provavelmente, o livrou da morte prematura. Hoje, ele, já com idade avançada, tem satisfação de dizer que vive tranqüilo e desfrutando das benesses da vida ao lado de seus entes queridos e com muitas histórias para contar.

- Antônio Lafetá Rebello (Toninho Rebello) foi outro aluno que merece destaque. Além de destacar como piloto e colaborador do aeroclube, foi homem honesto e um dos mais brilhantes e melhores prefeitos de Montes Claros, em suas duas gestões positivas.

- Ormezindo Lima (Maroto), outro aluno que merece menção. Deixou o seu nome consagrado pela sua atuação no aeroclube e como participante no progresso da cidade, servindo a comunidade com seu carro de praça, por muitos anos.

- Mário Rodrigues foi aluno de destaque no aeroclube e também, próspero industrial da cidade, com sua preciosa manteiga Alvorada, o que lhe deu o apelido de Marinho Alvorada.

- Dona Judith Alves (Juju). Primeira mulher no Norte de Minas a participar do aeroclube e receber o brevet, vencendo os preconceitos da época em relação à mulher, com coragem e determinação. Não a conheci, mas sei que ela vive no Rio de Janeiro, forte e com seu perfil de mulher de ação.

Muitos outros nomes mereciam ser citados e comentados, porém, deixo de mencioná-los por não ter as necessárias informações.

Atualmente, o Aeroclube de Montes Claros, depois de sua interrupção temporária, encontra-se numa nova fase de prosperidade, apesar de ter perdido suas antigas aeronaves de maneira trágica e possuir, no momento, um avião CESNA 150, doado pelo empresário Walduck Wanderley, a pedido do então diretor Mário Magnus. O Aeroclube utiliza, também, um Skydive 180, 250hp pertencente ao atual presidente Jorge Lúcio. Há, ainda, um Echo ultraleve avançado de 100hp de propriedade de Walas Rodrigues de Souza.

O velho aeroporto funcionou no período de 1939/61. O atual, que leva o nome do ex-prefeito “Mário Ribeiro”, foi inaugurado posteriormente e conta com aparelhos adequados e modernos equipamentos. Conta ainda, com uma pista asfaltada dentro dos padrões oficiais e balizamento apropriado. Tem uma infra-estrutura capaz de suportar aviões de tamanhos consideráveis com segurança e eficiência. É administrado pela Empresa Brasileira de Infra-estrutura Aeroportuária (INFRAERO), desde 1980, atividade exercida, anteriormente, pela Prefeitura Municipal. O Sítio Aeroportuário tem uma área de quase dois milhões de metros quadrados. Sua pista é de 2100m de comprimento por 45m de largura. A maior parte deste terreno foi adquirida da família do empresário Armênio Veloso e a outra parte, da fazenda de propriedade da família de João Mendonça.

A partir de 1942, o aeroporto de Montes Claros recebeu a PanAir do Brasil, primeira empresa a instalar-se em Montes Claros. Ligava a nossa cidade a Belo Horizonte, a Salvador e a Recife. Posteriormente, veio a Nacional Serviços Aéreos, em 1948. Em 1974, a VARIG implantou o jato na região com o Boeing 737, com capacidade para transportar 109 passageiros e seis toneladas de bagagem e cargas. Em 1977, interrompe seu movimento por motivo de infra-estrutura das pistas, sendo atendida as suas exigências com a ampliação do aeródromo, ela volta a operar, mas, alegando dificuldades financeiras, encerrou, definitivamente, em 2004 as suas atividades locais. A Nordeste Linhas Aéreas, em 1977, instalou em Montes Claros por certo tempo. Atualmente, Montes Claros conta, com a companhia Total Linhas Aéreas e a OceanAir.

Assim, fiz uma revista superficial e breve da aviação de Montes Claros, com a intenção maior de dar algumas informações essenciais do passado e de homenagear os ilustres pioneiros daaviação do norte de Minas. E, para alcançar o meu propósito, usei as informações que tive de meus bons amigos e das claras lembranças que ainda carrego desde aqueles saudosos tempos de infância que passei nesta Cidade, onde nasci no final da década de vinte e que desfruto, ainda hoje, da generosidade de seu povo e da bondade de Deus.


Nathércio França


Nathércio França


SAUDADES DO AGRESTE

Karla Celene Campos
Cadeira N. 14
Patrono: Arthur Jardim de Castro Gomes

De dentro da minha estante de tesouros e preciosidades retiro, com mãos cuidadosas e respeito profundo, um LP que se encontra, como outros bolachões nestes tempos de internet e de CDs, coberto de poeira.

O pó acumulado com o passar das décadas, uma vez transferido para as minhas mãos, anuncia a chegança de uma saudade que acessa a memória e provoca uma viagem com destino a um momento especial na história cultural do Norte de Minas: o surgimento do Agreste, grupo que, nos rastros do Grupo Raízes coordenado por Charles Boavista e Tino Gomes, abrigou, nos anos 80, poetas, músicos e cantadores. E cativou o país, cantando em nossa língua as coisas da gente daqui.

O nome do LP, Chegança, é também título da última faixa do lado B - (lembra que os velhos vinis tinham o lado A e o lado B? As novas gerações desconhecem palavras como: vira o disco lá...). E a canção Chegança, de Gútia, chamava: Vem, que é chegada a hora / Retome a sua estrada / Levante o seu cantar / Já não se prende em gaiola / O pássaro-verdade / Que eu não vi a voar./ Vem pr’eu te contar / As coisas do lugar / (...) Pouco importa a chaga aberta / Deus é pai, mas não conserta / O que o homem fez criar / Vem pra me ajudar / Nas coisas do sertão / O chão rachando seco / Um filho magro, uma oração.

E coerente com a letra de Chegança, a foto em preto e branco da capa mostra casinhas antigas e miúdas assistindo à passagem de homens e mulheres, alguns com guarda-chuvas abertos numa proteção contra o sol do sertão, na Praça da Matriz, irreconhecível na velha foto. A legenda sob o retrato esclarece:


Procissão e prece a S. Sebastião pela terminação da seca em Montes Claros.
Janeiro de 1904. Foto do arquivo de Téo Azevedo.

Gravado em setembro de 1982, no estúdio Mosh, em São Paulo, Chegança, 2o. LP do grupo, com participação de Wanderdaik, vinha coroar a saga de Manoelito, Braúna, Sérgio, Pedro Boi, Tom Andrade, Chorró e Gútia, que no dia 7 de janeiro de 1977, após a realização do I Festival Universitário da Canção Popular (FUCAP), em Montes Claros, formaram o grupo. O livro da moda, Tieta do Agreste, de Jorge Amado, displicentemente esquecido num canto de mesa durante um encontro dos componentes, serviu de inspiração para o Braúna:

- Por que não colocar o nome do grupo Agreste?

Pronto. Estava batizado o grupo musical que romperia as fronteiras de Minas Gerais; que teria a atenção de um dos mais respeitados dentre os críticos musicais do país, J. R. Tinhorão, que no Jornal do Brasil de 31 de março de 1981 tecia comentários favoráveis aos sete rapazes do Norte de Minas: Gútia, Pedro Boi, Tom, Zé Chorró, Sérgio, Manoelito e Braúna; que teria o 1o. LP comentado na seção MPB da revista Iris Foto, de São Paulo, de circulação nacional; que participaria de vários programas de televisão, como o Som Brasil, apresentado por Rolando Boldrin, na Rede Globo e no programa Hebe Camargo, no SBT; que faria o Brasil inteiro cantar Zumbi, obraprima que resume as vivências e os sentimentos do africano que, em nome da liberdade, desafia castigos e imposições:

No sacolejo do navio / Que cheguei aqui / Meio vivo, meio morto / Foi o que eu senti / O meu corpo lá jogado / Na pedra do porto / Meio vivo, meio morto / Mas não desisti / Pois quem nasceu pra ser guerreiro / Não aceita cativeiro / Por isso eu decidi / Enquanto os ecos dos tambores / Ressoam nos ares / Correndo na mata virgem / Vou
fundar Palmares / A sua chibata / Por mais que me bata / O meu corpo maltrata / Eu vou resistir / A sua chibata /Por mais que me bata / Se não me mata / Eu torno a fugir.

Zumbi, de Pedro Boi e Braúna, tornou-se a música de abertura da novela Rosa Baiana, apresentada na Rede Bandeirantes, num tempo em que o sucesso dos folhetins não era exclusividade da Globo. Além dessa, o grupo emplacou também na novela a canção
Jaíba, da mesma dupla de compositores.

Braúna, nascido em Nova Esperança; Tom Andrade, de São Francisco; Sérgio, Gútia e Wanderdaik, montes-clarenses; Manoelito, do Brejo das Almas ou Francisco Sá e Pedro Boi, de São João da Ponte, se faziam ouvir no Brasil inteiro:

Vou pegar o mundo e virar ao avesso / Vou juntar os homens num só mutirão / Vou chamar a vida pra brincar de roda / Vou ser seu amigo / Vou te dar a mão. Muitos foram os caminhos percorridos até a gravação do 1o. LP, lançado em 1980, pela Bandeirantes, sob a coordenação de Téo Azevedo. Desse primeiro disco faz parte Ponte Cigana, de Gútia e Braúna:

Não pode me entender / Quem nunca sentiu o cheiro / De terra molhada / Quando a chuvarada / Molha as terras do gerais. / Não pode me entender / Quem nunca matou a fome / Com raiz de macaxeira / E a fruta do ananás...

E, no espírito dessa canção, vale revelar um fato vivenciado pelos componentes do Agreste, durante estada em São Paulo, para gravar participação no programa do Boldrin. Sampa, com sua garoa, frio intenso e céu cinzento fazia aqueles filhos do norte experimentar o desamparo longe do sol do torrão natal. A solução seria aquecer o peito e matar a saudade com os litros de licor de pequi Corby embalados nas mochilas e capangas dos viajantes-cantadores. Mas, o que fazer se a poderosa Globo proibia o consumo de bebidas alcoólicas em seus estúdios? Simples: seduzir o diretor com a gostosura do precioso líquido... Deu certo. O diretor não só liberou o consumo como suplicou a Manoelito:

- Pelo amor de Deus, manda uma caixa desse negócio cá pra nós!...

Para a felicidade dos rapazes, o diretor pôde entender quem mata o frio e a saudade com o gosto do licor do pequi do gerais...

Não chega a ser /Um pontinho preto no mapa / Mas quando a gente se afasta / Coração pede pra voltar.

O sucesso era real.

Os organizadores de uma série de shows realizados na Praça da Sé, em São Paulo, em 1982, propagandeavam em boletim impresso:

Tendo nascido numa região das mais ricas culturalmente, o Norte de Minas, o Grupo Agreste tem como base de apoio as folias de reis, os aboios, os lundus, os cocos, os calangos e os ritmos dos catopês, marujos e caboclinhos, além das cantigas mais variadas cantadas pelos remadores das canoas e barcas do São Francisco. É um grupo que, além da paixão inicial pela música, procura mostrar a beleza da região preservando suas mais profundas raízes musicais quanto lingüístico-regionalistas.

Ultrapassando o campo da música, Quebra de Milho, de Tom Andrade e Manoelito, foi escolhida pelos autores do livro didático Trilhas da Geografia, da 7a. série, editora Scipione, para ilustrar referências à vida rural brasileira. Para se avaliar a grandeza dessa escolha, é preciso que seja dito que a canção que ilustrou a vida na cidade foi Música Urbana II, de uma das mais importantes bandas do rock nacional, a Legião Urbana, de Renato Russo.

A revista Minas Hoje, de Belo Horizonte, em sua edição de fevereiro de 1981 confirmava:

A boa aceitação do trabalho do Agreste em todo o País e principalmente no Norte de Minas, onde é tido como o cartão postal da região, pois cada componente legou ao grupo um pouquinho da característica de Francisco Sá, Montes Claros, São Francisco, Montalvânia, Pirapora, Januária, Janaúba e de cada canto do cerrado. (...) O Grupo Agreste não vai parar aí. Já está preparando, com muita calma e muito carinho, o seu segundo disco, uma gravação que certamente irá garantir-lhe um lugar no meio artístico brasileiro e mostrar para o Brasil as peculiaridades desse vasto Norte de Minas, uma região que precisa ser descoberta pelos brasileiros.

Pois é: veio o 2o. disco e, mais, não veio. Depois de Chegança, o grupo dissolveu-se. Chegada a hora de levantar vôo em direção a outras plagas e realizar shows em outras partes do país, já não havia um pensamento único dentro do grupo: divergências decretaram então o fim do Agreste.

Cada qual em cada canto, juntos não mais, só pra deixar na boca da gente o gosto das coisas boas que não ficam para sempre. Era o começo da década de 80. Como numa passagem de meteoro, o Agreste se desfazia quando ainda mal começava. Pelo jeito, nunca mais as páginas dos jornais mostrariam reportagens como a do Diário de Montes Claros, que noticiara, em primeira página, no dia 14 de setembro de 1979:

“Divisor de Águas” do Agreste estréia hoje. Um canto de esperança de uma geração que acredita na poesia. O show será apresentado no Centro Cultural, às 21 horas, pelo preço único de 50 cruzeiros.”

Do palco, num momento como aquele, os músicos, como que em transe, sentiam até a respiração de uma platéia também em transe.

Vinte anos depois, rebuliço no meio artístico-cultural de Montes Claros. O Jornal do Norte anunciava em agosto de 1999:
Agreste volta 20 anos depois.

Felipe Gabrich comemorava:

Cá estão eles: Manoelito, Pedro Boi, Braúna, Tom Andrade, Sérgio, Gútia e Zé Chorró. Autênticos sertanejos-ciganos. Os cabelos, nem tanto, mas as vozes continuam as mesmas. Assim como a mensagem de seus versos e a dolência de suas músicas, que nem os anos conseguiram matar. Bem-vindo, Agreste!

No Jornal de Notícias de 9 de julho de 1999, Luís Carlos Novaes anunciava:

Agreste volta com bagagem enraizada. Grupo tenta não deixar morrer toda a beleza do povo simples e esquecido do Norte de Minas.

Contrariando as superstições, o 13 de agosto de 1999, uma sexta-feira, foi noite de sorte para os fãs do Agreste. O lançamento do CD “Agreste, 20 anos depois” representava a esperança da volta.

O repórter Artur Júnior entrevistava lideranças culturais impregnadas de confiança: a escritora Amelina Chaves, por exemplo, confessava:

Estou emocionada com a volta do Grupo. Salve o Agreste!

Ivonne Silveira, presidente da Academia Montes-clarense de Letras, também comemorava:

A volta do grupo representa o que há de melhor em termos de música regional.
Téo Azevedo: O Agreste foi e continua sendo um dos mais importantes grupos que surgiram na cultura popular mineira. Foi uma pena que durou pouco tempo. Mas eu estou muito feliz com essa possível volta.

Charles Boavista: A volta do Grupo Agreste, 20 anos depois, representa a abertura de uma porta para que os músicos regionais voltem a compor canções que falem das nossas tradições e da nossa gente. Exemplo como este deve ser seguido e comemorado, pois foi um empreendimento cultural corajoso, que merece o respeito e a
atenção de todos os órgãos ligados à cultura.

A cantora lírica Maristela Cardoso: Parece que não passou o tempo e que o Grupo não se dissolveu. Fico muito feliz com esseretorno.

Retorno que, no entanto, não se concretizou. A sorte, para os fãs do Agreste, pousou mesmo somente na sexta-feira, 13 de agosto de 1999. Lançado o CD dos Vinte anos depois, que encantou o velho público e a nova geração, o Grupo não se refez, contrariando todas as expectativas.

Como no título de um dos seus grandes sucessos, A lenda do arco-íris (Veja morena, que belo arco-íris / Bebendo água no meio do rio / Chuva estiada, festival de cores / Beleza igual aqui nunca se viu...), o Agreste virou lenda, meteórico arco-íris a riscar o céu da nossa saudade.

Beleza igual aqui nunca se viu.


DE MINAS PARA A BAHIA

Lázaro Francisco Sena
Cadeira N. 55
Patrono: João Luiz de Almeida

Os registros são escassos, mas é certo que, ao final do Século XVIII, toda uma família, com “parentes e aderentes”, deslocou-se da região central de Minas Gerais para o interior da Bahia. Trata-se dos GOMES DE AZEVEDO, chefiados pelo Capitão e Comendador Domingos Gomes de Azevedo. A saudosa historiadora Helena Lima Santos, em sua magistral obra “CAETITÉ, Pequenina e Ilustre”, refere-se a esse “mineiro da região de Caetés, Mariana e Vila Rica” que, com a sua esposa Ana Joaquina Sofia de Jesus (ou de Azevedo), dez filhos e inúmeros parentes e amigos vieram para a região de Caetité, para fugir das perseguições impostas pelos governantes da Colônia, após o fracasso da Inconfidência Mineira em 1789. Tal era a expressão da comitiva migrante, que provocou mudanças significativas na incipiente cultura regional, quer nos usos e costumes locais, no domínio da agricultura e da pecuária, nas artes e na religião. Enfim, houve um salto desenvolvimentista, não só na sede do Município, em Caetité, mas principalmente no antigo arraial do Gentio, beneficiário das férteis vazantes do Rio Carnaíba de Dentro, onde a maioria da comitiva se estabeleceu. Em nossas pesquisas nos livros de nascimentos, batizados, óbitos e casamentos da Paróquia de Senhora Santana de Caetité, nada encontramos sobre os GOMES DE AZEVEDO antes do início do Século XIX, mas, a partir dessa época, tornou-se nome freqüente no registro desses eventos, a começar pelo grande número de casamentos dos que chegaram de Minas com membros das famílias tradicionais da localidade.

Nesta singela abordagem sobre a contribuição dos GOMES DE AZEVEDO para o progresso regional, vamos tratar especialmente da construção da Igreja de Nossa Senhora do Rosário do Gentio, uma obra arrojada para a época e o local, com destaque para a suntuosidade do altar-mor, todo esculpido em madeira de lei e montado com arranjos e motivos do simbolismo religioso. Muitas histórias, diferentes e até conflitantes, perturbaram a nossa mente de criança sobre a edificação daquela Igreja. Hoje, porém, com amparo na tradição oral, mais os registros de fatos que recolhemos em fontes originais, além das informações de abnegados pesquisadores como o historiador Dário Teixeira Cotrim, ousamos apresentar a nossa versão sobre tão magnífico empreendimento.

Chegamos à conclusão de que o chefe da comitiva mineira, o Comendador Domingos Gomes de Azevedo, após as dificuldades iniciais para estabelecer os seus parentes e amigos na sede do Município, adquiriu a fazenda da Volta, nas proximidades do arraial do Gentio, certamente uma das melhores e maiores daquela época, haja vista que, no mesmo local, hoje se assenta o núcleo colonial do açude de Ceraíma, fonte de abastecimento de frutas, verduras, legumes e cereais para todo o sudoeste baiano. Considerando que se tratava de uma família muito religiosa, ao ponto de dois dos filhos do casal já serem sacerdotes quando chegaram de Minas Gerais, logo as atenções se voltaram para a capela então existente no Arraial. Era preciso construir uma igreja maior, capaz de acolher todos os fiéis da crescente comunidade. Ora, ninguém melhor do que a esposa do Comendador, Ana Joaquina Sofia de Azevedo, a quem os pósteros se referiam como Joaquininha, também chamada “Velha da Volta”, para assumir a direção do empreendimento. A morte do Comendador em 1831, longe de esmorecer o seu ânimo, motivou-lhe a dedicação, agora em companhia de seus três netos, filhos de Joaquim Venâncio de Azevedo: José Venâncio Gomes de Azevedo, José Justino Gomes
de Azevedo e Domingos Gomes de Azevedo (neto do Comendador).

Paralelamente à construção da Igreja, cada um deles construía a sua própria residência, as três melhores casas da localidade, todas com a parte do fundo chegando até à lagoa ali existente. Quis o destino, todavia, que a felicidade da família mais uma vez se interrompesse, com a morte de Domingos Gomes de Azevedo, o neto, muito jovem ainda, em 1840, ficando a sua casa sem concluir, assim como a própria Igreja que, mesmo inconclusa, foi inaugurada naquele ano, conforme relato do escritor Domingos Antônio Teixeira em sua obra póstuma RESPINGOS HISTÓRICOS.

Era voz corrente entre os mais antigos que a casa não concluída foi doada para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, da mesma forma que as terras ao redor dela que se situassem até meia légua de distância, tudo por iniciativa e com o patrocínio da Velha da Volta, que não sabemos por quanto tempo sobreviveu ao desditoso falecimento de seu neto, a quem criara como se filho fosse.

Desapareciam as pessoas, mas estavam assentadas as bases para o progresso do Arraial que se transformou em Vila e foi beneficiado com a criação, em 1849, da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário do Gentio, cujos limites alcançavam as margens do Rio Verde Pequeno, na divisa de Minas com a Bahia.

Por mais de um século, a Igreja do Gentio exerceu fascínio sobre os fiéis católicos da região, até que outras comunidades surgiram nas proximidades, como a cidade de Guanambi a partir de 1920, provocando a estagnação e a decadência daquela vila. O final infeliz aconteceu em 1957, quando a Igreja foi demolida para o represamento das águas do açude de Ceraíma, que hoje exerce função vital para a sobrevivência de Guanambi.

Já se passaram cinqüenta anos desde a demolição e o desmonte do altar-mor, cujas peças ainda se encontram sob a guarda de pessoas da comunidade, já que a capela então construída para substituir a antiga Igreja não dispõe de estrutura para a sua remontagem. Há dois anos, todavia, foi iniciada a construção de um novo templo, na atual Vila de Ceraíma, capaz de acolher o antigo altar, com todo o seu esplendor. Concitamos a todos os descendentes dos GOMES DE AZEVEDO para que participem dessa obra, em homenagem a Ana Joaquina Sofia de Jesus (ou de Azevedo), a nossa estimada e esquecida VELHA DA VOLTA.


Igreja de Nossa Senhora do Rosário do Gentio em momento de procissão


O PILÃO NO ENXOVAL DA NOIVA

Luiz de Paula Ferreira
Cadeira N. 19
Patrono: Caio Mário Lafetá

 


Onde já se viu casar filha e não dar pilão? – perguntou o pai do noivo.

Era domingo, de manhã, e havia muita gente na venda. O velho Janjão, pai do noivo, conversava numa roda de amigos e de repente alteou a voz e fez o desabafo. E sem esconder sua contrariedade, despediu-se dos amigos, com um simples aceno de mão, saindo para a rua.

A pergunta era pertinente. Naquele tempo, o pilão era componente insubstituível do enxoval das noivas.

Sebastião Carapina, que participava do grupo, acompanhou com o olhar a saída do amigo e a seguir, voltando-se para os companheiros, falou em tom de explicação:

- O Janjão tem razão. Faltam somente três dias para a realização do casamento. A casa dos noivos está mobiliada, pronta para recebê-los. Só falta o pilão.

E baixando a voz:

- Mas o pai da noiva também tem razão. – E acentuou as palavras seguintes com um sorriso de cumplicidade:

- O pilão está pronto. É uma jóia. É o pilão que eu sempre tive vontade de fazer em toda minha vida. Desta vez tive carta branca.

- O que esse pilão tem mais do que os outros? – quis saber um dos presentes.

- Muita coisa, meu amigo. E pacientemente passou a explicar. – É diferente, a começar pela madeira empregada. É âmago de braúna, pesada como chumbo e sem uma trinca sequer. Trazida pelo pai da noiva, da fazenda dele, na Serra do Cabral. Além disso – prosseguiu – preferi o formato de cálice, mais trabalhoso, é verdade, mas muito mais bonito e mais nobre. E houve esmero no trabalho. O mesmo capricho foi dado às mãos de pilão, feitas de cerne de itapicuru, trazido também da fazenda do pai da noiva.

Sebastião Carapina estava empolgado com sua obra de arte.

- Vocês podem acreditar. O pilão é uma jóia. Nós vamos leválo para a casa dos noivos quando eles estiverem na igreja. É uma surpresa, para quando voltarem.

E assim foi feito.

Velhos tempos. Bons tempos.

O pilão era um dos utensílios domésticos mais utilizados em uma casa de família. Era no pilão que se descascava o arroz, moíam-se os grãos do café torrado, quebrava-se o milho para a quirera dos pintos, esmagavam-se as bagas de mamona para fazer o azeite que alimentava as candeias. E era no pilão que se socava a carne seca com farinha para fazer a paçoca, um dos pratos típicos da cozinha brasileira.

Era um traste de uso diário em torno do qual se criaram costumes que vieram passando de geração para geração.

Havia o pilão deitado e o pilão em pé. Qualquer deles poderia ser operado por mais de uma pessoa. Mas o deitado era mais apropriado para duas. Tinha a abertura no centro de uma tora de madeira de mais ou menos 80 centímetros de comprimento. Para duas
pessoas trabalharem sentadas, uma em frente a outra.

O pilão em pé era redondo, de cintura ou em forma de cálice, com cerca de 80 centímetros de altura e em torno dele podiam trabalhar até três pessoas.

Utensílio precioso, no uso diário, o pilão despertou a criatividade e os dotes artísticos das gerações passadas. E criou em torno de sua utilização habilidades e manifestações artísticas que se incorporaram ao nosso folclore.

Era algo bonito de se ver uma pilação de arroz executada por pilãozeiras competentes.

Conheci, na infância, duas pilãozeiras famosas. Duas irmãs, Vitalina e Minervina. Duas mulatas robustas e sadias, muito alegres e desembaraçadas, exímias na profissão. Trabalhavam cantando. Faziam do trabalho uma festa.

Orquestravam as cantigas com repiques que faziam nas laterais do pilão. E em sequência imprimiam movimento rotatório às mãos-de-pilão e as atiravam para o alto, em direção à companheira, sem perda da cadência das cantigas. As mãos-de-pilão cruzavam o ar produzindo um belo e festivo visual até chegarem às mãos da parceira.

Lembro-me de que uma dessas cantigas. Era cantada e representada.

A Minervina cantava :

Ora põe a laranja
no chão, Vitalina,
ora põe a laranja
no chão.
O amor que não bambeia ...
ora apanha a laranja
no chão, Vitalina.

