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curricilo
 
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Revista
do Instituto Histórico e Geográfico de
Montes Claros

Fundado em 27 de Dezembro de 2006

 

VOLUME XI

 

2º Semestre de 2013

MONTES CLAROS
MINAS GERAIS – BRASIL
2013

O Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, nos termos de seu Estatuto, tem como finalidade a promoção de estudos e a difusão de conhecimentos de história, geografia e ciências afins, do município de Montes Claros e da região Norte Mineira, assim como o fomento da cultura, a defesa e a conservação do patrimônio histórico, artístico e cultural.


INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS

Centro Cultural Hermes de Paula
Praça Dr. Chaves, 32 - Centro
CEP.: 39.400-005 - Montes Claros - MG
Site: www.ihgmc.art.br


REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS
Publicação semestral

Diretor e editor:
Itamaury Teles de Oliveira
Reg. Prof. MG 07636JP

Conselho Editorial:
Haroldo Lívio de Oliveira, Itamaury Teles de Oliveira,
Luís Carlos Vieira Novaes e Wanderlino Arruda

Editoração/diagramação:
Cleber Caldeira

Impressão:
Gráfica e Editora O Lutador - Belo Horizonte - MG


CAPA:

Imóveis demolidos em Montes
Claros: chalé de Dona Laura
Gomes, na Praça Coronel Ribeiro,
19; chalé do Doutor Antônio
Augusto Veloso, na rua Camilo
Prates; Ginásio Diocesano de
Montes Claros.


ÍNDICE

DIRETORIA 2012/2013


COMISSÃO FUNDADORA 2006-2007


Dr. DÁRIO TEIXEIRA COTRIM
Dr. HAROLDO LÍVIO DE OLIVEIRA
Jornalista LUIS RIBEIRO
Dr. WANDERLINO ARRUDA


INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS
Centro Cultural Hermes de Paula
Praça Dr. Chaves, 32 - Centro
CEP.: 39.400-005 - Montes Claros - MG
Site: www.ihgmc.art.br


REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS
Publicação semestral

Diretor e editor:
Itamaury Teles de Oliveira
Reg. Prof. MG 07636JP

Conselho Editorial:
Haroldo Lívio de Oliveira, Itamaury Teles de Oliveira,
Luís Carlos Vieira Novaes e Wanderlino Arruda

Editoração/diagramação:
Cleber Caldeira

Impressão:
Gráfica e Editora O Lutador - Belo Horizonte - MG

CAPA:
Imagens da antiga Estação Ferroviária de Montes Claros,
inaugurada em 1º de setembro de 1926
e demolida no início dos anos 70


DIRETORIA 2012- 2014


PRESIDENTE DE HONRA Dr. Luiz de Paula Ferreira
PRESIDENTE Dr. Itamaury Telles de Oliveira
1º VICE - PRESIDENTE Dr. Wanderlino Arruda
2º VICE - PRESIDENTE Dr. Dário Teixeira Cotrim
DIRETOR EXECUTIVO Dr. Petrônio Braz
DIRETOR-SECRETÁRIO Dr. Manoel Messias de Oliveira
DIRETOR-SECRETÁRIO ADJUNTO Drª Maria da Gloria Caxito Mameluque
DIRETOR DE FINANÇAS Coronel Lázaro Francisco Sena
DIRETOR DE FINANÇAS ADJUNTO Dr. Adnauer Denarte Dávila
DIRETORA DE PROTOCOLO Profª Felicidade Patrocínio
DIRETORA CULTURAL Profª Maria Luiza Silveira Teles
DIRETORA DE BIBLIOTECA Profª Marta Verônica Vasconcelos Leite
DIRETORA DE MUSEU Economista Roberto Carlos Morais Santiago
DIRETOR DE RELAÇÕES PÚBLICAS Dr. Haroldo Lívio de Oliveira
DIRETORIA DE JORNALISMO Jornalista Luiz Carlos Vieira Novaes
DIRETORA DE CURSOS Profª Ivana Ferrante Rebelo e Almeida

 

PRESIDENTE DE HONRA Dr. Luiz de Paula Ferreira
PRESIDENTE Dr. Itamaury Telles de Oliveira
1º VICE - PRESIDENTE Dr. Wanderlino Arruda
2º VICE - PRESIDENTE Dr. Dário Teixeira Cotrim
DIRETOR EXECUTIVO Dr. Petrônio Braz
DIRETOR-SECRETÁRIO Dr. Manoel Messias de Oliveira
DIRETOR-SECRETÁRIO ADJUNTO Drª Maria da Gloria Caxito Mameluque
DIRETOR DE FINANÇAS Coronel Lázaro Francisco Sena
DIRETOR DE FINANÇAS ADJUNTO Dr. Adnauer Denarte Dávila
DIRETORA DE PROTOCOLO Profª Felicidade Patrocínio
DIRETORA CULTURAL Profª Maria Luiza Silveira Teles
DIRETORA DE BIBLIOTECA Profª Marta Verônica Vasconcelos Leite
DIRETORA DE MUSEU Economista Roberto Carlos Morais Santiago
DIRETOR DE RELAÇÕES PÚBLICAS Dr. Haroldo Lívio de Oliveira
DIRETORIA DE JORNALISMO Jornalista Luiz Carlos Vieira Novaes
DIRETORA DE CURSOS Profª Ivana Ferrante Rebelo e Almeida

Nota da Coordenação

A ordem de publicação dos artigos dos sócios efetivos obedeceu à sequência alfabética dos nomes dos autores. Em seguida, foram ordenados os trabalhos dos sócios correspondentes. A Revista não se responsabiliza por conceitos e declarações expedidas em artigos publicados. A revisão dos originais foi feita pelos próprios autores dos artigos publicados.


CONSELHO CONSULTIVO

Prof. José Geraldo de Freitas Drumond
Profº Juvenal Caldeira Durães
Escritora Milene A. Coutinho Maurício
Profª Ruth Tupinambá Graça
Dr. Waldyr Senna Batista
Profª Yvonne de Oliveira Silveira

COMISSÃO DE GEOGRAFIA E ECOLOGIA

Prof. Ivo das Chagas
Profª Anete Marília Pereira
Profª Maria Aparecida Costa

COMISSÃO DE HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA

Profª Marta Verônica Vasconcelos Leite
Prof.. César Henrique de Queiroz Porto
Profª Felicidade Patrocínio
Dr. Fabiano Lopes de Paula

COMISSÃO DE ANTROPOLOGIA, ETNOGRAFIA
E SOCIOLOGIA

Profª Maria Inês Silveira Carlos
Profª Cláudia Regina Almeida

COMISSÃO DE CLASSIFICAÇÃO E DE
ADMISSÃO DE SÓCIO
S

Dr. Dário Teixeira Cotrim
Profª Míriam Carvalho
Dr. Wandelrino Arruda
Profª Zoraide Guerra David

COMISSÃO DA REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO
E GEOGRÁFICO

Dr. Petrônio Braz
Dr. Itamaury Teles de Oliveira
Jornalista Luís Carlos Vieira Novaes
Profª Marta Verônica Vasconcelos Leite
Dr. Wanderlino Arruda
Profº Juvenal Caldeira Durães

COMISSÃO REVISORA DA REVISTA

Dr. Haroldo Lívio de Oliveira
Cel. Lázaro Francisco Sena
Dr. Wanderlino Arruda


LISTA DE SÓCIOS EFETIVOS DO IHGMC

CD
Sócios
Patronos
01
Dr José Santos Rameta Alpheu Gonçalves de Quadros
02
Escritora Milene A. Coutinho Maurício Alfredo de Souza Coutinho
03
Padre Antônio Alvimar Souza Antônio Augusto Teixeira
04
Maria do Carmo Veloso Durães Antônio Augusto Veloso (Desemb.)
05
Profª Yvonne de Oliveira Silveira Antônio Ferreira de Oliveira
06
Prof Marcos Fábio Martins Oliveira Antônio Gonçalves Chaves
07
Professora Maria Aparecida Costa Antônio Gonçalves Figueira
08
Professora Anete Marilia Pereira Antônio Jorge
09
Professora Isabel Rebelo de Paula Antônio Lafetá Rebelo
10
Professora Maria Florinda Ramos Pina Antônio Loureiro Ramos
11
Vaga Ary Oliveira
12
Dr Antônio Augusto Pereira Moura Antônio Teixeira de Carvalho
13
Dr Cesar Henrique Queiroz Porto Ângelo Soares Neto
14
Professora Karla Celene Campos Arthur Jardim Castro Gomes
15
Jornalista Magnus Denner Medeiros Ataliba Machado
16
Dr Waldir de Senna Batista Athos Braga
17
Profa. Marta Verônica Vasconcelos Leite Auguste de Saint Hillaire
18
Dr Petrônio Braz Brasiliano Braz
19
Dr Luiz de Paula Ferreira Caio Mário Lafetá
20
Professora Felicidade Patrocínio Camilo Prates
21
Profa.Terezinha Gomes Pires Cândido Canela
22
Dr. Luiz Giovani Santa Rosa Carlos Gomes da Mota
23
Historiador Hélio de Morais Carlos José Versiani
24
José Ponciano Neto Celestino Soares da Cruz
25
Dr Ronaldo José de Almentida Corbiniano R Aquino
26
Profa. Maria Rejane Rodrigues Ruas Colares Cyro dos Anjos
27
Professora Regina Maria Barroca Peres Dalva Dias de Paula
28
Jornalista Jerusia Xavier Arruda Darcy Ribeiro
29
Professora Filomena Luciene Cordeiro Demóstenes Rockert
30
Escritora Maria Lúcia Becattini Miranda Dona Tirbutina
31
Professora Clarice Sarmento Dulce Sarmento
32
Dr Edgar Antunes Pereira Edgar Martins Pereira
33
Dr Wanderlino Arruda Enéas Mineiro de Souza
34
Profa. Geralda Magela de Sena e Souza Eva Bárbara Teixeira de Carvalho
35
Dr. Antônio Ferreira Cabral Ezequiel Pereira
36
Dra. Felicidade Vasconcelos Tupinambá Felicidade Perpétua Tupinambá
37
Dra. Jussara Veloso Ferreira Antunes Francisco Barbosa Cursino
38
Professora Maria Inês Silveira Carlos Francisco Sá
39
Professor Ivo das Chagas Gentil Gonzaga
40
Drª Maria da Glória Caxito Mameluque Georgino Jorge de Souza
41
Dr Reinine Simões de Souza Geraldo Athayde
42
Professora Maria Luiza Silveira Teles Geraldo Tito da Silveira
43
Professor Benedito de Paula Said Godofredo Guedes
44
Economista Roberto Carlos M. Santiago Heloisa V. dos Anjos Sarmento
45
Vaga Henrique Oliva Brasil
46
Professora Eliane Maria F Ribeiro Herbert de Souza – Betinho
47
Jornalista Paulo César Narciso Soares Hermenegildo Chaves
48
Profa. Maria das Dores Antunes Câmara Hermes Augusto de Paula
49
Prof. José Ferreira da Silva Irmã Beata
50
Jornalista Délio Pinheiro Neto Jair Oliveira
51
Dr José Carlos Vale de Lima João Alencar Athayde
52
Profa. Maria Isabel M. F. Sobreira João Chaves
53
Dr João Carlos M. Sobreira de Carvalho João Batista de Paula
54
Jornalista Adnauer Denarte Dávila João José Alves
55
Cel. Lázaro Francisco Sena João Luiz de Almeida
56
Dra. Ivana Ferrante Rebelo João Luiz Lafetá
57
Jornalista Luiz Carlos Novaes João Novaes Avelins
58
Profa. Maria Ângela Figueiredo Braga João Souto
59
Jornalista Luiz Ribeiro dos Santos João Vale Maurício
60
Dr. Manoel Messias Oliveira Jorge Tadeu Guimarães
61
Jornalista Girleno Alencar Soares José Alves de Macedo
62
Profº José Geraldo de Freitas Drumond José Esteves Rodrigues
63
Vaga José Gomes Machado
64
Professora Palmyra Santos Oliveira José Gomes de Oliveira
65
Dra. Maria de Lourdes Chaves José Gonçalves de Ulhôa
66
Arqueólogo Fabiano Lopes de Paula José Lopes de Carvalho
67
Prof. Denilson Meireles José Monteiro Fonseca
68
Professora Rejane Meireles Amaral José Nunes Mourão
69
Dr. Aderbal Esteves José (Juca) Rodrigues Prates Júnior
70
Vaga José Tomaz Oliveira
71
Dra. Edwirges Teixeira de Freitas Júlio César de Melo Franco
72
Jornalista Theodomiro Paulino Correa Lazinho Pimenta
73
Dra. Maria das Mercês Paixão Guedes Lilia Câmara
74
Professor Laurindo Mekie Pereira Luiz Milton Prates
75
Vaga Manoel Ambrósio
76
Vaga Manoel Esteves
77
Profª Maria Jacy de Oliveira Ribeiro Mário Ribeiro da Silveira
78
Jornalista Américo Martins Filho Mário Versiani Veloso
79
Professora Maria José Colares Moreira Mauro de Araújo Moreira
80
Vaga Miguel Braga
81
Prof. Juvenal Caldeira Durães Nathércio França
82
Dr Haroldo Lívio de Oliveira Nelson Viana
83
Vaga Newton Caetano d’Angelis
84
Dr Itamaury Telles de Oliveira Newton Prates
85
Historiador Expedito Veloso Barbosa Armênio Veloso
86
Professora Zoraide Guerra David Patrício Guerra
87
Profº Arnaldo Bezerra Pedro Martins de Sant’Anna
88
Professora Miriam Carvalho Plínio Ribeiro dos Santos
89
Jornalista Felipe A. G. Gabrich Robson Costa
90
Folclorista Teófilo Azevedo Filho (Téo) Romeu Barcelos Costa
91
Dr Wesley Caldeira Sebastião Sobreira Carvalho
92
Professor Roberto Pinto Fonseca Sebastião Tupinambá
93
Dr Dário Teixeira Cotrim Simeão Ribeiro Pires
94
Dr Luiz Pires Filho Teófilo Ribeiro Filho
95
Profa. Marilene Veloso Tófolo Terezinha Vasquez
96
Professora Ruth Tupinambá Graça Tobias Leal Tupinambá
97
Vaga Urbino Vianna
98
Dra. Mara Yanmar Narciso Virgilio Abreu de Paula
99
Vaga Waldemar Versiani dos Anjos
100
Professora Maria Clara Lage Vieira Wan-dick Dumont

Sócios Correspondentes

Jornalista Adriano Souto Belo Horizonte - MG
Prof. Alan José Alcântara Figueiredo Macaúbas - BA
Jornalista Alberto Sena Batista Belo Horizonte - MG
Dr.André Kohene Caetité -BA
Prof. Regente Armênio Graça Filho Rio de Janeiro- RJ
Dr. Ático Vilas-Boas da Mota Macaúbas - BA
Dr. Augusto José Vieira Neto Belo Horizonte - MG
Dr. Avay Miranda Brasilia - DF
Jornalista Carlos Lindenberg Spínola Castro Belo Horizonte - MG
Escritora Carmem Netto Victória Belo Horizonte - MG
Jornalista Cláudia Correia Costa Carvalho Luz - MG
Jornalista Cintia Bernes Belo Horizonte - MG
Historiadora Célia do Nascimento Coutinho Belo Horizonte - MG
Historiador Daniel Antunes Júnior Espinosas - MG
Historiador Dario Cardoso Vale Belo Horizonte - MG
Dr. Dêniston Fernandes Diamantino Januária - MG
Historiador Domingos Diniz Pirapora - MG
Historiador José Henrique Brandão Bocaiuca-MG
Historiador Paulo Costa Rio Pardo de Minas - MG
Historiador Pedro de Oliveira Várzea da Palma-MG
Dr. Enock Sacramento
São Paulo - SP
Dr. Eustáquio Wagner Guimarães Gomes Belo Horizonte - MG
Dr. Fernando Antônio Xavier Brandão Belo Horizonte MG
Escritor Flávio Henrique Ferreira Pinto Belo Horizonte - MG
Jornalista Genoveva Ruisdias Belo Horizonte - MG
Jornalista Geraldo Henriques (Riky Tereze) New York - USA
Prof. Herbet Sardinha Pinto Belo Horizonte - MG
Dr. Hermano Baggio Pirapora - MG
Jornalista Jeremias Macário Vitória da Conquista - BA
Jornalista João Martins Guanambi - BA
Dr. Jorge Lasmar Belo Horizonte MG
Dr. Leonardo Alvares da Silva Campos Belo Horizonte - MG
Prof. José Eustáquio Machado Coelho Belo Horizonte MG
Prof. Dr. Jorge Ponciano Ribeiro Brasília - DF
Dr. José Walter Pires Brumado - BA
Dr. Marco Aurélio Baggio Belo Horizonte MG
Profa. Dra. Maria da Consolação M. Figueiredo Cowen London - England
Prof. Moisés Vieira Neto Várzea da Palma - MG
Jornalista Paulo César Oliveira Belo Horizonte - MG
Jornalista Manoel Hygino Santos Belo Horizonte - MG
Escritor Reynaldo Veloso Souto Belo Horizonte - MG
Profa. Terezinha Teixeira Santos Guanambi - BA
Prof.Thiago Carvalho Makiyama Gunma-Ken - Japão
Prof. Wellington Caldeira Gomes Belo Horizonte - MG
Historiador Zanoni Eustáquio Roque Neves
Belo Horizonte - MG

APRESENTAÇÃO

Ao completar seus sete anos – número cabalístico considerado por Pitágoras como sagrado, perfeito, mágico e poderoso -, o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros atinge a sua maioridade, não só em decorrência da prolífica produção literária de seus associados, mas também como entidade reconhecida em todos os quadrantes do território mineiro e, quiçá, brasileiro.

Sem cabotinismo, de forma discreta e determinada, fomos construindo as sólidas bases sobre as quais se edificou o bom conceito de que desfrutamos, haja vista o crescente reconhecimento público pelo trabalho que desenvolvemos, em prol da produção de conhecimentos sobre a nossa vasta área de abrangência.

Com efeito, como pode ser comprovado nesta edição, vários de seus membros foram contemplados com as mais significativas honrarias, pelo Governo de Minas Gerais, em cerimônias prestigiadas, com repercussão na mídia nacional. Houve, até, um prêmio internacional conquistado por um dos nossos associados. O folclorista Teófilo Azevedo Filho, de nome artístico Téo Azevedo, foi agraciado com o Grammy Latino 2013, em Los Angeles (EUA), pela produção do CD sobre o centenário de Gonzagão.

Em nível municipal, abriram-se as portas de conselhos para que as opiniões do Instituto Histórico e Geográfico possam ser ouvidas e levadas em sua devida conta, com a responsabilidade e o compromisso público que nos caracteriza, na defesa e na promoção do nosso patrimônio cultural, de forma genérica. Por isso mesmo, ocupamos cargo de direção no Conselho Municipal do Patrimônio Cultural.

Com esta décima primeira edição, afora textos já produzidos e ainda não publicados, somam-se mais de 2.000 páginas, exclusivamente sobre a história, a geografia, a genealogia, as artes, as tradições e as pessoas da região norte-mineira.

De uma entidade em busca de afirmação e itinerante, nos primórdios da sua fundação, fomos conquistando, por méritos, espaços públicos para sediar nossos trabalhos.

Nos últimos dois anos, no apagar das luzes da administração do ex-prefeito Luiz Tadeu Leite, fomos contemplados com uma sala no Centro Cultural Hermes de Paula, onde instalamos a nossa sede administrativa, parte do nosso acervo bibliográfico, e a galeria de retratos dos ex-presidentes.

Agora, no final de nosso mandato como presidente, conseguimos um importante espaço para abrigar o acervo bibliográfico doado ao Instituto pela família do nosso Patrono, Simeão Ribeiro Pires. Os mais de oito mil volumes – que se encontravam depositados, em sala inacessível ao público, na Escola Estadual Prof. Plínio Ribeiro – já estão à disposição de pesquisadores, na Casa da Cidadania, antiga rodoviária da cidade, esta coincidentemente construída na gestão de Simeão Ribeiro como prefeito de Montes Claros.

É por tudo isso que o Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, com apenas sete anos de fundação, já se apresenta como entidade adulta e representativa. Integrado por pessoas de notório saber em suas áreas, a soma desses saberes é rico cabedal que flui naturalmente para o seu engrandecimento e consolidação.

Agora, convidamos o leitor, sem maiores delongas, para uma incursão nos excelentes textos produzidos por nossos associados.

Itamaury Teles de Oliveira


HOMENAGENS PÓSTUMAS A SÓCIOS


Historiador João Botelho Neto
1932 - 2007


Cônego Adherbal Murta de Almeida
1921 - 2008


Poeta Reivaldo Canela
1933 - 2008


Escritor Olyntho da Silveira
1909 - 2009


Necésio de Morais
1922 - 2010


Ájax Tolentino
1940 - 2012


Reginauro Silva
1950 - 2012


Fernanda Ramos
1928 - 2012


Marta Sayago
1946 - 2013

 

Para um túmulo de amigo
“A morte vem de manso, em dia incerto
e fecha os olhos dos que têm mais sono...”.

(Alphonsus de Guimaraens - ossa mea, I.)


FATOS MARCANTES
DO ÚLTIMO SEMESTRE


ABRIL DE 2013 - Em pé: Manoel Messias Oliveira, José Ferreira,
Ivo das Chagas, Juvenal Caldeira, Lázaro Sena, Haroldo Lívio,
Dário Cotrim, Denilson Meireles, Wanderlino Arruda e Itamaury
Teles. Assentadas: Yvonne Silveira, Marilene Tófollo. Palmyra Santos
Oliveira, Mara Narciso, Maria Ângela Braga, Clarice Sarmento
e Felicidade Patrocínio.


MAIO DE 2013 - Em pé: Dário Cotrim, Manoel Messias, Geralda
Magela Sena, Marta Verônica, Felicidade Tupinambá, Mara Narciso,
Maria Lúcia Becattini, Felicidade Patrocínio, Haroldo Lívio,
Expedito Barbosa e Itamaury Teles. Assentados – Marilene Veloso
Tófolo, Yvonne de Oliveira Silveira, Palmyra Santos Oliveira, José
Ferreira da Silva, Lázaro Sena e Wanderlino Arruda.