Enquanto a Minervina cantava, a Vitalina se curvava e levava uma das mãos ao chão, fazendo o gesto de pôr a laranja no chão. E depois repetia a cena, agora para apanhar a laranja, como mandava a cantiga.

E cantava em resposta. Era o mesmo refrão, com a mudança do quinto verso – o amor que não bambeia ... – que era o mote lançado pela companheira. Cabia a Vitalina respondê-lo, após o que cantavam o refrão a duas vozes, atiravam as mãos de pilão para se cruzarem, rodopiando, no alto, e se abaixavam na representação de pôr e de apanhar a laranja no chão. E retornavam a tempo de receberem as mãos de pilão, ainda rodopiando. Em seqüências apresentavam primorosa exibição de repiques nas laterais do pilão, que naquele momento se transformava em instrumento de percussão.

Era um espetáculo admirável, de canto e coreografia, que as máquinas de beneficiar arroz fizeram desaparecer.

Hoje o pilão persiste como objeto de adorno ou peça de colecionadores, a guardar em sua mudez estática a lembrança de um tempo em que a falta do pilão no enxoval da noiva era motivo para impedir o casamento.

- Onde já se viu casar filha e não dar pilão?


GERALDO VIEIRA: RETRATO DE UM HERÓI

Maria Clara Lage Vieira
Cadeira N. 100
Patrono: Wan-dick Dumont


Nasci em Belo Horizonte quando a cidade ainda tinha o rosto de cidade do interior e se podia conhecer bem as pessoas. As famílias que ali viviam eram interioranas e teriam se mudado para a capital buscando, quem sabe, uma vida melhor. A família de meus pais, por exemplo, era de Sant'Ana dos Ferros, perto de Itabira, Monlevade, Guanhães.

Na minha adolescência, ainda havia banda de música no coreto da Praça da Liberdade, aos domingos, com direito ao "footing", quando as moças desfilavam para os rapazes e apenas arriscavam um olhar ou um discreto sorriso. Belo Horizonte havia crescido um pouco, mas ainda era romântica na segunda metade dos anos 50.

Hoje não se tem tempo para conhecer pessoas em Belo Horizonte. A cidade se expandiu e se tornou metrópole.

No final dos anos 60, casei-me e vim morar em Bocaiúva, famosa pela chegada dos americanos por ocasião do eclipse de 47 e mais famosa ainda por ser a terra do Senhor do Bonfim.

Bem sei que a Bahia tem suas prerrogativas de ter como padroeiro o Senhor do Bonfim. Está bem. Mas Bocaiúva é a terra mineira do Senhor do Bonfim. Afinal, Ele tem o direito de ter um cantinho seu em cada estado deste imenso país. Pois bem, em Minas
Gerais, Ele escolheu Bocaiúva.

E foi em Bocaiúva, nesta pequena cidade do nosso grande sertão, que eu tive a oportunidade de conhecer uma das personalidades mais marcantes da minha vida. E não só tive a oportunidade de conhecê-la, mas tive o privilégio de conviver com ela.

Costumamos construir imagens de heróis através de seus feitos grandiosos, que tenham, de alguma forma, transformado a humanidade, ou apenas uma determinada comunidade. Isto tudo com muito alarde para que seus feitos fiquem conhecidos e gravados na memória das pessoas. Muitas vezes, esses heróis não foram tão heróis e tiveram suas fraquezas, seus deslizes. Mas ficaram consagrados e são heróis.

Geraldo Vieira foi um herói sem alarde, humilde, sem ninguém que apregoasse seus feitos. Só agora é que esta simples e desconhecida escriba resolveu contar e cantar a sua vida, tão serena, tão despretensiosa e tão heróica.

Ele nasceu em Itacambira, MG, em 30 de setembro de 1913, terceiro filho de uma prole de seis. Pela ordem cronológica, eram : Sebastião, Bráulio, ele (Geraldo), Aleixina, Antônio e Nenzinha. Eram, portanto, quatro irmãos e duas irmãs.

Sua mãe faleceu muito cedo, deixando os seus filhos, ainda pequenos, aos cuidados do pai. Este desorientou-se com sua morte. Não sabia reunir os filhos, que cresceram sem aquele aconchego de família que só uma mãe pode dar. Antônio, ainda menino, foi com um tio para São Paulo e, lá, encantou-se com um circo, acompanhando a equipe circense. E nunca mais se teve notícias dele. Geraldo apegouse mais às irmãs, que eram mais novas do que ele, e também porque,
por natureza, as mulheres são mais dóceis.

Ele tinha seis anos quando sua mãe morreu. Sentiu muita falta dela e resolveu tomar conta da casa e das irmãs. Com tão pequena idade, era ele quem cozinhava para a família, já que os irmãos mais velhos trabalhavam fora.

Assim, nosso personagem abraçou o trabalho desde a mais tenra infância.

Certa vez, o pai o levou com ele para São Paulo, a fim de trabalhar numa fazenda de café.

O tempo passou. Os outros irmãos se casaram, as irmãs também. E ele tinha carência de afeto e um coração imenso, cheio de amor.

Muito cedo, ele também se casou. A noiva foi Maria do Rosário Dias. Foi em 30 de outubro de 1930. Ele tinha dezessete anos e ela quinze: duas crianças, mas muito responsáveis. Davam-se muito bem. Amavam-se muito. Um amor sereno, companheiro, juntos em qualquer circunstância. E isto perdurou por toda a vida. As pessoas se maravilhavam ao vê-lo, já velhinhos, descerem a rua de mãos dadas.

Quando Geraldo e Bela (apelido da esposa) tinham já quatro filhos, foram tentar a sorte em São Paulo. Bocaiúva, há 70 anos atrás, tinha pouco recurso e ele precisava ter bum trabalho que lhe desse segurança. Um fato interessante é que, nessa época, ele trabalhou numa região em que hoje é Interlagos.

Ficaram em São Paulo algum tempo, mas a saudade da terra que o adotara falou mais alto. Então voltou para Bocaiúva, onde trabalhou em uma padaria.

Como era um profissional dedicado e entendia de tudo um pouco, foi chamado para trabalhar na prefeitura, na função de guardafio, que era a pessoa encarregada do conserto e manutenção de linhas de telégrafo.

Depois de algum tempo, voltou ao trabalho de confecção de pães.

Novamente, foi chamado pela prefeitura, desta vez para gerenciar a usina geradora de energia elétrica que abastecia Bocaiúva. Trabalhou nesse mister por 7 anos, deixando o ofício para começar uma panificadora em sociedade com um parente.

Mais tarde, teve seu próprio negócio no fornecimento de pães para a comunidade.

Na época, não havia na cidade prestadores de serviços em geral. Assim, inteligente, interessado e prestativo, nas horas vagas, consertava armas de fogo, máquinas, rádios e outros aparelhos eletrodomésticos. As pessoas sempre o procuravam para desembaraçar problemas. Teve 14 filhos, 8 mulheres e 6 homens, que criou com energia, austeridade e carinho.

Sua figura, a um tempo popular e aristocrática, inspirava confiança e fazia lembrar a imagem de Abraão, patriarca a quem Deus prometeu uma descendência maior que as estrelas do céu. Viu nascer os 14 filhos. Uma filha, ele perdeu quando criancinha (Os recursos médicos eram precários). Mas conseguiu criar os 13 e, quando ele faleceu, todos eles tinham uma vida organizada. Viu nascer também mais de quarenta netos e outros tantos bisneto. A sua esposa conheceu dois tetranetos e hoje esse número já cresceu.

Há muitos bons livros que nos informam e formam, dandonos maior capacidade de compreender a vida e habilidade para vivê-la com galhardia, enfrentando as vicissitudes com coragem e ajudando as pessoas a também enfrentar.

Mas Geraldo Vieira, que começou a trabalhar bem cedo, com dedicação e afinco, só teve tempo de freqüentar a escola para aprender os rudimentos de escrita e leitura e as quatro operações matemáticas.

Entretanto, a sua sabedoria era imensa. Sabia dar um conselho sensato, tinha uma prosa agradável e usava da mesma energia e sinceridade para fazer um elogio ou uma repreensão. Muitas vezes presenciei pessoas vindo conversar com ele, pedindo sugestão, orientação. E ele as dava com segurança e presteza.

Teve uma infância difícil, faltou-lhe a mãe prematuramente, o que deixa uma lacuna na mente de qualquer criança. Trabalhou a vida toda com bom humor e dedicação. Precisava, é claro, ganhar a vida para garantir o sustento da família. Mas a sua preocupação maior era servir bem as pessoas. Ajudou, serviu, batalhou durante anos a fio. Tinha todos os motivos para ser uma pessoa rebelde, revoltada. Seus irmãos debandaram e ele fez tudo o que podia para encontrar o paradeiro deles. Queria reunir a família. Queria dividir com os irmãos aquele sentimento infinito de afeto que ele tinha no seu coração e oferecia a todos.

Quando o peso da idade o abateu, ainda aparentava uma energia férrea, própria dos grandes espíritos, que dominam o físico, fazendo-o obedecer-lhes.

Apesar da pequena freqüência aos bancos escolares tinha um surpreendente conhecimento da vida e das coisas. Às vezes, fazia poesia naturalmente. Amava a esposa com delicadeza, respeito e carinho. No início do casamento, ela confeccionou-lhe algumas camisas. Ao ouvir a cunhada criticar que as camisas estavam mal
feitas, ele interveio:

- Estão ótimas. Foi ela quem fez para mim!

Tinha o cuidado, pela manhã, de colocar os chinelos dela em posição estratégica, para que, ao se levantar, ela não pisasse no chão. Lembrava-se de cada pormenor, para agradá-la.

Quando nasceu o filho caçula, ele exclamou: "Este é o meu último botão que desabrochou da minha querida roseira."

Foi tão marcante na formação dos filhos que, até hoje, nove anos de seu falecimento, cada um deles demonstra, em suas idéias e atitudes, sinais da presença influente do pai. Morreu com muita serenidade, consciente de que sua missão estava cumprida.

Na minha infância, escutava um disquinho que contava a história da Formiguinha e a Neve.

A formiguinha era trabalhadora e,numa manhã de inverno, saíra para seu trabalho diário. De repente, no caminho, um floco de neve caiu e prendeu o seu pezinho. Ela pedia a todos os seres que passavam que desprendessem o seu pé e cada um dizia que o outro era mais forte. Até que chegou a morte, que lhe disse que mais forte do que ela era Deus. Então a formiguinha, quase morta, fez uma prece a Deus.

E a historinha termina assim: "E Deus então, que ouve todas as preces, sorriu.Estendeu a mão por cima das montanhas e ordenou que viesse a primavera. No mesmo instante, no seu carro de veludo e ouro, a primavera desceu sobre a terra, enchendo de flores os campos, enchendo de luzes os caminhos.E vendo a formiguinha quase morta, gelada pelo frio, tomou-a carinhosamente entre as mãos e a levou para o seu reino encantado, onde não há inverno, onde o sol brilha sempre e onde os campos estão sempre cobertos de flores.”

O que aconteceu com Geraldo Vieira foi mais ou menos isto. O seu corpo, tão forte e incansável capitulou. E Deus o levou com carinho para o seu Reino, onde o sofrimento não existe. Só amor, exatamente aquele amor desinteressado e puro que ele cultivou mansamente e espalhou por todas as pessoas que conviveram com ele.

Existem seres humanos que vivem somente para amealhar vantagens próprias, muitas vezes em detrimento dos outros. Existem outros que querem ajudar para obter recompensa ou para que todos o reverenciem, reconhecendo o seu valor. Mas existem aqueles seres raros que fazem o bem, lutam, esforçam-se, porque esta é a sua maneira de ser, simplesmente porque não saberiam viver de outra maneira - como Geraldo Vieira.

Esses, sim, são heróis!


Geraldo Vieira


“SOB A SOMBRA DE TUAS ASAS”

Maria das Mercês Paixão Guedes
Cadeira N. 73
Patrono: Lília Câmara

 

APRESENTAÇÃO

A obra escrita por Franscino Oliveira Silva, padre da Arquidiocese de Montes Claros, intitulada SUB UMBRA ALARUM TUARUM – História da criação e organização da Diocese de Montes Claros (1903-1943), publicada em 2005, relata com riqueza de detalhes e pesquisa aprimorada essa linda criação.

Através dessa obra, nós brasileiros e principalmente nós mineiros do Norte de Minas, passamos a conhecer parte da nossa história e a nos orgulhar da Criação da Diocese de Montes Claros, criada sob grandes mudanças sócio-político-econômica e religiosa, onde nenhum obstáculo derrotou a Fé daqueles que estavam determinados a vencer.

Sentindo a necessidade de divulgar esse trabalho, relatamos sinteticamente a história contada pelo Padre Franscino Oliveira Silva.

SUB UMBRA ALARUM TUARUM
“Sob a Sombra de Tuas Asas”

História da Criação e organização da Diocese de Montes Claros
(1903 – 1943)

Sub Umbra Alarum Taurum, essas palavras em latim, encontram-se literalmente no salmo 16, 8b (cf. Bibliorum Sacrorum iuxta vulgatam Clementinam Nova editio, Cittá del Vaticano 1951, 476).

Em 1959, no centenário do nascimento de D. João Antonio Pimenta, primeiro Bispo da Diocese de Montes Claros, as palavras Sub Umbra Alarum Taurum tornaram-se as divisas do Brasão de Armas do Município de Montes Claros, oficializado pela Lei n. 430,
de 5 de março de 1959.

Criação e Organização da Diocese de Montes Claros (1903-1943)

A realidade da Igreja Católica desde a sua implantação lusitana no Brasil até à Proclamação da República, mostra como a Diocese de Montes Claros, criada em 1910, fez seus primeiros passos depois de um período de quatrocentos anos em que a Igreja esteve submissa ao Estado português sob regime de padroado.

Este padroado atribuía direitos e deveres ao Rei de Portugal. Entre os direitos estava o de administrar livremente os bens da Igreja que se encontravam no ultramar português podendo reter, no tesouro da Coroa, todos os rendimentos e dízimos eclesiásticos. Outro direito era o de apresentar candidatos a todos os benefícios eclesiásticos, incluindo sés episcopais.

Quanto aos deveres, o padroeiro ficou com o encargo de mandar construir, conservar e reparar as igrejas, os mosteiros e lugares pios em todo o ultramar; devia dotar os templos, mosteiros e oratórios com objetos sagrados e de culto; prover as Igrejas com clero suficiente e dar-lhe o devido sustento.

Em 7 de janeiro de 1890, foi determinada a separação entre a Igreja e o Estado, e com a sua extinção, uma nova era se abriu para a Igreja, porque ela se viu livre das ingerências do Estado. O episcopado brasileiro traçara então um plano de atuação pastoral a fim de favorecer a reestruturação da Igreja Católica no Brasil.


AS PRIMEIRAS SEMENTES

Em 1899, foi realizada a primeira reunião dos bispos latinoamericanos, esse Concílio Plenário favoreceu o envolvimento do episcopado no processo de romanização de suas Igrejas Particulares. Reflexos da influência desse Concílio alcançaram o Norte de Minas,
com a realização do Primeiro Sínodo Diocesano de Diamantina (1903). Os aspectos evidenciados pretendem fornecer uma visão panorâmica da realidade sócio-político-religiosa da Igreja do Brasil, nos quatros primeiros séculos, com a intenção de apresentar os fatos que se referem às primeiras sementes lançadas na região depois de escolhida como território para a fundação da Diocese de Montes Claros.

Em 10 de agosto de 1853, um decreto imperial autorizou a criação da Diocese de Diamantina e em 6 de junho de 1854 o Papa Pio IX, instituiu canonicamente a Diocese que jurisdicionava toda a porção territorial norte-mineira. O território da futura Diocese de Montes Claros deixou de pertencer à Arquidiocese de Salvador para estar sob a jurisdição de um bispo de Minas Gerais. O povo do Norte de Minas entrará numa nova fase de sua história religiosa.


OS PREMONSTRATENSES

Em 27 de julho de 1903, os cônegos premonstratenses chegam a Montes Claros, e o início de apostolado, embora cheio de dificuldades e exigências, foi marcado por grande entusiasmo. Embora não existisse no Brasil uma perseguição à Igreja como em
outros países da América Latina, por todas as partes do Brasil existia uma minoria que não olhava com bons olhos a presença do clero e muito menos quando se tratava de estrangeiros.

Os premonstratenses, no primeiro ano de apostolado, já podiam apresentar aos bispos de Diamantina os resultados positivos. Favoreceram à Irmandade do Apostolado da oração, ofereceram catecismo para 150 crianças e empregaram esforços na restauração de inúmeras igrejas.

A chegada de Dom Joaquim a Montes Claros lhe proporcionou uma agradável surpresa. No ano anterior em visita a Januária, ele manifestou publicamente o desejo de trabalhar pela criação de uma nova Diocese, provavelmente com sede naquela cidade; mas ao conhecer a cidade de Montes Claros, desde já pode contar com uma nova possibilidade.

A preparação, realizada pelos premonstratenses causou-lhe muita satisfação. Conhecendo um pouco a realidade que marcava a Igreja do Brasil após a separação entre a Igreja e o Estado, nota-se que em Montes Claros, a boa convivência entre ambos apresenta boas perspectivas para o futuro. O bispo coadjutor de Diamantina, percebe uma sociedade aberta a presença da Igreja.

Naquele ano da visita de D. Joaquim, a missão premonstratense no Estado de Minas se encontrava da seguinte maneira: os cônegos Vincart e padre Chico em Montes Claros, os cônegos Fisingher e Boelaerts em Sete Lagoas, e o prior Alderic de Paw em Congonhas do Campo. Em 1905 chegou um novo missionário para Montes Claros, o cônego Benoit Maussem e após sua chegada, fundou-se o Colégio São Norberto, que não obteve o sucesso esperado, que era educar a juventude sob os princípios da vida cristã.

Eles não conseguiram manter o colégio, mas puderam fundar um jornal na cidade de Montes Claros, intitulado A Verdade, sob a direção deles e a colaboração de alguns católicos. Nesse mesmo ano ocorreu a chegada das religiosas belgas e mais dois missionários para ajudar na realização da missão que havia crescido desde a primeira chegada dos primeiros missionários premonstratenses a Montes Claros.

Foi um tempo muito favorável ao apostolado dos cônegos premonstratenses, pois passaram a administrar várias paróquias: Itacambira, Jequitaí, Coração de Jesus, São Francisco, Olhos d'Água e Terra Branca. Ainda que os missionários apresentassem qualquer dificuldade ao bispo, tornava-se até mesmo arriscado fazer-lhes qualquer repreensão. Numa região de tão poucos recursos, só o fato de ter padres já era muito positivo. O modo como viviam, muitas vezes sozinhos, no serviço religioso a essas paróquias, lhes dava uma aparência de padres quase diocesanos.

Religiosas Belgas aventuram-se na educação feminina norte-mineira O padre Chico foi à Bélgica por motivos de saúde em 1906, e ali fez a solicitação das irmãs missionárias para Montes Claros. Aos 16 de abril de 1907 padre Chico acompanhou as quatro irmãs,
enviadas pela Madre Maria Benedita ao Brasil. Vieram a Irmã Odília (Jeanne Dirckx), superiora; Irmã Otávia (Zulma Isabelle Vendevogel); Irmã Remígia (Anne Cornélie Rommens) e Irmã Blandina (Jeanne Beckmans) e mais dois missionários, premonstratenses para o Brasil, o cônego Paul Lenaerts e cônego Grégoire Dosche, chegando ao Brasil em 14 de junho de 1907.

Ainda que a missão brasileira houvesse apresentado problemas, a Madre Ângela resolveu continuar o trabalho; em 1909, a madre resolveu mandar outras irmãs que fossem mais experientes e com conhecimentos na área da educação. As irmãs escolhidas foram Irmã Berchmans e Irmã Blanche e logo depois chegaram as irmãs Canuta, Berta e Samuela. Para a Santa Casa chegaram as Irmãs Beatriz, Rufina e Hipólita. Nos primeiros anos, as irmãs pareciam não observar bem a clausura no Brasil. Em 1910 a Madre Ângela impôs uma disciplina mais rigorosa.

Origem missionária da Diocese, Organização pastoral, Orientações doutrinais, Itinerário do episcopado.

A criação da diocese de Montes Claros ocorreu num período em que a Igreja no Brasil trabalhava pela sua reestruturação. Dom Joaquim Silvério de Souza, bispo de Diamantina, desde o início de seu episcopado, ainda como bispo coadjutor, não mediu esforços para que o espírito de reforma católica beneficiasse o extremo Norte de Minas, onde o povo na sua grande maioria professava o catolicismo, mas estava sem receber a devida assistência espiritual.

Diante da necessidade de construir um patrimônio para a nova diocese, não se pode desconhecer a contribuição dos premonstratenses belgas, sobretudo considerando os esforços realizados pelo Cônego Maurice Gaspar, através de várias viagens, enquanto arrecadava as contribuições do povo, ele o conscientizava a respeito dos benefícios que iria trazer a criação do bispado.

Dom Joaquim viu seus esforços coroados com a Bula Postulat Sane, o Papa Pio X (1904-1914), que criou a diocese de Montes Claros em 1910. No ano seguinte, Dom João Antonio Pimenta foi nomeado como primeiro bispo dessa diocese. Os padres que iniciam essa nova história foram formados no Seminário de Diamantina, onde receberam as orientações que lhes facilitariam o exercício de um ministério junto aos sertanejos, uma vez que tinham sido amoldados segundo o espírito tridentino, ou seja, foram preparados para oferecer ao povo o ensino da doutrina cristã, exigir uma vida moral segundo aquilo que a Igreja estabelecia e levá-los a uma maior freqüência aos sacramentos, sobretudo a confissão e comunhão.

O nascimento da Diocese de Montes Claros em ambiente republicano.

Para falar da criação dessa diocese, é necessário levar em consideração o amplo contexto sócio-político-cultural e eclesiástico da época, A diocese ocorre no período que marca a metade da chamada primeira República (1890-1930), observa-se que a sociedade brasileira conservava muitas coisas da estrutura do período imperial (1822-1889); fase histórica em que o antigo e o novo coexistiam, onde a entrada do Brasil no período republicano não foi marcada por grande entusiasmo em toda a sociedade brasileira, composta por uma elite indiferente ao substrato cultural e religioso. Época marcada pelo coronelismo, onde cabia a eles observar e controlar se o eleitor era ou não alfabetizado; era o senhor absoluto dentro do seu território, pois controlava social e economicamente o povo, as instituições públicas com favores, o acesso aos serviços
públicos e o empréstimo de dinheiro. É nesse contexto histórico que nasce a Diocese de Montes Claros, com um bispo que, na sua atuação pastoral, procura se manter como ele mesmo diz, numa atitude sensata
de neutralidade.

Primeiros esforços para a criação da Diocese de Montes Claros.

Em 1899 já era ventilada a idéia da criação de uma nova diocese no extremo Norte de Minas. Dom Joaquim Silvério de Souza não escondia a sua simpatia pela cidade de Januária, mas foi em Montes Claros que tal sonho se transformou em realidade.

Dom Joaquim escreveu ao Núncio Apostólico Dom Giulio Tonti (1902-1906) a respeito da necessidade da criação de uma nova diocese no Norte de Minas. Para Dom Joaquim era uma necessidade inadiável, pois era muito difícil acudir aquela região a 100 léguas da sede do bispado, por isso propôs ao núncio que entrasse em entendimento com o deputado federal Lindolpho Caetano, a fim de que ele pudesse promover a aquisição da casa para Palácio e Seminário.

O Núncio acolheu com interesse o projeto e se prontificou imediatamente a executá-lo, mas com duas exigências: 1- O consenso dos três bispos das dioceses cujo território deveria ser desmembrado – Bahia, Goiás e Diamantina; 2- Obtido o consenso, apresentassem as oportunas garantias requeridas no caso. Prontificou-se a informar à Santa Sé a respeito do desejo da criação da nova diocese.

Em 1907 veio um outro Núncio para o Brasil – Dom Alessandro Bavona (1906-1910). Neste mesmo ano, Dom Joaquim escreveu ao Núncio para falar sobre os trabalhos dele pela criação da nova diocese. Ele explicou que se tratava de uma região pobre composta de um território extenso. Para a nova diocese iriam passar todas as povoações compreendidas dentro dos limites da arquidiocese da Bahia com Diamantina pelo rio Jequetinhonha, Itacambirussu, Congonhas Grandes, Jequitaí, São Francisco até Urucuia. Seriam 23 paróquias com possibilidade de criação de outras e 7 cidades para constituição da nova diocese. Quando a idéia da criação de um novo bispado ia deixando de ser um distante ideal, os padres premonstratenses, resolveram lançar pela imprensa a idéia de que a sede do novo bispado deveria ser em Montes Claros.

Em 21 de dezembro de 1907, o deputado Camilo Prates lançou um artigo no jornal A Verdade sobre a necessidade e a importância da nova diocese no Norte de Minas. Nesse artigo ele aplaude as iniciativas do Bispo de Diamantina e afirma demagogicamente que os norte-mineiros “não precisam de catequese” porque já são todos católicos, mas é para ser atendido “o anseio dos católicos pelos sacramentos da Igreja”; ele ressalta a impossibilidade de somente um bispo diocesano atender todo Norte de Minas.

Nessa época representantes de Montes Claros estão convencidos que essa cidade é a que melhor atendia as exigências para sede do novo bispado, ou seja, posição geográfica, facilidade de comunicação com os centros civilizados, recursos materiais para manutenção de instituições acessórias a um bispado, clima e outros, e também já possuíam dois colégios religiosos, o dos premonstratenses e o das religiosas de Berlaar.


A BULA POSTULAT SANE (10/12/1910)

No dia 10 de dezembro de 1910, o Papa Pio X com a Bula Postulat Sane criou a Diocese de Montes Claros, que compreende toda a parte do extremo Norte de Minas.


DAS PARÓQUIAS RICAS ÀS MAIS POBRES

O primeiro bispo de Montes Claros, Dom João Antonio Pimenta, teve logo o interesse e conhecimento da formação dessas paróquias. As paróquias seguem uma classificação do ponto de vista financeiro.