JUNHO DE 2013 - (EM DIA E HORA DE JOGO DA SELEÇÃO
BRASILEIRA) – Itamaury Teles, Lázaro Sena, Lola Chaves, Mara
Narciso, Palmyra Santos Oliveira, Wanderlino Arruda, Dário Cotrim
e Manoel Messias de Oliveira.


REUNIÃO DO MÊS DE JULHO DE 2013: Em pé – Dário Cotrim,
Lázaro Sena, Manoel Messias, Mara Narciso, Maria Ângela Figueiredo,
Juvenal Caldeira, José Ferreira, Lola Chaves e Itamaury Teles. Assentados
– Edwirges Teixeira (Du), Palmyra Santos Oliveira, Iolanda
Teles, Marilene Tófolo, Amelina Chaves e Wanderlino Arruda.


REUNIÃO SOLENE DE POSSE
EM AGOSTO DE 2013

O Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros reuniu-se dia 16 de agosto, às 19h30, na sede social do Elos Clube, sob a presidência do escritor e jornalista Itamaury Teles de Oliveira, para dar posse a novos associados e lançar mais uma edição de sua revista semestral.
Na noite solene, foram empossados os seguintes novos associados em suas respectivas cadeiras: cadeira 04, Maria do Carmo Veloso Durães - patrono Antônio Augusto Veloso (Desembargador); cadeira 24, José Ponciano Neto
– patrono Celestino Soares da Cruz; cadeira 67, Denilson Meireles - patrono José Monteiro Fonseca; cadeira 87, Arnaldo Bezerra – patrono Pedro Martins Sant’Anna; cadeira 89, Felipe Antônio Guimarães Gabrich - patrono Robson Costa; cadeira 90, Teófilo Azevedo Filho (Téo) – patrono
Romeu Barcelos Costa; e cadeira 99 - Virgínia de Abreu e Paula - patrono Waldemar Versiani dos Anjos. Além desses, foi entregue o diploma de sócio efetivo aos familiares de Joaquim Soares de Jesus, “in memoriam”, em virtude do seu falecimento antes da posse no Instituto Histórico e Geográfico, para o qual havia sido eleito por unanimidade dos votos dos associados, após os trâmites regulamentares.


Roberto Carlos Santiago (Diretor de Museu), Itamaury Teles
(Presidente), Manoel Messias Oliveira (Diretor Secretário) e
Wanderlino Arruda (1º. Vice-Presidente)


Manoel Messias de Oliveira, Wanderlino Arruda, Itamaury Teles,
Haroldo Lívio e Rafael Gontijo


Membros do IHGMC presentes à Reunião Solene de Agosto: Em pé - Luís Novaes, Roberto Carlos Santiago, Arnaldo Bezerra, Felipe Gabrich, Expedito Barbosa, Pedro Oliveira, Manoel Messias Oliveira, Itamaury Teles, Virgínia Abreu de Paula, José Ferreira, Haroldo Lívio, Denilson Meireles, Geralda Magela Sena, Juvenal Caldeira e Luiz Ribeiro. Assentados - Dário Cotrim, Wanderlino Arruda, Ivana Ferrante Rebelo, Felicidade Patrocínio, Palmyra Santos Oliveira, Maria do Carmo Veloso, Maria de Lourdes Chaves (Lola), Marilene Veloso Tófolo e José Ponciano Neto.


SETEMBRO DE 2013 - Em pé: Juvenal Caldeira, Petrônio Braz, Manoel Messias Oliveira, Denílson Meireles, Arnaldo Bezerra, Lázaro Sena, Itamaury Teles, Marilene Tófolo, Felipe Gabrich, José Ponciano Neto, Felicidade Patrocínio, Lola Chaves, José Ferreira e Teófilo Azevedo (Téo). Assentados – Fabiano Lopes de Paula, Maria do Carmo Veloso Durães, Edwirges Teixeira (Du), Palmyra Santos Oliveira, Mara Narciso e Wanderlino Arruda.


OUTUBRO DE 2013 - Em pé: Lázaro Sena, Manoel Messias, José Ferreira, Délio Pinheiro, Maria Ângela Figueiredo, Felicidade Patrocínio, Marilene Tófolo, Itamaury Teles e Expedito Barbosa. Assentados– Regina Peres, Yvonne Silveira e Wanderlino Arruda.


NOVEMBRODE 2013 -Empé: José Ferreira, Lola Chaves, Marta
Verônica, Manoel Messias, Maria Ângela Figueiredo, Juvenal Caldeira,
Dário Cotrim, Petrônio Braz, José Ponciano Neto e Itamaury
Teles. Assentados: Maria do Carmo Durães, Irani Teles Antunes,
Palmyra Santos Oliveira, Edwirges Teixeira, Marilene Tófolo e
Wanderlino Arruda.


Itamaury Teles (novo 1º Vice-Presidente), Wanderlino Arruda (novo Presidente do IHGMC) e Dário Cotrim (novo 2o. Vice-Presidente)


Alguns sócios presentes à reunião solene de posse da nova diretoria do
IHGMC, para o biênio 2013/2015: Em pé - Maria do Carmo Veloso,
Amelina Chaves, Marilene Veloso Tófolo, Geralda Magela Sena, Zoraide
Guerra David, Virgínia Abreu de Paula, Inês Silveira Carlos, Arnaldo
Bezerra e Cel. Lázaro Sena com a esposa; Assentados: José Ferreira da
Silva, Dário Cotrim e sua esposa Júlia, Olímpia e seu marido Wanderlino
Arruda, Itamaury Teles, Yvonne Silveira e Haroldo Lívio. Estiveram ainda
na reunião os associados: José Ponciano Neto, Luiz Ribeiro dos Santos,
Manoel Messias de Oliveira e Palmyra Santos Oliveira.


FATOSMARCANTES
DO ÚLTIMO SEMESTRE

DÁRIO COTRIM MINISTRA PALESTRAS
NA CIDADE DE GUANAMBI - BA


O nosso confrade Dário Teixeira Cotrim esteve na cidade de Guanambi, em outubro próximo passado – onde ministrou três palestras para as escolas daquela cidade, sobre os temas: “O Idílio de Pórcia e Leolino” e “A Coluna Prestes no Sertão Baiano e Norte de Minas”. O historiador Dário Cotrim já tem 30 livros publicados. Ele é membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros e é sócio emérito do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Presidiu o IHGMC no biênio de 2010 /2011.


TÉO AZEVEDO FATURA
O GRAMMY LATINO


O confrade Teófilo de Azevedo Filho, popularmente conhecido por Téo Azevedo, é um baluarte da cultura popular e foi indicado para o 14th Anual LATIN GRAMMY Awards de 2013, como produtor dos CDs “Salve Gonzagão – 100 anos” e “Sob o olhar januarense”. Como se esperava, acabou conquistando o prêmio, na categoria “Melhor álbum de raiz”, com o CD em homenagem ao centenário de Gonzagão. A cerimônia aconteceu no dia 21 de novembro, em Los Angeles, Estados Unidos da América.


MEDALHA DE HONRA PRESIDENTE
JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA


O Presidente do IHGMC, escritor e jornalista Itamaury Teles, foi agraciado pelo Governador Antônio Anastásia com a Medalha de Honra Presidente Juscelino Kubitscheck de Oliveira, a mais importante honraria concedida pelo Governo Mineiro, em cerimônia realizada em Diamantina, dia 12 de setembro de 2013. Na mesma oportunidade, a nossa confreira Yvonne de Oliveira Silveira, presidente da Academia Montesclarense de Letras, recebeu a mesma importante comenda.


O Presidente da Academia Mineira de Letras, escritor Olavo Romano, a historiadora Regina Almeida, do IHGMG, também receberam a Medalha JK, e posaram com nossos confrades Itamaury Teles e Yvonne Silveira.


MEDALHA SANTOS DUMOND


O Governador Antônio Anastásia condecorou mais dois membros do IHGMC: Felipe Gabrich e Edgar Antunes Pereira. Eles foram agraciados com a Medalha Santos Dumont, na Fazenda Cabangu.


DONA PALMYRA PALESTRA SOBRE
A HISTÓRIA DE PORTEIRINHA - MG


Dona Palmyra Santos Oliveira– nossa confreira no IHGMC - está sempre palestrando pelas escolas de Porteirinha, onde reside faz mais de 70 anos. Ela, do alto dos seus quase 94 anos, é das mais assíduas em nossas reuniões.


POSSE NO IHGMG


Os confrades Petrônio Braz e Marta Verônica Vasconcelos Leite, Diretor
Executivo e Diretora de Biblioteca, respectivamente, do IHGMC, tomaram
posse como membros titulares do Instituto Histórico e Geográfico de
Minas Gerais, em concorrida cerimônia.


IHGMC FAZ PARTE DO COMPAC


O INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS agora faz parte do Conselho Municipal do Patrimônio Cultural – COMPAC. A entidade será representada, nos próximos dois anos, pelo seu atual presidente, Itamaury Teles de Oliveira, que terá como suplente a confreira Filomena Luciene Cordeiro. No dia da posse, no Gabinete do prefeito Ruy Muniz, ambos foram eleitos para ocupar cargo na diretoria do órgão consultivo. Itamaury, vice-presidente; Filomena, secretária geral.


BIBLIOTECA DO INSTITUTO
HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE
MONTES CLAROS É INAUGURADA

No dia 4 de dezembro de 2013, foi inaugurada a Biblioteca Simeão Ribeiro Pires, em espaço cedido pela Prefeitura de Montes Claros, na Casa da Cidadania. O acervo, com oito mil volumes, que pertenceu ao Patrono do IHGMC, Simeão Ribeiro Pires, encontrava-se depositado em sala cedida pela Escola Estadual Prof. Plínio Ribeiro, mas sem condições de ser colocado à disposição de pesquisadores.

A procura por local mais adequado demandou bastante tempo, resultando na escolha da Casa da Cidadania.

Para o Prefeito Ruy Muniz, presente à solenidade, “a data ficará marcada na memória cultural da cidade. Conheci Simeão pessoalmente. Foi um homem à frente do seu tempo. Engenheiro, professor e um pesquisador que gostava das letras e investiu em livros. O exemplo de Simeão Ribeiro Pires
ilumina a nossa sociedade” – concluiu o Prefeito.

Wanderlino Arruda, escritor, contemporâneo na Câmara Municipal e amigo pessoal de Simeão, confirmou o interesse do homenageado pela literatura, acrescentando que “ele era uma figura encantadora. Era possível ficar de duas a três horas ouvindo Simeão. Posso afirmar que ele era a expressão máxima em oratória em toda a história de Montes Claros”.

Os cuidados com o espaço ficarão a cargo de Roseno Reis, que não economizou elogios: “é uma biblioteca muito rica. Já tenho experiência no setor, mas sei que aqui vou aprender mais ainda”, revelou entusiasmado.
Entusiasmo também não faltou em Everaldo Ramos, Presidente da Casa da Cidadania, que confirma a pluralidade do espaço: “resgatar e preservar a memória de um povo é importante para consolidar passos significativos em direção ao desenvolvimento. Nossa casa se orgulha muito de abrigar esta biblioteca e fazer daqui um espaço de difusão do conhecimento”, frisou.
“Finalmente conseguimos um local para preservação deste acervo, que é uma riqueza para todos aqueles que querem ler e aprender”, comemorou Yvonne de Oliveira Silveira, Presidente da Academia Montesclarense de Letras.

Durante a solenidade, o prefeito Ruy Muniz foi presenteado com todas as edições da Revista do Instituto Histórico.

Foi inaugurado também no mesmo espaço uma sala que abriga objetos que pertenceram a Simeão Ribeiro Pires, que atuou como vereador, prefeito, escritor, membro da Academia Montesclarense de Letras, Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, entre outras atividades.


ARTIGOS DIVERSOS
DOS SÓCIOS DO IHGMC

A CIDADE ALTA E A CIDADE BAIXA

Dário Teixeira Cotrim
Cadeira nº 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires

Quando eu vim para Montes Claros, com o objetivo de dar prosseguimento aos meus estudos, me apaixonei pela cidade. Pois bem, foi esta a cidade que eu escolhi para morar, para constituir a minha família e viver o resto de minha vida. Em vista disso tenho procurado aprender um pouco de sua história com muito interesse. E assim, retrocedendo algumas décadas passadas, encontro-me agora no início do século XX, quando a cidade de Montes Claros também trazia no seu bojo os apelidos de “Cidade Alta” e “Cidade Baixa”.

Mas, o certo é que, em nossa cidade de Montes Claros o povo leva a sério toda essa falta de analogia vigente e, em vista disso, cria-se uma política especifica para cada segmento da sociedade. Segundo o historiador Nelson Vianna os nomes “de baixo” e “de cima” se referiam as residências dos dois chefes políticos daquela época. O Dr. Honorato Alves, que era deputado federal, e residia na parte superior da cidade, e por isso os seus correligionários pertenciam ao grupo político do “Partido de Cima”. E, por outro lado, o também deputado federal Dr. Camilo Prates, que morava nas imediações da Matriz de Nossa Senhora da Conceição e São José, chefiava o grupo político do “Partido de Baixo”.

Disse ainda Nelson Vianna que “convém esclarecer, todavia, que esses dois grandes partidos – os únicos da cidade – eram igualmente poderosos, contando com respeitáveis forças políticas bem equilibradas, que se refletiam por vários outros municípios”. Além dos apelidos geográficos da cidade, havia também os apelidos das facções políticas. Quem morava na parte de cima pertencia ao grupo dos “pelados”, e quem morava na parte de baixo, ao grupo dos “estrepes”.

É interessante entender que esses nomes se originaram das duas bandas de músicas existentes naquela ocasião: “A Banda de Música Operária” da parte alta da cidade e “A Bando de Música Euterpe” da sua parte baixa. Em
razão disso, os nomes “pelados” nasceu da corruptela de “Operário” e “estrepes” da corruptela de “Euterpe”. São curiosidades que engrandecem a história política de nossa terra.

Em 1899, com a inauguração do Mercado Municipal de Montes Claros, ocorreu o fato mais importante da cidade que ficou evidenciado a desagregação da “Cidade Alta” e da “Cidade Baixa”. “A edificação do Mercado Municipal, na parte de Cima da Cidade, foi um golpe nas ruas de Baixo. No decorrer da construção, caiu a torre do Mercado. – Que coisa formidável! Coisa Boa! – Foi o que escreveu no seu pequeno caderno de notas o velho comerciante Sílvio Teixeira, que habitava uma das ruas de Baixo, e assim registrou o acontecimento”.

Hoje a cidade de Montes Claros é uma verdadeira metrópole. Não há mais essas divisões, nem mesmo em virtude dos aspectos físicos/geográficos da terra. Mas, com o tempo, surgiram algumas citações em vista do seu crescimento populacional e do seu desenvolvimento comercial e industrial. O Dr. Francisco Sá lhe denominou de “Coração robusto do Norte de Minas” e o dramaturgo Reginauro Silva, por sua vez, o da “Cidade da arte e da cultura”.

Salve Montes Claros!


FALA, CALUNGA! VIDA
E MORTE NOS CEMITÉRIOS

Fabiano Lopes de Paula
Cadeira nº 66
Patrono: José Lopes de Carvalho

Introdução

A análise de túmulos é um campo fértil para a compreensão de como as pessoas e sociedades agem em relação à morte. Os jazigos são uma fonte imprescindível para uma melhor compreender os questionamentos, incertezas e desejos que os seres humanos têm em relação à morte e, por
consequência, à vida. Nos túmulos, encontram-se representações dosmomentos finais dos viventes, permeadas de símbolos e significados diversos. O tema da morte, principalmente em sua versão da produção arquitetônica, é um lócus das invenções e construções culturais, porque nele é possível demarcar padrões e regras de pensamento.

Interessante é perceber como no passado havia a hierarquização do espaço a partir do status social das pessoas, aspecto visualizado em nossa dissertação de mestrado (1997) quanto à realidade constatada no cemitério inglês da antiga Mineração de Morro Velho, em Nova Lima, MG. Para falar das construções tumulares, é necessário passar, mesmo que rapidamente, pela ideia de formalização de um local propício para o depósito dos defuntos, ou seja, o cemitério. Proveniente do vocabulário cristão, a palavra grega koimetérion designava o lugar onde deter-minada pessoa dormia. Em sua vertente religiosa, o cemitério passou a representar o local onde se descansava após a morte e esperava-se pela ressurreição, que favorecia os ideários “de conservação do corpo em local espaçoso e simples como o cemitério” (BORGES, 2002, p.128).

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1 -Calunga: nas religiões africanas, Calunga Pequena significa cemitério, enquanto Calunga Grande significa o mar.
2 - Doutorando em Quaternário: Materiais e Cultura, Universidade de Trás-Os-Montes e Alto Douro (UTAD), 2013.

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Iconografia

Iconografias funerárias apresentam transformações das atitudes dos homens e mulheres ocidentais diante da morte. As posturas individuais e coletivas perante a morte modificam-se ao longo do tempo, mostrando que nem sempre se pode atribuir uma origem longínqua e única para determinadas emoções e práticas funerárias contemporâneas.

Não há continuidade, mas maneiras distintas de se relacionar com a perda de uma pessoa querida: o velho sentimento de família em relação ao defunto não é tão velho assim. Na verdade, é um sentimento da modernidade do século XIX, não da antiguidade clássica (ARIÈS, 1989).

Mas o que tais representações dizem de importante para o mundo social? Elas são construtoras e afirmadoras de discursos, e não são neutras. Pensando na prática discursiva da plástica funerária, Borges (2002) aponta que a arte funerária possui um universo cultural próprio, inegável, além de refletir a mentalidade e o gosto dominante do grupo social de que procede, cuja abrangência é mais ampla do que se supõe. Em outras palavras, o cemitério propiciava a toda a comunidade entrar em contato com um tipo de obra veiculadora de um ideário estético da população.

Seguindo a mesma linha de reflexão e tendo como objeto de estudo os símbolos e imagens funerárias do Cemitério Municipal de São José, Ponta Grossa, PR, Schneider e Lamb (2009) afirmam que as esculturas, as formas
tumulares, os adornos funerários e todas as representações contidas nos cemitérios são formadores de ideias, servem de instrumento de poder, transmitem crenças e valores morais, produzem cosmovisões. Assim, interpretá-las é uma maneira propícia de compreender como o social é arquitetado e estruturado.


Na fronteira da morte

Expressões como ‘morremos todos’ ou ainda ‘a única coisa que sabemos é que morreremos’ constituem fórmulas que denotam um sentimento de resignação ao destino de todo ser humano. Para Ariès (1989), esse é um dos modos mais antigos de encarar a morte. Já nos tempos medievais, cavaleiros e monges conheciam o seu fim antes de sua efetivação e mesmo Dom Quixote, em seus devaneios, também o percebeu previamente. Contudo, cabe um questionamento: qual a necessidade de se afirmar o conhecimento do fim trágico? Talvez a resposta resida no fato de que seja preciso domar a morte a fim de que se torne menos árdua e se tomem as devidas providências para que tudo ocorra de maneira adequada nos últimos momentos.

Essa borderline nos faz lembrar que, por ocasião dos levantamentos para a elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) da Mineração Barro Alto, em Goiás, tivemos a oportunidade de levantar algumas considerações populares em relação à morte. Consta que no caso de alguém ser picado por ‘Cabo Verde’ (o cascavel macho), se o ofendido fosse homem, a morte era certa e, caso contrário, escaparia. A origem desse mito é desconhecida, mas importante frisar a questão do cruzamento de gêneros. Induzido pela sexualidade ou por inspiração no mito de Adão e Eva, na sedução? Condenado assim a perder a vida, ao ofendido restava aguardar seu fim, mesmo que houvesse algumas tentativas de driblar a morte. A prática era impedir sua entrada na casa, colocando o leito do moribundo atravessado na porta de acesso à rua. Esse costume também já foi observado no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, especialmente na zona rural.

Outras práticas ligadas ao morrer podem ser encontradas nesse universo da cultura popular, sendo exemplo a varrição da casa após a saída do féretro, sempre de dentro para fora, eliminando qualquer resíduo da condição de não vida.

Nesse sentido podem ser citados, também, comportamentos durante a Semana Santa, em que se relembra o sofrimento e o velório de Cristo. Por dois milênios, havia uma transposição de sentimentos vivificados. Alguns interditos permeavam nossos atos, como, por exemplo, as mulheres de nome ‘Maria’ não podiam pentear seus cabelos, eram indicados os jejuns, a beberagem de ervas amargas, as imagens de santos envolvidas em mantos roxos, as conversas necessárias em tom baixo e o impedimento de realizar transações comerciais. O luto era mais socializado: poderia ser fechado, com uso de vestimenta negra, ou mais leve, predominando cores sóbrias. Nas camisas dos homens apenas uma tarja, que poderia aparecer, também, junto ao bolso ou na manga de camisa, e estampado de negro e branco para as mulheres.

Em Portugal, é comum o uso de joias destinadas à reiteração do luto além de sisudas vestes. Em sua origem, o luto serve para avisar que o utente está em contato e contaminado pela energia da morte. Em outras religiões espalhadas pelo mundo, o luto é e foi encarado de várias formas. Na Índia, antes da proibição pelos ingleses, havia a prática do Sati (ou Sutiie), ou seja, a mulher, ao enviuvar, atirava-se à fogueira onde eram queimados os restos mortais do marido. Seguindo a tradição, o procedimento era necessário pois ficaria abandonada e ninguém a manteria.

É inevitável nossa constante ligação com nossos mortos, pois, além da saudade e da dor pela ausência, há rituais post-mortem, como a missa do sétimo dia que, segundo algumas religiões, é o período em que o falecido toma consciência de sua morte. Missas de 30º dia, 1º aniversário de morte, centenários e dia de finados constituem especificidades para o reatar de vínculos.


Ritos

Até o século XVIII, era bastante comum a prática de sepultamento em igrejas, mas com o advento de preocupações higiênicas, bem como do crescimento das cidades, fundaram-se os cemitérios urbanos. A retirada dos corpos dos mortos das igrejas fez com que se secularizassem e tornassem públicos os rituais funerários, fato que, inicialmente, desagradou as autoridades eclesiásticas. Outro ponto importante diz respeito à localização dos cemitérios seculares.

A fim de se evitarem doenças e diminuírem-se as epidemias, as necrópoles, a partir dos oitocentos, foram afastadas dos centros das grandes cidades e ocuparam as regiões periféricas. Por fim, cabe salientar que o ato de afastar o cemitério das igrejas não é o mesmo que torná-lo não religioso. Pelo contrário, sendo público, o cemitério pôde abarcar tanto questões referentes à religiosidade popular quanto a instituições culturais. Assim, as ‘casas dos mortos’ fazem

[...] parte da invenção moderna, compartilha da reestruturação da sociedade que, de agora em diante, trabalha com o confronto dialético de duas realidades conceituais de vida: a cidade dos mortos e a cidade dos vivos. Com referência à cidade dos vivos, a burguesia preocupou-se com novos modelos gerais de urbanização e com novas tipologias de serviços, como residências, escolas, teatros, hospedarias e fábricas. As construções, numa primeira instância, visavam ao bem-estar coletivo e ao progresso, advindos da Revolução Industrial. Quanto à cidade dos mortos, a burguesia sentiu-se no direito de construir uma arquitetura funerária que expressasse seu gosto e suas pequenas fantasias. Repropôs, em miniatura, os tipos arquitetônicos da cidade ideal, construída de castelos, catedrais, templos e palácios suntuosos (BORGES, 2002, p.130).

Para Canella (1984, citado por BORGES 2002), nos modernos cemitérios existem duas metáforas que acompanham as imagens da morte: uma que remete ao mundo agrário, ou seja, a que põe a terra como mãe e que faz das ações de procriação e das estações períodos biológicos a morte faz parte de uma etapa da vida, é o momento do repouso, do sono, e outra que afirma certa continuidade entre vida e morte, sendo que esta é vista como uma ruptura do social e, por isso, é preciso restaurar, através dos rituais públicos e familiares, os antigos enlaces (BORGES, 2002).

Ainda segundo Canella (1984) são quatro os modelos de cemitérios que perpassam essas duas metáforas: o agrário, o monumental, o urbano e o industrial. O primeiro é um cemitério mais rústico, instaurado no meio de uma natureza pura; o segundo dá à morte um caráter heroico; o terceiro integra vivência institucional e social da cidade ao cemitério que, muitas vezes, se avizinha do mercado; e o quarto é a necrópole funcional e comunitária da grande cidade. Por restrições metodológicas aqui não detalharemos esses diferentes paradigmas funerários.

O tema ‘morte’ é realmente muito rico na cultura popular. Os sitiantes de Laranjeiras em Itapecerica da Serra, São Paulo, à época da pesquisa de Lia Garcia Fukui (1983), cultivavam milho, feijão e mandioca e tinham uma pequena criação de gado em sítios afastados. Viviam sob uma economia de subsistência e frequentavam uma série de festas religiosas, dentre elas a Semana Santa, que tinha, na noite da Sexta Feira da Paixão, o culto aos mortos, exatamente anterior ao Sábado de Aleluia (dia da ressurreição de Cristo, segundo a tradição cristã). Nesse culto, não há padres. Os fiéis seguem em silêncio os rezadores em ruas escuras, sem lanternas. Diante de uma cruz, homens e mulheres, de joelhos ou de cócoras, celebram a Recomendação das Almas:

Diz o capelão:
Vamos rezar um padre-nosso e ave-maria
Para a sagrada morte e paixão
Do defunto Padre Artur
Respondem todos cantando:
Seja pelo amor de Deus
Seja pelo amor de Deus (FUKUI, 1983).

Intercalam-se nomes diferentes em cada uma das orações, as quais são seguidas de um Pai-Nosso e uma Ave Maria. Os sitiantes percorrem um longo caminho tocando matraca e parando em frente a cruzes para realizar essa oração sete vezes. No final, canta-se pela “alma dos esquecidos”, “dos que morrem afogados”, “dos que morrem matados”. A oração é finalizada com uma recomendação das almas:

Seja Bendito
Para sempre seja louvado
O Corpo de Cristo Sacramentado
A Maria Sagrada da Eucaristia
E do fruto e do ventre sagrado
Para a virgem Puríssima Santa Maria (FUKUI,1983)

Pode-se notar, então, que mais que revelar os interstícios do ritual dos sitiantes ao apresentar alguns pontos, a intenção é demonstrar que nem sempre, na atualidade, homens e mulheres desejam um afastamento da morte ou um esquecimento dos seus mortos. Como fica claro, os habitantes de Laranjeiras, na Recomendação das Almas, expõem seu desamparo e seu sentimento de opressão social. O que se celebra é a morte de todos, visto que na Quaresma – período em que não se tem auxílio dos santos, pois estão ‘recolhidos’ – eles estão sozinhos e aflitos.

Desse modo, nas palavras de Fukui (1983), quando a vida está desequilibrada é o momento de apelar aos mortos, às almas como intermediárias dos mortais, como um apelo dos vivos aos mortos, em nome do desamparo da vida. Nomear os parentes, os vizinhos, os que morrem esquecidos, os que morrem matados constitui a prévia de resgatar, no sábado de Aleluia, o equilíbrio da vida e o pacto com os santos.

No início do século XX em Várzea da Palma, no sertão norte mineiro, Maria Aparecida de Paula teve interesse em reunir em uma obra ‘Assim era Jasminópolis’ algumas passagens de ritos funerários da primeira metade do século XX, em que as rezas e incelenças eram cantadas em altas vozes para que toda a cidade pudesse ouvir em destom, o que aumentava o tom lúgubre. A principal reza era:

Vai irmão, tão bunitim!
Vai vivê na Glória de Deus Pai.
Vai irmão, vai irmãozim,
que Jesus perdoe seus pecados
que morreu sem deles arrepender.
Vai, meu irmão,
vivê no lugar sagrado,
livre de todas as dores,
livre de todos os males.
Louvado seja Jesus
que foi pregado na cruz.
Uma incelença a Nosso Senhor,
uma incelença à Mãe de Jesus
que receba este pecador
Uma paliana à Nossa Senhora,
que tenha pena desse pecador
Vai irmão, tão bunitim!....

O trajeto até o cemitério era feito a pé e, caso o peso do caixão se tornasse demasiado, a solução era dar uma surra de cipó verde tirado do caminho no caixão pelo lado dos pés. Pela tradição, essa prática de surrar o caixão e proferir palavras durante o ato somente era necessária quando
o falecido estava ‘pesado’ pela conduta em vida, pelas maldades e injustiças. Além disso, era uma maneira de espantar o demônio, que também acompanhava o féretro .

Segundo a mesma autora, havia o ‘Ajudador da Morte’ que, por algum motivo, tinha apenas um ‘cotoco’ de uma das pernas. Recorria-se à sua ajuda quando o moribundo se encontrava em fase terminal, morria e retornava à vida em seguidas vezes. Essa alternância de estágios era chamada de ‘Termo’, que também punha limite a essas idas e vindas, tendo o moribundo apenas três chances para fazê-lo.

Quando ultrapassava esse limite, o João Ajudador era chamado e, apoiando seu ‘cotoco’ de perna no peito do cristão, cumpria seu dever de ‘encaminhá-lo’. Para os moradores e mesmo para o Ajudador de Morte essa era uma prática normal. A Morte se tornou ato rotineiro.

Hermes de Paula (1957, p.25) também recolheu recortes semelhantes. Reputamos como o mais interessante a história de Ritinha e Izabelona, duas ex-escravas que, juntamente, comemoravam anualmente a abolição da escravatura. Ritinha era a carpideira-mor, especialmente dos defuntos mais abastados. Sempre a soluçar, em seu choro falava:

Essa boquinha? Nunca falou mal de ninguém, só tinha boca para comer.
Essa mãozinha? Nunca ofendeu uma pulga.
Esses olhinhos? Nunca olhavam o que não era de sua conta.

E seu choro continuava para o importante defunto.

Apresenta-nos, também, Hermes de Paula (1957, p.211), outro exemplo de convivência e lida com a morte, cuja prática se torna imparcial e incólume aos sentimentos. É o caso do coveiro Leandro, do cemitério municipal de Montes Claros, denominado de ‘Chacrinha do Leandro’ em decorrência de seu zelo com aquele campo santo. Sempre atencioso, inclusive ao oferecer seus préstimos, assim dizia:

“Já plantei aqui seu avô, (Eta véio bom!) sua avó (uma santa!), seu pai (especial!) e, se Deus quiser, o Sr. pode contar com a minha ajuda”.

Hermes de Paula (1957) ainda comenta que, dependendo do prestígio do morto, o ritual se dava de maneira mais solene. O féretro era transportado pelos amigos a partir da igreja até o cemitério e, no caso de pessoas comuns, o caixão era transportado em carro fúnebre. E, ainda, como prestígio, o enterro era acompanhado por Banda de Música. Essas práticas, hoje, seriam impossíveis, pois até os velórios residenciais caíram em desuso, bem recentemente. A vida mudou e a morte também!

Memorial da morte no norte de Minas
Em Montes Claros, como em milhares de cidades do período colonial, a igreja servia de último leito, abrigando o morto junto aos santos e seus olores, em busca da indulgência e do paraíso.

Registros históricos do século XVIII dão conta de que uma das preocupações do Alferes José Lopes de Carvalho era assegurar para si, sua esposa e a seus familiares um local privilegiado junto à Capela-Mor, tendo doado extensa gleba como patrimônio de uma capela a ser erigida na Fazenda dos Montes Claros. Desde o primeiro documento dessa igreja principal mais antiga, consta que essa ‘garantia’ foi obtida em 20/06/1769, um dia após ter sido lavrado o Termo de Doação. Essa condição se perpetuou nos templos que, sucessivamente, foram erigidos no mesmo local.


Cemitério do Bonfim de Montes Claros - alegoria da Pranteadora.
A desolação. Pode-se perceber pela veste, um apelo à sensualidade,
caráter da arte funerária a partir da segunda metade do século XIX.

Por tradição, a construção do Altar-mor é uma incumbência geracional da Família Lopes que abria, inclusive, subscrições a outros colaboradores. Foi assim na velha matriz do século XIX e na atual que aí está. No cristianismo, desde o período medieval, buscar lugar junto aos altares dos santos significava, além de prestígio, o aumento da chance de ser apiedado por eles e de se tornar mais leve no Juízo Final. Esta é a origem da construção de muitos pequenos templos construídos nas cidades e em zonas rurais mineiras e brasileiras.

A primitiva capela patrocinada pelo Alferes José Lopes de Carvalho deu guarida aos sepultamentos tanto em seu interior como em suas laterais. Havia até sepultamentos no Largo da igreja, não se sabendo a razão da escolha desse local, mas isso favorecia os citadinos. Ressaltamos que os pequenos cemitérios particulares nas fazendas também favoreciam os habitantes, pois nas zonas mais distantes, pela dificuldade de transporte, esse costume perdurou por mais de um século. Em Montes Claros, o cemitério mais conhecido é o da Fazenda São Marcos, no alto da Serra que outrora se chamou Serra da Bandeirinha, na antiga estrada de Coração de Jesus (Inconfidência) a Montes Claros (PAULA, 1957).

Na igreja dos Morrinhos, há o túmulo de D. Germana Maria Olinda, e nas criptas da catedral repousam os restos mortais de alguns dos nossos bispos. Era um espaço hierarquizado, que acontecia desde as pequenas capelas até os templos monumentais edificados. No norte de Minas, há outros exemplos, dentre eles a igreja de Nossa Senhora da Conceição em Matias Cardoso, que data do século XVII, uma das duas igrejas mais antigas de Minas Gerais, onde Januário Cardoso repousa no altar-mor. Em Salinas temos outros exemplos, uma capela onde descansa a lendária Adriana e, na Fazenda do Engenho, o túmulo de um padre que construiu a capela. A cobiça por esses espaços privilegiados pautava seus diferentes aspectos. Nas cidades coloniais mineiras o enterro era outra atribuição das irmandades, também hierarquizadas.

No século XIX, já com o novo templo em Montes Claros, os enterramentos aconteciam no interior da igreja, permanecendo as campa. Não se sabe se por razões do Código Sanitário de 1850, que condenava essa prática em razão dos miasmas mefíticos, ou se pela falta de espaço, os enterramentos aconteciam nas laterais, onde o campo santo era estabelecido.


Cemitério do Bonfim, de Montes Claros - Alegoria do anjo da
Ressurreição. Uma das mãos aponta para o alto, a vida celestial,
enquanto a outra para baixo, a vida terrena. A iconografia da trombeta
em uma das mãos remete ao chamado para dia do Juízo Final
.

Embora careça de pesquisa para a comprovação se havia na Matriz uma diferenciação nos espaços santos e/ou privilégios nos enterramentos, atrelada ao estado social daquele que passava para o outro mundo, pela documentação consultada - o livro dos óbitos - não foi possível perceber qualquer distinção: a partir de janeiro de 1832 senhores coronéis e um grande contingente de escravos eram sepultados no âmbito da igreja, sem registro se ocorria em seu interior ou no cemitério lateral.

Em 21 julho de 1835, a comissão encarregada de escolher o terreno para o novo cemitério da Vila de Formigas opinou favoravelmente, estabelecendo que deveria “ser marcado o lugar de saída dessa vila para o Ribeirão, defronte aos esteios levantados para a igreja do Rosário, donde o fabriqueiro ficou inteirado do lugar marcado” (VIANA, 1964; 2007). O Parecer foi aprovado, mas, conforme Paula (1957), quatro anos foram necessários para a apresentação da planta desse cemitério que descrevia, em 12 de agosto de 1839, “duzentos palmos em quadro, um portão grande na sua entrada, um nicho no fundo e um cruzeiro, devendo o muro ser fabricado de taipa, como melhor invenção fosse e mais barato”. Muito pouco se sabe sobre esse campo santo, seu desmembramento foi quase total e não há registros fidedignos.

Em 1877, o engenheiro Alberto Schrimer apresentou na Câmara Municipal o orçamento do novo cemitério público da cidade de Montes Claros. O local seria a continuação da rua Jatobá, atual Coronel Prates, nas proximidades da Santa Casa, mas não chegou a ser construído. Houve sugestão de mudança de local, sendo a opção uma área menos povoada na rua Padre Augusto, nas proximidades da Catedral. Ficou pronto em 1882 sob a coordenação do Padre Antônio Augusto Alkmin, que abriu uma subscrição, doando trezentos mil réis. O gerenciamento desse campo santo instalouuma demanda entre as autoridades do município, eclesiásticas e legislativas. Até o ano de 1896 a administração foi leiga. Em razão da doação inicial do Padre Antônio Augusto, a igreja reivindicou a administração, tendo o apoio dos vereadores. Em 1906, a discussão foi retomada pela Câmara Municipal, sendo a reivindicação retirada pelo autor do projeto, vereador Honor Sarmento. Após mais de cinquenta anos de utilização, o cemitério tornou-se pequeno.

Em fins de 1934 construiu-se um cemitério junto ao Alto Santa Terezinha, onde hoje funciona a Autonorte. O primeiro cadáver nele sepultado foi o de Francisco Luiz de Carvalho (Chico Dominguinho), tio-avô do autor deste texto. Foi muito pouco utilizado e logo abandonado. Nessa mesma época, por iniciativa de Francisco José Guimarães, foi deflagrada uma campanha sob os auspícios da União Operária para a construção de novo cemitério nas proximidades do Morrinhos, também conhecido por Cecé. Foi inaugurado em 13 de julho de 1935, sendo o primeiro sepultamento o da indigente Antônia Paulina de Jesus. É este o atual cemitério de Montes Claros. Recentemente (há três décadas) foi construído um novo espaço em área contígua ao Cemitério Municipal.

Outros cemitérios surgiram, como o da Malhada de Santos Reis e o Cemitério dos Paus Pretos, que ficava ao lado do viaduto da BR-135. Embora em ruínas, este último poderia ser visto até os anos de 1990.

Hermes de Paula (1957) comenta com muita propriedade que, em 1951, o Bispo Diocesano requereu à Câmara Municipal a revogação de uma das cláusulas do Código de Posturas Municipais, permitindo a venda em lotes do velho cemitério. A Câmara, em respeito à opinião pública e pelo grande apelo sentimental, recusou-se à tal desconsideração para com a população montes-clarense. Fazendo uso de seu poder, o prefeito da época efetivou a concessão. Foi um momento de discórdia, polêmicas e insatisfações. A Câmara reuniu-se novamente apenas com os vereadores favoráveis à Mitra, fechando os olhos a qualquer argumento e deu ganho de causa à Igreja, apesar do descontentamento geral, o que também não constitui novidade se nos transpusermos para os dias atuais. Assim, analisando os velhos alfarrábios montes-clarenses, constatamos que essa prática de alienação do patrimônio da Igreja foi um recurso sempre utilizado, desde o início de nossa paróquia em 1840.

Remonta ao período do Cônego Chaves uma requisição pelo vereador e também vigário da freguesia, que propôs, por intermédio do Governo, fosse pedida a autorização à assembleia para que se vendesse o patrimônio da igreja. Com o apurado na venda, seriam angariados meios para o início das obras da matriz, já que essa possuía ‘uma légua de boas terras que estavam sendo desfrutadas sem nenhum benefício para a matriz’:

A proposta foi aprovada, porém com a seguinte cláusula condicionante, apresentado pelo Revmo. Padre Felipe Pereira de Carvalho, Presidente da Câmara: Reservando-se para pastos e aguadas os lugares mais vizinhos à vila, que, avaliados separadamente dos demais, passarão a ser propriedade municipal, pago o seu preço pelas rendas municipais (VIANA, 2007).

No cemitério municipal, como em qualquer outro, é possível fazer uma correlação entre a cidade dos vivos e a cidade dos mortos. Alguns valores ainda prevalecem e o espaço se organiza e se edifica reafirmando os mesmos valores, o mesmo apego material, como forma de perpetuar a leitura do que se fez em vida de alguns cemitérios, principalmente o do Bonfim, para o qual não havia uma norma estética a ser seguida. O mais novo, em área contígua, possui uma proposta diferente - Cemitério-parque, em que familiares do falecido devem respeitar os critérios estéticos e os padrões estabelecidos. Se conseguiram inibir a construção dos mausoléus, não conseguiram impor uma diferenciação inerente ao ser humano em representar-se pois, olhando com cuidado, há formas de se distinguir mantendo o gabarito estipulado, seja em placas de diversos materiais, seja na ornamentação, por meio de diferentes recursos botânicos e decorativos. É da natureza humana manter essa digna diferenciação, mesmo que seja no campo santo, onde se preconiza que somos todos iguais perante a morte.

É justamente essa distinção em vida que se observa em cemitérios mais antigos: os mais ricos constroem mausoléus mais arrojados, onde caberão mais membros da família, fotos apostas aos túmulos, invocações religiosas as mais diversas, perpetuação por meio de trechos de poemas e diversos dizeres qualificativos nos epitáfios, simulacros de assinaturas e mesmo a representação da profissão, imagem que se eterniza.

No cemitério de Montes Claros, apesar de ser construído no século XX, a grande maioria dos jazigos segue um padrão já proposto pelas marmorarias, ou seja, a predominância de carneiras, podendo ser utilizado granito preto e de diferentes tonalidades, com arremates, floreiras, cruzes e santos em bronze, que vão variar com a invocação e o custo. Há, no entanto, túmulos que podem remeter a um período anterior (fins do XIX), onde imperava um gosto tendendo ao neoclássico, situação que pode levar a crer serem eles procedentes do antigo cemitério da Rua Padre Augusto. Pode-se dizer, então, que a leitura dessa ‘cidade dos mortos’, de seus diferentes modelos de mausoléus e carneiras, representa a cidade e situações de vidas passadas.

As crendices populares também incentivam o culto aos mortos e cemitérios, haja vista nossos ‘santos’ milagreiros. Irmã Beata, por exemplo, sempre reverenciada e solicitada a interceder por milagres. E os mistérios? Nos anos de 1960 surgiu, em Montes Claros, um boato de que havia um túmulo que ‘chorava’. Enfim, o campo santo é um espaço de comemoração e até de júbilo para nós, montes-clarenses. O poeta João Chaves, com sua célebre música ‘O Bardo’, prometeu ao amigo Reis que cantaria em seu túmulo quando de seu sepultamento e assim o fez. O fato foi revivido pelo grupo de serestas João Chaves, sendo, inclusive, matéria apresentada na rede Globo no programa Fantástico por ocasião do sétimo dia de morte do poeta. Podemos, também, nos remeter a 1941 quando, em uma cerimônia do Instituto Dom Bosco, após servido o ‘copo d’água, proferida a palestra do bispo e executada uma audição musical de Godofredo Guedes, os convidados foram até o cemitério cantar em homenagem ao Cel. Luiz Antônio Pires, amigo do Instituto.

Em seu livro Efemérides Montes-clarenses Nelson Viana (1964; 2007) descreve um trecho da crônica de Levy de Queiroga Lafetá por ocasião do traslado das urnas contendo os restos mortais de Camilo Prates e de sua esposa:

Quarta feira havia uma festa no Cemitério Velho, cedo ainda Matias - pró Hermes, lançava a grande nova. Seu Camilo e D. Amélia chegavam. Saíram de manhã de Belo Horizonte (...)

E arremata:
Vem com a companheira de cinquenta anos ao encontro dos amigos que aqui deixou. E, como quis, troca a modorra daquele sofisticado Cemitério do Bonfim por um sono definitivo nesta terra vermelha que tanto amou.

As imagens funerárias, ao refletirem sobre a morte, trazem à baila centenas de discussões acerca da vida: ‘o que seria o fim de tudo?’ ‘O ser humano e o mundo, como um todo, pode ser aniquilado? Caso afirmativo, como?‘Existe continuidade da vida após a morte?’

Conclusão
Finalizando, pode-se afirmar que entrar em contato com os artefatos e construções tumulares constitui outra
maneira de nos depararmos com a estrutura do pensamento e das ações das pessoas em torno do social.

As imagens do mundo da morte podem revelar o mundo dos viventes, o que reputamos interessantíssimo em termos de resgate de memórias, pessoas, culturas, vida.


REFERÊNCIAS
ARIÈS, Philipe. O homem diante da morte. Tradução: Luiza Ribeiro.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989 (2 Volumes).

BORGES, Maria Elizia. A arte tumular na região de Ribeirão Preto. In:
Arte funerária no Brasil (1890-1930): ofício de marmoristas italianos
em Ribeirão Preto. Belo Horizonte: C/Arte, 2002.

CANELLA, Guido. Mors Construens. Milano: Hinterland, 1984.