O CLERO DIOCESANO DA NOVA DIOCESE DE MONTES CLAROS

Durante seu episcopado (1911-1943), na diocese de Montes Claros, Dom João Antonio Pimenta contou com aproximadamente 113 padres. Alguns padres estrangeiros, na maioria portugueses. Os religiosos que estiveram na diocese nessa ocasião somente os
premonstratenses, e já no final do episcopado d Dom João, os franciscanos da Ordem dos Frades.

O Bispo que preferiu Montes Claros e sua especial Carta de saudações aos seus diocesanos.

A Diocese de Montes Claros, criada em 10 de dezembro de 1910, inicialmente ficou sob a administração de Dom Joaquim Silvério de Souza. No dia 7 de março de 1911, com a Bula Commissum humilitati nostrae, o Papa Pio X nomeou Dom João Antonio Pimenta como o primeiro bispo de Montes Claros.


ESTRUTURA DA CARTA

Em sua carta Dom João destaca: primeira parte; Regeneração da sociedade civil – Deus criou o homem para viver em sociedade; Não pode haver sociedade sem autoridade; três ordens de deveres: Do Estado para com Deus; Dos súditos para com as autoridades; Do soberano para com os súditos. Segunda parte: Regeneração da Família e Conclusão.

Na carta Pastoral, o primeiro Bispo de Montes Claros apresenta suas preocupações diante dos desafios daquela época e ao mesmo tempo afirma os propósitos que tem para aquela nova diocese. Comungando de um mesmo pensamento que marca o episcopado brasileiro nesse período, ele sabe que a Igreja necessita de reconquistar seu espaço e influência na sociedade. Para alguém que recebeu sua formação durante o período do império seria difícil adaptar-se aos novos tempos. Ele, porém, foi nomeado bispo já no período republicano porque demonstrava ter as qualidades para atender às exigências desses tempos novos para Igreja. Na sua primeira carta projetou para seu episcopado na nova diocese uma atenção especial às famílias, tema que mereceu mais atenção nessa sua primeira manifestação aos novos diocesanos.


INÍCIO DO EPISCOPADO DE DOM JOÃO ANTONIO PIMENTA (1911-1922)

Na diocese de Montes Claros, os primeiros anos de apostolados de Dom João foram marcados por intensas atividades. Seus primeiros cinco anos de atuação pastoral foram dedicadas às visitas pastorais de todo território diocesano e à organização dos elementos necessários à estrutura de uma diocese: residência episcopal, seminário, catedral, etc., sem contar sua preocupação em promover missões populares e reunião de seu presbitério para os retiros espirituais.


A INDIFERENÇA DO CLERO NA POSSE DO BISPO?

Dom João Antonio Pimenta chegou a Montes Claros no dia 7 de outubro de 1911. Sua chegada foi marcada pela entrada revestida de uma pompa triunfal. No dia seguinte foi a solene entrada na Catedral às 10 horas da manhã, acompanhado pelo clero, pelo presidente e demais membros da Câmara Municipal, pelas autoridades civis e militares e pessoas de todas as classes sociais. Na porta da Catedral, ele foi recebido pelo Cônego Carlos Antonio Vincart, premonstratense. Houve a celebração da primeira Missa Pontifical que foi “soleníssima e comovente”. Acredita-se que todos os padres tinham consciência do significado da presença de um sucessor dos apóstolos para o progresso do cristianismo no extremo Norte de Minas, mas também entendiam que nessa nova etapa ocorreriam mudanças no modo como viviam o ministério sacerdotal, já não mais como aqueles antepassados que tiraram proveito pessoal devido a um certo isolamento da vigilância episcopal.


ORGANIZAÇÃO DA DIOCESE

O bispo de Montes Claros, na sua primeira Carta Pastoral, deixou claro que constatava, no programa do seu episcopado, um trabalho em prol da família e o amor à Pátria. Numa Carta Pastoral sobre o Ano Santo, em 1926, pede ao povo orações pelo Brasil, por Minas e revela seu encantamento pelas terras de Minas Gerais.

“Orai por nossa querida pátria, o Brasil e de modo particular por esta parte em que nossos olhos, em se abrindo pela primeira vez, extasiaram-se na contemplação de um dos mais famosos da natureza: a terra mineira; com suas alterosas montanhas, seus fertilíssimos vales, seus rios caudalosos, seus mil regatos sussurrantes, suas majestosas florestas, seus campos recamados de flores, suas auras embalsamadas, suas fantásticas cascatas, suas soberbas cachoeiras, sua opulenta fauna e variadíssima flora, com os mil primores, enfim, com que a dotou a mão dadivosa do Criador; orai, repito, com particular empenho por nossa querida Minas, para que Deus continue a protegê-la no meio do turbilhão de ódios e anarquia que nos circunda e ameaça de todos os lados: orai para que não desfaleça a Fé que herdamos dos nossos antepassados: Fé robusta e operosa que lhes formou o caráter adamantino e sem jaça; que os enriqueceu de um conjunto de raras virtudes cristã e sociais; que lhes inspirou o mais terno e carinhoso amor à família, e a mais robusta e abnegada dedicação à pátria.”

A sua chegada a Montes Claros, em outubro de 1911, reservou-lhe já de início uma situação lamentável: a residência episcopal não tinha nenhuma mobília. Em 1918 publicou um artigo intitulado “Viver às Claras”, no jornal Montes Claros. Esclareceu a sociedade montes-clarense que tinha recebido só uma casa, sem mobília, para sua residência e a pequena mobília comprada pelo Cônego Carlos Vincart, pároco da única paróquia da sede episcopal, foi paga pelo Bispo de Diamantina; ficando ainda uma dívida, e, Dom João a pagou. Depois desse esclarecimento, alguns objetos foram oferecidos para residência episcopal, já que a verdade era conhecida de todas.

Para a manutenção e organização do Palácio Episcopal intitulado por Dom João como Palácio da Santa Cruz, ele usou de seus próprios recursos. Nos seus primeiros seis anos, não pode avançar muito na administração da diocese, devido à precária situação
financeira dela. O Bispo empregou tudo o que havia recebido em favor da diocese. Em 1914, Dom João, quando construía o Palácio Diocesano, gastou também suas modestas rendas mais de 35 contos de réis.

No seu episcopado, Dom João sempre se manifestou preocupado com a instrução do povo da região, mas, sobretudo nesse período os governos se preocupavam um pouco com a instrução. Falando desse mal, presente em todo o país, assim se manifestou no
Jornal Gazeta do Norte.

“A falta de instrução se devem o desprezo pelos deveres cívicos, o desrespeito às leis, o suborno fácil, a trahição aos princípios de honra, a ausência de amor pátrio, todas as calamidades enfim, que impendem o homem de conhecer a sua força no conjunto dessa invencível agremiação que se chama povo”.


SINAIS DE CRISTIANIZAÇÃO DA SOCIEDADE MONTESCLARENSE

Uma constante nos jornais montes-clarenses era a presença da Igreja que marcava a história de Montes Claros. Na medida do possível, procurou marcar religiosamente a sociedade de então.


AS VISITAS PASTORAIS

Quando o bispo chegava a qualquer lugar, cidade ou vila, povoação ou fazenda, muitas pessoas o aguardavam para ouvir a palavra de Deus e receber os sacramentos. Imediatamente, sem que pudessem repousar, o bispo e seus auxiliares iniciavam as confissões. Trabalhavam dia e noite sem descanso, pregando, confessando e crismando desde às 5 horas e meia da manhã até às 9 horas da noite.


AS MISSÕES POPULARES

Dom João considerava as missões um meio extraordinário para conservar o espírito religioso no uso das populações. Essas missões têm uma base acentuadamente moralista, enfatizando as verdades eternas do pecado, da morte e do inferno, e busca a reforma dos costumes entre os fiéis católicos.

Mesmo que as dificuldades fossem muitas, as missões e as visitas pastorais eram os meios que se apresentavam para manter viva a fé do povo e reformar os costumes.


SEGUNDA FASE DO EPISCOPADO DE DOM JOÃO ANTONIO PIMENTA (1922-1943)

A segunda fase do episcopado de Dom João pode ser considerada a partir de 1922, depois de seus primeiros onze anos na diocese de Montes Claros. Dom João estava com 63 anos e já se considerava velho e sem forças de antes. Mesmo assim continuava firme nos trabalhos da diocese.

Nessa segunda fase, a diocese de Montes Claros conta com novos padres diocesanos e premonstratenses, mas ainda não atende a necessidade da região. Ocorreram diversas transformações na cidade de Montes Claros: a chegada dos meios de transportes, criação de estradas para o uso do automóvel e a estrada de ferro. Devido a essas mudanças muitas pessoas começam a passar por Montes Claros e muitas delas permaneciam na cidade, favorecendo o crescimento da população. A partir da década de trinta, para favorecer o apostolado de Dom João, que começava a sentir o peso da idade, é nomeado Dom Aristides de Araújo Porto como seu bispo coadjutor.


IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DAS MERCÊS – SANTA CASA

A Santa Casa de Montes Claros foi fundada em 13 de outubro de 1877. Todas as camadas sociais pequenos e grandes inscreveram-se na Casa de Caridade de Nossa Senhora das Mercês. O primeiro bispo de Montes Claros, durante a regência da Diocese de Montes Claros, manteve um controle constante da Santa Casa, até então obra social de maior relevância na cidade. Em 1943, dois meses antes de sua morte, Dom João ainda foi à Santa Casa e pronunciou um discurso de meia hora por ocasião do lançamento da pedra fundamental do novo edifício, fazendo valer seus aprimorados dotes oratórios.


DOM ARISTIDES DE ARAÚJO, BISPO COADJUTOR

Quando Dom João completou 70 anos, já com a saúde bastante debilitada, encontrava-se sem forças para realizar uma série de atividades. O Papa Pio XI nomeou um bispo coadjutor para Montes Claros – Dom Aristides de Araújo.


UM BISPO SUB UMBRA ALARUM DE D. JOÃO

Dom João, através de uma Carta Pastoral, apresentou oficialmente seu coadjutor. Procurou transmitir ao povo o significado daquele acontecimento para a diocese, deixando claro que graças à presença do novo bispo, poderia continuar no governo da diocese até o fim de sua vida.

Dom Aristides, desde o início, mostrou-se humilde, caridoso e enérgico no cumprimento de seus deveres eclesiásticos, intransigente, mas dedicado. Ele realizou um intenso trabalho na Diocese de Montes Claros enquanto coadjutor. Após a morte de Dom João, Dom Aristides atendeu a algumas necessidades urgentes da diocese, dedicando-se especialmente na pastoral vocacional. Seu episcopado foi breve, durou apenas quatro anos, devido à sua morte em 1947.


A IGREJA DE MONTES CLAROS NA SUA PRIMEIRA MOBILIZAÇÃO POLÍTICA DO POVO

Em 1933, Dom Aristides instalou na cidade de Montes Claros a Junta Regional da Liga Eleitoral Católica (LEC) da diocese de Montes Claros. Expôs ao povo os fins da Liga e os princípios que defendia: 1. Manutenção do ensino religioso nas escolas; 2. Assistência religiosa às forças armadas; 3. conservação da indissolubilidade do matrimônio; 4. reconhecimento do casamento religioso para efeitos civis. A Liga tinha por objetivo encaminhar os fiéis para o exato cumprimento do dever, ou seja, fazer eleitores e orientá-los na escolha dos candidatos a que devem dar o seu voto. Uma idéia forte na Liga, de acordo com Dom Aristides, era não entregar os destinos de um povo a inimigos de Deus, ou seja, ao temido “perigo vermelho” que era o comunismo.


UMA NOVA CATEDRAL

A partir de 1922, muitos bispos no Brasil procuravam mostrar a Igreja Católica através de manifestações públicas. Em Montes Claros, Dom João quis que ficasse bem visível na cidade a construção de um imponente templo religioso. Um templo que, de acordo com a mentalidade da época, fizesse visível a verdadeira Igreja de Jesus Cristo aos olhos dos protestantes e espíritas montesclarenses. Dom João era consciente de seu dever, como primeiro bispo, consolidar a fundação da construção da Catedral e outros
edifícios necessários para o regular funcionamento da diocese. Em 1926, Dom João dá início à construção da nova Catedral. Em 2 de setembro de 1926, foi o lançamento da pedra fundamental desse templo.

Dom João contou com a ajuda do cônego Maurice, que quando foi à Bélgica ficou encarregado de encontrar na ordem premonstatense um sacerdote para traçar a planta e executar a obra da Catedral. O Cônego Jeronymo Lambim com estudos em Arquitetura foi escolhido para desenvolver essa missão. Ele apresentou ao bispo dois projetos: um era de execução fácil e barato, o outro, Dom João considerou mais correspondente à dignidade da futura Igreja. Dom João tinha consciência do pouco recurso financeiro da região, mas mesmo assim optou pelo projeto mais pomposo. O cônego Jeronymo traçou a planta e dirigiu os trabalhos por dois anos, após esses dois anos à frente da obra considerou desnecessária a sua presença em Montes Claros, decidiu então ir para paróquia de Salinas, onde faleceu em 1933, vítima de tifo.

Após a saída de Dom Jeronymo a direção das obras foi confiada ao Capitão Francisco José Guimarães, auxiliado por seu irmão Santos Guimarães. Provavelmente D. João, ao convidar o Ministro da Viação e Obras Públicas e outras autoridades para ver as obras, além de cumprir as formalidades, esperava contar também com um apoio, uma ajuda significativa para a construção da Catedral. Em 1938, o bispo preparou um texto a fim de que publicado no jornal e que fosse lido nas missas, nas associações, etc, pois percebera a impossibilidade de continuar a obra da Catedral por motivos financeiros. O apelo foi tão bem recebido que esse artigo foi publicado de tempos em tempos, sempre com uma resposta generosa por parte do povo.

Em 1939, foi a bênção da Cruz que encima a torre principal da Catedral. Nesta ocasião, Dom João pode contemplar todo conjunto da forma exterior da Catedral, todavia não alcançou o término e inauguração do templo que foi em 1950.

A Catedral de Montes Claros tornou-se uma obra de rara beleza no coração do sertão mineiro, apresenta uma aparência neogótica e alguns traços românticos e clássicos.

Brotou no coração do sertão mineiro a Igreja do bispo, uma Catedral de elegância onde, “debaixo de suas futuras torres ponte agudas, ameaçadoras das nuvens, celebrará a Cristandade suas grandes festas, com toda a exterioridade pomposa necessária mesmo às coisas mais sérias e sagradas”.


ÚLTIMOS ANOS DE DOM JOÃO PIMENTA

Em 1928, Dom João escreveu seu testamento – registrado no Cartório do segundo Ofício de Montes Claros - onde procurou oferecer esclarecimentos a respeito de sua pessoa e sua missão na diocese, fez ainda algumas recomendações à sua família.

“Tendo cumprido no decorrer de minha vida meus deveres de justiça e caridade para com [...] e tendo despendido com estes ônus os poucos proventos de meu ministério, nada possuo na atualidade, a exceção dos objetos de meu uso”.

Pediu para mandar celebrar trinta missas no tempo de sua morte; quis deixar claro que o Palácio construído por ele era propriedade da Diocese, assim como o Seminário Diocesano com a sua mobília. Para terminar seu testamento, fez um pedido de perdão às pessoas que tivesse ofendido por explosões de seu temperamento nervoso; também pediu perdão aos pobres pelo fato de não ter podido acudir-lhes sempre em suas necessidades; à sua família deixou recomendações para que não traísse a fé e as tradições da família, inscrevendo-se em sociedades secretas e nomeadamente da maçonaria e que se abstivessem de bebidas alcoólicas e do vício do jogo.

Ele reconhecia que a sua missão na diocese de Montes Claros o levou a um afastamento dos grandes centros do país. Vivendo nesse isolamento a que se condenou, ele se considerava uma pessoa longe das idéias político-sociais do país nos últimos anos de vida.


D. JOÃO DIANTE DO INTEGRALISMO E DO COMUNISMO

Segundo Dom João o integralismo era positivo para aquele tempo porque apresentava um programa que prometia respeitar a consciência religiosa da nação. Ao falar das idéias comunistas que provocam a perturbação da ordem, Dom João ressaltou o seguinte:

“O que aconteceu na Hespanha serve-nos de advertência muito grave. Se os comunistas triunfarem correremos perigos sérios e imediatos. Se forem derrotados, teremos uma trégua talvez um pouco prolongada, mas outros homens surgirão com as mesmas idéias e atitudes, como perigosos inimigos das instituições, da moral, da família e da religião. Porque homens máos existirão sempre”.


BISPO ATÉ MORRER

Em julho de 1943, quando o primeiro bispo de Montes Claros termina sua caminhada na terra, acontecem muitas manifestações de reconhecimento pelos seus serviços à Igreja e à sociedade norte-mineira. Os últimos cumprimentos confirmam um reconhecimento de muitos que viram nele “a imagem e o exemplo de uma ação vigilante e incansável, a serviço da fé”.


BISPOS – DIOCESE DE MONTES CLAROS - 1911 - 2007

Dom João Antonio Pimenta, nascido no Arraial de Capelinha, em 12 de dezembro de 1859. Foi ordenado sacerdote em 10/07/1883, nomeado Vigário de Capelinha em 1892, nomeado como primeiro Bispo da Diocese de Montes Claros em 1911.

Em apenas dez anos de governo, organizou a Cúria Diocesana, colocou ordem nas paróquias, criou quatro novas freguesias, aumentou para 25 o número dos nossos sacerdotes, organizou a obra das vocações, reivindicou e movimentou o patrimônio da Matriz, construiu o Palácio Santa Cruz, o Seminário, fez sete visitas pastorais, escreveu cinco cartas pastorais e atuou seriamente na reforma do clero de forma enérgica e producente e de retiros espirituais.

Dom João faleceu em 20 de julho de 1943 e está sepultado na Cripta da Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida de Montes Claros. Seu lema de Episcopado era “Sob A Sombra De Tuas Asas.

Dom Aristides de Araújo Porto, nascido em São João Nepomuceno, em 5 de outubro de 1904. Ordenou-se Sacerdote em 1927, exerceu várias atividades sacerdotais em São Paulo, foi Arcebispo de Olinda e Recife e de Niterói, e membro da comissão permanente responsável pela direção da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Nomeado Bispo de Diocesano de Montes Claros em 1943. De uma simplicidade extrema, logo se tornou estimado pelo povo. Impulsionou as obras da Catedral após o falecimento de Dom João Pimenta. Dom Aristides levantou o prestígio da Igreja, reconciliando-a com as elites intelectuais da cidade.

Dom Antonio de Almeida Morais Júnior, nascido em Sant'Ana de Paraisópolis, em 26 de junho de 1904. Ordenou-se Sacerdote em 1927. Em 2 de outubro de 1948 foi escolhido para terceiro Bispo de Montes Claros. Destacava-se pela sua jovialidade e um grande poder de comunicação que fizeram dele um amigo de todos. Considerado o melhor orador da história de Montes Claros.

Dom Luiz Vitor Sartori, foi sagrado bispo a 1º de junho de 1949. Simples, enérgico trabalhador, tornando-se em pouco tempo, membro da nossa comunidade, trabalhando como o melhor dos seus filhos. Lema do seu episcopado “Na Bondade, Justiça E Verdade”.

Dom José Alves Trindade, simplesmente José, nascido em Lagoa Dourada, em 7 de outubro de 1912.Tomou posse na Igreja Particular de Montes Claros em 6 de outubro de 1956, morreu aos 92 anos, no dia 8 de março de 2005. Culto, excelente redator, com publicação constante na imprensa de Montes Claros, deixou um magnífico legado de bons ensinamentos. Lema do seu Episcopado “Que Todos Sejam Um”.

Dom Geraldo Majela de Castro, nascido em Montes Claros, no dia 24 de junho de 1930. Aos 11 anos de idade, entrou para o Seminário Pirapora do Bom Jesus, em São Paulo, foi ordenado Sacerdote pela Ordem premonstatense, em 8 de dezembro de 1953, sagrado no Episcopado em 8 de setembro de 1982. A partir de primeiro de junho de 1988, assumiu definitivamente a Igreja Particular, tornando-se o sexto Bispo da Diocese de Montes Claros.

Em 25 de abril de 2001, o Papa João Paulo II, anunciou a elevação da Diocese de Montes Claros à condição de Arquidiocese. Em 29 de julho de 200l, Dom Geraldo foi efetivado como primeiro Arcebispo Metropolitano de Montes Claros. Seu Ministério prima pela preocupação social com forte espiritualidade. Ele foi o idealizador da Pastoral da Criança de Minas Gerais, juntamente com as Irmãs Juliana Philomena Verbist e Venina de Oliveira Tristão.

Ao completar 75 anos, idade limite para exercer o episcopado, ele o renuncia e em 2007 torna-se Administrador Diocesano de Montes Claros e desde então, Dom Geraldo Majela de Castro é o Arcebispo Emérito de Montes Claros.

Durante o seu Arcebispado, Dom Geraldo criou 34 paróquias e quase-paróquias. Hoje a Arquidiocese de Montes Claros tem 60 paróquias e quase-paróquias. Atualmente, ele é pároco da Paróquia São João Batista de Terra Branca. Lema do seu episcopado “Ide Também Vós Para A Minha Vinha”.

Dom José Alberto Moura, nascido em Ituiutaba, no dia 23 de outubro de 1943. É ordenado Sacerdote em 1971. Montes Claros, ganha em 7 de fevereiro de 2007, seu segundo Arcebispo e sétimo Bispo Diocesano. Seu lema de episcopado é “Acreditei, Por Isso Falei.”


Fontes e Bibliografias
____________________________________________
SILVA, Francisco Oliveira, Sub Umbra Alarum Tuarum – História da criação e organização da Diocese de Montes Claros, 1903-1943 / Francisco Oliveira Silva – Belo Horizonte: FUMARC, 2005.

Mestrado em História Eclesiástica pela Pontifícia Universidade Gregoriana (1995), doutorado em História Eclesiástica pela Pontifícia Universidade Gregoriana (2004) – reconhecido pela Universidade de São Paulo como Doutor em História Social conforme registro nº 070046. Idiomas: Italiano, Francês, Alemão, Espanhol, Inglês e Latim.

Site da Arquidiocese de Montes Claros, www.arquimoc.org.br


Bandeira de Montes Claros


Bandeira do Município de Montes Claros.
Decreto nº 564, de 18 de novembro de 1981.
(Site do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros).


Documento Histórico

BRASÃO DE ARMAS DO MUNICIPIO DE MONTES CLAROS E SEU
EMBLEMA REPRESENTATIVO


Documento do Arquivo histórico de Dário Teixeira Cotrim,
cedido gentilmente por Ruth Tupinambá Graça.


VILA RISONHA DE SANTO ANTÔNIO DA MANGA DE
SÃO ROMÃO - DECADÊNCIA E ASCENSÃO

Maria da Glória Caxito Mameluque
Cadeira N. 40
Patrono: Georgino Jorge de Souza

São Romão, terra onde nasci e me criei tem muitas histórias de guerras, revoluções e galhardia do seu povo, contada de boca em boca pelos mais velhos, que delas se lembram com orgulho. No entanto, teve fases contraditórias de ascensão e decadência. Sua história é marcada pela luta contra os índios caiapós e pela repressão aos quilombos e aos assaltantes de estrada. Mas é marcada, sobretudo, pelo inconformismo com o jugo colonial, que explode na Revolução do Sertão em 1736. Os revoltosos de São Romão formam uma espécie de governo provisório, cujo plano geral era de que o distrito de Ouros – a região do rio das Velhas e do Sabarabuçu – se juntaria aos revoltosos assim que fosse dominado o sertão do São Francisco.

São Romão foi centro comercial de importância, com negócios de peixe, carne, melancias, açúcar e, sobretudo, de sal: “naquele lugar labora o negócio de sal fabricado nas salinas do rio São Francisco, capitania da Bahia e Pernambuco, que, pelo mesmo rio acima, sobem quantidade de barcas a aportar em São Romão, onde concorrem os tropeiros a comprá-lo para conduzirem às minas de Goiás e muitas povoações das Gerais.” (Descrição geográfica, histórica e política da Capitania das Minas Gerais, 1781, autor ignorado, RevI.H.G.B,LXXI, parte I, 147).

Por resolução da Assembléia Geral de 13 de outubro de 1831, sancionada pela Regência, foi o arraial elevado à categoria de Vila, com a denominação de Vila Risonha de Santo Antônio da Manga de São Romão. Em 1871, a lei nº1.755 de 30 de março, transferiu a sede da Vila Risonha para o arraial de Pedras dos Angicos. Perdeu a regalia de sede municipal e também a de sede da Paróquia. Esta foi restaurada pela Lei nº 3.485, de 04 de outubro de 1887, que transferiu a freguesia de Morrinhos para Santo Antônio da Manga. Finalmente, ao ser criado o novo município com a lei nº 843, de 07 de setembro de 1923, teve sua denominação mudada pela mesma lei, de Santo Antônio da Manga de São Romão, para São Romão.

Nas minhas pesquisas para escrever a sua história, deparome com o noticiário impresso no Jornal “Minas Gerais”, da Imprensa Oficial, do ano de 1925:

“A antiga “Vila Risonha de Santo Antônio da Manga de São Romão há cerca de 95 anos passados, fora sede de um grande e rico município, que não só pela fertilidade e mineração de seu magnífico solo, como também pela operosidade dos seus filhos, ocupava uma posição de apreciável realce no seio da província de Minas, justamente considerado um dos mais prósperos municípios do vale do São Francisco.

Nessa próspera situação, trabalhando a estabilidade do seu progresso, conservou-se até que, pelas artimanhas de certos políticos, lhe foi arrebatada em 1873 a categoria de vila e transferida para o povoado de Pedras dos Angicos a sede da Comarca.

Mantinha por esse tempo ativo comércio com a zona próxima da província de Goiás, possuía considerável lavoura, trabalhada pelo braço da raça negra a par da bem desenvolvida indústria pastoril.

Mas, com a perda da sede da comarca, iniciara-se a decadência dessa próspera localidade, a qual, lenta a princípio, se tornara intensa pelo concurso de várias circunstâncias, adredemente trabalhadas pelos seus rancorosos inimigos políticos, que tudo empenharam na campanha de descrédito e derrocada do município.

Destarte, São Romão, no período de 1895 a 1907, tivera estremecimentos de inqualificável tapera, agonizando através de desconchavados casebres, ameaçando ruínas por sob um punhado de indolentes pescadores, já sem comércio, sem vida, enfim..

Foi então que por iniciativa do coronel Francisco José da Silva Caxito, o Governo do Estado mandou construir uma estrada de rodagem, ligando o decadente arraial à cidade de Formosa, no Estado de Goiás, a qual marcara um como início de nova era para o distrito e sede deste, pela atração que exercera sobre o comércio com os vizinhos centros de produção.

Pouco depois, estabelecia-se no arraial o esforçado comerciante Francisco de Sales Peixoto, que a golpes de poderosa propaganda conseguiu chamar ao velho arraial a concorrência das povoações ribeirinhas, que traziam ao seu mercado o produto dos seus trabalhos industrial e agrícola, contribuindo deste modo para o levantamento do seu comércio.

Todavia esses valiosos fatores, tendo contra si a tremenda decadência em que se encontrava o arraial, ainda eram insuficientes para elevar o nível moral e comercial da legendária terra dos Caiapós, à altura em que estivera no áureo período de 1826 a 1873, pois faltavam esses surtos de iniciativa particular, o princípio básico de todo progresso: a autonomia.

Coube à luminosa administração do inolvidável brasileiro Dr.Raul Soares partir a nefanda grilhete que reduzira São Romão à triste posição de simples distrito, criando pela Lei nº 843, de 7 de setembro de 1923, o município de São Romão, que foi solenemente instalado a 02 de março de 1924.

A partir desta memorável data, o município de São Romão vem trabalhando galhardamente o seu progresso, conduzido por uma operosa administração chefiada clarividentemente pelo coronel Saint-Clair Fernandes Valadares, presidente da Câmara, que tem posto a sua experimentada atividade a serviço do levantamento do município.

A vila de São Romão demora à margem esquerda do rio São Francisco, em posição vantajosa e considerável altura, que lhe garantem invejável salubridade; possui vários edifícios públicos: paço municipal, mercado, dois higiênicos prédios em que funcionam duas escolas; duas igrejas, dois cemitérios e é iluminada a querosene. O governo municipal, autorizado pela Câmara, dará brevemente à vila, iluminação elétrica e água encanada.

No corrente ano, São Romão vai ter o seu grupo escolar, que já se acha em construção num dos melhores pontos de sua sede. Essa grandiosa realização é mais um feito do Cel.Saint-clair Fernandes Valadares em prol do engrandecimento do município, o qual captara a atenção do ilustre Sr.Dr.Sandoval de Azevedo, que eficazmente vem desenvolvendo o problema da difusão do ensino, apoiado pelo ilustre Dr.Fernando Melo Viana.

Limites e extensão territorial: O município de São Romão limita-se a leste pelo rio São Francisco com os municípios de Brasília e São Francisco; pelos córregos de Santa Rita e Rio Preto com o de Januária; pelo rio Carinhanha com o Estado da Bahía; pela serra das Vertentes com o Estado de Goiás; ao Sul com os municípios de Paracatu e João Pinheiro; pelo rio Paracatu com o município de Pirapora. A maior extensão do município é a que se distende de Leste a Oeste, partindo da foz do rio Urucuia até as cabeceiras do mesmo, numa distância de 350 quilômetros, por 12 de largura; o extremo Este do município, além de guardar os seus maiores recursos naturais, dista poucas léguas do Planalto central, ponto escolhido para a futura capital da República.

Divisão Distrital: compõe-se o município de cinco distritos: vila de São Romão, sede; Capão Redondo, Arinos, Formoso, Buritis e Juanópolis.

População: a população do município é de 20.000 habitantes.

Área: 22.970 Km²

Paróquia: Está entregue à direção do Padre Amaro Falcão, vigário de São Francisco.

Habitações: A vila compõe-se de 250 casas e várias em construção.

Coletorias: Coletor federal: Cap. José Caetano Gomes; coletor estadual: Cap. Argemiro Peixoto; coletor municipal: Eustachio Martins de Sant´ana.

Associações: Mães de Família; Sociedade Operária Beneficente; São
Romão Foot-ball Club; Filarmônica 7 de setembro; SS.Sacramento; N.Sra. do Rosário; São Francisco de Paula e Sagrado Coração de Jesus.

Viação: somente a vila dispõe de meios de locomoção e transporte proporcionado pela navegação fluvial do São Francisco. O transporte de gêneros entre a sede do município e seus distritos faz-se por meio de morosos carros de bois, que por estradas primitivas levam muitos dias de viagem, dando ao comércio sérios prejuízos.

Agricultura: Contrastando com a uberdade dos terrenos situados nos distritos de Buritis, Arinos e Formoso, a agricultura neste município é pouco desenvolvida e muito rotineira, cultivando-se em pequena escala, arroz, feijão, mandioca e cana.

Riquezas naturais: O município de São Romão possui riquíssimas lavras de diamante, situadas em Capão Redondo, nos córregos da Extrema, Lavado, Santa Fé, Arinos, no rio Claro, que já foram exploradas dando apreciáveis resultados.

Florestas: Os distritos de Buritis, Arinos e São Romão estão cobertos de ricas florestas de madeira de lei, destacando-se aroeiras, vinhático, cedro, angico, sucupira, jatobá, umburana e tamboril.

Quedas d´água: Destacam-se já por sua beleza natural como pelo volume de vazão e altura dos seus saltos, as cachoeiras da Ilha, Gibóia, São Miguel, São Norberto, Santo André e Extrema.

Caça e pesca: A fauna desse município é bastante rica, abundando em todo o seu território veados, pacas, antas, capivaras, cutias, tamanduás, onças, garças, jacus, perdizes, marrecos, etc. Em peixe de toda espécie, o município é incomparavelmente rico.

Fazendeiros: Os principais: Cel. Severiano Gonçalves de Abreu, Francisco Alves Pereira, Cel. Saint-Clair Fernandes Valadares, Vitalino da Fonseca Melo, Benevides Borges Carneiro e outros.

Instrução: Na sede do município há duas escolas primárias e uma em
cada distrito.

Administração judiciária: 1º Juiz de Paz: Adelino Alves da Silva; 2º
Francisco José Leite; 3º Vicente Pereira Salgado.

Polícia: Delegado Cap. Belarmino Rodrigues Barbosa.

Administração Municipal: Presidente da Câmara Cel. Saint-Clair Fernandes Valadares; Vice-presidente: farmacêutico Manoel Simões Caxito; Secretário: Cap. Lindolfo Gonçalves Sobrinho; Secretário do Poder Executivo: Cap.Francisco de Sales Peixoto. Vereadores: Capitães Altino Alves da Silva, José Pereira Lameirão, Benevides Borges Carneiro e David Leopoldo de Lima.


São Romão - Minas Gerais


MULHERES BREJEIRAS

Maria Inês Silveira Carlos
Cadeira N. 38
Patrono: Francisco Sá

Quando alguns elementos da “Bandeira” de Fernão Dias Paes Leme fundaram em 1704 o povoado de Cruz das Almas das Caatingas do Rio Verde, o mundo vivia numa sociedade patriarcal. Patriarcado significa o poder do homem na família e na sociedade. Os patriarcas detinham o poder da vida e da morte sobre seus filhos, mulheres e escravos. Por essas bandas eles eram conhecidos como coronéis. E as mulheres brejeiras viviam submissas a esse poder, sem oportunidades e benefícios. Sem direito a decisões e vontades.

O mundo antigo dava pouca importância à mulher. Aristóteles, filósofo grego do século IV antes de Cristo, dizia que a mulher pode ser definida como um homem inferior. E assim a mulher ficou durante séculos. Foi a partir da Revolução Francesa em 1789 que a mulher passou a sentir sua força e potencialidade, e seu grito de liberdade começou a ecoar pelos quadrantes da terra. É claro que por aqui esse grito não chegou logo. Havia um imenso oceano de preconceitos e tabus que norteavam nossa sociedade. O masculino ainda prevalecia sobre o feminino.

O tempo correu. O povoado passou a Distrito com o nome de São Gonçalo do Brejo das Almas. Em 1923, criou-se o município de Brejo das Almas, desmembrado-se de Montes Claros. Em sete de setembro de 1924, foi instalado. Em 1938, adotou o nome de Francisco Sá.

A população era pequena, formada por fazendeiros e alguns comerciantes. Grande parte das mulheres era analfabeta. Poucas freqüentavam a escola. O destino da maioria era o casamento e para lavar, passar, cozinhar, servir ao marido e criar os numerosos filhos, não era necessário ir à escola. Muitos casamentos eram arranjados pelos pais e normalmente casavam-se com os primos para perpetuar o nome da família.

Quando ficavam viúvas, cobriam-se de luto pelo resto da vida. Sua existência resumia-se em ir à igreja (onde os homens sentavam-se na frente e as mulheres atrás), visitar os parentes e cuidar dos filhos. As diversões e festas estavam proibidas. Por não possuírem mais um marido para acompanhá-las, uma mulher viúva jamais poderia sair sozinha.

As separações conjugais estavam fora de cogitação: tinham que cumprir seu papel de esposa, mãe e mulher. Sofriam em silêncio a dor da traição, a dor do abandono, a dor da violência física, mental e social. A honra era lavada com sangue.

Na década de 40, algumas modificações foram sentidas: Havia algumas corajosas mulheres trabalhando no serviço público, ao lado dos homens. Várias jovens, após cursar o primário na Escola Eliseu Laborne, procuraram galgar degraus mais altos: foram estudar em Montes Claros, Belo Horizonte, Diamantina. Porém, a maioria permanecia apenas com o curso primário. Então nos anos 50, pessoas iluminadas conceberam o Ginásio Mariquinha Silveira, onde foi implantado o Curso Ginasial. As mentes começaram a abrir-se e os preconceitos a cair. A oportunidade chegou para muitas jovens que agarraram-na num abraço de decisão de crescer e mudar. O Ginásio
Mariquinha Silveira transformou-se na Escola Estadual Tiburtino Pena. Em 1965 criou-se o Curso de Magistério e em 1967, formou-se a primeira turma de Normalistas de Francisco Sá.

Embaladas pela Jovem Guarda, pelos Beatles, Elvis Presley e tantos outros formadores de opinião, as mulheres brejeiras, nos anos 60 viram-se de repente diante de uma grande transformação. O mundo não era mais o mesmo. Era preciso seguir a grande onda. As saias encurtaram, o maiô foi substituído pelo biquíni. Já podiam sair sozinhas e namorar com mais liberdade. E ouviram falar pela primeira vez na pílula anticoncepcional, que foi sem dúvida a maior de todas as nossas conquistas. A mulher agora era dona do seu próprio corpo: poderia escolher quantos filhos queria e quando os queria ter.

Não podemos esquecer das primeiras mulheres brejeiras que lutaram e ajudaram a construir com suor e abnegação essa bela terra. Primeiro, elas geraram os filhos e netos que hoje formam nossa sociedade. Segundo, porque tiveram a coragem de quebrar barreiras e romper tabus.

O progresso de Francisco Sá está extremamente ligado ao trabalho de suas mulheres. Deixando de lado vários títulos tais como: Rainha do Lar, Sexo Frágil, elas foram à luta em busca de identidade própria. Nos anos 70 e 80, novos espaços foram abertos, tanto no campo como na cidade. A economia cresceu bastante com a explosão da agricultura do alho. Sendo que cerca de 80% da mão de obra era feminina. Trabalhavam de 8 a 10 horas por dia. Eram exímias operárias, principalmente em trançar o alho. Mas o salário era bem menor do que ganhava um homem.

O curso superior começa a ser uma realidade para as mulheres brejeiras. O sonho da universidade não estava mais tão distante. E assim, dezenas dessas aguerridas mulheres (solteiras e casadas) lotaram a universidade de Montes Claros atrás de melhores oportunidades.

Hoje, onde estão as mulheres brejeiras? A maioria está militando nas escolas. O magistério é a grande força motriz que move as engrenagens da nossa sociedade. Talvez por falta de opção em outros campos elas têm se dedicado em ensinar. Ou será por que ainda temos ecos de um passado machista em que a mulher só podia exercer a profissão de professora por ser considerada uma extensão de seu lar? Temos uma boa parte trabalhando no serviço público municipal, estadual e federal. Há um número bastante expressivo na área autônoma. A trabalhadora rural é um grande exemplo de luta e garra. Muitas de nossas mulheres brilham lá fora.

Timidamente estamos ingressando na política. Durante esses 83 anos de emancipação, o Poder Legislativo ainda não atingiu o número de 10 vereadoras; e só em 2004 tivemos a primeira candidata ao cargo de prefeita.

Existe um grande número de mulheres invisíveis; são aquelas que trabalham muito, mas não fazem parte das estatísticas. Não possuem carteira assinada, não têm acesso à previdência e nem a aposentadoria futura. São as donas de casa, as empregadas domésticas e as bóias-frias. Há também as que estão desempregadas por falta de qualificação ou de vagas.

Ao amanhecer do século XXI, a mulher brejeira ainda não pode dizer que já conquistou tudo. Realmente, há um novo paradigma, um avanço no conhecimento, nas concepções. O século XX trouxe inúmeros avanços, todos com muita luta, é claro. Mas é preciso fazer mais. É preciso criar novas fontes de trabalho, mais escolas e, sobretudo cumprir as leis. É necessário que se cumpra à lei com rigor, principalmente quando se trata da violência contra as mulheres, que, infelizmente, aqui ainda se pratica muito.

A época é de intenso desafio. Não dá mais para retroceder. As máscaras caíram. Hoje, a mulher mostra sua verdadeira personalidade e vai atrás de seus sonhos, de seus anseios. Podemos escolher se queremos ser mãe dedicada, uma profissional de sucesso, uma boa companheira ou tudo isso junto. Coragem e determinação não nos
faltam, segundo Milton Nascimento e Fernando Brant no belíssimo poema Maria Maria, porque “quem traz no corpo essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida”.


DA VELHA GUARDA

Maria Luiza Silveira Telles
Cadeira N. 54
Patrono: Coronel Geraldo Tito da Silveira

 

INTRODUÇÃO

Q uando levantamos a vida de alguém, que foi importante dentro de uma comunidade ou dentro de uma instituição, estamos a resgatar a História. E é no passado, em nossas raízes, que vamos compreender melhor o nosso presente e projetar o futuro. Pretendemos, aqui, fazer um breve levantamento da trajetória de vida de Geraldo Tito Silveira, escritor de vinte e quatro obras publicadas e onze ainda inéditas, historiador e tenente-coronel da Polícia Militar de Minas Gerais, comumente conhecido pela alcunha de Cel. Tito.


DADOS BIOGRÁFICOS

Geraldo Tito Silveira nasceu em Francisco Sá, então Brejo das Almas, município de Montes Claros, no dia 6 de fevereiro de 1917, e faleceu nesta cidade, no dia 18 de dezembro, de 2005. Era filho de Jacinto Alves da Silveira, emancipador do município de
Francisco Sá, fazendeiro e político, primeiro presidente da Câmara Municipal de sua terra, e da Professora Maria Luiza Araújo da Silveira, a mais antiga mestra formada de Brejo das Almas.

Terminou, com distinção, o curso primário no Grupo Escolar de Brejo das Almas, onde era diretora sua própria mãe. Este era o primeiro diploma de outros tantos que receberia pela vida afora.

Aos 12 anos, transferiu-se para Montes Claros, indo residir com seus padrinhos, Dr. João José Alves e Dona Tiburtina Câmara Alves, quando entrou para o Ginásio Diocesano, dirigido pelos padres premonstratenses, tendo tido por mestres e amigos, por toda uma vida, pessoas como o padre Marcus e padre Chico. Foi contemporâneo de vários futuros políticos e figuras importantes em Montes Claros e região, como Anfrísio Coelho, Anísio Santos, Luiz de Paula, Konstantin Cristoff e tantos outros.

Aos 16 anos, terminado o ginásio, foi para Belo Horizonte, onde começaria uma vida brilhante, profícua e de grande expansão intelectual. Com seu pai já paralisado pelo Mal de Parkinson, esgotado em seus recursos financeiros pela política e pelos médicos da capital, prometendo-lhe sempre a cura, Geraldo Tito Silveira, já tendo feito exames para o curso de odontologia, viu-se obrigado a trabalhar, entrando, então, para a Força Policial do Estado de Minas Gerais.

Fez o Curso de oficiais e foi declarado aspirante, na turma de 1941, pelo Comandante-Geral, Cel. Alvino Alves Menezes. Começava, aí, uma carreira extraordinária dentro da corporação, que amou, talvez, tanto ou mais, que à sua própria família.

Durante sua carreira militar foi delegado especial das seguintes cidades: Tupaciguara, Abaeté, Itabirito, Manhumirim, Araxá, Pedro Leopoldo, Itanhandu, Pouso Alto, Machado, São Lourenço, Francisco Sá, Porteirinha, Montes Claros, Santos Dumont e Bocaiúva.

Como oficial de gabinete de vários Comandantes-Gerais, trabalhou intensamente no sentido de conseguir instalar um batalhão em sua amada Montes Claros, sendo, depois, este o 10º Batalhão, onde foi comandante e sub-comandante.

Foi assistente militar do Secretário de Estado do Interior, Dr. João Nogueira de Rezende, ajudante de ordens do Núncio Apostólico no Brasil, Dom Armando Lombardi, diretor da Escola Caio Martins, em Esmeraldas, professor de História do Colégio Tiradentes, em Belo Horizonte, etc.

Além do curso de Oficiais, diplomou-se, ainda, como Instrutor de Educação Física, Assistente Social, e, dentre outros, fez o curso de Aperfeiçoamento de Oficiais e Ciências Psicobiofísicas.


OBRAS

Deixou publicadas as seguintes obras: “Pôncio Pilatos”, “O Padre Velho”, “Memórias de Cláudia Prócula”, “Crônica da Polícia Militar de Minas Gerais”, “Os Milicianos da Capitania do Ouro”, “Os Litóstrotos”, “A Família Silveira de Brejo das Almas”, “Conversa de Meganha”, “O quarto Mosqueteiro”, “Evangelho segundo Judas”, “O salto no Tempo”, “Lembranças antigas do Brejo das Almas”, “Fumaça de Satanás”, “O clero da Foice e do Martelo”, “Tocaia de Bugres”, “A dança da Gangorra”, “Os Bigodudos”. Deixou inéditas onze obras, quase todas sobre Jesus, os evangelhos apócrifos e a criação do universo. Todas estas obras fazem parte da Biblioteca do Exército, da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos (Acessionslist:Brazil) e da Biblioteca “Coronel Geraldo Tito Silveira”, do 10º Batalhão.


PRÊMIOS LITERÁRIOS

Recebeu vários prêmios literários, sendo os mais importantes: Prêmio Cidade de Belo Horizonte, categoria Conto; Prêmio Reader's Digest, categoria Livro.


HONRARIAS

- Medalha da Inconfidência;
- Medalha Cel. Fulgêncio de Sousa Santos;
- Medalha do Dever cumprido;
- Certificado de participação, com louvor, da Comissão do Bicentenário da morte de Tiradentes;
- Diploma do 55º Batalhão de Infantaria do Ministério do Exército por palestras proferidas;
- Diploma “Jair de Oliveira”, pela 1ª Delegacia Regional do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, por seu trabalho como jornalista;
- título de benemérito da Biblioteca Pública de Montes Claros;
- Diploma de Pesquisador Honoris Causa, conferido pela Academia de Polícia Militar de Minas Gerais;
- Medalha Alferes Tiradentes;
- Medalha de Honra da Inconfidência;
- Medalha do Bicentenário da morte de Tiradentes;
- título de Historiador Emérito da Polícia Militar de Minas Gerais;
- Medalha pelos 30 anos de serviços prestados


OUTRAS ATIVIDADES

Geraldo Tito Silveira foi, também, jornalista por cerca de 50 anos, escrevendo para o Estado de Minas, Hoje em Dia, Diário da Tarde, Diário de Minas, O Globo, Jornal do Brasil, além dos jornais de Montes Claros, como O Diário, Jornal do Norte e Jornal de Notícias. Foi diretor-superintendente do Jornal do Norte, de 1983 a 1984. Escreveu para diversas revistas e mereceu críticas extraordinárias dos famosos jornalistas: Miguel Chalup, Augusto de Lima Júnior, Manoel Hygino dos Santos, Moacir de Andrade, Mello Cançado, Euclides de Andrade, Jair Silva e outros.

Foi membro da Academia Municipalista de Letras, Academia Montesclarense de Letras, Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e acadêmico fundador da Academia de Letras João Guimarães Rosa, da Polícia Militar de Minas Gerais. Além destas atividades, foi, ainda, prefeito de sua terra natal e chefe de segurança das Usinas Malvinas.


DESCENDÊNCIA

Casou-se, em primeiras núpcias, com a professora de Ioga, Maria José Nunes Silveira, de ilustre família mineira, oriunda do sul de Minas, tendo tido com ela seis filhos: Maria Luiza Silveira Teles, professora universitária aposentada, escritora e terapeuta; José Jorge Nunes Silveira, jornalista e funcionário público federal; Dr. Eustáquio Nunes Silveira, desembargador federal aposentado; Dr. Alexandre Nunes Silveira, advogado da CEF; Dr. Aristóbulo Nunes Silveira, médico cardiologista; Dr.TitoValério Messala da Silveira, engenheiro de Telecomunicações da TV Record. Deixou, ainda, os seguintes netos: Alex Vladimir Sarmento da Silveira, Iuri Sarmento da Silveira, Dimitri Sarmento da Silveira, Ana Flávia Weber da Silveira, Tatiana Silveira Teles, Andréia Silveira Matos, Daniela Silveira Carvalho, Igor Santos Silveira, Alessandra Rabelo Silveira, Felipe de Paula Silveira. Desta descendência, teve os seguintes bisnetos: Líliam Teles Silveira Sena, Andrey Silveira, Axel Silveira, Aline Silveira Matos, Pedro Silveira Matos e Ludmila Silveira Carvalho.

Em segundas núpcias, casou-se com a senhora Maria de Fátima Oliva da Silveira, tendo com ela a filha Ivana Oliva da Silveira.


CONCLUSÃO

A seu respeito escreveu o grande poeta e intelectual, Cândido Canela: “Conheço Geraldo Tito Silveira desde os tempos de calças curtas. Ao contrário do que muitos pensam, trata-se de um homem de bom coração, caridoso, cidadão correto, militar digno de seus galões, espírita kardecista convicto, excelente esposo, pai e avô amorosíssimo.”

Por ter lidado com oligarquias que queriam dobrá-lo pela força da autoridade e do dinheiro e com pessoas que o ameaçavam, através de armas, por circunstâncias de sua própria profissão, ele desenvolveu uma couraça de brabeza.

Entretanto, prova das palavras de Cândido Canela foi o fato de ter deixado, por onde passou, dezenas de afilhados, filhos de soldados, cabos e sargentos, que sempre o amaram e respeitaram muito. Em Barbacena, ajudou muito no Lactário. Sempre foi buscado por seus companheiros subordinados, na Polícia Militar, para conselhos e ajuda de todo tipo.

Geraldo Tito Silveira, ou Cel. Tito, como era conhecido, além de um brilhante legado à Polícia Militar de Minas Gerais e à sociedade, deixa, também, pastas e mais pastas de documentos e pesquisas nas mãos de sua filha, a Professora e escritora Maria Luiza Silveira Teles.

Morreu o brilhante intelectual, o soldado de coração, o homem de coragem, o espírito combativo, o espiritualista, uma verdadeira enciclopédia humana, o coronel da “velha guarda”. Mas, por ele, que sempre repetia as palavras de John Donne:“ Não perguntes por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti”, os sinos haverão de dobrar sempre nos corações daqueles que o amaram.


ITACARAMBI: UMA CIDADE ENTRE RIOS E CAVERNAS

Marta Verônica Vasconcelos Leite
Cadeira N. 17
Patronio: Agusto de St Hilaire

RESUMO

studo sistemático da oferta turística da cidade de Itacarambi, município norte-mineiro com um rico conjunto de recursos naturais, culturais e históricos. Cidade conhecida como Porto de Jacarés, é marcada pela influência do Rio São Francisco. No cenário nacional, destaca-se como um dos municípios que abrigam o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu.


PALAVRAS-CHAVE

Itacarambi, Rio São Francisco, Oferta Turística, Parque Nacional Cavernas do Peruaçu.


INTRODUÇÃO

O amanhecer no Rio São Francisco tendo como fundo o morro que dá nome à cidade, Itacarambi: “Rio da Pedra Redonda”, “Peixe que nada em volta da Pedra” ou ainda “Pedra de Duas Caras”.

Revoada de pássaros, casinhas em estilo colonial brasileiro, mais além olhos d'água, canyons, campos, matas, grutas. É o Peruaçu. Festas populares e religiosas, misto da alma sertaneja, sem falar na receptividade de um povo mestiço, bom por natureza.

Paz, água, belezas agrestes e únicas. Itacarambi parece ser um paraíso distante, mas não é. Está “logo ali”, a 220 km de Montes Claros e 660 de Belo Horizonte.

A história do município tem como um de seus marcos iniciais um arraial de poucos habitantes, apelidados de jacarezinhos. Era comum à época que barqueiros avistassem vários desses répteis tomando sol às margens do Rio São Francisco, de onde a origem da denominação. Esses primeiros moradores do lugar eram índios Gamelas e Xacriabás, que ainda hoje habitam as proximidades da região.

Na margem oposta ao antigo arraial localiza-se a Ilha do Capão, a qual formou-se com a abertura de um braço do rio por esses mesmos índios. Com sua força braçal eles retiraram areia dando origem a uma lagoa de grande beleza, porém habitada por piranhas, o mais voraz dos peixes de água doce. Hoje a Ilha do Capão pertence a uma comunidade crioula, já que seus primeiros moradores retiraramse para São João das Missões.