FUKUI, Lia Garcia. O Culto aos Mortos entre Sitiantes Tradicionais
do Sertão de Itapecerica. In: MARTINS, José de Souza (Org.). A Morte
e os Mortos na Sociedade Brasileira. São Paulo: Hucitec, 1983.

PAULA, Hermes Augusto de. Montes Claros, sua história, sua gente e
seus costumes. Belo Horizonte: IBGE, 1957.

PAULA, Maria Aparecida de. Assim era Jasminópolis. Belo
Horizonte, Edição Independente e Artesanal, Setembro de 2008.

SCHNEIDER, S. D.; LAMB, R. E. Cemitério Municipal São José:
Símbolos e Imagens Funerárias. História, Imagem e Narrativas, n.8,
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VIANA, Nelson. Efemérides Montes-clarenses 1707-1962. Rio de
Janeiro: Pongetti, 1964.

VIANA, Nelson. Efemérides Montes-clarenses. Montes Claros:
Editora Unimontes, 2007 (Coleção Sesquicentenário).



GIANNI BARBAGLIA, ARTE DA ITÁLIA
EM MONTES CLAROS

Felicidade Patrocínio
Cadeira nº 20
Patrono: Camilo Prates

Proveniente de Invório, província de Novara, Itália, esteve no Brasil muitas vezes e, precisamente em Montes Claros, na primeira década deste milênio, de maneira silenciosa e anônima, o escultor sacro GIANNI BARBAGLIA. Necessário se faz estender a todos da “Cidade da Arte e da Cultura” o privilégio desta presença, já que, além de ser uma pessoa muito especial, este escultor deixou aqui marcas expressivas do seu trabalho.

GIANNI BARBAGLIA foi integrante do Grupo de Empenho Missionário Italiano (GRIM), uma ONG internacional que, entre outras atribuições, percorre o mundo construindo obras que possibilitem a correção de distorções sociais e capacitem a dignificação das condições humanas.

O escultor GIANNI, que já fizera mais de 40 viagens pelo mundo a serviço do GRIM, visitou Montes Claros em torno de 10 vezes, trabalhando em obras religiosas. Eu o conheci quando emprestava o seu esforço operário e talento artístico às obras das irmãs da Ordem da Sagrada Família. Sua humildade e religiosidade dinâmicas não escolhiam trabalho. Executava o que fosse necessário à concretização de mais um espaço de espiritualidade. Quando o vi pela primeira vez, lá no Centro da Criança e do Adolescente Paula Elizabete (Km 6 da estrada da produção), ele executava portas, janelas e telhados de um grande bloco arquitetônico que abriga hoje um eficiente centro de formação, espiritualização e capacitação profissional para crianças, jovens e famílias carentes da periferia da cidade. O complexo arquitetônicoé composto de várias unidades construídas, na maior parte, por mãos e dinheiro dos italianos. Funciona no mesmo local o Convento das Irmãs da Ordem da Sagrada Família. Nas obras artísticas feitas para a capela e para o hall de entrada deste convento já se pode conhecer um pouco da magnitude da arte de GIANNI. Percebe-se aí que a beleza artística é mesmo uma manifestação superior da natureza humana.

Lá estão esculturas em bronze, resina e terracota, entalhes em madeira, cuja contemplação leva-nos a uma comunhão intuitiva com o autor, propiciando a experiência interior da visualização do BELO.

O magnífico trabalho de escultura deste artista se estendeu a outros espaços religiosos desta cidade ensolarada. A igreja da Rosa Mística foi premiada com uma bela e comovente obra do Cristo Crucificado. Trata-se de uma escultura feita em madeira clara, o tílio, cujo entalhe, sempre igual e preciso, sugere pequenas marteladas, e o rosto, apesar de suave, denuncia o extremo sofrimento daquele sacrifício. Diante desta imagem, o então arcebispo de Montes Claros, Dom Geraldo Majela de Castro, fez reverências, tocando-o com um significativo beijo.

Sensibilizada pela beleza e expressividade desta arte, busquei conhecê-la e ao seu criador de maneira mais completa. Vi, então, de maneira clara, na percepção geradora desta obra, uma profunda ligação com os elementos aculturados do seu meio - a Itália - grande centro religioso e eterna sede da igreja católica. Pelas fotos da arte do artista distribuídas pela Europa, Ásia, África e América, vi permear uma temática intencionalmente aplicada a motivos sacros e sociais, enfatizando a caridade, a devoção, a solidariedade, a divisão do pão.

Quanto ao estilo deste autor, poderia eu dizer, de maneira ainda incompleta, que a arte sacra de GIANNI BARBAGLIA nasce do princípio acadêmico e, no seu desenvolvimento, mescla leves toques de barroco e expressionismo modernos. O resultado desta escolha engrandece a totalidade da sua figuração. O fato é que, apesar da sua formação ter sido acadêmica, o trabalho artístico de GIANNI não se prende a normas rígidas, mas utiliza o princípio da liberdade que a arte oferece e prioriza a capacidade criadora e inventiva. Na totalidade do acervo construído ao longo da vida, nota-se uma frequência maior às temáticas voltadas para o sacro, mas o artista executava qualquer ideia do mundo humano.

Como matéria prima sempre preferiu a madeira - o “legno” como dizia - mas trabalhava muito bem a resina, a terracota e o bronze. A diversidade dos materiais que valorizava pressupõe, por certo, que a arte não é algo que se reduz à sua pura materialidade, mas sim, que se vale desta para ir além. E isto o GIANNI fez muito bem. Em todas as suas obras conferiu à matéria bruta a espiritualidade que ela, por si só, não possui.

Cheia de admiração tornei-me sua parceira em di versas obras sacras espalhadas pela cidade. Na capela do Seminário Diocesano, enquanto eu trabalhei toda a cerâmica que reveste a capela do Santíssimo, inclusive a faixa em baixo relevo figurando cachos de trigo e uvas numa extensão de dezoito metros de comprimento por 20 centímetros de largura, o GIANNI fez a larga porta entalhada capela geral. Num baixo relevo em madeira com mais de 2 metros de altura ele talhou de maneira magnífica a figuração
da Anunciação de Nossa Senhora.


Sagrada Família – Baixo relevo em
madeira, no hall de entrada do Convento
das irmãs da Ordem da Sagrada Família,
em Montes Claros

Ao alto do centro da nave principal, projeto arquitetônico moderno do arquiteto Gilner Rocha, vê-se um gigantesco Cristo Ressuscitado de GIANNI, como também, no corredor largo de entrada da mesma capela, os quadros da Via Crucis, para mim a mais bela obra do GIANNI feita para esta cidade. É de fato excepcional, de beleza ímpar.

A minha parceria na arte com o GIANNI se estendeu às edificações do Centro da Criança e do Adolescente Paula Elizabete. Nos jardins de entrada do convento, vêse, de minha autoria, uma Sagrada Família feita de concreto com um metro de altura. Já no jardim do edifício central, vê-se outra Sagrada Família em bronze em tamanho natural, numa concepção magnífica do artista italiano. Na igreja maior do complexo trabalhei todos os vidros e uma pequena versão escultórica de Santa Paula Elizabete, afixada no altar. O GIANNI, por sua vez, lá deixou o seu belo entalhe nas portas de entrada e ao fundo, por detrás da igreja, num belo jardim, a representação da via crucis dolorosa, em grandes painéis com baixos relevos executados em resina na coloração terracota. Em outro espaço de convívio, onde são recebidas diariamente em torno de 400 crianças e jovens para extensão de sua formação, está o busto do padre italiano Dom Serafino, o presidente da ONG GRIM, na Itália, executado por GIANNI, cuja perfeição causa admiração.


Cristo ressuscitado, em madeira tílio, 3 metros
de altura, no alto da Capela do Seminário
Diocesano de Montes Claros.

Surpreendida fiquei com o fato de um talentoso e produtivo escultor internacional interromper o seu fazer artístico e se entregar por alguns meses de cada ano a um labor humilde e gratuito nas construções em centros de formação em países distantes, arcando com suas próprias despesas e, por acréscimo, doando o seu dinheiro. Minha admiração crescia. Pesquisei, então, a sua história e descobri que o GIANNI BARBAGLIA, nascido em 1932, em Invório, Itália, dos 14 aos 22 anos foi ajudante do escultor e professor de desenho Luigi Fornara. Aos 22 anos, foi para Gênova fazer o serviço militar e lá frequentou o Liceu de Artes da Academia Militar. Neste período, fez esculturas de várias temáticas. Casou-se, teve 4 filhos e passou a dedicar-se à fabricação de móveis de madeira, atendendo a uma tendência regional, já que residia a 50 Km de Milão, o polo mundial do design moveleiro. Exportava para outros centros da Itália, para a Suíça, Holanda e França. Aos 50 anos, era um empresário bem sucedido. Silenciou por 30 anos o seu trabalho de escultura, embora preservasse em sua indústria o contato com a madeira. Logo após completar 50 anos, já a trabalho do GRIM, GIANNI visitou vários países da África. Ficou traumatizado com a miséria, com a situação degradante e desumana que presenciou naquele continente. Derramou muitas lágrimas diante das realidades que ali descobria. Retornando à Itália, mudou radicalmente a sua vida. Fechou a indústria e se entregou ao trabalho voluntário do Grupo de Empenho Missionário ao redor do mundo. Sentiu um desejo imenso de voltar a fazer esculturas e, desde então, foi este o seuúnico oficio.

Da fertilidade e espiritualidade do seu sentir, passando pela habilidade de suas mãos, começaram a surgir madonas, santos, anjos e cristos de belezas ímpares.

Sua obra responde às necessidades de variados espaços. Constitui-se de peças pequenas para oratórios, peças monumentais (cristos de até 5 metros) para praças, esculturas para interiores de igrejas, peças para galerias, museus, portas imensas de catedrais, entalhadas etc.

Talhando a madeira, fundindo o bronze e a resina, GIANNI espalhou sua arte pelo mundo. Suas peças valorizam espaços públicos e religiosos em diferentes regiões da Itália, como: Invório, Mercurago, Briga, Vascovados, Torella dei Lombardi, Sizzano Miassino, Palazzolo, Boner, Talonno, Borgomanero, Gandino, Suno, Talorino, Palmoli Desio, Meda Veruno, Ornacasio, Verbania, Mon te Mesma, Gozzano, Gênova, Dormeleto, Arona, S. Andra, Boladello e Roma.

Está presente também em outro paises como a República Centro Africana, Olten(Suíça), Latacumga e Las Pampas (Equador), Sirata, Kênia, Novosibirski( Sibéria), Albânia, Gore Crad, Gatare Ruanda, Mitwango, Tanzânia, Kaparu, Zâmbia, Tenerif, Ilhas Canárias, Capanema, Boa Vista, Roraima, São Paulo, Paraná (Brasil).

Montes Claros esteve na sua rota produtiva de maneira muito afetiva.

O GIANNI faleceu em 2005, na Itália, aos 75 anos de idade. Morreu quase de pé, como queria. Poucas semanas antes ainda estava na África produzindo. No entanto, não se pode considerar como morto o artista que criou uma grande arte. Sua presença nela permanece.

Montes Claros, tem muito que mostrar desse acervo valioso, tem muito a agradecer pela presença deste italiano.

O AMOR e a BELEZA que habitaram o coração de GIANNI BARBARGLIA aqui escorreram pelas suas mãos e espiritualizaram espaços. Sem medo de errar posso dizer que o volume de arte sacra, em mais expressivo da cidade de Montes Claros, existente na atualidade, nasceram das mãos abençoadas desse artista italiano.


A PARTIDA DE “SEU” GODOFREDO

Haroldo Lívio
Cadeira nº 82
Patrono: Nelson Viana

Noel Rosa, o filósofo do samba, entre dois copos de chope, disse que a saudade não tem cor. Isso nos faz lembrar que o baiano-montes-clarense Godofredo Guedes, o artista que descobriu a cor da saudade, está partindo para Belo Horizonte, pois sentiu a necessidade de galgar as alturas, voar em céus mais amplos, onde a linha do horizonte não seja tão próxima como em Montes Claros. Durante vinte e sete anos, GG viveu, pintou, entalhou, solou e compôs aqui na terra. A sua partida, portanto, representa uma perda para a cidade, pois o seu talento versátil já havia sido incorporado ao patrimônio cultural do lugar. Já era considerado bem público de uso comum do povo, tal como a Praça da Matriz ou a capela dos Morrinhos, que cantara e decantara em suas telas famosas. Realmente, o vazio da ausência de GG só encontraria fato análogo no desmonte dos Morrinhos.

O pintor privilegiado, que soube interpretar a alma das ruas, das casas coloniais e das igrejas centenárias de Montes Claros do passado, em busca de novo clima, trocou o ambiente provinciano de nossa comunidade pelo brilho e pelo fausto espiritual que encontrará, por perto, na Capital da formosa província de Minas. Lá, nas galerias de arte, onde pontificam os grandes mestres da pintura mineira, GG finalmente encontrará o seu habitat, o lugar que sempre mereceu, para cultivar a vocação. O baiano de Riacho de Santana desde criança sentiu o chamado da Arte universal. Meninote ainda, meteu-se no mundo das tintas e das notas musicais. Aprendeu a manejar o pincel sozinho, sem auxílio de terceiro. Ainda de calça curtas, fez a decoração da sacristia da gruta de Bom Jesus da Lapa. Chegando a necessidade de ganhar o pão de cada dia, GG aprendeu prática de farmácia, com um seu parente, médico baiano formado em Paris. Como os livros de Química fossem todos escritos em francês, GG não teve outro caminho senão que aprender, sem mestre, o idioma de Balzac.

Sentindo-se solitário na Pintura, aprendeu a tocar e dominou três instrumentos musicais: violão, saxofone e clarineta. Já construiu, em seu atelier, dois instrumentos de grande porte: uma marimba e um piano. Parece brincadeira, mas o homem não sabe tocar piano. Construiu os instrumentos na esperança de ter um pianista em casa. Os garotos, no entanto, o decepcionaram. Gostam mesmo é do violão.

Não negam, assim procedendo, sua origem da Boa Terra.

Na célebre época da construção da Central rumo a Monte Azul, GG dedicou-se à música das dez da noite às cinco da manhã. Tocava tanto no fidalgo Clube Montes Claros como nos cabarés afamados da zona boêmia, dos quais o romancista carioca Marques Rebello disse que ferviam como os night-clubs da Broadway.

Mesmo fugindo de nós, Godofredo Guedes já estava fixado na História local, por ter esbanjado aqui vinte e sete anos de inteligência, beleza e emoções.

Seus quadros a óleo ornamentaram muitos lares da cidade, suas estatuetas estão por toda parte, aqui, ali, alhures no Brasil. Sua valsa Saudade da Bahia percorreu o País, como se fosse de autor desconhecido, muito antes do samba homônimo de Dorival Caymmi. Dificilmente se poderá falar de Montes Claros sem mencionar o nome de GG. É uma verdadeira associação de ideias: um homem que se doou a uma cidade; a cidade que admira seu valor de artista.

Agora, Godofredo partiu e nos deixou. Deixou a poeira e o sol abrasador do sertão; foi viver no asfalto.

Quem se candidata a pintar as ruas de Montes Claros?

(O Jornal de Montes Claros, 26/03/63)


SERRANO DE PILÃO ARCADO: ESSE
SEGREDO CHAMADO GERAIS

Ivana Ferrante Rebello
Cadeira nº 56
Patrono: João Luiz Machado Lafetá

Na madrugada do dia 14 de novembro de 1929, Antônio Dó foi assassinado. Com ele se perderia uma história essencial ao povo do sertão; história acontecida na contramão dos fatos oficiais e cujos segredos, aparentemente, seriam por muitos anos resguardados pelo mugido das vacas no curral, pelo sussurro do vento nos leques dos buritizais e pela voz do matuto contador de “causos”.

Em 2009, chegou-me às mãos um exemplar do Serrano de Pilão Arcado, de Petrônio Braz – não consegui desvencilhar-me da leitura. Página por página eu via ali realizado um projeto literário grandioso, nascido do fôlego de pesquisador de seu autor e da inspiração que este herdara do pai, de suas muitas leituras (as dos livros e as do mundo) e daquelas ditadas pelo profundo amor a sua gente.

Sempre que me disponho a falar de Literatura, retomo uma questão cada vez mais premente, nesses tempos de palavras tão escassas quanto inférteis e de muitos prenúncios da morte da arte da escrita, como se nossa época não suportasse mais o verbo trabalhado e uma letra manejada
por mão de mestre.

O que faz, afinal, uma obra literária? Entre os motivos, inúmeros, que poderia elencar, reporto ao poder de transformação e de resistência que toda Literatura, a rigor, deveria ter. Transformação porque o signo literário
revolta-se contra o óbvio e o repetido. De uma forma ou outra, seja por meio da revolução da língua ou pela forma
com que o escritor cria imagens ou símbolos, ou ainda por conseguir dar nome e forma a uma dada experiência, o escritor transforma a linguagem conhecida, imprimindo nela
sua dicção e sua inspiração pessoal. E resistência, porque as obras da Literatura não se prendem a modelos ou modas, elas carregam uma dimensão transversal, atemporal, que atravessa os anos e nos permite lê-las com os olhos de hoje, independente de sua marcação cronológica.

E sendo eu uma leitora de Literatura devo reconhecer que poucas coisas comparam-se ao prazer de ler um romance contemporâneo, narrado à maneira clássica, exemplar, capaz de capturar o leitor do início ao fim da narrativa, pela razão primeira de encenar uma história bem contada, no sentido mais abrangente do termo, entre outras razões, que pretendo aqui, sucintamente, apontar. O romance em questão é este Serrano de Pilão Arcado. A saga de Antônio Dó, escrito pelo mineiro de São Francisco, Petrônio Braz.

Trata-se de um livro que, sob todos os aspectos, reconheço como obra literária e, além disso, trata-se de um livro escrito por Petrônio Braz, a quem admiro como profissional, cidadão e “homem humano” – naquela dimensão maior a que se refere o incomparável personagem Riobaldo, do romance Grande sertão: veredas.

O livro une a investigação histórica, a análise do advogado e a capacidade de fabulação, portanto são sob três vozes distintas que Petrônio Braz narra seu romance. Inspirado, talvez, por Euclides da Cunha, que, ao narrar a batalha de Canudos, em seu fabuloso Os sertões, dividiu o livro em três tomos, para representar três aspectos distintos daquela página crucial da história do sertão brasileiro, Petrônio Braz divide, também, a sua narrativa em três fases: “As origens”; “Os Antecedentes” e “O Revide”.

Há, na estratégia de escrita, uma intenção programática: representar as fases distintas da vida de Antônio Dó. Trata-se de fases perfeitamente interligadas, mas cada qual mantendo uma unidade em si; são separadas, mas apontam para uma progressão necessária: unir as pontas da vida, como diria o personagem Bentinho do memorável romance Dom Casmurro; para além da história conhecida e oficializada, desvendar os esconsos do homem, descobrir nele os vestígios do menino, perscrutar os mistérios que rondam todos os fatos. Desde o início do livro, o leitor se vê motivado pela mesma inquietação que inspirou Petrônio Braz a escrever o livro: quem foi, afinal, esse António Dó?

Sem cair na tentação de idealizar, Petrônio avança na construção do personagem, dando-lhe constituição humana. Antônio Dó, perseguido pela polícia e protegido pelos fazendeiros locais, que lhe davam acolhida e guarda, transformar-se-á, com o tempo, na figura mais lendária dos Gerais. O jagunço feroz, que a historiografia oficial e os fatos de jornal retratavam, é remontado, no romance, com seus defeitos e virtudes, seus impulsos de vingança e seu senso de justiça, suas fraquezas de homem e seus ideais de sertanejo. Petrônio Braz não cria um herói, no sentido clássico do termo, mas desmitifica o bandido. Das páginas de seu romance, emerge um homem premido pelas circunstâncias, corajoso o suficiente para ir contra tudo e todos; sendo um fora-da-lei, tinha um código de condutas marcado por um curioso senso de ética e respeito aos oprimidos; há nele uma inquietante fúria e uma enternecedora falibilidade.

Mas, para além da história do homem, conta-se a história de um sertão vasto, que emerge desde a Bahia, em Pilão Arcado, até a cidade de São Francisco, princesa barranqueira do norte de Minas Gerais e sobe até a Serra das Araras.

Serrano de Pilão Arcado trata, sobretudo, do sertão dos Gerais, que foi, por muitos anos, relegado ao atraso social e ao esquecimento político. Recriado literariamente na ficção de Petrônio Braz, encontra acento na história literária de uma terra e de uma gente. Por traz do drama vivenciado pelo jagunço Antônio Dó, a obra coloca em cena uma identidade mineira fragmentada, diferente, e mais difusa que a unidade mineira forjada, em que se privilegiava o consenso e se excluíam todos os conflitos. O mundo dos jagunços, com seu novo código de condutas, explicita as facetas da marginalidade, da exclusão e da rebeldia, que a história oficial não conta.

Nas descrições da paisagem, descobre-se uma incontestável declaração de amor do autor pela natureza do sertão:

As terras da vazante, naquele ponto, como uma obra prima da natureza, formavam um paraíso ainda não maculado pelas mãos do homem, o mais pernicioso agente geológico. Somente o gado, em pastoreio livre, por ali passava (...). O arrulho de uma juriti, o voo rasteiro e curto de uma garça, provocado pela presença intrusa do cavaleiro, contemplavam a beleza natural da vazante virgem. (BRAZ, 2011:234)

“O senhor tolere, isto é o sertão”. A fala do jagunço Riobaldo, no trecho introdutório de Grande sertão: veredas, serve de epígrafe à obra de Petrônio Braz. Em seu romance, lê-se um sertão que é tudo, metáfora da onipresença e da ambiguidade, visto que nele tudo cabe e tudo falta, ao mesmo tempo. Essa forma de conceber o sertão resulta de uma percepção da condição humana e da sua fragilidade, que faz do jagunço Antônio Dó um homem da modernidade. Para ler esse autor, inspirado, como não poderia deixar de ser, nas lições de Guimarães Rosa, é preciso tomar como ponto de partida a compreensão do sertão não como um recorte geográfico ou um lugar de fronteira demarcada, mas como um espaço imaginário, onde cada homem projeta a sua individualidade. O sertão de Rosa, que se afirma como “o sertão dentro de mim”, encontra respaldo no sertão recriado por Braz, que, entre outras coisas, dedica o seu livro aos

pássaros, que voam livres pelos céus do vale do rio São Francisco; aos poucos animais silvestres, que ainda perambulam livres e soberanos pelas suas vazantes e pelos cerrados; aos peixes sobreviventes que povoam suas águas; às árvores, que até agora sobrevivem à devastação do homem; às veredas do Grande Sertão, que ainda correm límpidas com suas linfas cristalinas, desafiando os desordenados desmatamentos de suas cabeceiras e de suas margens;às chuvas que, às vezes, regam o sertão e, numa busca pelos escaninhos da existência invisível das lendas regionais, à Iara, ao Caboclo-d’água, ao Famaliá, à Mula-sem-cabeça, ao Romãozinho, ao Lobisomem e ao Caipora. (BRAZ, 2011:7).