Outra antiga comunidade é Brejo do Pindaíba, onde a devoção a Nossa Senhora Santana mobiliza a todos em uma bela festa no dia 26 de julho.

Prosseguindo sua história, o povoado de Jacaré recebeu o nome de Itacarambi pela Lei n.º 921, de 24 de setembro de 1926, momento em que o local contava com apenas três ruas e a “estrada” do Rio São Francisco, como relatam seus moradores mais antigos, porque o rio era a estrada.

Em 30 de dezembro de 1962, Itacarambi, então distrito pertencente a Januária, é elevado a município pela Lei n.º 2.764. no ano seguinte, é instalada a intendência do Senhor Nelson Fonseca Pinto, dando início à cidade.


RAÍZES DE UM POVO

A ocupação da região de Itacarambi remonta a períodos préhistóricos. Nos sítios arqueológicos do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, localizado neste município, inúmeros abrigos e entradas de cavernas contém registros de ocupação humana datados em até 12 mil anos.

Os verdadeiros primeiros habitantes do local eram grupos de caçadores e coletores, que só mais tarde foram substituídos pelas populações indígenas de agricultores. Dentre os registros pré-históricos, há inscrições rupestres nas paredes das grutas e cavernas, além de “oficinas, espaços rituais, habitações, silos para guardar alimentos, cerâmica (...) os quais vêm fornecendo dados essenciais para a reconstituição dos vários aspectos do modo de vida dos homens pré-históricos do interior do Brasil.”

Posteriormente, vieram os bandeirantes em busca das riquezas escondidas no subsolo e, com o passar do tempo, o povo de Itacarambi foi se constituindo nessa mistura de nativos, colonizadores brancos e seus escravos, além de escravos fugidos e nordestinos, que desciam pelo Rio São Francisco e iam se acomodando às suas margens.

Ainda hoje, sobrevivem famílias que tiveram papel marcante nessa história, como os Ferreira de Brejo da Pindaíba, os Moreira, os Azevedo e os Barbosa, essas duas últimas vindas da Bahia. Além disso, destacam-se a figura do Coronel Horácio de Matos e as famílias Sá, Corrêa, dentre outras.

Outros importantes personagens dessa história são os missionários jesuítas, que deixaram sua marca na catequese da região e na construção de igrejas.

Em Itacarambi, além de construírem o templo em 1794, eles incentivaram a devoção a Nossa Senhora da Conceição, que se tornou a padroeira da cidade. De construção rústica e estilo eclético, essa igreja encontra-se voltada pra o Rio São Francisco, como é comum nas cidades ribeirinhas. Como propagadores do cristianismo, os jesuítas também ergueram um cruzeiro em madeiro à frente da mesma.


ASPECTOS FÍSICOS

Itacarambi tem relevo de planalto, com cerca da 85% de terrenos planos, 10% ondulados e 5% montanhosos.

A vegetação é de transição entre o cerrado e a caatinga. Sua flora é de savana, contando com um rico patrimônio de mais de dez mil espécies. Entre as espécies mais comuns estão: o Barbatimão, o Pau-santo, a Aroeira-do-sertão, o Tingui, o Murici, o Pequizeiro, o Jatobá, o Araticum e a Barriguda-de-espinho ou Embaré.

Dois rios perenes cortam o município: O Rio São Francisco, já citado, e o Rio Peruaçu, além de seus afluentes. A temperatura média oscila entre 26 e 12 graus. Possui hoje 17.455 habitantes, entre a sede do município e a zona rural.


ASPECTOS ECONÔMICOS

A base da economia em Itacarambi ainda á a agricultura, com cultivo de milho, feijão, mamona, banana, mandioca, entre outros. Possui pecuária de corte em 250 propriedades e 192 criadores.

Há no município exploração de manganês e presença da agroindústria, em que se destaca a indústria de beneficiamento de combustíveis à base de mamona.

Infelizmente, a pesca no Rio São Francisco não é mais uma atividade relevante para Itacarambi, em virtude da escassez de peixes.


ASPECTOS CULTURAIS

O Rio São Francisco esteve na origem dessa cidade e ainda hoje é fonte primordial de vida e importante atrativo turístico, posto que a ele se ligam as principais influências culturais.

Das manifestações populares e folclóricas destacam-se o Carimbó, dança presente no norte e nordeste do país e que certamente chegou à região através do Rio São Francisco. Nela se percebem influências afro, indígena e portuguesa, uma vez que é marcada pelo uso do atabaque – tambor feito de tronco coberto com couro de veado.

Os dançarinos de Carimbó evoluem em pares. O cavalheiro comanda os passos seguido pela dama, que dá inúmeras voltas, sempre obedecendo ao ritmo dos instrumentos e lembrando uma dança de roda. É uma dança livre, com a marcação do ritmo feita pela perna direita enquanto a esquerda é arrastada ou visa e versa. Os braços se elevam acima dos ombros em forma de “L” e acompanham o gingado do corpo.

O traje usado no Carimbó é composto por saias longas e rodadas e blusas brancas paras as mulheres. Para os homens, roupas comuns com um lenço em volta do pescoço e calças erguidas acima dos tornozelos.

De tradição portuguesa, a Dança da Fita também acontece em Itacarambi. Rapazes e moças giram em torno de um mastro onde são afixadas fitas coloridas que durante a dança são trançadas e destrançadas. Essa dança representa uma louvação à fertilidade da árvore, como agradecimento aos seus frutos e como pedido de fartura para as próximas colheitas.

Outra manifestação de destaque é o “Reis do Boi”, folgueto popular que acontece nas cidades ribeirinhas do São Francisco, em algumas delas participando do Reisado. De origem portuguesa, tratase de uma representação de captura, morte e ressurreição do boi. A figura do boi remete ao cotidiano rural da região. Acontece no período junino e está ligado também às festas da colheita e a elementos religiosos, em virtude da ressurreição, aspecto sincrético utilizado pelos jesuítas.

Outro ritual comum nas cidades ribeirinhas é o Terno dos Temerosos ou Rei dos Cacetes, que lembra batalhas distantes. Vestidos com trajes de marinheiros, os dançarinos apresentam-se através de gestos e batidas de paus.

Itacarambi também valoriza o canto coral, destacando-se na cidade o Coral das escolas Municipais, com repertório sacro e popular.

Mantendo a tradição ribeirinha, a culinária local valoriza os peixes, especialmente o surubim preparado em postas assadas ou em cozimento com leite de côco e tempeiro verde.

Férias em Itacambira se tornaram especiais depois da criação da Thurma do Babbaloo. O evento, que acontece no Clube Recreativo para aproximadamente 1.100 pessoas, atrai turistas e filhos ausentes da cidade, além de moradores da região.

Também atraem numerosos turistas os enduros nas trilhas dos gerais e o cross country, que ocorrem nos meses de setembro e outubro. São campeonatos que partem da Praça da Água Viva e movimentam toda a cidade.

As festas juninas são tradicionais, especialmente a chamada Festa da Dora, realizada na primeira quinzena do mês, mobilizando toda a população com barraquinhas, bandas e atrativos culinários.

Uma curiosidade é o Campeonato de Som Automotivo. O evento ocorre sempre nos domingos de Carnaval na Praça Água Viva, reunindo moradores e visitantes interessados na área.

As vaquejadas do mês de julho são outra tradição local. Ocorrem na Fazenda Lago da Serra e atraem aproximadamente 500 pessoas a cada ano.

Além dos eventos citados, vale ressaltar as festas da Padroeira Imaculada Conceição nos meses de novembro e dezembro, com público estimado em 3 mil pessoas. Como festa religiosa, mantém as tradições do levantamento de mastro, das coroações, missas, procissões com imagens e decoração de ruas e praças nas cores azul e branca.


ATRATIVOS NATURAIS

O Parque Nacional Cavernas do Peruaçu (PNCP) é sem dúvida o local em que se concentram os maiores atrativos naturais do norte de Minas e uma das mais importantes reservas de proteção ambiental do Brasil. Localiza-se na rodovia MG 135, km 155, no distrito de Fabião I, contanto com posto de fiscalização do IBAMA.

O Parque constitui unidade de conservação federal por possuir mais de 140 cavernas e 80 sítios arqueológicos catalogados com pinturas rupestres de extremo valor histórico, ainda merecendo investigações mais apuradas. Seu Plano de Manejo foi aprovado pelo
IBAMA em 28 de dezembro de 2005.

Com 56.800 hectares, possui potencial indiscutível para o ecoturismo, prática de esportes de aventura, espeleologia, pesquisas científicas e atividades de educação ambiental.

São destaques os sítios arqueológicos: Buraco dos Macacos, Gruta do Janelão, Arco do André e as Lapas dos Desenhos, dos Cascudos, dos Troncos, do Cabloco e do Brejal. Essas cavernas impressionam por suas grandes dimensões, sendo que em algumas o Rio Peruaçu desaparece , correndo subterrâneo, para surgir bem à frente.

Vale ressaltar que no cenário internacional as dimensões da caverna do Janelão só são comparáveis às da Caverna Deer Cave no Parque Nacional de Mule em Sarawak, Borneo. Ainda assim, segundo especialistas, o Janelão ganha em beleza cênica. “No Janelão tudo é grandioso, desde o pé direito que ultrapassa 100 metros de altura, proporcionando uma das mais belas visões do Brasil subterrâneo, até uma estalactite medindo 28 metros, a maior do mundo, segundo a SBE.”


DE ACORDO COM O PLANO DE MANEJO DO PARQUE DO PERUAÇU

“Em nível internacional existem poucos locais que reúnam de forma tão magnífica e com tanta relevância científica atrativos naturais como é o caso do Cânion, das cavernas e dos sítios arqueológicos do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu.”

A principal via de acesso aos atrativos dentro do parque é uma estrada de terra que liga os distritos de Fabião I e Vargem Grande. Há uma linha de ônibus municipal que serve essa estrada duas vezes por dia.

Por fim, cabe informar que:

“O Parque pode ser visitado por qualquer cidadão, desde que acompanhado por um condutor cadastrado da área. O turismo deverá seguir os roteiros pré-definidos disponíveis no PNCP e acompanhar a rotina geral de visitação do Parque (atividades recreativas, educativas e integrativas).”

Considerações finais: possibilidades turísticas.

O levantamento dos aspectos históricos, econômicos, culturais e naturais de Itacarambi revela que a cidade possui considerável potencial turístico.

Observando sua infra-estrutura, conclui-se a viabilidade do atendimento ao turista em virtude da existência de hotéis, pousadas e área de campi, com equipamentos e serviços à altura de cidades de porte médio. Além disso, conta com comércio diversificado, agência bancária, correios, policiamento civil e militar, hospital, clínicas médicas e postos de saúde para bem atender os visitantes.

Em fim, vale a pena conhecer Itacarambi, essa cidade às margens do Rio São Francisco, que possui na arqueologia, fauna e flora uma riqueza incalculável hoje preservada graças ao Parque Nacional Cavernas do Peruaçu. Não obstante, mesmo que ele não existisse, seria motivo suficiente para visitar a cidade o rico patrimônio imaterial que vai do por do sol indescritível ao precioso acervo de histórias do homem mestiço cujos ancestrais habitam o lugar há milênios.Referências Bibliográficas.


ARQUEOLOGIA

A fascinante pré-história de Minas Gerais. In: Revista Minas Faz Ciência, n. 26, junho a agosto de 2006. Disponível em: http://revista.fapemig.br/materia.php?id=175. Acesso em 07 de junho de 2006.


ITACARAMBI

Disponível em:
http://www.descubraminas.com.br/destinosturisticos/
hpg_municipio.asp?id_municipio=61. Acesso em 01 de junho de 2006.

LIMA, J. Parque Nacional Cavernas do Peruaçu – MG. Disponível em: http://www.geo.org.br/. Acesso em 01 de junho de 2006. MATA-MACHADO, B. História do Sertão Noroeste de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1991. PILÓ, L. B.; RUBBIOLI, E. Cavernas do Vale do Rio Peruaçu (Januária e Itacarambi), MG: obra-prima de carste brasileiro. In: Schobbenhaus, C.; Campos, D. A.; Queiroz, E. T.; Winge, M.; Berbert-Born, M. L.C. (Edit.) Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Brasília: Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), 2002, p. 453-60.
PLANO de Manejo do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu. [s.n.d.]

____________________________________
1 - A variedade de significações para o nome do município deve-se, possivelmente, à remota coexistência
de diferentes tribos indígenas nas margens do rio, as quais comunicavam-se cada uma em seu
próprio dialeto do Tupi-guarani.
2 - Dados retirados do site Descubra Minas.
3 - Piló e Rubbioli, 2002
4 - Lima, s/d.
5 - idem
6 - Plano de Manejo do PNCP
7 - idem

LÁGRIMAS PELO COMENDADOR

Olyntho Alves da Silveira
Cadeira N. 50
Patrono: Jair Oliveira

 

Não se completaram vinte dias quando, no nosso último encontro, falei-lhe na doença que ameaçava um nosso amigo e companheiro do Elos Clube. E ele, ao mesmo tempo assustado e pesaroso pelo choque da notícia, lamentou o estado do amigo comum e, no seu sotaque de português, fez uma rogativa a Deus, pelo companheiro. E, no entanto, foi por sua boa alma que rogamos a Deus, hoje, enquanto o amigo de quem lhe falei, segundo notícias, está fora de perigo. Prova da ignorância do homem, frente aos desígnios do Criador.

Não posso afirmar ter sido Antônio Loureiro Ramos um homem feliz, dependendo do conceito que cada qual de nós tem de Felicidade. Segundo o poeta, ela nunca está onde a procuramos, e nunca a procuramos onde ela está. E neste jogo de palavras, vamosnos embaraçando. Em relação ao nosso Comendador, só posso afirmar que foi um homem bom. E o homem bom só é feliz quando procura dar felicidade a alguém. E foi o que ele fez. Então, a conclusão é lógica. Falem por mim, os que ele ajudou. Principalmente os seus compatriotas. Dentro desta conceituação, o comendador Antônio Loureiro Ramos deve ter sido feliz. Porém, levando-se em conta o que disse certa escritora alemã que, abjurando o protestantismo aderiu ao catolicismo, talvez agora, que ele aqui não mais está, pode sentir-se feliz. Refiro-me à autora do Sudário de Verônica, Gertrud von Le Fort, quando escreve: “Felicidade só há no céu e Justiça só no inferno; nesta terra há a cruz”. Palavras contundentes, mas que me parece verdadeiras. Ora, quem passou por esta terra conduzindo a própria cruz e procurou ainda aliviar a outros do peso da suas, ao se transferir daqui, só deve ter um caminho a trilhar: o do céu, pois nunca mereceria a justiça do inferno.

Um homem que guardava no coração o amor de duas pátrias, sempre a balançar entre as duas, não poderia conservá-lo forte por muito tempo. E ontem, ele parou para tristeza de suas duas famílias: a do sangue e a elista.

O esfacelamento da pátria do seu berço trouxe-lhe muita tristeza. Em palestras que mantivemos com ele, eu e alguns companheiros elistas, eu, pelo menos vi, no espelho dos seus olhos, o abatimento que vinha da alma.

Chegara mesmo ele a afirmar-nos temer uma nova visita ao seu velho Portugal, por receio de não o reconhecer! E esta dor sempre renovada por notícias negativas, como a ferrugem destrói o ferro, minava-lhe o coração, já doente. Mesmo com o conforto e o carinho da família e os estímulos dos companheiros do Elos Clube, ele sofria. Não seria preciso um psicólogo para notar-lhe a transformação depois da desagregação da pátria de além-mar. E ontem ele baqueou. Mas ali, no seu clube – que foi uma das suas muitas realizações positivas -, nunca estará ausente o seu espírito. Porque tudo que lá construiu, fá-lo-á sempre presente, mesmo fechado, na linguagem do silêncio.

Meu caro comendador Antônio Ramos! A sua alma presenciou ali, a apoteose das homenagens ao seu corpo inerte. E uma das mais tocantes, foi a que lhe prestaram os soldados do fogo. Prova de que neste mundo em decomposição, há ainda os que cultivam um dos mais elevados sentimentos de nobreza humana: GRATIDÃO. E deste sentimento deram prova os componentes do Corpo de Bombeiros, criado aqui pelo seu esforço. Aos seus homens, do comandante ás praças, o reconhecimento dos Elos Clube. Foi com esta finalidade, ausente amigo, que fiz esta crônica, falando em Você.

Porque o homem só se torna verdadeiramente grande quando é digno das homenagens dos humildes, porque nascem da Sinceridade.

Verto poeta inicia assim o seu canto: “Lágrimas fingidas, não as quero...” Mas, as derramadas pelo Comendador, foram sinceras, quando os oradores lhe faziam o necrológio. E isto não é muito comum.


A DIMENSÃO DE UM HOMEM

Petrônio Braz
Cadeira N. 18
Patrono: Brasiliano Braz

A MANHÃ DE UMA VIDA

O historiador Brasiliano Braz, patrono da Cadeira nº 18 do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, da Cadeira nº 01 da Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco e da Cadeira nº 36 da Academia de Letras do Noroeste de Minas (Paracatu), foi parte viva da história do município de São Francisco/MG, que ele tão bem escreveu, e com a qual se identificou nos últimos cinqüenta anos de sua vida.

Ao contrário de muitos políticos, ele assentou sua vida no respeito ao patrimônio público. Deu muito de si, sem nada tirar para si mesmo. Muito deu e pouco recebeu em troca de sua honestidade pública, hoje decantada, constituindo-se motivo de encômios de todos que o conheceram e pretexto de orgulho de seus familiares.

Sua vida teve início no arraial de Contendas, hoje próspera cidade de Brasília de Minas, nos últimos anos do Século XIX, ou mais precisamente no dia 09 de junho de 1897.

Sant'Ana de Contendas era, ainda, uma Vila, sede do município desmembrado de Montes Claros, antiga Formigas. Ali a vida comunitária desenvolvia-se sob os efeitos das contendas entre os habitantes das margens direita e esquerda do ribeirão Paracatu.

Na pequena povoação o menino Braz Caxeado de Almeida, que mais tarde se tornaria Brasiliano Brasilino Braz, ou simplesmente Brasiliano Braz, na espontaneidade inerente aos filhotes das águias, que desconhecem a visão majestosa do universo, dos levantados montes ou dos vales infinitos, na visão primária das cercanias de Contendas, cobertas de coqueirais, cujos horizontes vêm enturvados pelas suaves ondulações do terreno informe, quis procurar, ainda na infância, amplidões maiores. Como uma jovem águia, que nos seus primeiros e vacilantes vôos aventura-se pelo azul celeste do empíreo, que se descortina à sua frente, Brasiliano Braz quis ver além daqueles horizontes incertos.

Nessa aventura, empurrado pelas mãos de Aisa, o mensageiro homérico do Destino, arribou à então insegura terra de São Francisco, ainda conhecida por Pedras dos Angicos, ou simplesmente Pedras.

Ali, nas margens do majestoso rio São Francisco, sobre o cais natural de xisto calcário, de incomparável perfeição, vegetava denso angical. Cais e angical uniam-se em um complexo uniforme. O primeiro dava à cidade a proteção necessária contra as inundações periódicas do rio, que lhe tinha emprestado o nome; o segundo ornava o local com sua selvagem beleza. Nesse conjunto Domingos do Prado, o bandeirante intrépido, construiu a primeira capela, indispensável aos colonizadores, apegados à fé religiosa da Igreja de Cristo.

Em Brasiliano Braz, que ali chegou na aurora do Século XX, o líder já se antecipava ao jovem que aspirava crescer, que já buscava, desde a infância, avaliar o que existia por entre as capas de tantos livros quantos encontrasse em seu percurso de vida, fundindo os alicerces culturais, que haveriam de sustentar o autodidata do futuro, e marcariam precocemente sua personalidade. Ali criou raízes e construiu seu único e permanente ninho, como a águia dos Alpes italianos. O jovem Braz, já conhecido como Brazinho, não teve dúvidas em trocar os coqueirais das Contendas pelos angicais das Pedras dos Angicos.

A predestinação, a firmeza de propósitos, a coragem e a fidelidade aos amigos fizeram dele um líder cuja força e poder somente no ancião foram abrandadas.

A consideração pública, afirmou Péricles na clássica Grécia, só pode ser obtida pelos que têm talento e probidade. O talento de Brasiliano Braz fez dele o historiador; sua probidade, que se originou de sua integridade moral, criou o líder incontestável.

Nos primeiros anos do Século XX viveu, como espectador eqüidistante, no palco dos horripilantes prélios políticos. Conheceu e conviveu com inúmeros líderes da comunidade nascente. Viu, à noite, a pequena cidade iluminada pelos lampiões a querosene. Estava presente, no cenário urbano das Pedras dos Angicos, quando ocorreu o assassinato do juiz político Antero Simões e presenciou a invasão da cidade pelo bando de Antônio Dó.

Ainda na infância, graças aos seus atributos pessoais já marcantes, foi amparado pelo coronel João Dias Maynart, após o falecimento de seu pai João Caxeado de Almeida, em 1905, órfão que era de mãe desde 1903, e nele, por este gesto magnânimo, começaram a se fixar os sentimentos de amor à terra de São Francisco.

Antes de ingressar, como protagonista, na vida pública, o que ocorreu a partir de 1931, acompanhou, já com o interesse nascente, os acontecimentos da vida social e política da terra adotiva. Presenciou perseguições, que eram uma constante no quadro político-social. Não o simples afastamento de um cargo público, mas o frio assassinato, a eliminação sumária de grandes vultos.

A visão de tais fatos foi criando, em seu espírito em formação, a revolta contra essa forma hedionda de fazer política. Forma execrável de disputa, em que valia não o jogo de palavras, o gênio criador, o patriotismo das idéias, o caráter, ou a eloqüência, mas
a força bruta, o poder de aliciamento de jagunços, a submissão. O caudilhismo impunha-se e, diante dele, muitos pagaram com o próprio sangue o direito de exercer a cidadania.


O ZÊNITE DE UM HOMEM

O direito da força contra a força do direito tem sido uma constante na vida político-administrativa do Brasil. A campanha civilista de Rui Barbosa, em 1910, não foi bastante forte para se impor diante do poder dos coronéis, que dominavam a política do interior do País.

A Aliança Liberal, em 1930, viria, pela força, por fim à Primeira República. João Neves da Fontoura, em um de seus discursos inflamados no Congresso Nacional, antes da Revolução, afirmou: Vamos amanhã para o prélio aceso das urnas e, quiçá, para o prélio terrível das armas. Getúlio Vargas, candidato da oposição, antes de soltar ao mar a quilha e ao vento o pano, tentou uma pacificação, que não teve êxito pela intransigência do presidente Washington Luiz.

Nas urnas saiu vitoriosa a candidatura de Júlio Prestes e a 3 de outubro irrompeu a Revolução, já com Olegário Maciel no governo de Minas Gerais, em substituição Antônio Carlos.

Com a vitória da Revolução, com Getúlio Vargas no poder, advém a permanência de Olegário Maciel na direção dos destinos de Minas, assumindo Oscar Caetano Gomes a chefia do governo em São Francisco, como primeiro Prefeito Municipal.

Com Oscar Caetano Gomes a paz se instalou em São Francisco, nascendo uma nova era de prosperidade e de desenvolvimento. A partir daí começa a verdadeira vida pública de Brasiliano Braz.

Dissolvido o Partido Republicano Mineiro, em sua substituição foi criada, sob a inspiração de Francisco Campos e Gustavo Capanema, a Legião de Outubro e a ela Brasiliano Braz se incorporou, ao lado de outros líderes políticos locais.

Em 1931 ocupou ele o primeiro cargo público, o de Conselheiro Municipal, por nomeação de Oscar Caetano Gomes. Pouco depois, renunciou a esse cargo para ocupar o de Juiz de Paz do Distrito da Cidade, por nomeação do presidente do Estado, Olegário Maciel. Nesse cargo exerceu, em substituição, as funções de Juiz de Direito da Comarca, e eu tive, por algumas vezes em minhas mãos, autos de processos daqueles tempos, em que se encontram despachos seus, com aquela caligrafia perfeita e inconfundível.

O exercício do juizado de paz não o afastou do contato direto com a administração municipal. Nesse mister foi auxiliar direto da administração na construção do prédio do Grupo Escolar “Coelho Neto”, que já comemorou seu cinqüentenário. Por delegação do
Prefeito, dirigiu as obras de construção do primeiro aeroporto da cidade e da primeira rodovia ligando São Francisco a Brasília, hoje de Minas.

Ainda em 1931, sem impedimento para o exercício do cargo de Juiz de Paz, foi nomeado Prefeito substituto de São Francisco.

Construído o aeroporto (campo de aviação como era conhecido), a cidade de São Francisco foi incluída na rota dos aviões do Correio Aéreo Nacional e, já no final de 1931, os biplanos vermelhos e assustadores, novidade em qualquer parte do Brasil de então, passaram a pousar regularmente na cidade, levando ao campo de aviação a comunidade são-franciscana inteira e trazendo correspondências, medicamentos e notícias do mundo exterior. Os bandeirantes do ar, modernos desbravadores do interior brasileiro, quebraram, assim, o isolamento secular da gente ribeirinha com a vida que corre acelerada no litoral pátrio.

O ano de 1936 marcou o primeiro contato de Brasiliano Braz direto com o povo-massa, como candidato ao cargo de vereador. Como o mais votado, e já comprovadamente o mais capaz, assumiu a presidência da Câmara Municipal.

Licenciando-se Oscar Caetano Gomes, em princípios de 1937, como substituto legal e sem solução de continuidade do governo, assumiu Brasiliano Braz o cargo de Prefeito Municipal, exercendo-o até o final daquele ano.

A implantação do Estado Novo não modificou a estruturas do poder político em São Francisco, reassumindo Oscar Caetano Gomes a Prefeitura em princípios de 1938, cargo que exerceu até 1944, com ligeiro intervalo ocupado pelo Dr. Geraldo Ribas.

A apocalíptica Segunda Grande Guerra encontrou a terra de São Francisco em perfeita paz, e por ela passou sem transtornos maiores. A admirável concórdia comunitária, ao lado de uma organização administrativa estável, deu ao município alguns anos de permanente equilíbrio social. Não vive mais o responsável por aquele oásis de tempo definitivamente belo, mas a memória, a lembrança de Oscar Caetano Gomes há de merecer sempre os elogios públicos. Oscar Caetano Gomes foi um idealista, o grande teórico da paz social de São Francisco, e Brasiliano Braz, seu companheiro e amigo, foi o executor dos atos, que levariam a bom termo o ideal perseguido. Mediador constante entre o poder municipal e o povo, solidário nos momentos de crise, artífice dos entendimentos maiores, sentinela avançada a oscultar as ondulações dos sentimentos
populares, Brasiliano Braz foi o mais eficiente auxiliar de governo que um Prefeito pode espirar.

Em 1945, Brasiliano Braz foi nomeado Prefeito efetivo do município, mas já estava em marcha a redemocratização do País, com a retomada do processo constitucional, decaído do poder com a Revolução de 1930. O anseio democrático nascia da vontade do povo e era uma imposição da vitoriosa campanha da Força Expedicionário Brasileira nos campos de guerra da Europa. Injusto seria que o sangue glorioso de nossos soldados tivesse sido derramado apenas em proveito da liberdade de outros povos.

Restabelecidos os princípios democráticos, adveio, em 1947, o pleito municipal e Brasiliano Braz, por imposição de seus amigos e como presidente do Diretório Municipal do Partido Social Democrático – PSD, parte para as urnas em busca do apoio popular como candidato a Prefeito Municipal, enquanto Oscar Caetano Gomes recolhia-se à vida privada. Vitorioso assume o comando político e administrativo do município. No comando político haveria de permanecer por muito tempo e, no administrativo, até a eleição, em 1950, de Francisco Gonçalves de Mendonça, seu companheiro político.

Sua liderança se afirmou e criou raízes graças à sua marcante individualidade e ao concurso incondicional de homens como José de Almeida Souto, Cassiano José Vieira, Elpídio Rodrigues da Fonseca, Leovegildo Narciso de Oliveira, Eloi Antônio Mendes, Lotário de Almeida e Silva, José Francisco Guimarães, Dr. Brício de Castro Dourado, Adão Vieira da Rocha, Inocêncio Cangussú, Ursulino de Matos Miranda, Juca Mendes, Antônio José Vieira, João José Vieira, Cipriano Vieira de Aquino, Moacir Gangana, Sady Leite Maynart e tantos outros.


A VISÃO DO HOMEM PÚBLICO

A visão superior do homem público se fez presente na sua administração, de 1947 a 1950, e se projetou pelos anos seguintes. Naqueles poucos anos foram delineados os novos rumos da vida comunitária de São Francisco.

Deu o prefeito Brasiliano Braz integral apoio à juventude, incentivando o esporte. Do apoio do Prefeito, seguro e permanente, nasceu, pelas mãos do jovem Aristomil Gonçalves de Mendonça, a Associação Esportiva de São Francisco. Mas o sonho já acalentado por Brasiliano Braz, sua meta maior no setor esportivo, era a construção de uma moderna praça de esportes. Dos planos à realidade foram-se os anos e a praça somente teve início de 1957, para ser concluída alguns anos depois.

A saúde pública, tão bem cuidada no governo Oscar Caetano Gomes, quando havia sido criado e instado o Hospital Municipal, sob a direção do saudoso médico Dr. Brício de Castro Dourado, necessitava de amparo maior. A luta de Brasiliano Braz junto ao governo da República pela construção e instalação do Hospital Regional, que até hoje presta relevantes serviços à população local, não foi pequena, apesar da comprovada boa vontade do presidente Eurico Dutra para com o Vale do São Francisco.

Não ficou aí, porém, a atuação de Brasiliano Braz. A sua grande realização humanitária, hoje esquecida, constituiu-se na erradicação da lepra, que fazia da Vila de Logradouro e do próprio distrito de Conceição da Vargem, um lugar inabitável. Não mandou mensageiros à região. A ela compareceu pessoalmente, várias e várias vezes, convencendo a todos os doentes a aceitarem, em benefício da comunidade, e de seus próprios familiares, o isolamento na colônia Santa Izabel, em Betim/MG. O mal foi cortado pela raiz e o município de São Francisco se orgulha, hoje, de não possuir leprosos, enquanto o estado de Minas Gerais ocupa o primeiro lugar, no Brasil, em incidência de hanseníase.

Todos os setores da vida comunitária estavam presentes na visão a longo prazo do administrador, do homem público. São Francisco, isolado do mundo, precisava de uma rodovia de ligação com Montes Claros. O projeto foi aprovado, mas somente teve iniciada sua execução em 1957 e concluída em 1958.

Teve Brasiliano Braz influência decisiva na construção das primeiras obras portuárias, influência que se estendeu até ao projeto. Foi uma realização do governo federal, mas não teria chegado a São Francisco, como não chegou a São Romão e a outras cidades do Vale, não fosse a presença constante do Prefeito no Rio de Janeiro, então capital da República, em busca de melhoramentos para sua cidade.

A luz, a energia elétrica farta, era o grande sonho do povo são-franciscano. Da luta de Brasiliano Braz, de sua quase teimosia, de sua pertinácia, brilha hoje, nas ruas e nas casas de São Francisco, a luz da Hidroelétrica de Pandeiros.

A construção da Usina, que a todos veio beneficiar, combatida nas esferas da administração federal pela falta, na época, de interesse econômico que justificasse sua construção, foi uma realização política de Brasiliano Braz e de Mário José Lisboa, então Prefeito de Januária.

Participei pessoalmente dessa grande luta e já no apagar das luzes de meu governo à frente do Município, em janeiro de 1959, as águas caudalosas da Cachoeira de Pandeiros geravam a energia, que passou a iluminar as casas e proporcionar o progresso de São Francisco.

Não mais o Prefeito Municipal, mas o chefe político, levou Brasiliano Braz a buscar junto ao governo federal, em 1955, em nossa administração, a construção do perfeito serviço de abastecimento de água da cidade, que se realizou com o apoio do DNOCS. Projeto avançado para á época, uma realização de grande vulto, que ainda hoje serve à cidade, sem necessidade de modificações profundas.

O seu trabalho administrativo e político teve, no Estado e na Federação, o apoio sempre presente do deputado José Maria de Alkmim e de Juscelino Kubitschek de Oliveira. Sua casa, por duas vezes, hospedou o mais ilustre brasileiro do século passado.

Estribado em suas realizações administrativas, o político Brasiliano Braz projetou sua imagem e seu prestígio pelos anos que se seguiram. Extrapolou os limites do Município para ser eleito, em 1962, membro do Diretório Estadual do PSD, onde conviveu na intimidade do ex-Ministro José Maria Alkmim, do ex-governador Benedito Valadares e dos futuros governadores Bias Fortes, Israel Pinheiro e Tancredo Neves.

Dentro de sua visão de homem público, com a implantação da energia elétrica de Pandeiros, com a construção da rodovia ligando São Francisco a Montes Claros, com a construção do serviço de abastecimento de água com estação de tratamento, com a construção e instalação do Hospital Regional, com a construção do cais do porto, com o Ginásio Municipal em funcionamento, com a construção das rodovias municipais ligando a sede do Município aos distritos de Urucuia e Conceição da Vargem e à região de Santa Justa, com a construção do novo aeroporto (Alto Bandeirante), com a implantação do serviço de travessia do rio São Francisco através de barco a motor,
com a erradicação da lepra no distrito de Conceição da Vargem, com a implantação das Escolas “Caio Martins”, a infra-estrutura do Município, em fins de 1958, estava praticamente concluída, restando apenas a rede de esgotos e o matadouro. Dentro de sua visão de homem público, os serviços de pavimentação das vias públicos viriam, naturalmente, após a implantação da rede de esgotos.


AS PRIMEIRAS HORAS DE UMA TARDE BRILHANTE

A vida pública é uma seqüência interminável de dias e noites de constante prestação de serviços. Brasiliano Braz foi, na afirmação insuspeita do conselheiro Sylo Costa, do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, o maior político do Norte de Minas.

Como o vereador mais votado, voltou Brasiliano Braz à Câmara Municipal de São Francisco em 1966, tendo, durante todo o quatriênio, ocupada a presidência da Comissão de Finanças, Justiça e Legislação.

Em 1976 retornou ele à Câmara Municipal e o ano de 1982, em novo mandato, veio encontrá-lo, aos 84 anos de idade, como presidente da Câmara Municipal de São Francisco.

O homem público abriu espaço ao historiador e eis que, em 1977, ano em que a cidade comemorou seu centenário, Brasiliano Braz, numa demonstração de seu amor sempre presente à terra de São Francisco, e numa comprovação pública de sua invejável cultura humanística, acumulada no correr dos anos, nos brindou com sua insuperável obra: SÃO FRANCISCO NOS CAMINHOS DA HISTÓRIA.

Em seu livro ele resgatou as raízes da civilização barranqueira, os alicerces da vida comunitária local e mostrou as tradições, que vão sendo esquecidas.

Sendo-lhe outorgado, posteriormente, o título de cidadão honorário de São Francisco ficam sem efeito suas palavras, na apresentação de seu livro: Dentre tantos filhos ilustres que, aqui e lá fora, deram renome à terra de São Francisco, quer na ciência, quer nas artes, nenhum se lembrou de escrever uma página sequer sobre a história da terra os viu nascer.

De ser informado que Brasiliano Braz nunca discrepou do retilíneo caminho da virtude pessoal, em qualquer situação que enfrentasse.


 

O ANOITECER COM LUZES

Aqui o homem público e o historiador. Do pai extremado, do esposo dedicado não posso esquivar-me. Feliz o ser humano que possa ter tido um pai como tivemos eu e meu irmão, um avô como tiveram meus filhos e meus sobrinhos, um sogro como tiveram suas noras, um esposo como teve minha mãe.

O pai que muito estimei, cujas pegadas tenho procurado seguir na busca de uma auto-afirmação pessoal, o pai que foi sócio correspondente da Academia Montes-clarense de Letras, o pai que deteve o diploma de Mérito da Polícia Militar de Minas Gerais, o pai
cujo nome está incluído na Enciclopédia dos Escritores Brasileiros, o pai que estimarei para o resto de minha vida, não mais existe. Faleceu pobre, mas com honra, no dia 24 de abril de 1989, tendo sido sepultado no Cemitério da Saudade, em São Francisco. Mas, se válida a afirmação de Péricles em seu discurso aos mortos de Atenas, ele tem
por túmulo toda a terra de São Francisco.

Seu nome está emprestado para a designação de uma das maiores avenidas de São Francisco, a terra que ele tanto amou. É ele patrono de uma das escolas estaduais da cidade, a Escola Estadual Brasiliano Braz. É patrono do Plenário da Câmara Municipal de São Francisco e empresta, ainda, o seu nome ao Estádio Municipal de Futebol e à rodovia que liga São Francisco a Brasília de Minas, por força de lei estadual oriunda de projeto de autoria do deputado Péricles Ferreira.


COMENTÁRIOS OPINATIVOS

“As gerações futuras saberão admirar a obra e reverenciar daqui a cem anos, ou mais, a memória de Brasiliano Braz.”
Cândido Canela

“Feliz a cidade que tem filhos deste gabarito.”
Hermes de Paula

“Brasiliano Braz é desses homens para quem a vida pública
não tem aposentadoria.”
Henrique Furtado Portugal

“Política, lendas, folclore, economia, cultura, religião, esporte, banditismos, enfim, tudo que contribui para construir a história de um povo foi abordado por Brasiliano Braz.”
Cassiano Alves de Oliveira

Brasiliano Braz a quem São Francisco tanto deve e Brasília de Minas tanto estima.
Henrique de Olivas Brasil

Realmente, a contribuição de Brasiliano Braz para a história desta província é importante demais.
José Campomizzi Filho

Brasiliano Braz: uma das reservas morais do Norte de Minas.
Cantídio de Freitas


A ALMA QUE ESTÁ NO PAPEL

Rafael Freitas Reis
Cadeira N. 98
Patrono: Virgilio Abreu de Paula

Rachel de Queiroz, em seu estilo humano relata-nos que um simples livro passa por duas etapas para se realizar: ser escrito e ser publicado.

Amelina Chaves acrescenta uma terceira – realizar: como livro, na versão boneca impressa e livro pronto, já finalizado, a mesma do revisor que também busca encontrar a alma no papel.

Ela gosta mesmo é de ouvir a alma no papel, de tocá-la, de sentí-la!

Reescrever no plano, retocar, contemplar, apalpar, cheirar, sentir a textura das fibras na ponta dos dedos que se cortam nas lâminas das folhas.

Salienta o mestre Petrônio Braz que depois de escrita a obra torna-se universal! O papel carrega a alma do escritor, seus medos, seus anseios, suas utopias.

Amelina gosta é de escutar a alma do papel!

Amarrotá-lo, rasgá-lo nos momentos de raiva, quando possuída pelo “Deimon” socrático, impregnando-o com as energias que brotam do seu inconsciente.

Todos os escritores são uns Dom Quixotes de qualquer Mancha!

Guerreiros psicanalíticos, a levar o seu Sancho Pança racional, que tem a força, mas, não tem o discernimento. O seu Dom Quixote tem o discernimento, mas não tem a força!

E ela contemplando o papel com a sua alma escondida, amarrotando-o, escrevendo nele, manuseando tacitamente, beijando quando escreve suas sensualidades, acariciando-o quando expressa o seu erotismo, untando-o de lágrimas ao escrever um romance, ou fala da nossa história.

Mancha o papel e encharca a sua alma quando fala das torpezas do seu coração. Arruma as folhas simetricamente na pilha, quando reflete sobre os mistérios do mundo superior.

Busca sentir a alma no papel, tacitamente, apreciá-lo sobre a mesa, quieto a esconder a sua alma. Interrogá-lo sobre o que fala o Eu menor, que a bem pouco se contemplava no espelho de Narciso!

As folhas de papel do livro de Amelina são pura adrenalina! Estão manchadas dos desejos responsivos venezianos do seu Príapo de Ébano!

Drummond, o mestre maior teria dito ao lê-lo: é semântica libidinosa de mulher do sertão! Alma de pequi!

Escrevendo ela se sente o alfa e o ômega do Grande Sertão dessas Gerais.

Enxugará as suas lágrimas nas folhas de papel que escondem os atributos da sua alma!
E viva Amelina Chaves e a sua alma de papel!


SALINAS, 120 ANOS DE HISTÓRIA

Roberto Carlos Morais Santiago
Cadeira N. 44
Patrono: Heloísa Veloso Anjos Sarmento

Atualmente, dos oitenta e seis municípios que integram a mesorregião Norte de Minas Gerais, somente sete conseguiram a emancipação política e administrativa no período do II Império, no século XIX: Rio Pardo de Minas (1833), Montes Claros (1857), Grão Mogol (1858), Januária (1860), São Francisco (1877), Monte Azul (1887) e Salinas (1887).

A história primitiva de Salinas tem início no final século XVII, quando por volta de 1698, o bandeirante Antônio Luiz dos Passos, oriundo da Bahia, chegou à região de Rio Pardo de Minas para estabelecer fazendas de gado. Ao percorrer a região mais ao sul, habitada pelos índios Tapuias, descobriu rio pouco caudaloso (atual rio Salinas) e ali encontrou ricas jazidas de salgema – sal da terra – produto muito caro na época devido à escassez favorecendo o povoamento. Logo se formou o arraial de Santo Antônio de Salinas.

Naquele período, todo o Norte de Minas e Nordeste (Jequitinhonha e Mucuri) de Minas Gerais faziam parte do território da Capitania da Bahia, integrando a Comarca de Jacobina. Porém, na década de 1750, com a descoberta de diamantes na região do Arraial do Tejuco (atual Diamantina), as duas mesorregiões passaram a integrar a Capitania de Minas Gerais, integrando a Comarca de Serro Frio, conforme Resolução do Conselho Ultramarino de 13 de maio de 1757, com o intuito de controlar e fiscalizar a extração de ouro na região.

O arraial de Santo Antônio de Salinas era parte integrante do território do município de Minas Novas que pertencia à Comarca de Serro Frio. Em 1833, com a emancipação do distrito de Rio Pardo de Minas o arraial passou a integrar o território do novo município na condição de distrito. Em 1855, o distrito de Salinas ganha o status de freguesia. Em 1880 é reconhecida como vila por meio da Leiprovincial nº. 2.725.

Em 1887, no dia 4 de outubro, a vila de Santo Antônio de Salinas é elevada à condição de município por meio da Lei Provincial nº. 3.485, adquirindo a sua emancipação política e administrativa. Se for considerado o período anterior a 1887, quando alcançou a sua autonomia político e administrativa, até o ano de 1833, quando passou
de arraial a distrito de Rio Pardo de Minas, a história de Salinas alcança 174 anos. É um equívoco achar que a história de um município somente se inicia quando alcança a sua emancipação, muito pelo contrário, a história se inicia muito antes. A emancipação é somente uma etapa no processo histórico de desenvolvimento social, cultural, político e econômico de uma região.

Com a emancipação, o território do novo município é composto por quatro distritos: Salinas (sede-cidade), Águas Vermelhas (emancipado em 1962), Pedra Azul (emancipado em 1911) e Rubelita (emancipado em 1962). Mais tarde, em 1923, o povoado de Taiobeiras (emancipado em 1953) foi integrado ao município. Percebe-se que, originalmente, o território do município de Santo Antônio de Salinas era bastante extenso.

Em 1892, foi instalada a Comarca de Santo Antônio de Salinas, quando o Poder Judiciário de Minas Gerais decide estender os braços da lei para a região. O Dr. Francisco de Assis Freitas foi o primeiro Juiz de Direito da Comarca e o Tenente Coronel Rebeldino Pinto Coelho o seu primeiro Promotor de Justiça.

No poder executivo, o primeiro prefeito eleito somente veio em 1923, através do Dr. Clemente Medrado Fernandes. Neste ano, o município passou a se chamar somente Salinas, tal como é até hoje.

Recentemente, em 1995, os povoados de Fruta de Leite, Novorizonte e Santa Cruz de Salinas se emanciparam de Salinas. Com isso, o atual território do município é constituído de três distritos: Salinas (sede), Ferreirópolis e Nova Matrona. Possui área
remanescente de 1.891 km² e população de 37.373 pessoas (IBGE, 2007). Integra a bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha um dos principais rios de Minas Gerais.

Historicamente, Salinas sempre teve vocação para o progresso em face do dinamismo da sua economia e do seu povo, tradicionalmente empreendedor. Há mais de um século, desde os tempos do Império, o município exerce liderança política e econômica em toda a região do Alto Rio Pardo que possui atualmente dezessete municípios e ocupa área de 17,1 mil quilômetros quadrados e um contingente populacional de cerca de duzentas mil pessoas (IBGE, 2007).

De Salinas surgiram muitos personagens que enalteceram a história do município tanto no aspecto econômico como político. Sem margem de dúvida pode-se citar Darcy Freire, Cel. Bernadino Costa, Cel. Idalino Ribeiro, Geraldo Paulino Santana, Péricles Ferreira dos Anjos, Anísio Santiago, dentre outros, que deram grande contribuição para o desenvolvimento da região.

Darcy Freire, engenheiro formado pela Escola de Minas, em Ouro Preto, foi político, fazendeiro e um dos maiores expoentes da literatura de Salinas. Exerceu influência em gerações de escritores salinenses.

O Cel. Bernadino Costa (Bernadino Ferreira Costa) foi um respeitável fazendeiro. Nutria grande paixão pela política e era chefe do partido Republicano no município nas décadas de 1930-40. Trocava correspondência com o presidente da República, Artur
Bernardes, e nutria forte oposição à política local do situacionista Cel. Idalino Ribeiro.

O Cel. Idalino Ribeiro dominou com mão de ferro a política de Salinas por muitos anos até meados da década de 1950. Foi um dos políticos mais expoentes do Norte de Minas na segunda metade do século XX.

Em 1958, aos vinte e um anos, o jovem Geraldo Paulino Santana ao se eleger prefeito de Salinas, encerrava o ciclo de dominação política do Cel. Idalino Ribeiro e iniciava-se meteórica carreira política de um dos mais importantes e influentes políticos da história de Minas Gerais. Teve participação decisiva em diversos governos de Minas Gerais sempre ocupando destaque no meio político. É tido como um dos mais importantes políticos de Minas Gerais nos últimos 50 anos.

Também é de Salinas o produtor da lendária e emblemática cachaça Havana, Anísio Santiago (1912-2002). A famosa Havana teve participação histórica no processo de transformação de Salinas na principal região produtora da cachaça artesanal de todo o país. O produtor Anísio Santiago formou toda uma geração de produtores de cachaça de Salinas.

Atualmente, a produção anual de cachaça no município é de cerca de cinco milhões de litros de cachaça por ano sendo comercializada sob mais de 50 marcas em todo o país e no exterior. A Associação de Produtores Artesanais de Cachaça Artesanal de Salinas
(Apacs), que representa os produtores do município, organiza em parceria com a Prefeitura Municipal, desde 2002, o Festival Mundial da Cachaça, evento que faz sucesso nacional e vem atraindo turistas de todo o país e do exterior ávidos por conhecer a famosa cachaça produzida no município.

Dentre as dezenas de marcas de cachaça produzidas no município as mais tradicionais são: Asa Branca, Beija-Flor, Boazinha, Canarinha, Erva Doce, Indaiazinha, Lua Cheia, Piragibana, Preciosa, Sabor de Minas, Salineira, Seleta, Terra de Ouro e a emblemática Anísio Santiago-Havana, marca símbolo da região e reconhecida Patrimônio Cultural Imaterial de Salinas por meio do Decreto Municipal nº. 3.728/2006, fato inédito no país no segmento de bebidas. Também é de Salinas o maior produtor nacional de cachaça artesanal em volume de produção que é comercializada sob as marcas Boazinha e Seleta, do empresário Antônio Eustáquio Rodrigues, um dos mais expoentes empresários de Salinas na atualidade.

A cachaça de Salinas, atualmente, é a segunda atividade econômica do município com participação de 33%, em média. Em 2006, foi responsável por 46,4% da arrecadação de ICMS sobre a produção da bebida em todo o território mineiro, demonstrando a força da atividade econômica. Definitivamente, a cadeia produtiva no município encontra-se consolidada. O Governo de Minas, em novembro de 2007, reconhecendo a importância de Salinas no processo de produção de cachaça artesanal de qualidade, em parceria com a Prefeitura local, resolveu criar o Museu da Cachaça de Salinas.

O museu vem ratificar a projeção do município no cenário da produção de cachaça.

Outra importante atividade econômica é o comércio que participa com 50%, em média, na economia do município. São centenas de pontos comerciais que demonstra todo o empreendedorismo do salinense que está sempre em busca do progresso e desenvolvimento pessoal e da economia do seu município. Atualmente, Salinas figura entre as dez maiores economias do Norte de Minas, levando-se em consideração a sua
contribuição na arrecadação de ICMS em toda a mesorregião nortemineira. O ICMS, imposto de competência estadual, é um excelente indicador sobre o perfil econômico de municípios e regiões. No plano educacional, estão sendo instalados vários cursos de nível superior na cidade propiciando evolução cultural e educacional do seu povo. Recentemente, o Governo Federal autorizou a implantação do inédito curso superior em produção de cachaça na Escola Agrotécnica Federal de Salinas.

No plano literário, Salinas gerou poetas e escritores expressivos como Abdênago Lisboa, Juventino Nunes, Darcy Freire, Silo Costa, Milton Santiago, José Antônio Prates, Rafael Daconti, Aníbal Freire, Iara Tribuzi, Narciso Durães, Maria Helena Costa,
Lena Guimarães, Carlita Guimarães, Argeu Guimarães, João Costa, Aníbal Freite, Danilo Borges, Maria Elza Sarmento (Sula), Nádia Maria Cardoso Sarmento, Tiana Rodrigues, Valdiney Barbosa, dentre outros.

A identidade de um povo está intimamente relacionada com sua história, seus costumes e sua cultura. Historicamente, o povo de Salinas forjou um modo de ser e viver.


OS CAMINHOS DO SERTÃO

Roberto Pinto da Fonseca
Cadeira N. 92
Patrono: Sebastião Tupinambá

“ Lá vão pelo tempo adentro
Esses homens desgrenhados:
sua fome verdadeira
é de rios muito largos,
com franjas de prata e de ouro,
de esmeraldas e topázios.
Selvas, montanhas e rios
estão transidos de pasmo.
É que avançam, terra adentro,
os homens alucinados.”

Cecília Meireles (Romanceiro da Inconfidência)

Os crescentes grupos de turistas, amantes da natureza, praticantes de esportes radicais, estudantes, tropas de cavaleiros, caminhantes solitários que percorrem os longos e magníficos caminhos da Estrada Real, sobretudo nos trechos mineiros, não saberiam, em sua maioria, que essas velhas trilhas e estradas, muitas atravessando na atualidade importantes cidades, outras praticamente inalteradas pelo tempo, remontam ao início da colonização do território brasileiro no século XVII, sendo que muitas dessas vias eram já utilizadas pelos indígenas antes do aparecimento do colonizador português.

Na historiografia da História do Brasil, designa-se Estrada Real como sendo o caminho regulado pela Coroa Portuguesa, para a circulação controlada de pessoas e mercadorias. Esses caminhos oficiais eram controlados pelos chamados “Registros”, estabelecimentos construídos em pontos estratégicos, operados por soldados e funcionários da Coroa Portuguesa, tendo como funções fiscalizar, arrecadar impostos e exercer forte controle sobre tudo e todos que trafegassem pelas estradas. Nas regiões mineradoras de Minas, esse controle era ainda mais rígido e, nesse contexto, a Estrada
Real estava associada à captação de impostos a serem remetidos para Portugal. Situações adversas eram crimes de lesa-majestade, sendo alguns casos penalizados com a morte.

Essas estradas interligavam o litoral às regiões mineradoras e muitas vias eram naturais à população autóctone: os “peabirus” , em língua tupi significando “pé” - caminho; “abiru” - mato, caminho amassado pelo ato de andar. Pode-se afirmar que existiam diversas Estradas Reais, sendo não apenas um circuito demarcado e controlado unindo regiões distintas, mas diversas trilhas e caminhos que, interligando-se ou não, contribuíram para a integração de grande parte do território nacional.