Esse sertão é uma composição entre a criação poética e a pesquisa histórica, representando ainda uma dilação espacial que se estende da ribeira do São Francisco aos trâmites políticos e sociais de Minas Gerais do final do século XIX. Nesse livro, leem-se os Gerais como o território de uma tensão permanente, produto de uma luta entre o pessoal e o coletivo, entre o progresso que chega e a sobrevivência dos ritos, crenças e sabedorias antigos.

Ao encerrar o seu livro, Petrônio Braz recorre ao fecho requisitado por José de Alencar para dar termo à fábula de formação do Ceará, Iracema – “E tudo passa sobre a terra.” Discordo, meu caro amigo Petrônio, como Machado de Assis discordou de Alencar, ao fazer sua crítica à obra Iracema. Discordo, porque passam os anos, passam os governos e passam as modas, mas permanecem os grandes homens e os grandes livros.

Eis como compreendo esse Serrano de Pilão Arcado.
A saga de Antônio Dó.


ELOGIO A NEWTON PRATES,
PATRONO DA CADEIRA Nº 84

Itamaury Teles de Oliveira
Cadeira nº 84
Patrono: Newton Prates

Filho de Antônio Prates Sobrinho (Major Prates) e de Januária Olegária Lafetá Prates, o jornalista Januário Newton Prates nasceu em Coração de Jesus (então distrito de Montes Claros-MG), no dia 31 de março de 1905. O primeiro prenome, Januário, homenageia sua mãe e o avô materno, Januário Lafetá, o famoso conde.

A infância e os primeiros anos da juventude passou em Montes Claros. Nesta cidade, sua vocação aflorou-se, quando ainda era aluno do Grupo Escolar Gonçalves Chaves. Nessa época, Newton Prates – como era conhecido – já fazia jornais manuscritos, com destaque para “O hóspede” e “Vênus”, com a ajuda de Cyro dos Anjos, o grande amigo de toda a vida. Ambos cursaram o Grupo Escolar Gonçalves Chaves, alunos da professora Eponina Pimenta, que era pouco mais velha do que seus alunos, com apenas 12 anos de idade.

Após sair do “Gonçalves Chaves”, Newton Prates foi para a Escola Normal e, ali, continuou a fazer jornais manuscritos.

Em 1922, transferiu-se para Belo Horizonte, onde concluiu os estudos secundários e dedicou-se à vida de imprensa.

O jornalismo sempre foi a maior paixão da vida de Newton Prates, tendo ajudado a fundar importantes jornais em Belo Horizonte. Em 1928, aos 23 anos de idade, quando da fundação do “Estado de Minas”, foi contratado para o cargo de “repórter de setor”, incumbido de notícias policiais. Em 1930, numa meteórica carreira, já era Redator Chefe do jornal e em 1932, ano da fundação do “Diário da Tarde”, o primeiro vespertino da imprensa mineira, Assis Chateaubriand, seu ardoroso admirador, o nomeou Diretor do recém-nascido jornal.

Ainda em Belo Horizonte, ocupou posições de relevo no “Diário do Comércio”, na “Folha Acadêmica”, no “Diário de Minas”e no “Minas Gerais”. Cronista primoroso, escreveu para a revista “Alterosa”, e foi diretor das revistas “Cidade Verde”e “Novidades”.

Foi um dos fundadores da Rádio Inconfidência, na qual exerceu as funções de subdiretor geral e de redator-chefe e dos jornais falados.

Fundou e foi o primeiro presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais.

Foi membro do Instituto Histórico de Ouro Preto e fez parte da direção da Associação dos Escritores de Minas Gerais, e da União dos Trabalhadores do Livro e do Jornal.

Na capital mineira, casou-se com a educadora Isa de Mattos Prates com quem teve três filhos: Felippe, Maria Luiza e Newton Filho, este já falecido.

Em 1946, transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde teve atuação destacada em jornais, revistas e emissoras da então capital do país. Ali, foi Redator-Chefe da “Folha Carioca”e Redator Político de “A Noite”.

Além disso, durante muito tempo, assinou crônica diária “A tarde é nossa”, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro.

Publicou livro de histórias para crianças intitulado “João Manoel, o braço da lei”.

Inéditos, deixou livros de crônicas e o de memórias: “Histórias de um menino”.

Nas décadas de 50 e 60, colaborou intensamente com crônicas na Revista “Montes Claros em Foco”. Mesmo ausente de Montes Claros, acompanhava com entusiasmo os acontecimentos na cidade e bem conhecia a nossa história e nossas tradições.

A propósito dessa sua característica peculiar, destacamos, a seguir, carta que dirigira ao escritor Cyro dos Anjos, em agosto de 1924, quando residia em Belo Horizonte:

‘‘‘‘CARTA A UM AMIGO

Alarmou todo o Estado de Minas o reboliço que agitou o sertão por ocasião dos preparativos das grandes festas em honra ao Ministro Francisco Sá. As informações acerca das homenagens em perspectiva, e, sobretudo, as que se referiam a um celebrado banquete de cem talheres aqui chegavam tão ampliadas e inverossímeis que a gente tinha a impressão de que Montes Claros era um vasto manicômio...

Emissários cruzavam estradas em busca de tapetes, quadros célebres, objetos de arte, coisas maravilhosas, e, tão grande era o afã de cada um em superar o outro em aquisição mais valiosa e rara, que nos vinha à memória a história do Achmét de Mil e Uma Noites, com que a Anninha Cabellos à roda divertia a nossa infância longínqua...

Afinal, o brilhantismo das festas justificou plenamente o arrojo dos preparativos. A régia homenagem que Montes Claros dispensou ao Ministro Sá e sua luzidia comitiva, causou ótima impressão em toda a terra mineira. A pompa excepcional de que se revestiram todos os festejos, e, principalmente, o alto cunho de distinção que em tudo se fez notar, deram à nossa terra foros de grande cidade.

Perdida na vastidão ignota e erma do sertão sem fim, Montes Claros nunca tivera ensejo de dar mostras de seu grau de cultura e de seu progresso material. Sem nada que lhe preparasse o espírito, a impressão do Ministro da Viação foi excelente. Ali a cidade parecia-lhe Milagre do Sertão; e aqui, longe do nosso povo e, portanto, sem o menor intuito de lisonja, o ministro não hesitou em prognosticar que Montes Claros, depois de servida por estrada de ferro seria uma das principais do interior do Brasil... Os moços componentes da comitiva ministerial foram mais além. Encantou-lhes acima de tudo a graça sem par das nossas patrícias. E, enchendo de cuidados e zelos a todos nós, que temos a presunção de supor que aí alguém nos espera, enquanto estamos longe em dura batalha, eles saíram dizendo, em verso e música, que “Montes Claros lhes ficará no coração”.

Somente uma pessoa não está satisfeita com as grandes festas montes-clarenses. Essa pessoa, meu caro, é este seu velho amigo.

Agora quando das faladas festas só restam ecos, quero desabafar a profunda mágoa que elas causaram aos meus brios de cidadão eminentemente jacobino.

As festas de Montes Claros não foram montes-clarenses. Faltou-lhes a cor local, o sabor sertanejo. Realizaram-se num ambiente puramente artificial.

Tudo foi de fora.

Para os serviços do decantado banquete das municipalidades, os dirigentes das festas levaram daqui o Sr. Felipe Roxo, do Hotel Avenida, acompanhado de uma turma de garçons de casaca e de smoking... Prescindiram dos préstimos de Dona Joaninha Teixeira – a grande mestra na arte culinária – e o arroz de forno, o tutu de feijão, o leitão assado, foram substituídos por pratos de nomes arrevesados, dos quais ninguém gosta, e que são obrigatórios nos grandes regabofes...

Os inigualáveis doces de Dona Aninha Pinto e das demais sucessoras da saudosa Dona Alda Queiroga, nem de longe apareceram. A sobremesa constou de frutas geladas e de compotas encomendadas fora.

O baile foi um sucesso. Belas e ricas toilettes femininas deram sugestivo aspecto ao vasto salão de danças. Os modelos, com que se apresentaram as nossas patrícias, eram francos atestados do bom-gosto que impera nas rodas
femininas de Montes Claros. Mas, meu amigo, tenho uma pequenina ressalva a fazer no tocante às toilettes femininas. (Que me perdoem as minhas patrícias a indébita intromissão em negócios de sua exclusiva jurisdição!) Revoltou-me o fato de terem sido encomendados alguns vestidos no Rio! A moda é caprichosa. Assim como algumas espécies de flores necessitam de um clima especial para que possam vicejar em toda a sua plenitude, certas toilettes femininas requerem, também, um ambiente especial para que possam causar bom efeito. Por isso, meu amigo, os modelos femininos confeccionados no Rio não podem ser expatriados e, quando o são, apresentam sempre um aspecto triste e sem graça, nunca se identificando com as suas donas...

Devem, pois, as nossas patrícias dar sempre preferência aos vestidos saídos das mãos competentes de Dona Secinda, de Dona Nazinha Maurício, de Dona Deolinda Prates, de Dona Servilha, não só para prestigiar as coisas da terra, como também porque, assistindo à confecção de seus vestidos, elas lhes transmitem os seus atrativos e encantos...

Enfim, meu amigo, somente uma instituição resistiu galhardamente aos pruridos inovadores dos maiorais da nossa terra. Essa instituição foi a velha e querida “Euterpe” de todos os tempos... Ela não se preparou com exagero. Não mandou buscar nada de fora. Apareceu como sempre. E, nos sons alegres e festivos de seus dobrados e de suas marchas, falou à alma popular, franca e sincera, que um protocolo impiedoso baniu de todas as manifestações ao Ministro da Viação.

As festas ministeriais marcaram época em Montes Claros. Nunca a nossa querida cidade esteve em tanta evidência. Mas, enquanto em toda parte se entoam loas à “Princesa do Sertão”, fico a pensar em quanto seria maior e mais sincera a admiração dos nossos visitantes , se, ao invés de uma Montes Claros irreal e fictícia, tivessem eles conhecido a verdadeira e inigualável Montes Claros de sempre, com suas tradições, seus costumes e seus incomparáveis encantos naturais.

Belo Horizonte, agosto de 1924. “”

Rubem Braga, lançado em jornal por Newton Prates – além de Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos - , ao receber o prêmio de “Príncipe da Crônica”, disse em seu discurso de agradecimento: “se me consideram Príncipe da Crônica, Newton Prates é o Rei, o grande mestre do jornalismo”.

Newton Prates relembrou, em entrevista, sua primeira impressão do capixaba Rubem Braga, quando, em 1932, aos 19 anos, chegou à redação do Diário da Tarde, em Belo Horizonte: “A turma da casa não topou muito o jeitão daquele camarada de ar agreste, mal-ajambrado, sobrancelhas cerradas, rosto fechado, arisco, desconfiado”. A reportagem de estreia, sobre uma exposição de cães, dissolveu a má impressão - e valeu ao novato um convite para ser também cronista. Começou falando, com áspera ternura, de certa “mocinha feia”: “Se você fosse bonita, seria linda...”

O romance “O Amanuense Belmiro”, que alçou Cyro dos Anjos à imortalidade, contou com a decisiva colaboração/ influência de Newton Prates. Na coluna diária que escrevia no Estado de Minas, sob pseudônimo“W”, Newton Prates critica uma das crônicas de Cyro dos Anjos, que transforma Belmiro em “dentista”, com “consultório na Serra”. Por ser ocupação muito prática, entendia Newton que esta não era a vocação de Belmiro, e exigiu do cronista maior respeito pelas tendências do seu personagem, advertindo-o de que Belmiro Borba já adquiria personalidade autônoma, independente, que não podia se submeter aos caprichos, às liberdades do seu criador.

Seguindo as sugestões de Newton, Cyro dos Anjos reconhece a autonomia de seu personagem, retira “a placa de dentista da porta de Belmiro” e o faz retornar aos “contratempos sentimentais” e “divagações poéticas”. Na época em que o livro começou a ser esboçado, Newton Prates afirma que influenciou outras alterações no romance, como o envelhecimento de Belmiro em dez anos e o transporte da ação romanesca do Rio de Janeiro para Belo Horizonte.

O personagem Belmiro, segundo revelou Cyro, é o resultado da mistura da personalidade de três grandes amigos: Newton, Monzeca e Ari Teodolino, além do próprio Cyro. Com efeito, na primeira edição do “Amanuense”, em espanhol, após candente dedicatória, num PS Cyro escreveu: “Newton, procure sua parte no Belmiro.”

Amigos da vida inteira, afinadíssimos, compadres de fogueira desde a infância, a presença de Newton Prates na vida e obra de Cyro sempre foi uma constante. No seu último livro, “A menina do sobrado”, praticamente escrito a quatro mãos e graças à incrível memória do amigo/irmão, o nome de Newton é citado 57 vezes! – conforme teve o cuidado de contar o seu filho Felippe.

Felippe, nosso particular amigo, colaborou com minhas pesquisas sobre o seu pai, fornecendo-me relatos interessantes sobre sua vida, seu jeito de ser e de suas amizades. Segundo ele, Newton Prates era “inteligentíssimo, intelectualmente muito preparado e dono de uma conversa deliciosa, um papão de várias horas. Com perspicácia de notável repórter, o que sempre foi, com dez minutos de conversa já sabia do que e de quem seu interlocutor gostava. Tinha um dom especial em descobrir o aspecto crítico das pessoas e das situações, brilhando intensamente. Bem humorado, já no fim da vida, nos queixou, certa vez, que estava ouvindo mal de um dos ouvidos. Imediatamente nos prontificamos a levá-lo a um otorrinolaringologista, mas ele recusou: “Precisa não, meu filho. Do jeito que esse povo anda falando besteiras, quando começam viro o ouvido surdo para o lado deles. De nada sabem e eu me poupo...”

Januário Newton Prates faleceu no Rio de Janeiro, em 01/12/1988, aos 83 anos de idade, levado por um quinto infarto. É hoje considerado, ao lado de Hermenegildo Chaves – o Monzeca -, os dois maiores jornalistas já nascidos em Montes Claros.

Montes Claros, 15 de junho de 2013


BIBLIOGRAFIA:

Efemérides Montes-clarenses, de Nelson Washington Viana.
Montes Claros, sua história, sua gente, seus costumes, de Hermes de Paula.
Depoimentos de Felippe Matos Prates, em e-mails trocados com o autor.
Pesquisas em sítios, na internet.


GUARANI ESPORTE CLUBE

José Ferreira da Silva
Cadeira n° 49
Patrona: Irmã Beata

A cidade de Porteirinha sempre apresentou um bom futebol de campo, porém no ano de 1956, segundo informações de alguns atletas da época, os dois clubes que existiam, Império e Recreativo, vieram a paralisar suas atividade futebolísticas. Não se sabe o motivo deste lamentável episódio. Diante desta triste realidade, resolveram reativar esta única alegria que então havia na pacata e próspera cidade de Porteirinha. Para consumar esta brilhante ideia, no dia 10 de Junho de 1957, reuniram-se, nas dependências do Grupo Escolar João Alcântara, alguns adeptos do esporte para dar origem ao novo clube de futebol. Dentre as pessoas interessadas em criar o novo clube, figuravam os senhores Amintas Pinheiro, David Maroto, Osmar Santos Silva, Décio Andrade Pessoa, Chico Padeiro, Pacheco, Etelvino Cangussu, Sebastião Pinheiro, Osvaldo Pires (mestre) e outros.

Na oportunidade, foram apresentados muitos nomes para a nova agremiação. Após apreciação e votação, o nome escolhido foi Guarani Esporte Clube, sugerido e defendido por Chico Padeiro, um humilde e simples baiano, que viera trabalhar no ofício de padeiro com o senhor Orozimbo Martins, em sua modesta padaria.

Afinal, estava criado o clube de mais de meio século, e que permanece até o presente: Guarani Esporte Clube. O novo clube foi crescendo com boa estrutura, organização, dedicação e para tanto a sua formação oficial se deu no dia 15 de Janeiro de 1974, em Assembleia Geral, presidida pelo senhor Etelvino Cangussu, que passou o cargo para o senhor Domingos Mendes de Carvalho e Orlando Marcos, presidente e vice respectivamente. Após esta oficialização, o Guarani ingressou na Liga Porteirinhense de Desporto, presidida pelo senhor Ananias José dos Santos no dia 25 de agosto de 1974.

O Guarani que demonstrava força, um futebol de qualidade e excelente organização, almejou filiar-se no Conselho Regional de Desporto de Minas Gerais e no Ministério de Educação e Cultura, fato este que ocorreu no dia 10 de setembro de 1975.

O Guarani Esporte Clube fundamentou-se na busca de novos incentivos para valorizar seus atletas, na educação com todos, no respeito, na solidariedade, na organização, na harmonia fora e dentro de campo, principalmente em busca de vitórias e representar com orgulho a cidade de Porteirinha.

Além do futebol de campo, o clube praticou futebol de salão, ótimas apresentações, voleibol feminino com grandes atletas, handbol e outros. No futebol de campo foi grande destaque, pois vencia seus mais difíceis adversários tais como: Asa, de Salinas; Vasco e Municipal, de Janaúba; Minas, de Taiobeiras; 9 de Março, de Espinosa; Odon Oliva e Maec, de Monte Azul; seleção e alguns clubes de Montes Claros, seleção de Mato Verde, Larama e América de Capitão Enéas, Guanambi ,da Bahia, e o arqui-rival Mackenzie Esporte Clube, de Porteirinha.

Para justificar a grandeza e a exuberância do Guarani, podemos citar alguns nomes de atletas que fizeram parte do Clube como: Bé de Santo, Elísio Silva, Edno Aguiar, João Teixeira, Luiz Carlos (BB), Fio, William Teixeira, Ronaldo Bezerra, David Maroto, Zitão, Denício Andrade, Sinvaldo, Bené (BNB), Anisinho, Leu Porquinho, Dorzinho, Isac Lidório, Pelé de Galdino e o grande astro João Ramos, apelidado pelo escritor Itamaury Teles como o Maradona do Sertão, e muitos outros.

Ao longo dos mais de cinquenta anos de atividade o Guarani foi dirigido pelos seguintes presidentes: Acário Mendes, Agamenon José Victor, Alexsander Oliveira de Souza, Altamir Carlos Martins, Anísio Higino Filho, Ariovaldo Santana Bastos, Benedito Gomes Andrade, Carlos Humberto Silva, Domingos Mendes Carvalho, Edilson Mendes Matos, Etelvino, Cangussu, Filogênio Teles de Menezes, Jaime Soares Durães, João da Mata Neto, José Cangussu, José Joaquim dos Reis, Milton Fernandes de Souza, Miraldo Flávio Chaves, Nei Lima, Odon Mendes Soares, Orlando Marcos Costa, Paulo Roberto Santos, Pedro Ivan, Welson Teixeira e Jairo Santos com destaque para
Etelvino Cangussu, que presidiu por várias vezes.


E. E. PROF. HAMILTON LOPES

José Ferreira da Silva
Cadeira n° 49
Patrona: Irmã Beata

A ESCOLA ESTADUAL DE MONTES CLAROS, de ensino médio, foi criada pelo decreto 24424/85 e autorizada a funcionar através da portaria 252/85 de 25-01-85.

A escola supra tem suas origens no curso de segundo grau que foi criada na escola estadual de primeiro e segundo graus, prof. Dulce Sarmento em convênio com a Prefeitura Municipal de Montes Claros, proprietária do prédio. Na gestão do prefeito Antônio Lafetá Rebello, com influência do deputado estadual Dr. Jairo Magalhães, a escola foi autorizada a funcionar, por meio da lei 5501 de 12-02-70, e pela portaria 110 de 02/04/70.

Em 1976, na gestão do diretor Domingos Hamilton Lopes, foi transferida para a Av. Carlos Ferrante, 451 – bairro Edgar Pereira (prédio onde funcionava o antigo Tiro de Guerra de Montes Claros). A edificação passou por uma simples adaptação onde funcionaram quatorze turmas, distribuídas nos turnos matutino e noturno.


Em 1985, funcionaram vinte e duas turmas, dentre elas oito de primeiro grau, do turno vespertino, vinculadas à E. E. Prof. Dulce Sarmento.

Em 1985, conforme portaria 252/85, Minas Gerais de 28-03-85-SED/SEE-MG, foi autorizada o funcionamento do curso de magistério de primeiro grau. No ano de 1986, as turmas de primeiro grau da E.E. Dulce Sarmento foram incorporadas pelo Estado à escola com o nome de Escola Estadual de Montes Claros.

Em 1986, de acordo com a portaria 243/86-MG de 20-02-86-SED/SEE-MG, criou-se o curso técnico em contabilidade.

A escola passou a funcionar com dois cursos profissionalizantes do segundo grau, distribuídos em oito turmas no matutino, oito turmas no noturno, de quinta a oitava série do primeiro grau, do turno vespertino, somando um total de 24 turmas.

A partir do ano de 1996, a Escola Estadual Montes Claros começou a ministrar o ensino médio geral nos turnos matutino e noturno, amparado pela portaria 333/97-MG de 19-02-97.

Em 1998, esta escola sofreu várias alterações determinadas pela Vigésima Segunda Superintendência Regional de Ensino e SEE: a extinção do ensino normal e técnico do ensino normal e técnico em contabilidade.

Nessa gestão, foi sugerida por representante do segmento dos pais, pela direção e por uma ajudante de serviços gerais, a mudança do nome para Escola Estadual Prof. Hamilton Lopes. O assunto foi levado ao plenário e depois para reunião do colegiado, que deu parecer favorávelà a mudança do nome.

Além do Diretor Professor Hamilton Lopes, tivemos até o momento vários diretores indicados pela Secretaria Estadual da Educação, e outros aprovados em concursos e eleitos pela comunidade escolar, que tiveram a oportunidade de administrar a referida escola: Geraldo Honorato Marques: de 17/09/1985 a 14/02/1990; Maria da Conceição Medeiros: de 16/02/1990 a 21/01*1992; Zenaide Alkmim Oliveira: de 24/01/1992 a 31/10/1992; a supervisora Marilda Oliveira Nepomuceno: de 15/10/1992 a 27/01/1994; Marília Sofia Ferrante Rebello: de 04/02/1994 a 29/01/1997; a supervisora Irce dos Reis Guimarães: de 30/01/1997 a 12/01/2000; a supervisora Adélia Alves Pereira: de 12/01/2000 a 28/04/2004; Marilda Oliveira retorna ao cargo em 29/04/2004 até 20/01/2012.

De acordo com os fatos, vale destacar e sensibilizar o trabalho e comprometimento do Senhor Hamilton Lopes em dar origem à escola; a supervisora Irce dos Reis Guimarães Cardoso empenhou-se para a construção de um novo prédio, que era desejo de todos. E, no último ano de seu mandato, conseguiu a doação do terreno para realizar o grande sonho. Porém, a escritura do terreno foi conquistada com muito empenho e sacrifício da diretora Adélia Alves Pereira, com apoio da Vereadora Maria Helena Lopes, alunos, funcionários e o tesoureiro, Professor José Ferreira da Silva.

O terreno foi doado ao Estado de Minas Gerais através da Lei n° 2.982, de 02 de Janeiro de 2002, tendo como Prefeito Municipal de Montes Claros, o Sr. Jairo Ataíde Vieira, que sancionou a Lei sem qualquer disposição em contrário. A Diretora Marilda Oliveira praticou, em seus três mandatos, um ótimo relacionamento com funcionários, superintendência, comunidade escolar, alunos, colegiados, tesoureiro (José Ferreira) e demais segmentos da sociedade. Dirigiu com capacidade, habilidade e transparência em todas as realizações inerentes à sua função e administração. Observo também que a sua maior realização foi a construção do novo prédio que teve o apoio do Deputado Estadual Arlen Santiago,
concretizando o sonho de todos nós.

A partir de Janeiro de 2012, a escola é administrada pela professora Adélia Magda Sepúlveda Santos e que tem como vice as professoras Doralice Macedo Prates e Nilza Maria de Oliveira.

Observamos que esta escola vem desenvolvendo um ótimo trabalho, é reconhecida e valorizada, pois atualmente muitos alunos são aprovados em concursos e vestibulares, principalmente na Unimontes, o que faz da escola uma das preferidas em âmbito municipal.

O bom andamento do educandário se deve à capacidade e liderança da direção, a harmonia dos demais funcionários, a aptidão dos alunos e o apoio da comunidade escolar.


O VAQUEIRO

Juvenal Durães Caldeira
Cadeira nº 81
Patrono: Nathércio França

Nas edições passadas, escrevi, com título “Coisas do Passado” sobre o “carreiro” e o “tropeiro”, agora, falo do vaqueiro, assunto tão importante quanto os outros para aquela gente simples de outrora. Eu, como nos outros, estive lá presente e participando daquela atividade que hoje não existe mais no nosso meio. Em alguns lugares mais afastados e longínquos do norte de Minas ainda há essa prática, porém, considerada obsoleta para a nossa época.

Nasci em Montes Claros, mas fui criado até os dez anos de idade na fazenda Cantinho, hoje integrada na área militar do 55º Batalhão do Exército brasileiro, nas vizinhanças de Montes Claros. Ali, acompanhei meus irmãos mais velhos e os vaqueiros da fazenda com as lides e manejos do campo. Criávamos o gado zebu de origem Malabar/Índia. Uma parte era amansada e destinada à leiteria ou ao engenho e carro de bois. Para negócio, meu pai criava manada de novilhos de corte para os açougues.

As vacas leiteiras davam o leite para o consumo nosso e dos agregados. O que sobrava era para fazer doces, queijo, requeijão, quitandas, coalhada e merenda com a farinha de milho. O soro era para criação de porcos. Os bois de carro transportavam cana para o engenho, produtos agrícolas e lenha para cidade.

O gado de corte era arisco pelo fato de viver nas invernadas mais afastadas, com menos contato com os vaqueiros e para a venda nas devidas ocasiões. De quando em quando, meu pai vendia um lote de reses gordas para os matadores. Era costume também, abater alguns novilhos para o consumo da fazenda e para atender a vizinhança.

Nas décadas de trinta e quarenta, chovia muito e os fazendeiros viviamabastados com os fartos produtos agropecuários. As fazendas eram quase autossuficientes com a lavoura e com o gado para a manutenção da família e das propriedades. Meus parentes eram grandes fazendeiros com muito gado. As terras do tio José Gonçalves na margem direita do Rio Verde Grande alcançavam a região de Vaca Brava. Era uma propriedade de criação extensiva de gado destinado aos frigoríficos. Entre os seus vaqueiros de fama lembro-me de Aurelino. Era um moço destemido e campeava o dia inteiro montado num dos cavalos treinados para o campo. O meu primo Beguito o acompanhava na vigilância do rebanho arisco. Aurelino, dedicado ao campo e descuidado de sua saúde, foi acamado e morreu ainda moço, isolado num quartinho ao lado do curral, fato comum naquela época sem recursos.

As grandes fazendas, geralmente, não tinham cercas e o gado vivia solto e sem rumo certo. Os vaqueiros campeavam e tratavam as reses feridas ou doentes na mata, laçando e imobilizando-as numa árvore para os curativos necessários.

Eu era criança, mas montava com segurança nos cavalos de campo e participava nas buscas do gado com os vaqueiros da nossa fazenda. Mas, um dia meu pai, com desejo de mudar de ramo, dispôs daquele lugar saudoso e nós voltamos para a cidade. Tempos depois, fomos para o povoado de Tamborilzinho, município de Coração de Jesus, onde abrimos uma loja de tecidos, secos e molhados. Eu já tinha doze anos de idade e trabalhava no balcão com meu pai, porém, sem esquecer das aventuras do campo. Ali, conheci a família de Dona Maroca e logo me identifiquei com seus filhos: Joaquim, Nozinho, Aldenor e Geraldinho. Eles eram vaqueiros famosos da região e sempre solicitados para conduzir boiadas dos fazendeiros da redondeza. Eu, já amigo deles, deixava a loja e os seguia sem interesse de qualquer pagamento. Aquilo, para mim, era uma diversão. Eles eram alegres, honestos e gostavam da minha companhia.

Uma vez, conduzimos uma boiada do Sr. Antônio Athayde, de sua fazenda Tamboril, distrito de São João da Vereda para o embarque em Montes Claros. Pernoitamos na fazenda das Quebradas de Pedro Veloso e no dia seguinte chegamos à cidade, onde tivemos um pequeno descanso. Depois, embarcando o gado nos vagões da EFCB com destino “pra cima”, era o que o encarregado nos informava. Naturalmente, deveria ser para os grandes centros como Belo Horizonte, São Paulo ou Rio de Janeiro. Missão cumprida com sucesso e muita satisfação, nós estávamos de volta ao povoado de Tamborilzinho. Lá, os rapazes ficavam na expectativa de um novo chamado, e eu voltava ao balcão da loja, mas, sempre em contato com aquela inesquecível família alegre e amiga.

Tempos depois, eles foram solicitados para buscar uma boiada de Tiel Mota, numa fazenda do Antônio Branco no distrito de Barreiras, vizinho de Santa Rosa de Lima. Eu, mais que depressa, deixei a loja e juntei-me aos “marocas”, e lá fomos. Chegando à fazenda com chuvas intermitentes, ficamos sabendo que teríamos de pegar os novilhos bravios na mata fechada. Enquanto eles achavam aquilo um trabalho penoso, eu estava ansioso para participar daquela aventura. Lá, conhecemos o Elói, rapaz alto, moreno e já vaqueiro famoso, pronto para nos ajudar naquela árdua tarefa.

No dia seguinte, começamos a caçada aos bois esquivos, que aos poucos foram encurralados. Num daqueles dias, eu saí pela mata e encontrei um novilho que me vendo embrenhou-se no mato. Parti no seu encalce e na próxima clareira o derrubei. Eu o lacei e o amarrei numa árvore próxima antes que ele se levantasse. A galope, fui avisar aos colegas de minha grande façanha, pela primeira vez. O novilho foi levado para o curral e eu festejado, pois, derrubar um boi era tarefa de vaqueiro profissional e experiente e não de um jovem inexperiente e amador.

Depois de preso um bom número de reses, tocamos a boiada até a fazenda de Tiel Mota e de lá, voltamos ao Tamborilzinho, contando com entusiasmo nossas aventuras naqueles dias chuvosos de dezembro da década de quarenta.

Meu pai resolveu montar uma pequena loja filial na região do Espigão, município de Brasília de Minas e colocar o seu caixeiro de confiança Zezinho Oliveira como gerente. Eu, que flutuava aqui e ali, fui parar lá, não com o propósito de trabalhar na loja, mas à procura de aventuras e de me divertir. Logo, encontrei o Zezinho Fagundes, filho da viúva fazendeira, Maria de Neco, dona de muitas terras e de muito gado. Eu deveria ter uns quatorze anos de idade e o meu novo amigo, pouco menos. Tornamos amigos com o mesmo objetivo, correr e derrubar os novilhos ariscos, só para ver a queda. Dona Maria ficava apreensiva, mas aprovava a nossa amizade e fazia vista
grossa de nossas proezas.

Um dia daqueles, Dona Maria teve a ideia de oferecer aos vaqueiros da redondeza uma novilha famosa pela sua braveza, com a finalidade de reunir os peões do campo e suas famílias para um churrasco. Porém, eles teriam que pegar aquela rês xucra na larga para o banquete e alegria de todos. A notícia correu e o dia foi marcado para o acontecimento. Os vaqueiros famosos começaram aparecer para participar da façanha e mostrar suas melhores perfórmances. Logo, na manhã daquele dia, já havia vaqueiros com suas vestes de couro, montando espirituosos cavalos de campo, em volta do pátio da casa grande, prontos para a caça à novilha de chifres pontiagudos e afiados. Para minha surpresa, lá estava Elói, aquele vaqueiro que conheci em Barreiras. Naquele dia fiquei conhecendo o Rotilo, com fama de melhor vaqueiro da região. Havia outros, também renomados, prontos para pegar a novilha gorda de mais de doze arrobas.

As famílias da vizinhança chegavam aos poucos, ansiosas para conhecer o melhor vaqueiro da competição e participar da festa. Dona Maria mostrava grande satisfação, porém agitada e preocupada com os afazeres das cozinheiras envolta dos tachos em ebulição, cheios de fava e arroz para servir com o esperado churrasco. Todavia, ela não descuidava das visitas espalhadas nas imediações da sede. Umas sentadas dentro dos galpões, outras, em baixo das árvores em derredor do pátio. A rapaziada assentada nas cercas do curral “de olho” nas mocinhas, que exibiam charmes pelo pátio, e a meninada agitada correndo pelo terreiro.

Às nove horas, mais ou menos, Dona Maria ordenou a caça e os cavaleiros, já prontos, partiram rumo à larga, onde deveriam encontrar a novilha bravia, destinada ao churrasco. Eu, montando o meu portentoso cavalo alazão e Zezinho no seu veloz cavalinho pampa, pegamos a fila, pensando que éramos gente grande. Chegando à larga de mata fechada, os treinados cachorros de vaquejadas deram o sinal. Os peões embrenharam na mata rumo aos ganidos dos cães que já estavam em perseguição à novilha. A corrida estava iniciada e cada um queria mostrar mais serviço do que seu companheiro, porém, alguns foram, aos poucos, perdendo dentro da mata e ficando para trás. Eu e Zezinho, como peixes fora d`água, corríamos pela estrada seguindo aquela movimentação em ziguezague da caçada implacável. Nas constantes travessas,
víamos passar a novilha, o Elói no seu encalce e o Rotilo logo atrás. Depois, os outros que ainda restavam na competição. À tardinha, os vaqueiros conseguiram derrubar e sangrar a novilha numa clareira da mata. Um carreiro tocando um carro puxado por dois bois troncudos
tomou conta de transportar a rês, já abatida até à sede.

Aqueles homens valentes do campo, cheios de garbo e sentindo missão cumprida, gabavam-se de suas bravuras por quebrar o mito de que ninguém conseguiria pegar aquela novilha arisca na mata intrincada, onde ela vivia isolada.

O churrasco tão esperado ficou para o dia seguinte, por causa da avançada hora para realizar aquela tarefa. Elói foi eleito vencedor e Rotilo ganhou o segundo lugar, sem direito de reclamar.

Depois do grande churrasco, eu e Zezinho continuamos com nossas aventuras extravagantes sem objetivos de pré-adolescentes. Um dia, na tentativa de derrubar uma vaca alvacenta, o meu cavalo caiu e a cabeça da sela pegou o meu peito esquerdo, obrigando-me a procurar o Dr. Pedro Santos para demorado e doloroso tratamento em Montes Claros. Após aquele trauma, perdi o entusiasmo do campo e fui para o Sul, onde encontrei um amontoado de estrangeiros com línguas e costumes diferentes. Lá, desconhecido e só, comecei a minha vida estudantil e profissional, esquecendo as minhas aventuras perigosas.

Voltei a Montes Claros, minha terra de origem, depois de quase doze anos, já no fim da década de cinquenta e encontrei uma realidade diversa daquelas das décadas de trinta e de quarenta, tempo em que o gado era a fonte de riqueza e movimentava o norte do estado, dando ao luxo da cidade de Montes Claros ter até luxuoso Cassino, do brejeiro João Pena, na esquina das ruas Carlos Gomes e Visconde de Ouro Preto, que abrigava mulheres bonitas do Norte de Minas e do Sul da Bahia para alegrar aos afortunados fazendeiros do gado zebu.

Os rebanhos que encontrei eram mansos e mantidos com manejos intensivos e aprimorados. As largas de matas fechadas de outrora se transformaram em invernadas com pastagens cuidadas com tratores e técnicas modernas. O transporte das reses passou para os caminhões gaiolos nas estradas asfaltadas, diretamente para os grandes centros. Aurelino, Beguito, os “Marocas”, Elói, Rotilo e outros ficaram num passado remoto, como também, aquelas movimentações com boiadas compridas e empoeiradas nas estradas mineiras. Coisas que existem só nas recordações de alguns que ainda vivem para contar à posteridade. Tudo passou até mesmo a vida daqueles heróis do campo. Hoje, ainda existe grande criação de gado no Norte de Minas, porém com manejo intensivo e com tratamento racional. Há exposições de reses de sangue puro para atividades leiteiras e de cortes, escolhidas de raça especiais através de pacientes experiências, como: holandês, nelore, gir, guzerá e outras raças precoces de genéticas aprimoradas, tratadas nas modernas cocheiras com rações preparadas para leiteria ou para engorda.

Atualmente, não se fala mais daquele tempo passado. A mocidade de hoje não interessa saber a respeito de assuntos dessa natureza, e nem mesmo, como viveram seus antepassados, com os costumes e recursos regionais da época.

Os carreiros, os tropeiros e os vaqueiros foram, no passado, a mola mestra na fomentação da economia do sertão norte-mineiro e da sobrevivência de seu povo.

Hoje, há peões especializados em torneios de grandes parques de exposições com finalidade financeira e de diversão popular. Também, as prefeituras municipais promovem rodeios constantes para entreter o “povão”. Mas, aqueles vaqueiros, com vestiduras regionais feitas de couro curtido que rasgavam com o peito matas fechadas no encalce do boi bravo, foram substituídos pelos “Cowboys” vestindo roupas exóticas, com botas elegantes e chapéus abas largas, para alegrar o povo nas grandes festas rurais com programações sofisticadas e de instalações luxuosas. Também, os cavalos espirituosos e treinados para o campo, não existem mais, foram substituídos por marchadores de raça pura para demonstrações públicas e também, pelas motocicletas modernas de altas cilindragens dos camponeses. Os cachorros campeiros deram lugar às raças estrangeiras de fino trato. Hoje, objetos de luxo aconchegados e até com direito a salão de beleza, custeado por madames pedantes.

È pena que os heróis do passado morreram desamparados e não tiveram a sorte de alcançar a lei recente, que agora ampara os modernos peões com suas pompas e mordomias. Assim é a vida!


O 10º BATALHÃO EM BRASÍLIA (DF)

Lázaro Francisco Sena
Cadeira nº 56
Patrono: João Luiz de Almeida

A participação do 10º Batalhão no movimento cívico-militar de 1964 foi sintetizada pelo historiador e sociólogo João Camilo de Oliveira Torres, em sua obra Razão e Destino da Revolução, publicada ainda no final daquele ano:

“Uma operação menos focalizada pelo noticiário e talvez mais difícil foi a do 10º Batalhão da Polícia Mineira, sob o comando do Tenente-Coronel Georgino Jorge de Souza. Deslocando-se de Montes Claros em direção a Paracatu – seu objetivo era fechar a porta da Capital – esta tropa, por estradas apenas carroçáveis, atravessou o território mineiro de Leste a Oeste, numa arrancada fulminante, digna de um Rommel. As tropas da guarnição da capital volveram a suas posições originárias, para balizar afinal a entrada do batalhão mineiro em Brasília. Foi um feito de armas que, embora incruento, revelou capacidade de movimentação, poder de direção, competência dos comandantes e bravura de nossos soldados.”

O boletim interno nº 59, de 31 de março de 1964, uma terça-feira, ao publicar a “ordem do dia” do comando da Unidade para a quarta-feira seguinte, reflete a mais pura normalidade para a tropa, inclusive prevendo chamada às 07h00 e dispensa às 12h00, após a revista geral, como já era o costume naquela época. O então tenente Antônio Moreira Neto foi escalado para 1° de abril como “fiscal de dia” e não “oficial de dia”, como deveria ser em caso de qualquer possibilidade de alteração da ordem, situação em que o oficial, obrigatoriamente, deveria pernoitar no quartel. Mas não foi o que aconteceu...

É preciso relembrar que, política e ideologicamente, àquela época, as nações se encontravam polarizadas, sob a síndrome da “guerra fria”: de um lado os Estados Unidos da América, como símbolo do capitalismo, e do outro a extinta União Soviética, como timoneira do comunismo. O pobre planeta terra vivia sobressaltado com as ameaças recíprocas de emprego dos arsenais atômicos, o que seria capaz de varrer, de uma só vez, toda forma de vida então existente. A União Soviética havia “conquistado” Cuba e ali implantado o seu regime comunista, criando, na antessala dos Estados Unidos, uma base estratégica para chegar aos demais países do continente americano e neles implantar a sua ideologia política. É claro que o Brasil, pela sua dimensão territorial e pelo potencial econômico, transformou-se no alvo principal. Junte-se a isso a pusilanimidade e a leniência do governo brasileiro, instabilizado após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961.

Para a nação brasileira de então, era iminente e, ao mesmo tempo, inadmissível a implantação do comunismo ateu em nosso país, rompendo toda uma tradição cultural de fundamentos cristãos e democráticos. As forças conservadoras se insurgiram e o povo foi às ruas, paramentado de símbolos religiosos, para afastar o perigo da sovietização e implantação da ditadura do proletariado, de tão funestas consequências, como ainda o atestam os regimes políticos de Cuba e da Coreia do Norte. Nasceu daí o movimento cívico-militar que derrubou o governo tendencioso do presidente João Goulart, que por duas décadas foi chamado “Revolução de 31 de Março de 1964”, e que, logo após e até o presente, passou a ser tratado como “Ditadura Militar” pelos meios de comunicação dominados pela ideologia “esquerdista”.

Dentro de tal ebulição política que ameaçava a República, não era de se esperar outra coisa das forças ar madas, pela sua competência legal e movidas pelo espíirito cívico, senão que assumissem o comando do movimento e espantassem de vez aquela intervenção estrangeira em nosso país.

Como força reserva do Exército Brasileiro, e atendendo ao chamado do seu comandante-em-chefe, o então governador José de Magalhães Pinto, a Polícia Militar de Minas Gerais aderiu incontinenti ao movimento, cabendo ao 10º Batalhão a difícil missão de participar da ocupação de Brasília, capital da República, para implantação do novo regime político.

Noite de sobressaltos para o 10º Batalhão, aquela de 31 de março de 1964. Em vez de ser dispensada a tropa às 18h30, como era o costume, a Unidade recebeu ordem para embarcar, imediatamente, para Brasília-DF, para integrar as forças revolucionárias que participariam da deposição, pelas armas, do presidente João Goulart, se assim fosse preciso. Embarcar como, se o Batalhão não dispunha de um único veículo ao menos adaptado para o transporte de pessoal ?! Em situação como aquela, isso não é pergunta que se faça. Requisite-se os veículos necessários, onde quer que eles se encontrem. Foi assim que o DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas entrou na campanha revolucionária, fornecendo a sua frota de novos caminhões, sob requisição, para o transporte da tropa até o seu destino. Não é preciso, e nem possível, dizer como tudo aconteceu naquela noite, mas um fato pitoresco, embora indigno para os princípios militares, precisa ser dito, para reflexão: conta-se que um soldado de nome não citado, quando já se encontrava formado em seu pelotão, armado e equipado, pronto para o embarque, aproveitouse da confusão do momento e pediu a um seu companheiro que segurasse o seu fuzil, enquanto ele iria ao banheiro. E assim ele se foi, para nunca mais voltar, desertou.

Buscando um testemunho pessoal da operação realizada pelo 10º Batalhão em Brasília, entrevistamos o Cel. Antô nio Moreira Neto, do quadro de oficiais da reserva da Polícia Militar, residente em Montes Claros, que participou efetivamente daquela campanha como Tenente, a quem fizemos as perguntas que se seguem:

1 – Como se explica a aparente normalidade da ordem pública registrada nos boletins diários do Batalhão, até mesmo no dia 31 de março de 1964?

Respondeu que as informações sobre o emprego da
tropa eram sigilosas. A normalidade era apenas aparente,
“de fachada”, pois a Unidade já se encontrava “de prontidão”,
preparada inclusive para deslocamentos. Naquela
data, já à noite, com o seu pelotão, participou da requisição
dos caminhões junto ao DNOCS. Disse que o diretor daquele
órgão, à época, alegou que não poderia ceder os caminhões,
razão porque foram requisitados à força, em número
de doze unidades, com alguns motoristas incluídos.