No início do século XVII, três vias principais já eram registradas por Antonil, em seu livro “Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Minas” , (1711, Lisboa):

- O Caminho dos Paulistas (Caminho Geral do Sertão). Inicialmente conhecido como “Trilha dos Guaianases”, era o percurso mais antigo de conexão de São Paulo com Minas Gerais. Ao norte, através da Serra da Mantiqueira, chegava-se ao Rio das Velhas; ao sul, transpondo a Serra do Mar, alcançava-se Paraty e Sepetiba e, por via terrestre, o Rio de Janeiro.

- O Caminho do Rio de Janeiro. Dividia-se em dois segmentos: o Caminho Velho, de Paraty a Vila Rica (Ouro Preto).

Posteriormente foi aberto o Caminho Novo, em 1707, também denominado Caminho de Garcia Rodrigues, seu desbravador, unindo, num percurso mais rápido, o Rio de Janeiro a Minas Gerais. Pelo Caminho Novo trafegaram os ideais de liberdade da Inconfidência Mineira. Exercia o cargo de Comandante do Destacamento do Caminho Novo o alferes Joaquim José da Silva Xavier. Foi ao longo dessa via que, após o fracasso do movimento, Tiradentes, depois de julgado e condenado, teve expostas partes de seu corpo esquartejado.

Com a descoberta das ricas jazidas de diamantes no Serro do Frio e em Diamantina, nova via foi estabelecida, ampliando o traçado da Estrada Real ligando a região a Vila Rica, hoje um dos maiores roteiros turísticos, o conhecido Caminho dos Diamantes.

- O Caminho da Bahia (Caminho dos Currais do Sertão). Esse trecho foi de fundamental importância para o desbravamento e desenvolvimento da região norte-mineira. Contribuiu para fomentar a economia e o estabelecimento de fazendas de gado e núcleos populacionais que posteriormente se transformariam em importantes cidades, como Montes Claros.

Em meados do século XVII, essa rota partia de Salvador, passando pelo Recôncavo Baiano, região de Rio de Contas, até atingir Tranqueira, seguindo em direção à Malhada, na atual divisa dos estados da Bahia e Minas Gerais. Chegava ao Rio São Francisco e, percorrendo-se seu curso natural, alcançava-se a Barra do Rio das Velhas (atual Barra do Guaicuí, distrito de Várzea da Palma). A seguir, atingia-se a Vila Real de Nossa Senhora da Conceição de Sabará e Vila Rica, principal pólo econômico e social.

No início do século XVIII, o sertanista João Gonçalves do Prado estabeleceu um novo e mais curto percurso: a partir de Tranqueira, atravessando a Serra do Espinhaço, as nascentes do Rio Verde Grande, Pardo e Gorutuba, passando por Montes Claros (Formigas), em direção à atual cidade de Morro da Garça (Campo da Garça), na região de Curvelo, daí prosseguindo na rota normal. Podiase também optar, para atingir as Minas Gerais, a utilização da rota que partia de Caetité, no estado da Bahia, passando por Minas Novas, Diamantina e percorrendo o Caminho dos Diamantes até chegar a Vila Rica.

Outra variante da Estrada Real conduzia ao Brasil central, o Caminho de Goiás, num percurso de aproximadamente 1600 quilômetros. Com a descoberta de ouro no início do século XVIII na região, a Coroa Portuguesa autorizou essa via, que partia da cidade
mineira de Pitangui, atingindo a Vila Boa de Goiás e estendendo até a Vila Bela de Santíssima Trindade, no sertão mato-grossense.

Ao longo do século XVIII, só em Minas Gerais foram produzidas 650 toneladas de ouro e 3 milhões de quilates de diamantes. Essa fabulosa riqueza fez com que os portugueses intensificassem e aparelhassem cada vem mais a fiscalização sobre as vias de acesso, evitando contrabando e queda na arrecadação de tributos. O Caminho da Bahia - ou Caminho das Boiadas, já que supria as regiões mineradoras de grande parte dos produtos mercantis necessários, sobretudo carne de gado, foi a via natural para o contrabando, os “ descaminhos” de grande parcela dessas riquezas.

Essa rota, que atravessava os sertões mineiros, era o caminho mais utilizado para o não pagamento de impostos, dos direitos de passagem e de entrada, do quinto e dos demais tributos que pesavam sobre a população mineira. Como o Caminho Novo era mais fiscalizado, a alternativa era a rota da Bahia.

Em 1701, foi determinado, por ordem régia, o seu fechamento, mas, devido a sua importância no abastecimento de víveres, em 1705 foi permitida a circulação de pessoas e boiadas, ficando vetada a circulação de outras espécies de produtos.

Foi intensa a troca de ouro em pó das Minas Gerais por cabeças de gado na Bahia. Posteriormente, esse gado era revendido em Minas.

O controle de Portugal sobre as Estradas Reais se efetivou sobremaneira sobre a rota de Vila Rica ao Rio de Janeiro, enquanto que os caminhos dos sertões, das boiadas, como uma economia mais voltada para a pecuária, possuíam uma fiscalização mais falha. Diante da imensidão dos sertões, eram mais trabalhosos os estabelecimentos de postos de fiscalização. Os únicos locais que exerciam algum tipo de controle fiscal eram os postos da Barra do Rio das Velhas e São Romão.

O norte de Minas foi a primeira região do estado a ser povoada, sobretudo por sua ligação territorial com o Caminho da Bahia e dos currais de gado do Rio São Francisco. A fartura de água que a região oferecia facilitava a criação dos rebanhos de gado. A
margem direita do São Francisco pertencia à Capitania da Bahia e, a do lado esquerdo, a Capitania de Pernambuco. Graças à cultura da pecuária, esses sertões foram sendo ocupados. A Bahia era o centro de comércio de gado, portanto, antes do ciclo do ouro, tivemos o ciclo do couro.

Com o ciclo do ouro, esses caminhos foram ampliando-se até a região das minas. Na época das grandes crises de abastecimento de alimentos que assolaram essas regiões, período de grandes fomes nas Gerais, áreas carentes como o arraial do Carmo (1697/1698) e Vila Rica (1700/1701) foram sustentadas pelos sertanejos com seus produtos e rebanhos de gado.

Antonil já indicava o Caminho da Bahia como o melhor: “posto que mais comprido, é menos dificultoso, por ser mais aberto às boiadas e mais acomodado para as cavalgadas e para as cargas.” Naquela época, as populações centrais de Minas não se
preocupavam em estabelecer sítios, plantações e criação de animais para o abastecimento: só a exploração do ouro importava - daí as grandes crises de abastecimento e o elevado preço das mercadorias. Tudo vinha de fora, e o Caminho da Bahia, atravessando o norte de Minas, era o maior fornecedor dessas populações. Vale ressaltar que, em 1738, a população mineira estava na casa dos 300 mil habitantes; no final do século XVIII, eram 650 mil habitantes, enquanto que a do Rio de Janeiro era de 380 mil habitantes.

Com a decadência do ciclo do ouro, essas estradas tiveram seu trânsito menos fiscalizado pela Coroa Portuguesa, transformaram-se em vias regionais de circulação e fragmentaram-se em diversas outras estradas.

Desde a descoberta do Brasil até o início do século XVIII, o país praticamente ainda não conhecia o seu vasto território. Com o ciclo do ouro, conseguiu atrair e fixar grandes populações, desbravar e conhecer suas dimensões continentais. Graças às Estradas Reais, começamos a nos tornar uma verdadeira nação.


TOBIAS LEAL TUPYNAMBÁ

Ruth Tupinambá Graça
Cadeira N. 96
Patrono: Tobias Leal Tupynambá

DADOS BIOGRÁFICOS

Tobias Leal Tupynambá, natural de Mato Verde, município de Monte Azul. Nascido em 12 de Dezembro de 1888. Filho do Major Domingos Garcia Tupynambá e Felicidade Perpétua da Silveira Leal Tupynambá. Estudou as primeiras letras em Montes Claros, cursando depois o seminário de Diamantina e a Escola Normal de Montes Claros.

Seu pai Major Domingos Garcia Tupynambás, descendente dos Garcia d'Ávila, tem como origem mais remota o casal formado pelo português Diogo Álvares Corrêa (o caramurú) e a índia Paraguassu, filha do cacique chefe da tribo Tupynambás, que dominavam o litoral baiano.

Dedicou-se a Agrimensura e negócios de terras, sendo agrimensor licenciado, devidamente registrado CREA. Mais tarde diplomou-se Engenheiro Geógrafo pela escola Livres de Engenharia do Rio de Janeiro em 1934.

Tomou parte como integrante na Delegacia Municipal de Recenseamento, apresentou-se em concurso de Monografias sendo classificado em 3° lugar pelo IBGE.

Em 1950 foi requisitado como agrimensor do Estado, pelo chefe da Colônia Agrícola Nacional da Jaíba.

Em 1958 foi eleito 1º suplente do Juiz de Paz do distrito da cidade tendo por diversas vezes, substituído o Juiz de Paz.

Em 1960 trabalhou no Censo, como um dos chefes, tendo prestado relevantes serviços do município de Brasília de Minas. Na sua Monografia do Município de Montes Claros, decidiu uma linha divisória na seção de Geografia e Estatística.

Era casado com Josefina Mendonça Tupynambás. São seus descendentes: Felicidade, Maria, Cassemiro, Domingos, Rute, Raymundo e Ruy.

Patrono do “Clube de Leitura Tobias Leal Tupynambás”, da E.E. Dom Aristídes Porto. Faleceu em 8 de Outubro de 1962.


MEU PAI, MEU HERÓI

Meu pai Tobias Leal Tupynambá não era montes-clarense de nascimento, mas era de coração.

Seu pai o Major Domingos Garcia Leal Tupynambá, filho de família abastada, donos de grandes fazendas com enorme criação de gado, verdadeiro latifúndio da Bahia, áreas extensas ocupadas por lavouras, inclusive exploração do cacau que era o forte na ocasião.

Possuía uma grande “tropa” (naquele tempo era a única condução) com os melhores animais escolhidos a dedo, e se sentia orgulhoso com os elogios que recebia, pois na realidade, aquela tropa causava inveja aos ricos fazendeiros.

Ele era muito forte, espírito aventureiro muito tino comercial e muito dinheiro no bolso, e com aquela “tropa” viajava muito. Conhecia a Bahia de ponta a ponta, a região do Nordeste do Brasil, fazendo grandes transações comerciais.

Ficando viúvo muito novo ainda e apaixonado, quis se expandir mais e tentar nova vida, se desligar da Bahia.

Preparou tudo para a partida e na saída disse com toda seriedade: “Vou para Minas Gerais em busca da Felicidade”.

Nestas andanças pelo sertão de Minas veio esbarrar em Mato Verde. Por tamanha coincidência, aí chegando conheceu a Felicidade Perpétua da Silveira, que também se enviuvara recentemente.

Encantado coma região e com a viúva, resolveu ai se instalar com “armas e bagagens”. O casamento se realizou rapidamente (cúpido não brinca em serviço), e desta união nasceram os 4 filhos: Sebastião, Domingos, Tobias e Felicidade.

Mas o Major Domingos tinha grande visão, era inquieto e se sentia sufocado em Mato Verde. Precisava se expandir, procurar um centro maior, mais civilizado para educar seus filhos. Veio para Montes Claros, cheio de entusiasmo e esperança.

“O Major Domingos Garcia Leal Tupynambás, descendente dos Garcia d`Ávila, tem como origem mais remota o casal formado pelo português Diogo Álvares Corrêa (o caramuru) e a índia para paraguassi, filha do chefe da tribo dos Tupynambás que dominavam o litoral baiano.

Quatro filhos desse casal e seus descendentes, os mais civilizados brasileiros da época, fundaram a famosa Casa da Torre dos Garcia d´Ávila.

Nasceu o Major Tupynambás em Caetité, para aqui vindo em 1892, acompanhado de grande comitiva. Várias famílias arrastou ele consigo: Cristiano Faria, seu sócio; Olegário Silveira, sobrinho de sua segunda esposa, pai da “Mestra Fininha” e avô do Darcy e Mário Ribeiro; Arcelino Ribeiro, pai de Brasiliano, Bráulio e Brasilino Ribeiro; Josué Profeta de Souza; Jacinto Cardoso de Sá; Experidiano Vaqueiro e José Pacheco de Melo, seu ex-escravo e amigo inseparável.

Apesar de bem recebido pelas famílias montes-clarenses, muitas das quais já relacionadas intimamente com o Major Tupinambá, surgiu um impasse, pois havia aqui uma lei drástica contra os mascates, e essa lei definia mascate com negociante de menos de dois anos de residência no município. Ficou assim o Major Tupynambás, recém-chegado, enquadrado na classe de mascates e sujeito a um imposto proibitivo.

Resolveu ele então voltar para Mato Verde com as armas e bagagens, de onde vieram toda aquela mercadoria, cerca de oitenta contos de reais já arrumada nas prateleiras.

Do livro de Dr. Hermes de Paula: Montes Claros, sua história, sua gente, seus
costumes.

 

De grande pesar se encheram seus amigos: “não era possível que proibisse a entrada de elementos de progresso, somente porque uma lei injusta impedia. Devia haver um jeito... e houve. A Câmara Municipal se reuniu extraordinariamente e simplesmente revogou a lei, decidindo que a firma Tupinambá-Faria não era constituída de mascates, podendo, portanto se estabelecer nas mesmas condições de outros negociantes. Fixaram aqui, então, todos aqueles acima citados e suas famílias”. O Major Tupynambá então se instalou definitivamente em Montes Claros, como fazendeiro e grande negociante. Tudo isso foi uma dádiva para Montes Claros.

Mas o grande sonho do Major Domingos, era ter um padre na família. Era extremamente católico. Tobias foi o filho escolhido para satisfazer este seu grande sonho. Tratou logo de mandá-lo para o seminário de Diamantina.

Passaram-se os anos. O Tobias já era um rapaz, tinha outros pensamentos e sabia que nunca seria um padre, não tinha vocação.

Em férias deixou o seminário e veio pra casa matar a saudade da família e da cidade.
Aqui chegando, longe da disciplina do seminário e a vigilância dos professores, tornou-se eufórico e o seu coração já despertava para o amor.

Já não era mais o ingênuo adolescente seminarista, era agora um homem muito bonito, educado e bom partido, não faltaram as “candidatas casadoiras”.

Mas ele se interessou pela “Menina do Sobrado”.

Ele viu de longe, na janela do sobrado da Praça Dr. Chaves, que existe até hoje, (ao lado do centro cultural e Dr. Hermes de Paula) a bela filha do Cel. Cassimiro Mendonça, e por ela se apaixonou.

Amor á primeira vista. Isto acontece...

O Tobias passou a freqüentar a Praça, assiduamente e a “meninas do sobrado” correspondendo, só de longe... Pois naquele tempo, as moças eram muito recatadas e presas, nada de encontros e “chamegos”...

O jovem Tobias, na força dos 17 anos e apaixonado, resolveu se casar. Mas como dar essa noticia aos pais? Foi um verdadeiro drama.

Não voltou mais para o seminário, largando de vez a “batina”; e o pai muito decepcionado não aceitava aquele casamento, achava Tobias muito jovem, inexperiente e na certa logo esqueceria aquele inocente romance. Mas o Tobias era decidido e com a paixão que o dominava, armou-se de coragem, resolvendo pedir o casamento enfrentando o Cel. Cassemiro Mendonça, que também não era a favor daquela união, que considerava uma leviandade. Coisas de jovem.

Mas como o “coração tem razões que a própria razão desconhece”, o “casal de pombinhos” venceu e logo se casaram.

Vieram os filhos e a vida do casal foi ficando difícil.

Meu pai foi um herói, um lutador incansável. Muito jovem e chefe de família teve que trabalhar muito.

Em nenhum momento ele se sentiu fraquejar, embora sua“carga” fosse bem pesada.

Com sua inteligência, seu dinamismo, embalado pelo amor e companheirismo da esposa (pois só o amor constrói) dedicou-se a agrimensura e negócios de terras, voltou a estudar formando-se em Engenheiro Geográfico.

Tinha uma disposição invejável, para viajar (a cavalo), pois era o único transporte.

Acampava-se nas matas, com seus empregados, sem nenhum conforto. Dormia ao relento, sofrendo picadas de mosquitos, transmissores de febres palustres e outros insetos (que povoam as grandes matas) e as intempéries próprias do nosso sertão.

Para ele não existia distâncias, as enfrentava tranqüilamente.

E assim ele dividiu todas as fazendas da região de Montes Claros.

A convite de chefes políticos trabalhou em Salinas, Pedra Azul e Teófilo Otoni, dividindo fazendas daquelas regiões. Sentia-se realizado na profissão e a exercia com muito amor, entusiasmo e honestidade, razão pela qual era tão solicitado.

Embora trabalhasse muito, não acumulou riquezas, pois ligava pouco para as “cifras”. Para ele bastava o suficiente para se viver confortavelmente. Não explorava os “condôminos” das fazendas e muitas vezes, perdoava dívidas aqueles que, na verdade, só possuíam terras.

Milhares de vezes eu vi meu pai, no escritório, atento e debruçado sobre uma enorme “prancheta”, entre réguas e compassos, desenhando plantas das fazendas, que ele caprichosamente passava para a cartolina.

Eu olhava e nada entendia. Ele me explicava: “Isto aqui é um rio, isto é uma serra, esse outro é uma chapada, uma barroca, uma lagoa. São acidentes geográficos que fazem os limites dos quinhões”.

Meu pai tinha uma grande filosofia de vida, ele sempre dizia: “trabalho é meio de vida e não meio de morte”, portanto sabia dosar suas tarefas sempre encontrando hora para se divertir e passar com a família.

Meu pai era um tanto sensível, romântico e gostava de música.

Chegando em casa, quando vinha do acampamento, se assentava na rede, colocava-me em seus joelhos e pedia-me: “cante aquela musiquinha para o papai, ele esta tão cansado”. Eu era bem pequena, mas era uma caçula muito esperta e adulada. Sem cerimônia, “abria o bico”, naquela voz desentoada de criança, satisfazia-lhe a vontade, e cantava.

Ainda me lembro de alguns versos:

Quando a noite agora vem
Fico a meditar
Penso em ti meu bem
Sinto n’alma um tal prazer
Em pensar que eu torno a ver
Seu rosto sedutor
A me inspirar amor...
As estrelas no céu são flores
A brilharem tão docemente
Estes gestos tão sedutores
Lembram-me a todo momento,
Quem na terra morre de amores...

Não sei porque esta predileção do meu pai por estes versos, mas eu nunca os esqueci.

Meu pai gostava muito de cinema.

Viajava léguas no lombo do burro para assistir o filme que era mudo, apenas uma vez por semana e ainda por cima... seriado.

Mas ele não perdia uma sessão e fazia questão de levar toda a família.

Era muito social, gostava de festas, reuniões, saraus era um tremendo “pé de valsa”.

Naquele tempo era comum os discursos e declamações de poesias famosas, de poetas célebres, nas reuniões familiares, casamentos, batizados. Meu pai era muito solicitado, o que fazia com entusiasmo pois tinha o dom da oratória.

A última vez que o vi declamando foi no casamento de Terezinha Wanderley (nossos vizinhos) e logo depois ele faleceu.

Tomava parte nas Festas de Agosto sempre procurando elevar o nome da nossa cidade, entusiasmado com sua história, quando ninguém pensava em folclore.

Durante muitos anos (na sua juventude) correu “cavalhada” que era o ponto alto da Festa de Agosto, que infelizmente hoje não mais existe. Ele foi sempre o “Rei Cristão” e era com muito entusiasmo que desempenhava aquele papel, recordando-nos as grandes batalhas dos séculos passados, nos torneios medievais, nos exercícios de guerra e práticas de galanteios de fidalgos e as célebres disputas entre “Mouros e Cristãos”. Foram muitos os anos que meu pai correu “cavalhada”. Eu assistia todas (ainda criança) e me sentia orgulhosa quando ele passava naquela bonita roupagem azul e dourada, a “coroa de rei” e enorme capa de veludo, bordadas com pedrarias, esvoaçando enquanto o cavalo galopava ao som das valsas.

Eu vibrava! Era ele, o meu lindo “rei cristão”, vestido como oficial, correndo “cavalhada” na saudosa praça da Matriz, nos inesquecíveis “anos dourados”...

Ao final gostaria de enfatizar o homem Tobias e sua vida de propósitos:

Pai gerador, pai provedor e pai afetuoso.

Ele que desde muito jovem, tanto percorreu estes chapadões, grotas, tabuleiros, rios, serranias e vales, com sua bússola, teodolito, correntes, trempes e tralhas, buscou com régua e compasso, capturar, compreender e por no mapa estes “nossos sertões”.

Apreendê-lo e deixa-lo para futuras gerações.

Há 65 anos ele escreveu em sua monografia histórica, relatos de nossa terra e do nosso povo.

Acho que herdei dele este senso de observação do tempo e das pessoas. Dos fatos e dos atos que a vida proporciona a cada um.

E hoje, passados tantos anos após o desaparecimento do meu pai, quis a vida, em um gesto generoso, que eu, sua filha, viesse a representá-lo nesta benemérita Casa, que é o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros- IHGMC, ocupando a cadeira n° 96 que leva o seu nome.

Mais uma vez o destino caprichoso observando o dístico que este Instituto nomeia, tramou para que a história e a geografia se encontrassem nesta casa.


Tobias Leal Tupynambá e família


DISCURSO PARA GODOFREDO GUEDES

Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza

"A alma fica melhor no descampado...
O pensamento indômito, arrojado
Galopa no sertão,
Qual das estepes o corcel fogoso
Relincha e parte turbulento, estoso,
Solta a crina ao tufão."

CASTRO ALVES - Obra Completa.

Chegar aos quarenta anos de idade sem nunca ter empunhado um pincel, mantendo mesmo um misterioso respeito por quadros e pintores, e um dia, de súbito, ver-se colhido por uma onda de novo entusiasmo, às voltas com tintas e telas, sentir desânimo com os resultados obtidos - tal foi a minha espantosa e interessante aventura. Oxalá, possa ele servir de incentivo a muitos. Na verdade para que a gente se sinta verdadeiramente feliz e possa amainar árduas preocupações, é preciso cultivar algum passatempo de real interesse. Os melhores que conheço, os mais fáceis de se conseguir dominar são o desenho e a pintura. Vieram em meu auxílio quando já me encontrava em boa idade e atravessava uma fase bastante difícil.

“Foi em um domingo, que a caixinha de tintas de uma criança veio em meu auxílio. E os meus primeiros resultados com essas tintas de brinquedo levaram-me no dia seguinte a comprar todo o material necessário para pintar a óleo. O que faltava agora era começar: A paleta estava ali espelhando nas suas tintas variadas; a tela, clara e virgem, convidava-me; e os pincéis, enfileirados no seu estojo, como que me olhavam, resolutos, dispostos a traçar um destino... Muito timidamente, pus um pouco de tinta azul num pequenino pincel, e com infinita precaução, fiz um borrãozinho do tamanho de uma unha sobre a brancura imaculada da tela. Nesse mesmo instante, ouvi o ruído de um automóvel e vi que dele saltava talentosa e laureada pintora de retratos. "Vamos, pinte!" exclamou ela. "Por que hesita?" Deixe-me ver um de seus pincéis. Dê-me um dos maiores! Molhou o pincel na terebentina, embebeu-o no azul e no branco, e misturando as tintas na borda da paleta - zás! Zás! - de quatro pinceladas ligeiras e enérgicas, traçou um franja azul sobre o campo de tela submissa. O encanto estava quebrado! Bastou isso para destruir a minha terrível timidez. Tomei então do pincel maior que tinha e caí sobre a minha vítima com a fúria de um bárbaro. Desde então, nunca mais uma tela me meteu medo. E não sei de nenhum outro exercício que, sem nos fatigar o corpo, tanto dos delicie e absorva a mente." Essa experiência, bastante pessoal, não é minha e não é de nenhum dos que aqui estão presentes. Poderia ser de qualquer um de nós. Mas na verdade é de um dos maiores homens que a humanidade já teve em todos os tempos. É de um homem de grande inteligência e um dos espíritos mais lúcidos do nosso século.

Nos idos de 1512, outro pintor famoso estava pintando a cúpula da Capela Sistina, em Roma, e cometeu um pequeno desvio no traço de um cílio de um anjo. Um erro pequeno, um quase não-erro que, considerada a altura da cúpula, a distância jamais permitiria fosse notado por qualquer mortal, em qualquer época. Um detalhe tão ínfimo que o seu auxiliar considerou imperceptível e desnecessário o seu conserto. O mestre, entretanto, não aceitou a ponderação, embora soubesse da pequenez do engano. Ninguém jamais o veria, estava certo. O próprio auxiliar com quem estava falando também poderia não o ver ou dele nunca falar, mas ele sabia da sua existência e batava o seu conhecimento de um erro, por menor que fosse, para ter consciência da necessidade de corrigi-lo. "Ninguém vai ver" - disse o célebre pintor, - mas eu sei que ele existe". E completou - "por isso, vou consertá-lo, agora mesmo". A primeira história, a do pintor iniciante, pertence ao grande estadista inglês Winston Churchil, homem de inteligência vigilante e firme, sensibilidade e firmeza de espírito. A segunda, a do pintor consciente do seu próprio valor, é do inimitável Miguel Ângelo, o gênio dos séculos.

Como Churchil o nosso pintor - o grande GODOFREDO GUEDES - pinta por prazer. Como Miguel Ângelo, pinta por profissão. E como um e outro, pinta como gênio, como mestre, como o verdadeiro amante da arte. Não perdeu quarenta anos de sua vida sem pintar como o nosso herói da Inglaterra. Não se preocupa com a posição de cílios dos seus figurantes, porque já os coloca no lugar certo, com grande maestria.