2 – Como foi o deslocamento da tropa até Paracatu?

A saída de Montes Claros foi por volta de 03h00 da madrugada do dia 01 de abril, chegando a Paracatu ao meio-dia, em jornada ininterrupta, passando pela cidade de Pirapora, por estradas de terra, até alcançar a rodovia que liga Belo Horizonte a Brasília. Naquela cidade, o Batalhão parou para alimentar tropa e preparar para o ataque, já que o objetivo inicial era a retomada da ponte sobre o rio São Marcos, na divisa de Minas Gerais com Goiás, que já se encontrava ocupada por tropas do Batalhão da Guarda Presidencial. O confronto só não ocorreu porque o Exército já havia aderido ao Movimento e desocupado a área. O pelotão sob seu comando recebeu a missão de vanguarda e reconhecimento do terreno, tendo ali encontrado, ainda recentes, as marcas de calçados e pneus deixadas pelos ocupantes que se retiraram. Ainda em Paracatu foi integrada ao 10º Batalhão uma Companhia do 7º BI, da cidade de Bom Despacho. Foi ali também que o Batalhão se incorporou ao 12º Regimento de Infantaria do Exército, integrando o que se denominou GT-12, para o desenvolvimento das ações das Forças Armadas em nível nacional.


Ponte sobre o rio São Marcos, onde quase aconteceu o confronto armado
entre o 10º Batalhão e frações do Batalhão da Guarda Presidencial

3 – Superada a primeira missão em Paracatu, quais
as ações seguintes desenvolvidas pelo Batalhão?

Já integrando o GT-12, o Batalhão se deslocou para Brasília, onde se instalou precariamente nas dependências do Teatro Nacional. Depois foi deslocado para a cidade satélite de Taguatinga, onde permaneceu acantonado até o regresso para Montes Claros, no final do mês de abril. Durante o período, atuou na “operação limpeza”, prendendo comunistas e subversivos, que eram entregues ao serviço de triagem das Forças Armadas. Foram muitas as prisões realizadas, inclusive em outras cidades satélites e até em Unaí-MG. O Batalhão participou ainda das solenidades de posse do novo Presidente da República, o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, como integrante do grande desfile cívico-militar em continência ao em possado, pelas principais avenidas da cidade. Além disso, o Batalhão participou do policiamento da Capital, que antes era feito pela Polícia do Exército, e, ao lado das Forças Armadas, ocupou pontos sensíveis da cidade, em missão de guarda.

4 – Como a população reagia à presença e ação da tropa?

O povo entendeu e aceitou bem a Revolução. Ainda em Brasília foi grande a concentração de pessoas ao longo das avenidas, para aplaudir as tropas que desfilaram em continência ao Presidente Castelo Branco. Já no retorno a Montes Claros, o Batalhão foi homenageado e festejado nas cidades por onde passou - Paracatu, João Pinheiro, Pirapora e Jequitaí -, com a presença de autoridades e grande concentração de pessoas. Em Montes Claros, após as homenagens das autoridades e povo em geral, houve o desfile da tropa pelas principais ruas da cidade, aplaudida durante todo o percurso.


Desfile do Batalhão em Brasília, pela posse do Presidente Castelo Branco

5 – Quais episódios, na sua opinião, foram marcantes naquela jornada?

- Um momento de apreensão e dúvida:

Antes de saber da adesão das Forças Armadas ao movimento revolucionário, em razão da superioridade do armamento, equipamento e outros recursos que elas possuíam. Tal apreensão, todavia, nunca chegou a ser medo, pois moralmente estávamos preparados para qualquer confronto.

- Um momento de tristeza e dor:

O acidente com o caminhão, na estrada de Unaí, que provocou o disparo do fuzil do Soldado João Cordeiro de Aquino, que o atingiu mortalmente. Houve ferimentos leves em outros PM, em decorrência do tombamento do caminhão.

- Um momento de alegria e regozijo:

A comemoração carnavalesca da tropa, ao saber do sucesso do movimento revolucionário, dentro do Teatro Nacional de Brasília, antes de seguir para Taguatinga. Também foram marcantes os aplausos da população, nas concentrações e nos desfiles realizados pelo Batalhão.


Retorno festivo do Batalhão a Montes Claros

6 – Qual a sua avaliação sobre o comando da tropa e o desempenho dos comandados naquele movimento revolucionário?

Foi um comando muito firme, conduzido pelo então Tenente Coronel Georgino Jorge de Souza, com decisões sábias e determinadas em muitas situações críticas, apesar da grande carência de meios apropriados. O desempenho da tropa esteve à altura de seu comando, com demonstrações de arrojo, disciplina e preparo, nos momentos em que foi empregada.

7 – Como você avalia, hoje, aquela operação?

Foi uma operação necessária, que teve grande influência no desfecho da Revolução. Se preciso fosse, repetiria, hoje, a mesma operação, inclusive com as ações específicas da requisição dos caminhões e da retomada da ponte sobre o rio São Marcos.


Tenente Antônio Moreira Neto, em 1964

Da entrevista com o Coronel Neto, forma-se uma visão geral da participação do 10º Batalhão no movimento cívico-militar de 1964 que derrubouogoverno populista do Presidente João Goulart. Percebe-se também que as ações eram desenvolvidas
quase sempre de modo inesperado, de acordo com os acontecimentos, dispensando-se planejamentos escritos e relatórios dos fatos para a posteridade. Consultando-se, todavia, os boletins diários da Unidade, é possí-
vel registrar algumas informações complementares sobre aquela efeméride.

Embora tenha ocupado a cidade de Paracatu a partir de 01 de abril ao meio-dia, o Batalhão somente adquiriu a sua organização plena a partir do dia 04, quando recebeu uma companhia organizada posteriormente em Montes Claros, com os PM destacados, sob o comando do Cap. Vicente Gomes da Mota, que se encontrava em gozo de licença para tratar de assuntos particulares. Os poucos PM que permaneceram em Montes Claros, para os serviços essenciais, ficaram sob o comando de Capitão Miguel Abdo de Araújo, que era o Delegado Especial de Polícia da cidade. Também foi a 4 de abril que se incorporou uma companhia do 7º Batalhão, da cidade de Bom Despacho, sob o comando do Cap. Nilson Nunes. Taticamente o Batalhão ficou assim organizado:

Comando e Estado Maior
Tenente Coronel Georgino Jorge de Souza – Comandante
Capitão Nilson Nunes – Subcomandante
Capitão Vicente Gomes da Mota – Chefe da 1ª Seção
Aspirante Antônio Alves – Chefe da 2ª Seção e Secretário
1º Tenente Antônio Onofre de Alkmim – Chefe da 3ª Seção
Capitão José Coelho de Lima – Chefe da 4ª Seção
1º Tenente Adm Antônio Gomes da Costa Filho – Tesoureiro
Capitão José João Beckhauser – Capelão
Dr. Alvimar Gonçalves de Oliveira – Médico
Aspirante Adm Vicente de Paula Félix – Aprovisionador
Aspirante Adm Hamilton Dias da Silva – Almoxarife

Primeira Companhia
1º Tenente Tomás dos Santos Rodrigues – Comandante
1º Tenente Nilson Simões Cândido – 1º Pelotão
2º Tenente Antônio Moreira Neto – 2º Pelotão
2º Tenente Waldir Eny de Almeida – 3º Pelotão

Segunda Companhia
1º Tenente Nilo Alves – Comandante
2º Tenente Antônio da Cunha Ramos – 1º Pelotão
Aspirante Aírton de Araújo Campos – 2º Pelotão

Terceira Companhia
1º Tenente Daniel Alves de Oliveira – Comandante
Aspirante João Alves da Silva – 1º Pelotão
Aspirante Pedro Ivo Vasconcelos Santos – 2º Pelotão
Aspirante Jaime Gotelip Júnior – 3º Pelotão

Companhia de Metralhadoras Pesadas
1º Tenente Jair Alves Pinheiro – Comandante
Aspirante Waldemar de Almeida Mota – 1º Pelotão
Subtenente Japyassu de Oliveira Furtado – 2º Pelotão
1º Sargento Alexandre Teodoro de Souza – 3º Pelotão.

Com essa organização, dispondo de um total de 646 homens, sendo 24 oficiais, 59 subtenentes e sargentos e 563 cabos e soldados, o Batalhão se deslocou para Brasília, onde pernoitou no dia 4 de abril. A partir do dia 5 se instalou em Taguatinga, ali permanecendo até o dia 27, quando editou o seu último boletim de campanha, regressando a Montes Claros no dia seguinte. A normalidade funcional da Unidade foi restabelecida a partir do dia 4 de maio daquele ano de 1964.

A avaliação da campanha pelo Comando do Batalhão pode ser percebida no elogio mandado registrar nos assentamentos de todos os que participaram das operações, nos termos seguintes:

“No recente movimento revolucionário, o 10º BI teve atuação destacada, tornando-se admirado quer no plano nacional, estadual e regional. Elevou bem alto o seu próprio nome, da PM e do nosso Estado.

Desde 15 de março até o término de abril nos encontramos empenhados em uma árdua e gloriosa jornada que, graças aos esforços de todos, teve o seu epílogo feliz com as calorosas manifestações de apreço, por ocasião de nosso regresso.

Os louros conquistados para a Unidade resultaram de um trabalho profícuo e harmonioso, único capaz de conduzir ao ápice do êxito nessa honrosa missão.

Os oficiais, subtenentes, sargentos, cabos, soldados e recrutas não vacilaram na hora decisiva em que foram convocados para, numa arrancada cheia de patriotismo, pudéssemos reconduzir nossa pátria ao caminho da liberdade e exercício da mais autêntica democracia.

Afastado o perigo do comunismo escravizador, o comando se sente no dever imperioso de elogiar todos os componentes desta magnífica Unidade que pode, sem falsa modéstia, servir de modelo para toda a Corporação.

Desde nossa partida, do desconforto de Paracatu, das constantes ameaças, da expectativa de Taguatinga,dos gloriosos desfiles que realizamos na Capital Federal, só houve em todo o Batalhão um único pensamento: sermos dignos da confiança que depositaram em nós. Se o Soldado João Cordeiro de Aquino, no seu sacrifício cruento, passou à história de nossa Unidade, os que lhe sobreviveram continuam honrando o nome do Batalhão, para que este cumpra a sua destinação histórica.

Os elogios das autoridades federais, estaduais e do povo em geral corroboram nosso ponto de vista de que comandamos uma tropa tão aguerrida quanto disciplinada.

Na impossibilidade de citar nominalmente todos aqueles que contribuíram para o bom êxito de nossa campanha, determino seja consignado um caloroso elogio individual a todos os componentes do 10° BI que estiveram empenhados na campanha fora de nosso Estado, na sede ou nos destacamentos, conforme a determinação superior, por ser de justiça..

Que o exemplo de nossos bravos companheiros sirva de estímulo para as gerações vindouras, para que mantenham sempre elevado o conceito conquistado pelo nosso glorioso 10º BI.”

Ao final deste singelo trabalho, queremos deixar também a nossa opinião sobre o movimento cívico-militar de 1964. Não participamos dele com o 10º Batalhão, mas sim em Belo Horizonte, onde estávamos concluindo o curso de formação de oficiais. Quando aqui chegamos, ao final daquele ano, ainda encontramos bem acesa a chama que refulgiu sobre os caminhos daquela campanha.

O povo brasileiro, assim como veio a acontecer no governo do presidente Collor de Melo, foi às ruas e fez a revolução, por entender que eram indignos da pátria os atos então praticados pelos seus governantes. A diferença é que, em 1992, tínhamos um vice-presidente para assumir, enquanto em 1964 o presidente deposto já era o resto de um governo vacilante e contraditório que se equilibrava no poder a partir da eleição do renunciante presidente Jânio Quadros. Foi o mesmo povo que decidiu, através dos seus legítimos representantes no Congresso Nacional – então preservado e respeitado -, escolher um presidente militar, o Marechal Castelo Branco. Estava portanto contida a intenção de implantar o regime comunista no Brasil por meio da anarquia política. Mas os vendedores da pátria não desistiram e foram preparar-se em Cuba e alhures, financiados pelos recursos soviéticos, para retomar o governo brasileiro pelas armas da guerrilha, uma estratégia covarde para instabilizar autoridades constituídas. Estava pois decretada a guerra e, como informa o ditado popular, “guerra é guerra”

A quem insiste em macular o regime de governo implantado em 1964, fazemos uma única observação: durante os quatro primeiros anos do regime, até 1968, nenhum sangue foi derramado, apesar de ter sido feita uma Revolução, onde normalmente “rolam cabeças” dos derrotados. Aos que discordarem desta nossa afirmativa, desafiamos que busquem a verdade histórica e descubram que a primeira vítima da guerrilha foi um jovem soldado do Exército Brasileiro, abatido covardemente em seu posto de sentinela em um quartel de Salvador, certamente por algum inspirador da mais do que tendenciosa atual “comissão da verdade”.


NORTE DE MINAS E
A DESERTIFICAÇÃO

Manoel Messias Oliveira
Cadeira nº 60
Patrono: Jorge Tadeu Guimarães

A desertificação é um dos mais graves problemas ambientais da atualidade, com ocorrências de grandes proporções.

Ao tratar desse tema, lembremos que o Norte de Minas Gerais apresenta grande período de déficit hídrico no ano, capaz de apontar uma situação passível de desertificação se não houver política de barrar o desmatamento, o assoreamento dos nossos rios e colocar em prática o efetivo reflorestamento de suas nascentes e margens, em caráter generalizado. Os índices de aridez, extraídos do Balanço Hídrico Climatológico – BHC, do Norte de Minas Gerais, para as estações de Espinosa, Monte Azul, Janaúba, Salinas, Januária, Pirapora e Montes Claros foi considerado moderado com classificação subúmida seca. Enquanto o restante dos municípios recebeu a classificação de subúmida úmida e, portanto, não suscetível à desertificação.

É nítida uma relação muito forte entre os termos desertificação e deserto, uma vez que o termo desertificação vem etimologicamente da palavra deserto que significa: desabitado, árido, lugar vazio, solitário. A desertificação não chega a tanto, assemelha-se a degradação aviltante com agressão as características de origem, com sérios prejuízos e males ao ecossistema. Quando ocorre a desertificação, a paisagem de fato apresenta feições tipo desértica, porém apesar e dessas semelhanças em uma associação entre os dois termos, e até mesmo uma confusão entre eles, ambos expressam temáticas diferentes. A desertificação não está relacionada com a formação ou ampliação de desertos, assim como também não se confunde com seca.

Desde 1977 é consenso mundial a utilização do chamado índice de aridez para o estudo da suscetibilidade à esertificação, a partir da metodologia desenvolvida por Thornthwaite (1948). Tal índice considera a pluviosidade e a perda máxima possível de água pela evaporação e transpiração.

De acordo com a Convenção das Nações Unidas de Combate a Desertificação – UNCCD esse processo ficou entendido como “a degradação da terra nas regiões áridas, semiáridas e subúmidas seca, resultante de vários fatores, entre eles as variações climáticas e as atividades humanas”.

O Norte de Minas Gerais apresenta grande diversidade, tanto no que se refere às características físicas, como clima, relevo e vegetação, bem assim as diferenças relacionadas ao caráter socioeconômico com irregularidades entre a distribuição de renda, concentração da população e condições de vida. De maneira geral, a região norte do Estado mineiro apresenta tais características semelhantes à região Nordeste do país, tanto que a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE incluiu esta região no seu campo de atuação, por estar inserida no domínio do clima semiárido. Considerada um fenômeno natural e estritamente meteorológico, as secas são recorrentes em regiões semiáridas. É fenômeno que tem início
lento, de longa duração, trazendo grandes efeitos principalmente em regiões que sofrem com a indisponibilidade de água, seja em lugares onde a oferta desse bem é menor do que o consumo, ou onde a oferta tenha grande variedade.
Para a Bacharela Kelly de Oliveira Barros, graduada em Geografia pela Universidade Federal de Viçosa – MG, as consequências de um longo período de seca dependem não só de sua duração e intensidade, mas também das condições socioeconômicas e culturais da população da área afetada.

A SUDENE, desde a sua criação em 1959, engloba municípios mineiros em sua área de atuação. Atualmente, são 168 municípios em Minas Gerais e destes, 54 fazem parte da Região Norte de Minas, considerados semiáridos pela nova classificação (SUDENE, 2010; OLIVEIRA, M. F., 2000, BRASIL, 2005), uma vez que a cobertura vegetal da região é composta principalmente de Cerrado e Caatinga conforme asseveram os estudiosos do assunto, porém outras formações vegetacionais são encontradas: Campo, Campo Rupestre, Veredas e Florestas, principalmente plantadas como Pinus e Eucalipto .

A própria história da ocupação da região norte de Minas Gerais levou a grande exploração dos recursos naturais existentes, fato este apontado como um dos grandes responsáveis pela tendência à desertificação. Foi pela sua utilização, pela mineração, pecuária, agricultura ou extrativismo, que a sobrevivência foi garantida, uma vez que a região foi posta às margens do foco de atenção por parte do governo desde o período colonial até os anos 60. No que se refere aos recursos hídricos, apesar da existência de um rio com relevância em caráter nacional, o São Francisco, percebe-se uma escassez muito grande de água, em que conflitos pelo uso desse recurso já são comuns em vários pontos da região. Nessa realidade de pouca disponibilidade de água, pode-se incluir a baixa quantidade de chuva anual assim como a rede hidrográfica pobre, sendo comum a ocorrência de rios intermitentes. Seja por questões relacionadas ao clima, ou mesmo por atividade agropecuária irracional, alguns rios apresentam fluxo irregular, no qual a água da superfície desaparece durante o período da estiagem, como Rio Riachão, um dos afluentes do Rio Pacuí, que desde a década de 80 se tornou intermitente em razão da má utilização dos recursos da bacia. Outro exemplo é a bacia do Rio Verde Grande, afluente
do São Francisco que, em razão da sua potencialidade paraa agricultura irrigada, vem sofrendo disputa pela água cada dia mais escassa.

O clima da região é outro fator que colabora veementemente para que a desertificação ocorra nas chamadas terras secas, que correspondem as regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas. A ocorrência dos períodos secos pode chegar até oito meses. O cálculo do BHC para o Norte de Minas Gerais aponta para um grande déficit anual de água justificado pela baixa pluviosidade, além das chuvas serem mal distribuídas durante todo o ano, e isso associado ao desmatamento desordenado para a indústria do carvão e outros fins, como também a exploração de jazidas minerais e as areias para a construção civil vem agravando o necessário equilíbrio ambiental.

Ressalta-se, ainda, que a agricultura é considerada uma atividade que apresenta elevado grau de impacto no meio ambiente do semiárido em razão de sua fragilidade natural, uma vez que a vegetação nativa é suprimida, expondo o solo em processo erosivo pela ação da chuva e utilização de insumos químicos, bem assim as grandes fazendas de gado que substituem a mata nativa pelo capim e com o pisoteio dos animais destroem a vegetação nativa. Tal contexto assume drásticas consequências quando da identificação do problema, o que pode acarretar a desertificação na impossibilidade de combatê-lo, quando já estão em um nível avançado de aridez.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Oliveira – Galvão, 2003 e 2010;
Espíndola, 2009;
Pacheco. 2006
Jacomini, 1979
Monografia do Curso de Geografia da UFV (MG)– Kelly de Oliveira
Barros – 2010.

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FRANCISCO JOSÉ DE SÁ, UM
REPUBLICANO DO NORTE DE MINAS

Maria do Carmo Veloso Durães
Cadeira nº 04
Patrono: Antônio Augusto Veloso (Desemb.)

O Cel. Francisco José de Sá nasceu no dia 2 de dezembro de 1802, na Fazenda da Matrona, que, naquele tempo, pertencia ao município do Rio Pardo de Minas, hoje, distrito de Nova Matrona e pertence ao município de Salinas. Com a morte do pai, herdou essa fazenda, vendendo-a posteriormente.Construiu a Fazenda Brejo de Santo André, próximo ao distrito de Brejo das Almas, hoje cidade Francisco Sá, Norte de Minas Gerais. Casou-se com Jacintha Francisca Velloso e, desse consórcio, nasceram 14 filhos.

Como naquele tempo quase não existiam escolas primárias e o papel era coisa rara, o então jovem Francisco José aprendeu ler e escrever na areia, tornando-se, pelo seu esforço, um homem “letrado”, que lia os jornais do Rio de Janeiro e de outros lugares, transportados por animais até a sua fazenda. Assim se mantinha sempre bem informado, principalmente sobre a política nacional. “Muito indagava o coronel Sá das coisas da religião e da política, por isso tinha na fazenda os melhores jornais do Rio de Janeiro e de outros lugares... Nada faltava aos habitantes do Brejo de Santo André para serem felizes, nem mesmo lazeres de ordem intelectual...” Conta-se que na sua biblioteca se encontravam os mais diversos livros, inclusive a História da Revolução francesa, de Thiers, História
do Brasil, de mais de um autor, História da Revolução Mineira de 1842, etc. “Quando escrevia as suas cartas aos políticos, nunca deixava de ter sobre a mesa um bom dici-onário e um bom compêndio de ortografia da língua portuguesa...” Sempre preocupado com a formação intelectual da família, dois de seus filhos foram enviados para estudar no Rio de Janeiro e os outros foram para o Atheneu de Diamantina e o Colégio de Mariana. As filhas tiveram professores particulares na fazenda. “Muitos de seus netos e bisnetos graduaram-se em ciência médicas, jurídicas e matemáticas...”

Como político, o Cel. Sá foi sempre republicano. “Nunca pude entender - dizia ele - como é que um homem pode herdar o direito de governar os outros.” Ele acompanhava com cuidado a vida dos políticos brasileiros e tinha, entre eles, acentuadas preferências. Admirava Martinho Campos, até o dia em que ele se declarou um escravocrata, depois dessa declaração, nunca mais leu os seus discursos no parlamento. Grande admirador de Theóphilo Ottoni, foi o Cel. Sá também um dos chefes republicanos rebeldes, no sertão, em 1842. Fazia parte desse grupo republicano mineiro, entre outros, Theóphilo Ottoni, Antônio Felício, Cônego Marinho, Francisco José de Sá, Major Domingos Pereira, Cônego Gonçalves Chaves e João Soares da Costa.