Godofredo começou as suas aventuras e venturas com os pincéis já aos 15 anos, em 1923, na cidade onde nasceu, em Riacho de Santana, Bahia, onde também estudou francês e foi prático de farmácia por onze anos. Seu primeiro trabalho, já com toque de mestre, trabalho a óleo quero dizer, foi na Gruta da Igreja de Nosso Senhor Bom Jesus da Lapa, nas barrancas do São Francisco. Até hoje lá estão para a glória de Deus e do autor, os doze quadros bíblicos da Via Sacra. Têm sido um momento de místicas contemplações por parte dos romeiros e visitantes dos últimos quarenta e seis anos de história religiosa da velha Lapa.

Depois da Bahia, depois dos dias ensolarados do sertão interiorano, depois de encher a alma dos tons ricos das águas do São Francisco, Godofredo Guedes veio para Montes Claros, cidade pequena em 1935, mas com uma admirável generosidade de muito sol e muito azul: azul no céu, azul nos montes, azul nos tubos de tinta azul da sua paleta de artista fogoso. O homem chegou pintando. Pintava tudo. Pintava placas, pintava letreiros, pintava fachadas, pintava quadros. Quando pintou o retrato de grande Prefeito Doutor Santos, recebeu dele um bruto elogio: "como poderia assim de modo tão fácil e artístico captar o pintor tão seguramente a personalidade de uma pessoa?". Quarenta e um anos são passados e o retrato aí está para quem quiser ver. Ainda é um sucesso até hoje, despertando muitos elogios.

Quantos quadros Godofredo já pintou nesta sua venturosa vida? Ninguém sabe... Uns três mil talvez, fora os que deu de presente. Quantos amigos? Ninguém sabe, tantos são eles, em toda parte. Quantos filhos, frutos de um feliz casamento com D. Júlia? Isso eu sei: são oito - Terezinha, Dolores, Neusa, José, Hélio, Maristela, Alberto e Lúcia. Hélio é o famoso Patão, do folclore e também das tintas. Alberto, o genial Beto Guedes, um dos construtores da moderna música brasileira. Lúcia estuda atualmente na Argentina e já é quase doutora, quase médica. Os outros aí estão, felizes, casados, solteiros. Zeca segue a trajetória dos pincéis do pai, mas até hoje não quis pintar quadros. D. Júlia de Castro Guedes, pelo que sei, é que comanda, cuida de tudo e de todos. É diretora e gerente ao mesmo tempo. Mulher e mãe que manda um bocado e com razão, diante de família tão grande e de marido artista, que sem querer só sabe ver as belezas da vida. D. Júlia é uma admiradora do marido. Fala dele sempre com grande carinho, mesmo quando está de cara fechada ou precisando brigar. A ela, concordo, devemos grande parte da firmeza do marido, da sua produção.

A maior tela de Godofredo está em Belo Horizonte, no Instituto de Educação. Tem grande dimensão, quatro metros por três. Trata-se de um busto do inesquecível João Pinheiro, que provocou choro do filho, Governador Israel, quando o viu pela primeira vez, diante de tanta emoção face à beleza do quadro.

Para o artista Godofredo Guedes o seu melhor trabalho foi realizado para outro grande artista, o pintor Konstantin Christoff. Trata-se de um retrato do velho e robusto Christo Raeff, em cores marcantes, um perfeição de relevo de luzes e sombras, de coloridos e matizes. Trabalho marcante, vivo, audacioso. Uma verdadeira obra de arte alimentada pelo calor da amizade de dois grandes gênios do pincel. Sua maior glória: ter quadros e telas em grande parte dos lares de Montes Claros e do Brasil. São tantos como os seus dias de alegria. Mas nem só de tinta vive Godofredo. De vez em quando deixa de ser mestre do pincel para ser mestre na harmonia dos sons, compositor que é de quase cinqüenta belas músicas, muitas delas inseridas em cadernos de modinhas e de dobrados e de livros de grande destaque como o lançado recentemente pela historiadora Milene Coutinho Maurício. Muitas não são por aqui conhecidas, porque ficaram com as bandas de música da velha Bahia, guardando a saudade do autor.

Nota interessante é que Godofredo começou a compor música em 1931, no mesmo ano em que se casou com D. Júlia, ao que tudo parece, um amor mais sonoro que colorido ou tão sonoro como colorido, como as duas artes poderão explicar, pelo menos por algum tempo, pois, afinal, prevaleceu a pintura. Como compositor, Godofredo foi laureado com o Primeiro Prêmio num concurso de músicas juninas da Rádio Inconfidência de Minas Gerais. O título:"VAI, MEU BALÃOZINHO". Construiu também, para variar de arte, inúmeros instrumentos de cordas: violinos, violões e até um piano.
Isso mesmo, um PIANO! Com cauda e tudo! Em Montes Claros,Godofredo já recebeu cinco prêmios como melhor pintor. Em Belo Horizonte, há oito anos que participa da Feira da Praça da Liberdade, vendendo quadros todas as semanas.

Sua maior emoção além do casamento com D. Júlia: o ato do recebimento do título de cidadão Honorário de Montes Claros, em 1957, ano do centenário da cidade, aprovado por unanimidade da Câmara, a pedido do saudoso prefeito Geraldo Athayde. Outra grande emoção: a noite de hoje, quando todos nós, amigos sinceros, admiradores conscientes, companheiros leais, autoridades, esposa, filhos, genro, estamos aqui para abraçá-lo na comemoração dos seus 46 anos de pintura, quase meio século de Arte que alegra e faz crescer a alegria pela beleza da vida, descobrindo o verdadeiro sentido da importância de viver. Amigo Godofredo, receba de todos nós um apertado, colorido e sonoro abraço.


Desenho de Konstantin Christoff

__________________________________________________________
Discurso de comemoração dos quarenta e seis anos de pintura e música de GODOFREDO GUEDES, durante o jantar que lhe foi oferecido pelas entidades de classe e clubes de serviço, no Automóvel Clube de Montes Claros, no dia 1º de setembro de 1976.


MEU PATRONO

Yvonne de Oliveira Silveira
Cadeira N. 5
Patrono: Antônio Ferreira de Oliveira

O amor e a admiração por meu pai fizeram-me escolhê-lo para Patrono da Cadeira 16, fundada por mim, ao ser eleita, 1968, para sócia efetiva da Academia Montesclarense de Letras. Eleita, também sócia da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, representando a cultura montes-clarense, de novo escolhi o nome do meu pai para patrono. E, recentemente, participando como sócia fundadora do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros eis o pai Antônio Ferreira de Oliveira, meu patrono na Cadeira N. 5.

Embora não esteja fazendo elogio ao patrono, ao colaborar no primeiro número da revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, quero lembrar a personalidade do meu pai, a quem devo a vocação para o oficio de escrever e de falar em público.

Poucas pessoas presentes nos meios culturais de hoje conhecem o Farmacêutico Antônio Ferreira de Oliveira, apelidado de Niquinho. Vindo da Conceição do Mato Dentro, depois de formado em Ouro Preto, sob a proteção do Dr Joaquim Cândido da Costa Sena, seu primo em primeiro grau, também de Conceição, residindo na Capital do estado, por ser professor na Escola de Minas, por ele fundada, aqui chegou meu pai em 1913, a convite do Dr Marciano Alves Maurício.

Instalou a Farmácia Americana, onde é hoje a Drogaminas, e nela exerceu a profissão por dezessete anos, destacando-se como bom farmacêutico, provocando rivalidade com os dois outros, já estabelecidos, e até de um médico, pois manipulava fórmulas de sua invenção, que curavam todas as moléstias curáveis.

Inteligente e culto, pois naquela época os portadores de curso superior tinham verdadeiro saber, logo se destacou nos meios sociais e políticos, pela facilidade de improvisar discursos, ser o intérprete dos franceses que por aqui passavam e demonstrar conhecimentos gerais. Na provinciana Montes Claros era um sucesso. Tornou-se partidário dos honoralistas e fundou o jornal Montes Claros, do qual foi proprietário e diretor por três anos, deixando-o quando os camilistas o empastelaram.

Nas lides políticas, foi vereador à Câmara Municipal por quatro mandatos, sempre exercendo o cargo de secretário e defendendo os interesses dos munícipes.

A vocação de prosador e poeta revelou-se no seu jornal, em cujas páginas, na coleção que ainda hoje conservo, pode-se apreciar a habilidade do articulista, de linguagem correta, expressiva, defendendo, sugerindo, e elogiando iniciativas que impulsionassem o progresso de Montes Claros, e criticando erros administrativos e promoções inoperante. É, também, no Montes Claros que se pode admirar o poeta, autor de belos e perfeitos sonetos simbolistas.

Além de farmacêutico, político, vereador e jornalista, exerceu por várias vezes, o cargo de promotor adjunto, com a eficiência e responsabilidade que lhe eram características.

Não obstante as várias atividades, meu pai jamais se esqueceu da profissão de farmacêutico, a ela dedicando-se primordialmente. Com ela é que podia manter a família: sai esposa Cândida Peres e os oito filhos, eu a mais velha.

Durante a gripe espanhola, de 1918, foi o auxiliar dedicado e caridoso de Dr João Alves. Salvaram muitas vidas, socorrendo os pobres, sem descanso, dia e noite. Dr João Alves recebeu medalha de ouro e meu pai, de prata, reconhecimento de Montes Claros ao canto de amor e carinho vividos pelos dois, naqueles momentos trágicos da
grande calamidade que atingiu quase todo o planeta Terra.

Se naquela época houvesse as condições propicias da atualidade, e se não tivesse as perseguições de inveja, que tanto o magoaram, bem mais teria realizado, lançando sementes precursoras.

Mas, combativo, lutador, de abrangente tirocínio, marcou sua vida na cidade eleita para a profissão e a família, ajudando-a, naqueles difíceis anos, em que o único meio de transporte para a Capital do estado e outros centros de progresso, era o cavalo.

Termino sem me referir a toda sua luta, por falta de espaço.

Creio, porém, que recolhi o que transmito guiada pela luz maior que foi para mim. Lembranças longínquas de um tempo feliz.


FOTO HISTÓRICA


A primeira casa construída pelo Alf. José Lopes de Carvalho posteriormente, Da. Eva Bárbara Teixeira de Carvalho residiu na casa construída pelo Alferes, daí o nome de “Casa de Da. Eva”, e da rua, onde a mesma estava situada. (Montes Claros de Ontem e de Hoje - Yvonne Silveira e Zezé Colares, página 24).


JUSTA HOMENAGEM

Zoraide Guerra David
Cadeira N. 86
Patrono: Patrício Guerra

Sempre acolhi os cometimentos culturais, dando–lhes com minha participação, o aval real e lógico.

Ocupando a cadeira nº- 86, do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, almejo prestar homenagem ao meu patrono Patrício Guerra- meu progenitor, exemplo maior em todo sentido, integrando –me com os escritores dessa revista histórica.

Historiador e memorialista, registrando cuidadosamente os fatos, Patrício Guerra tem com suas produções colaborado substancialmente com a posteridade, possibilitando fonte de pesquisa credenciada.

Sua ficha literária o expõe agente de uma gama de estilos, sobressaindo –se como poeta, embora por sua singular humildade, questionasse esse título artístico:

Por que me chamam poeta?

Por que me chamam poeta, se não sei cantar,
A beleza imensurável da vastidão do mar,
Nem os altos e baixos relevos das montanhas
Que se azulam na fímbria do horizonte?
Nem a força colossal das gigantescas caudais
Que delas se despencam rolando em direção ao oceano?
Se não consigo a transcendência dos séculos
Que têm passado sobre a face da terra?
Se não sei traduzir a harmonia contida na música
Entoada por milhões de pássaros no seio misterioso das florestas seculares?
Se nunca pude interpretar o piscar de olhos fosforescentes Das miríades de estrelas disseminadas na cúpula azul – turquesa do firmamento?
Se não sei sublimar com arte as maravilhas que em conjunto constituem.
Toda a imensurável beleza da Natureza que nos circunda?
Se eu fosse poeta, eu saberia descrever a trajetória do carro do sol que no fragor da sua marcha manda luz e calor para animar a terra. Saberia cantar a incomparável beleza do luar que suprime as trevas da noite.
Enfim se eu fosse poeta, eu saberia entoar hinos de louvor a Deus por tudo que decorre da sua infinita Sabedoria e da sua imprescindível Bondade e Misericórdia.

Mortugaba –BA, abril de 1979.

Sua inteligência e emoção na arte de se expressar em verso ou prosa, são causa e conseqüência de um intercâmbio cultural apreciável:

Que importa que a sorte intransigente
Suas asas terríficas desdobre,
Perpetuando a um ser inteligente
A condição concisa de ser pobre?...

Mortugaba – BA / 1923.

Retribuia ele ao poeta J. Meira, de Andaray – BA, um soneto que lhe dedicara: CONTRA A SORTE, em o qual o autor realçava o desânimo por ser pobre.

Como se observa, discordando num parecer com sabor de desdém, inconscientemente ele lançava um desafio à sua própria condição financeira: jamais aceitaria que essa fosse um obstáculo à sua faina literária.

Yvonne de Oliveira Silveira - Presidente da Academia Montesclarense de Letras, assim se expressa no posfácio do livro PATRÍCIO GUERRA – Vida e Obra – Edição comemorativa do 1º centenário de seu nascimento-, que lancei no Centro Cultural Hermes de Paula de Montes Claros, aos 17 de março de 1996:

“Conheci – o e admirei –o desde o primeiro encontro, pois dele emanava uma poderosa força que inspirava confiança, respeito, grandeza de alma.

As contingências da vida , na destinação da origem, no interior baiano, não foram impedimentos para que se alfabetizasse, educasse, alcançando destacada posição intelectual com a intensa produção literária em prosa e verso , na qual expressou os sentimentos de todo ser humano e a nobreza do seu caráter.

Patrício Guerra lutou e cresceu. Integralmente. No espírito, no intelécto, nas qualidades morais, nos conhecimentos da ciência farmacêutica, na política e nas ações de bom samaritano.”

Ocupar este espaço para expô –lo é reafirmar: - Patrício Guerra é merecedor do título de “PATRONO”, outorgado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros - agremiação cultural distinta, reiterando o título, que caracteriza MONTES CLAROS, como - “cidade da arte e da cultura”.

Montes Claros, novembro de 2007.


O poeta Patrício Guerra


DOCUMENTO HISTÓRICO

RESOLUÇÃO N° 939-DE 07 DE JUNHO DE 1858, QUE APROVA
AS POSTURAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE
MONTES CLAROS DE FORMIGAS


Documento do Arquivo Histórico de Dário Teixeira Cotrim


SILVA CASTRO: UM HERÓI ESQUECIDO

João Martins
Sócio Correspondente
Guanambi - Bahia

O Tenente-Coronel José Antônio da Silva Castro, o “Periquitão” (05/01/1892 – 21/10/1844), herói das lutas pela independência do Brasil e pela Consolidação da Independência da Bahia, é hoje um simples desconhecido dos brasileiros e até mesmo das autoridades militares da Bahia, de cuja classe ele foi um dos mais bravos combatentes e exemplo de bravura, lealdade e patriotismo.

A indiferença das autoridades ligadas à cultura e dos cidadãos, de forma geral, é um crime contra a memória do Brasil. Afinal, Silva Castro dedicou toda a sua vida às lutas próindependência do Brasil; lutando, sem tréguas, e muitas vezes de suas próprias custas, contra as forças imperiais lusas, que resistiam, a todo custo, a idéia da separação da colônia brasileira de Portugal, notadamente no transcorrer dos anos de 1821 a 1823. Sua luta continuou ainda pelos sertões, no papel de combatente e pacificador das lutas civis entre brasileiros e marotos (portugueses), a chamada “Guerra dos Mata Marotos”.

HISTÓRIA DE HEROÍSMO - De alferes que fora da Ordenança da Vila de Maragogipe, no calor da suja juventude, até chegar ao posto de tenente-coronel, Silva Castro (avô materno do poeta Antônio Frederico de Castro Alves), imortalizado pela alcunha de “Periquitão”, foi o comandante do 3º Pelotão de Cavalaria “Voluntários do Príncipe” - denominado de “Periquitos”. Ele lutou, de maneira heróica, contra as tropas portuguesas nas batalhas do Paraguaçu, Nazaré das Farinhas, Santo Amaro do Catu, em Itaparica, Pirajá e outras frentes, na guerra pela independência da Bahia. Do seu Pelotão foi integrante, também, a heróica Maria Quitéria de Jesus Medeiros, que se fez passar por homem para lutar contra os portugueses, em favor do Brasil.

O patriotismo de Silva Castro já era notado em 10 fevereiro de 1821, quando, ao lado de outros revolucionários, participou dos levantes em prol do Movimento Constitucionalista baiano, sob o comando do oficial Manoel Pedro de Freitas Guimarães. Mas foi em 25 de junho de 1822, primeiramente na vila de Cachoeira (hoje cidade de Cachoeira - BA), que Silva Castro mostrou suas habilidades militares ao sucumbir, com seu ainda pequeno pelotão de 60 homens, uma canhoneira portuguesa ancorada no rio Paraguaçu, enviada, de
Salvador, pelo general Madeira de Melo, para inibir qualquer mobilização popular. A batalha foi travada logo após a Câmara Municipal de Cachoeira proclamar D. Pedro I, Príncipe Regente do Brasil.

É impossível dimensionar o heroísmo desse grande baiano, sertanejo imbatível, guerreiro incomparável por sua bravura e capacidade de liderança, reunidos na pessoa de Silva Castro, que, por sua conta e custas, montou e sustentou, por muito tempo, o 3º Batalhão dos “Periquitos”, que chegou a contar com setecentos combatentes, segundo atestam as escritoras Norma Silveira de Almeida e Amanda Rodrigues Lima Tanajura.

O Pai – Casado com a fazendeira Dona Maria de São João dos Campos, viúva do procurador da Casa da Ponte, Manoel Trindade Moreira, Periquitão teve desse casamento cinco filhas: Ana Constança, Fausta, Idalina, Josefina Idalina e Eulália, e ainda José, seu único filho varão, que faleceu com poucos dias de vida. De outros casamentos ele teve Clélia Brasília (mãe do poeta Castro Alves) e Pórcia, que moravam com a sua irmã, em Curralinho.

O agropecuarista - Considerado um dos maiores latifundiários do Brasil (para os padrões de hoje), dono de dezenas de fazendas - em Guanambi ) então Montes Aldo), Rio das Contas, Macaúbas, Curralinho (hoje município de Castro Alves), São Felix, Cachoeira, Feira de Santana e outras -, Silva Castro preferia a Fazenda Cajueiro, onde viveu os últimos 17 anos de sua vida - 1827 a 1844 -, segundo atestam as escritoras Norma Silveira de Almeida e Amanda Rodrigues Lima Tanajura (suas trinetas) no seu livro “José Antônio da
Silva Castro – O Periquitão” – 2ª Edição – EGBA 2004.

Por todos os rincões de suas divisas, ele criava gados (bovino e eqüinos) e desenvolvia culturas agrícolas, como algodão, mandioca e fumo, notadamente nestas terras vazantes da Serra Geral, por onde se estende a bacia do Rio das Rãs, à margem direita do rio São Francisco, e do Rio de Contas (Chapada Diamantina), onde centravam suas maiores riquezas agropastoris. Cajueiro era apenas uma de suas muitas propriedades desta microrregião, destacando-se,
ainda, as Fazendas Cubículo, Pintada, Volta do São Francisco (atual Veredinha), Bela Vista, Carnaíba e Carnaíba de Dentro, Pindoba, Brejões, Sobrado, Santa Rosa (Candiba), Mucambo, Campo Grande e Quarto de Juazeiro. Além dessas, muitas outras, espalhadas por todo o sertão baiano, a exemplo da Fazenda Cabaceira, em Curralinho (deixada para Clélia Brasília, onde nasceu o poeta), Fazenda Favela, em Rio de Contas, etc. Deixou ainda, casas e sobrados em Curralinho (atual Castro Alves), Cachoeira, São Felix, Rio de Contas, Monte Alto e Caetité.

Da histórica Cajueiro, de que escreveu Teodoro Sampaio, em 1879, em seu livro “O Rio São Francisco e a Chapada Diamantina” e a visitou quando de sua passagem por este sertão, restam apenas a terra cansada do contínuo uso agropecuário, que já decorre perto de três séculos, e algumas marcas dos tempos da opulência.

O desenvolvecionista - Não bastasse o que o Tenente-Coronel José Antônio da Silva Castro representa para a Bahia e para o Brasil, a marca do seu trabalho e liderança política deixadas nesta região da Serra Geral, bem como sua grandeza como homem empreendedor e pai de família que foi, merece de todos nós o máximo de respeito e reverência. Ele foi, certamente, um dos grandes - se não o maior - propulsor do desenvolvimento socioeconômico deste rincão sertanejo, no século XIX. Mas, apesar de tantos atributos, Silva
Castro ainda é um ilustre desconhecido da sociedade contemporânea.

Tanto em Guanambi quanto Palmas de Monte Alto e Caetité, onde ele tanto influiu, não existe se quer uma praça ou uma ruela com o seu nome, muito menos ainda qualquer manifestação cultural rendendo-lhe homenagem na “Semana da Pátria”, no “Dia do Soldado” ou em outra data comemorativa e de dedicação aos heróis nacionalistas.

Último refúgio - Silva Castro faleceu aos 52 anos de vida, em 21 de outubro de 1844, dez mês depois de ficar viúvo, na sua residência “Casa dos Arcos” da Fazenda Cajueiro (distante 13 quilômetros do centro comercial de Guanambi), onde viveu os últimos 17 anos de sua vida. Hoje, decorridos exatos 163 anos de sua morte, ninguém mais se lembra desse notável, nem mesmo uma singela homenagem lhe prestaram, a não ser esta nossa citação jornalística. Da capela do cemitério da Fazenda Cajueiro, onde afirmam ter sido sepultado o seu corpo, restam apenas sutis escombros, mascas de uma construção, e até mesmo sem a cruz de aroeira que deixaram ai plantada.

A imponente Casa dos Arcos que Periquitão mandou erguer ao seu esmerado gosto, nos limites de Guanambi ao Oiteirinho do Pageú, onde ele reinava absoluto na condição de oficial do Governo Imperial, na manutenção da ordem social nos sertões, só restam torrões das suntuosas colunas, já que seu trineto, o atual proprietário, a vendeu a “caçadores de tesouros históricos” para retirar-lhe o madeiramento.

Felizmente, alguns dos casarões sedes de fazenda de propriedades de Silva Castro, nesta região de Guanambi, a exemplo dos das fazendas Pindoba, Cubículo e Pintada, ainda permanecem bem conservados, e lembram aqueles tempos de fartura e primitivismo. As sedes das Fazendas “Bela Vista” e “Pintada” são as mais imponentes, exibindo o “estilo colonial”, com suas “eiras e beiras”, símbolos da imponência do domínio coronelista, hoje pertencente, respectivamente, ao empresário Jó Magalhães e ao agrônomo Franco Fernandes Filho.


Fazenda Cajueiro - Caetité Bahia


ÍNDICE

Diretoria do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros - 03
Lista de sócios efetivos do IHGMC- 05
Sócios correspondentes do IHGMC - 07
Notas dos coordenadores da edição - 07
Foto histórica - 08
Apresentação da Revista - 09
Amelina Chaves
- Caraça: História de Minas - 11
Clarice Sarmento
- Dr. Hermes Augusto de Paula - 15
Dário Teixeira Cotrim
- A princesinha de Montes Claros - 19
- Dona Tiburtina Andrade Alves - 21
- Simeão Ribeiro Pires - 23
- O mecânico Gasparino - 26
Edgar Antunes Pereira
- Caso qu’ieu õvi - 29
Felicidade Patrocínio
- A presença artistíca de Antônio Francisco Lisboa:
O Aleijadinho - 38
Geralda Magela de Sena Almeida e Sousa
- Labor Clube de Montes Claros - 55
Haroldo Lívio
- Historiador João Botelho Neto - 59
- Secos e Molhados - 61
Itamaury Teles
- O romãozinho de Porteirinha - 63
Documento Histórico - 68
Juvenal Caldeira Durães
- Breve história da aviação de Montes Claros - 69
Karla Celene Campos
- Saudades do Agreste - 79
Lázaro Francisco Sena
- De Minas para a Bahia - 86
Luiz de Paula Ferreira
- O pilão no enxoval da noiva - 89
Maria Clara Lage Vieira
- Geraldo Vieira: Retrato de um herói - 93
Maria das Mêrces Paixão Guedes
- Sob a sombra de tuas asas - 99
Bandeira de Montes Claros - 117
Documento Histórico - 118
Maria da Glória Caxito Mameluque
- Vila Risonha de Santo Antônio da Manga de São Romão:
Decadência e Ascensão - 119
Maria Inês Silveira Carlos
- Mulheres brejeiras - 125
Maria Luiza Silveira Telles
- Da velha guarda - 129
Marta Verônica Vasconcelos Leite
- Itacarambi: Uma cidade entre rios e cavernas - 135
Olyntho Alves da Silveira
- Lágrimas pelo Comendador - 143
Petrônio Braz
- A dimensão de um homem - 145
Rafael Freitas Reis
- A alma que está no papel - 156
Roberto Carlos Morais Santiago
- Salinas: 120 anos de história - 158
Roberto Pinto da Fonseca
- Os caminhos do Sertão - 163
Ruth Tubinambá Graça
- Tóbias Leal Tupinambá - 169
Wanderlino Arruda
- Discurso para Godofredo Guedes - 178
Yvonne de Oliveira Silveira
- Meu Patrono - 183
Foto Histórica - 185
Zoraide Guerra David
- Justa homenagem - 186
Documento Histórico - 189
João Martins
- Silva Castro: Um herói esquecido - 191


Impresso na oficina da
GRÁFICA EDITORA MILLENNIUM LTDA.
Rua Pires e Albuquerque, 173 - Centro
39.400-057 - Montes Claros - MG
E-mail: mileniograf@viamoc.com.br
Telfax: (38) 3221-6790
Não encontrando este livro nas livrarias, solicitar por
Reembolso Postal ao Instituto Histórico
e Geográfico de Montes Claros,
Praça Dr. Chaves, 32
E-mail: ihgmc@gmail.com - Site: www.ihgmc.art.br
39400-005 – Montes Claros – Minas Gerais