Conta-se que certa vez, acolheu na fazenda do Brejo de Santo André, muitos rebeldes, entre eles, o major Antônio Felício dos Santos e Vaz Mourão, que vieram asilar-se na Fazenda do companheiro e correligionário do sertão, o Cel. Sá, fugindo das forças legalistas da Monarquia, que os perseguiam. Em consequência, foram mandados um alferes e alguns soldados ao encalço do Cel. Sá, que recebeu dos companheiros vários avisos para fugir. O coronel se recusou a fugir e, não tardou muito, a escolta entrou no pátio da sua fazenda. O Cel. Sá fez vir a sua presença, o alferes, chefe da milícia e, mesmo sabendo que vieram prendê-lo, indagou-lhe o motivo da longa viagem. “Viemos prendê-lo, Coronel” foi a resposta, mas o coronel não se abalou, vendo o estado lastimável dele e dosoutros soldados, todos com péssima aparência, cansados e famintos, pois não encontraram comida e abrigo ao longo da viagem, de Ouro Preto à Fazenda do Brejo, porque, por onde passavam, todos já estavam avisados de se tratar de soldados que tinham por incumbência aprisionar o Cel. Sá, chefe político respeitado e estimado em toda a região. Assim, após ouvir o alferes, o Cel. Sá lhe respondeu que isso ficaria para depois, que primeiro eles precisavam tomar banho, jantar e descansar da longa viagem
que fizeram. Mandou preparar a alimentação e ofereceu a eles hospedagem até que se refizessem para a viagem de volta. Eles ficaram alguns dias na fazenda e, quando voltaram, haviam esquecido a incumbência que os levaram à fazenda do Cel. Sá.

Republicano convicto, Sua opção política era tão forte que, por várias vezes, lhe foram oferecidas distinções honoríficas pela Monarquia e ele, delas sempre recusou, dizendo que não trocava o posto de coronel, o qual fora eleito, referindo-se à organização militar que antecedeu à Guarda Nacional, por cargos de nomeação. Depois de velho não cuidou mais da política local, deixando essa incumbência ao seu filho Carlos Sá, que, igualmente republicano, como o pai, fundou no distrito de Santo Antônio do Gorutuba, o único núcleo de eleitores republicanos que, antes de 1888, votavam em candidatos republicanos a cargos de representação popular. Este foi o primeiro colégio eleitoral republicano fundado no Norte de Minas. “De nenhum outro colégio eleitoral republicano havia notícia no Norte de Minas.”

O Cel. Sá soube criar bem a sua família “... não foi inútil o seu esforço quando, em longínquo sertão mineiro, soube criar uma família, inspirando-se nas indefectíveis leis da moral privada e social...” E, assim, teve o prazer de ver a ascensão de muitos de seus descendentes na vida social e política. “Teve ainda o Cel. Sá a fortuna de assistir à realização de um dos seus mais acariciados sonhos da mocidade, qual o de ver muitos de seus descendentes se elevarem a altas posições sociais e figurarem entre os dirigentes do país.” Ainda era vivo, quando seu filho Carlos Sá foi eleito senador republicano e dois de seus netos, Francisco Sá e Camillo Prates, eleitos para a Assembleia Provincial, como deputados, o último no Congresso Constituinte mineiro, tendo sido Francisco Sá deputado às Cortes e estando à frente de uma secretaria de Estado no Governo de Minas. Pena ter partido antes e não ter visto esse
neto que lhe trazia o nome ser considerado um competente homem de Estado, à frente do Senado Federal, como parlamentar, Ministro da Viação e Obras Públicas no governo de Artur Bernardes e Ministro da Agricultura e Comércio no governo Nilo Peçanha. Também não viu outro neto seu, Alfredo Sá, eleito senador estadual e vice-presidente do Estado e três de seus bisnetos, Francisco Sá Filho, Lincoln Prates e Gudesteu Pires ocupando cadeiras na representação
nacional. No Poder Executivo Municipal alguns de seus descendentes ocuparam cargos de Prefeito: Camillo Philinto Prates, Montes Claros - MG (1890-1892); Gasparino Bittencourt de Quadros Sá, Agudos - SP (1905 e 1925-1930);
Alpheu Gonçalves de Quadros, Montes Claros- MG (1942, 1947-1950 e 1955); Francisco de Sá Lessa, Rio de Janeiro-RJ (1955-1956); Antônio da Silva Maia, Juramento - MG (1955); Francisco Durães Coutinho Sobrinho, Juramento-MG (1973); Marcelo Ferrante Maia, Glaucilância - MG (1996-2000 e 2005-2012); Marilúcia Rodrigues Maia, Juramento - MG (Vice-Prefeita 2009-2012) . Se vivo fosse, teria o Cel. Sá visto que os seus esforços de homem honrado, ético e coerente com os seus princípios, ajudaram na formação de pessoas que contribuíram com a política brasileira “... prestando serviços à sua pátria, que o Cel. Sá tanto desejava ver respeitada e ilustre entre os povos.”.

Assim era o Cel. Sá, firme nas suas convicções e extremamente bondoso e justo, tinha o espírito aberto às grandes causas humanas. “Não obstante ter tido instrução ele nobre, os seus sentimentos grandemente humanitários, a sua inata filantropia faziam com que todo o povo que circulavam a sua fazenda, até grande distância, o estimasse e respeitasse no mais alto grau.” Além de republicano, era um abolicionista e teve a satisfação de ver decretada a abolição da escravidão no Brasil e essa reforma já não encontrou nenhum escravo na sua fazenda, pois libertara todos, que continuaram residindo na fazenda, onde tinham casa, mas trabalhando com salário e fazendo suas próprias roças nas terras da fazenda, sem que o proprietário dela lhes exigisse qualquer indenização. Assim como plantavam, também criavam animais e alimentavam bem
as suas famílias. Teve o Cel. Sá a grata satisfação de ver também proclamada a república, o sonho político que norteou a sua existência e viveu ainda quase cinco anos no novo regime, vindo a falecer no dia 14 de novembro de 1894, aos 92 anos.

(*) Trineta do Cel. Francisco José de Sá


A IDENTIDADE RELIGIOSA
EM FRANCISCO SÁ: AS FESTAS
DE SETEMBRO DO POVO
FRANCISCO-SAENSE

Maria Rejane R. Ruas Colares
Cadeira nº 26
Patrono: Cyro dos Anjos

RESUMO

O artigo se pautará em analisar a importância da festa de setembro, enquanto movimento que celebra a identidade do povo de Francisco Sá. Será trabalhado o surgimento da festa e as influências que ela vem sofrendo desde a sua criação. Como em inúmeras cidades espalhadas pelo Brasil e pelo Norte de Minas, Francisco Sá também é permeada por tradições, que foram resistindo às novidades do tempo. Dentre essas tradições temos a famosa Festa de Setembro. No entanto, esta festa é de caráter religioso, ocorrendo então, a sintonia entre Igreja e população para a sua realização. Onde se mostra a sobrevivência das tradições e da cultura regional, através de um festejo típico e singular na região. O objetivo deste trabalho então é analisar a construção cultural e de identidade em torno de uma festa tradicional da cidade de Francisco Sá, e quais as influências e mudanças ocorridas nessa festa com o passar dos anos. Além de analisar o que mudou e o que permaneceu das tradições. Demonstrando o quão importante é a formação de identidade de um povo, onde os mesmos se identifica com o meio cultural em que vive e nem sempre irão romper esta linha em nome de uma tradição e de seus costumes.

1.1 BREVE HISTÓRICO DA CIDADE DE FRANCISCO SÁ

Francisco Sá é uma cidade que se situa à região norte do Estado de Minas Gerais, próximo ao Rio Verde Grande, bacia do São Francisco. A cidade tem uma economia baseada na pecuária, agricultura e comércio local.

Não existe um consenso sobre a origem da cidade, mas admite-se que a mesma está ligada às expedições de Fernão Dias, na tentativa de desbravar os sertões, por volta do século XVII. Gonçalves Figueira que era um bandeirante que acompanhava Fernão Dias, queria ligar suas fazendas às regiões da Bahia. Assim, quando chegou à região demarcou as terras ali existentes e as denominou Cruz das Almas das Caatingas do Rio Verde, por ser um dia de finados. Uma outra versão é a de que, em busca de pedras preciosas muitos homens passavam pela cidade, o que gerava a cobiça dos fazendeiros da região que preparavam emboscadas para saquear as suas cargas, então matavam os tropeiros e jogavam seus corpos na lagoa ali próximo para evitar suspeita. Daí o nome de Brejo das Almas.

Mas existem ainda outras possibilidades para esta nomenclatura, como por exemplo porque o seu nascimento se deu em uma localidade onde existia uma lagoa e próximo à mesma havia uma cruz fincada, deste modo a crendice dizia que na região havia almas penadas.

De acordo com Olinto da Silveira no livro “Brejo das Almas” no ano de 1760 o conde de Bobodela concede uma carta de sesmarias ao major Antônio Gonçalves da Silveira e sua esposa Maria Pereira. E de acordo com o tipo de colonização praticada pelos portugueses, era importante iniciar o povoamento através da construção de uma capela, e assim foi feito em 1768, onde ergueram a, em homenagem a São Gonçalo. Assim, foi chegando cada vez mais pessoas para povoar o lugar, e junto com essas pessoas que faziam parte do povoamento da região, no caso brancos, que vinham em busca de trabalho e riquezas, os acompanhava também um grande número de escravos.

Mas como a região era muito violenta, fato comum nos sertões norte-mineiro, o major não consegue impor controle sobre a região e seus herdeiros acabam por vendê-la ao Sargento–Mor Jerônimo Xavier de Souza, e com este algumas famílias de Vila Rica também se estabelecem na região, trazendo consigo mais negros, que reproduziam na região as festividades de Vila Rica, “os negros, com recordação de Vila Rica, do monarca, Chico Rei, vestiam-se seus trajes típicos dançavam nesses dias festivos.”1 O que pode vir a significar o surgimento das festas dos catopês na região. As terras são distribuídas entre os acompanhantes do sargento, onde nasceram várias fazendas e engenhos, o pequeno povoado então irá se elevar ao posto de distrito sob a jurisdição de Grão Mogol, por volta do ano de 1830. Num primeiro momento o novo distrito irá se portar à Itacambira, depois a Grão Mogol e por volta da década de setenta do século XIX é anexado a Montes Claros, o que irá facilitar a organização administrativa e comercial da região, que ainda foi anexada com o nome de Brejo das Almas. No entanto como podemos ver no decorrer da história, esta situação irá se modificar e a região passa a receber uma nova nomenclatura, desta vez em homenagem ao ministro Francisco Sá.

“Pelo Decreto – Lei nº148 de 17 de dezembro de 1938, assinado pelo Interventor Federal Benedito Valadares Ribeiro, o município de Brejo das Almas passou a denominar-se Francisco Sá, tendo como primeiro prefeito o Dr. Arthur Jardim de Castro Gomes. Esteé o breve histórico sobre a criação da cidade.2

A noção de cidade engloba a sua estrutura física e cultural, é onde as pessoas se reúnem, expressam os seus desejos, os seus anseios e constroem a sua identidade, através das suas tradições e dos seus costumes. Em Francisco Sá não poderia ser diferente. E durante a sua formação física, ou seja, a construção da cidade nasceu também a tradição das Festas de Setembro ou Festa dos Catopês.

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1 SILVEIRA. Opadre velho. p.26.

 

1.2 NASCEUMA TRADIÇÃO: FESTAS DE SETEMBRO


Não se sabe exatamente quando surgiram as festas de Setembro na cidade de Francisco Sá. A festa na realidade homenageia e saúda Nossa Senhora do Rosário, do Divino Espírito Santo e São Benedito, acontecendo atualmente juntamente com as comemorações do aniversário da cidade, indo do dia 7 de setembro ao dia 10 do mesmo mês. Logo que se tem notícias dessas comemorações, o seu aspecto religioso se encontra em grande destaque, principalmente nas homenagens aos santos, considerando que a população ia para a festa com as cores de cada bandeira no seu respectivo dia. “Assim, no primeiro dia, as mulheres e as crianças vestiam roupas azuis. Os homens usavam camisas da mesma cor. No segundo dia, o vermelho das saias e das camisas coloriam as ruas. No terceiro e último dia, era a vez do rosa”.3 Hoje segundo a ex-secretária de cultura e ex-vereadora da cidade de Francisco Sá, Valda Vasconcelos, a festa “é época de reencontro entre brejeiros, as Festas de Setembro ... tendo como principal objetivo o resgate das tradições cívicas, folclóricas e religiosas”. A festa então, toma outra conotação, saindo do campo religioso e adentro em aspectos culturais, sociais e cívicos. E ainda segundo ela as “Festas de Setembro, são de fé religiosa, alegria e descontração.” Esta, portanto, é
uma festa de várias gerações e várias tradições, pois, aconteceu em momentos diferentes da história da cidade. Sendo assim, no início

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1 Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, pag. 165.
2 CAMPOS. Ventos e vivências no Brejo das Almas. p.66.

Quando os negros, como recordação de Vila Rica, do monarca africano, “Chico – Rei “vestiam-se de trajes típicos, dançavam nas
ruas e escoltavam os “reinados” do Divino, de Nossa Senhora do Rosário e Benedito. Esses catopês obedeciam ao comando do negro velho Gonçalo Preto, o mais antigo capitão dos dançantes do Brejo das Almas.

Deste modo, os costumes no decorrer da festa vão se modificando, mas a tradição permanece. E para demonstrar esses costumes com suas mudanças e permanências, descreveremos abaixo os vários componentes das Festas de Setembro, a começar pelas homenagens aos seus santos.

1.3 FESTADOSNEGROS:ACOROAÇÃODOREI

Devido ao processo de colonização e também da utilização dos negros como escravos, acontece de modo significativo o sincretismo religioso, entre as crenças dos africanos e do catolicismo. Esse sincretismo começa a acontecer desde a chegada dos europeus à África, e assim como estratégia de catequese, o culto a santos negros, como Nossa senhora do Rosário ganha destaque dentro do catecismo perante a população africana. E assim também acontecerá no Brasil, esse costume e devoção irá se alastrar por praticamente todo o território nacional, dando mais ênfase às tradições.

O culto de Nossa Senhora do Rosário fora criado por São Domingo de Gusmão, mas estava fora de moda, sendo restabelecido justamente na época em que os dominicanos enviaram seus primeiros missionários para a África; daí, sua introdução e sua generalização progressiva nos grupos escravizados. Estes fatos bem indicam que o culto de santos negros ou de virgens negras foi, de início, imposto de fora ao africano, como uma etapa de cristianização, e que foi considerado pelo senhor branco como meio de controle social, um instrumento de submissão do escravo.4

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1 BATISTE apud COSTA. A festa dos catopês em Montes Claros. p.6.

Essa é uma das hipóteses sobre a relação de fé e devoção entre os negros e Nossa Senhora do Rosário. Háainda outra possibilidade, que fala da aparição de uma imagem da referida santa em Argel, e que assim se inicia o processo de devoção trazido para o Brasil. Nesse sentido, Nossa Senhora do Rosário é tida como a santa protetora dos negros, fato transmitido oralmente de geração em geração. Como é comum na tradição oral, as narrativas se modificam na medida em que vão sendo contadas, adquirindo novas conotações e características próprias dos lugares. Por isso em Minas Gerais numa das versões sobre este tema:

Diz uma lenda histórica, que certa época, Nossa Senhora do Rosário apareceu sob as águas do mar. Imediatamente os caboclos, já devotos da Santa Virgem através de catequeses de jesuítas, rezaram, dançaram, cantaram, tocaram seus instrumentos, para que a Santa Virgem viesse até eles. Mas ela não veio. Em seguida, os Marujos, também devotos, foram até a praia, e empreenderam sua tentativa de trazer a Virgem do Rosário até eles.5

Enfim, esta forte ligação com os santos negros também traz para o Brasil o tradicional congado, que para uns está ligado às lutas religiosas europeias da Idade Média e para outros está associada a uma tradição luso - afro-brasileira, onde “o catolicismo de Portugal forneceu os elementos europeus da devoção à Senhora do Rosário, a igreja no Brasil reforçou essa crença, enquanto os negros, de posse desses ingredientes, deram forma ao culto e à festa.”6 Então, o famoso congado que acontece em várias partes do Brasil, iniciou do sincretismo cultural e religioso entre brancos e negros, e ainda hoje é tradição em regiões como Francisco Sá.

Outro personagem ligado à história do congado em Minas, é Chico Rei, um africano que durante a festa de Nossa Senhora do Rosário foi coroado rei, em menção à tradição dos brancos em coroar os seus reis.

Francisco foi aprisionado com toda a sua tribo e vendido com ela, incluindo sua mulher, filhos e súditos. A mulher e todos os filhos morreram o mar, menos um. Vieram os restantes para as minas de Ouro Preto. Resignado à sorte, tida por costume na África, homem inteligente trabalhou e forrou o filho ambos trabalharam e forraram um compatrício; os três, um quarto, e assim por diante até que, libera a tribo, passaram a forrar outros vizinhos da mesma nação. Formaram, assim, em Vila Rica em Estado no Estado. Francisco era o rei, seu filho o príncipe, a nora a princesa, e uma segunda mulher, a rainha.7

_________________________________
1 GOMES; PEREIRA. Negras raízes mineiras: os arturos. p.102.
2 GOMES; PEREIRA. Negras raízes mineiras: os arturos. p.176.

Deste modo, pode-se perceber que a história do congado está ligada a situações de repressão vivenciadas pelo negro escravo, além de remeter ao seu passado glorioso na mãe África, numa tentativa de reviver os momentos em seus reinos. Nesses momentos em que elegiamumnovo rei, era colocado em prática um ato de rememoração do passado africano e também um momento de fé e adoração aos santos católicos, demonstrando mais uma vez um sincretismo religioso, numa tentativa de sobrevivência dos costumes africanos aqui no Brasil. Não que fosse fácil realizar esses ritos, no entanto, para se evitar maiores atritos e rebeliões, o Estado acaba por conceder essa possibilidade aos negros, sendo mais uma forma de controle sobre os africanos e seus descendentes.

Este era, portanto, um momento em que podiam manter suas tradições, sua organização social e também política, na forma de coroação do seu rei, demonstrando deste modo, a sua liderança. Onde também, podiam manifestar as suas crenças através das músicas que saíam dos seus instrumentos, sendo um momento de fé e permanência cultural-religiosa.

A voz dos tambores, proibida no interior da igreja, soava nas ruas, expressando ao seu môo as invocações ao santos. Éramos santos da hagiologia católica desdobrados em outras significações, revestidas da concepção mítica que remeti para o murmúrio íntimo dos ancestrais.8

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1 GOMES; PEREIRA. Negras raízes mineiras: os arturos. p.35 - 36.
2 GOMES; PEREIRA. Negras raízes mineiras: os arturos. p. 92.

A permanência desses rituais é uma forma de manter viva a memória cultural de um povo, mas vai além, pois, adquire nova conotação no decorrer do tempo e hoje não remete somente a história do negro, mas também a história do Brasil., com todos os seus conflitos sociais, através das representações religiosas e culturais. Principalmente através dos seus santos negros, neste caso específico, Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e o Divino Espírito Santo.


2.1 A FESTA NA CIDADE DE FRANCISCO SÁ

As Festas de Setembro, em Francisco Sá, tem início no dia 7 de setembro, com o hasteamento da bandeira de Nossa Senhora do Rosário e finda no dia 10 do mesmo mês. Os catopês assumem vários compromissos no decorrer da festa e quando têm início os reinados, eles participaram dos hasteamento de bandeiras, participaram das missas, das procissões, dos cortejos e dos almoços festivos. Os ensaios que se iniciavam meses antes, atualmente não contam a participação de todos os catopês, havendo alguns que aparecem já no dia das comemorações.

Os catopês contam com pandeiros, tamborins, tamboril e zabumbas como instrumentos musicais, que em sua maioria ainda são produzidos pelos próprios integrantes.

2.2 A BANDEIRA

É o hasteamento da bandeira que marca o início da festa. É o momento em que os catopês saem às ruas em cortejo, usando trajes típicos, indo em direção à casa dos mordomos para pegarem a bandeira, e chegando ao local pedem licença cantando.

Ô dono da casa, vamos pedir a licença
Ô dono da casa, vamos pedir a licença
Vou pedir a licença senhora
Olé vamos senhora
Olêlê senhora, olêlê senhora.

E dando prosseguimento aos festejos, os catopês se dirigem à Matriz de São Gonçalo, que é o padroeiro da cidade, onde será realizado o hasteamento da bandeira, o que dará início oficialmente a festa. E seguindo este cortejo vai também a bandeira do santo ou da santa do dia. No momento em que a bandeira está sendo hasteada, mordomos, familiares, convidados e catopês, em altas vozes anunciam:

Levantou, levantou
A bandeira do mastro levantou
Levantou, levantou
A bandeira do mastro levantou

Em seguida, os catopês dançam e cantam em torno do mastro, a baraiada, que consiste em uma dança de movimentos rápidos onde os catopês vão trocando sucessivamente de lugar.

Baraiada menino baraiador
Quero ver você baraiar
Olé olá quer ver você baraia
Baraia um, baraia dois.
Quero ver você baraia
Olê olá quero ver você baraia
Baraia dois, baraia três.
Quero ver você baraia
Olê olá quero ver você baraia
Õ baraê olêlê, ô baraê olala

Logo após os integrantes dos catopês se dispersam pela cidade, indo em direção à casa do seu mestre. Este processo se dá com todas as bandeiras, a de Nossa Senhora do Rosário, a do Divino Espírito Santo e a de São Benedito.

2.3 CHEGA O DIA DO REINADO

No dia seguinte ao hasteamento da bandeira, acontece o reinado, exceto no caso do Divino Espírito Santo, que se chama Império do Divino. Neste dia, por volta das cinco horas da manhã as pessoas começam a se reunir para iniciarem a alvorada, onde a comunidade é acordada por fogos de artifício e partem em direção às ruas da cidade cantarolando suas canções. No clarear do dia se guem para casa do festeiro onde será servido o tradicional café da manhã. Nesse dia ainda, por volta do meio dia é servido também um almoço a todos os participantes da festa. Como os festeiros são pessoas abastadas financeiramente, são eles próprios que custeiam o café da manhã, o almoço, a decoração da igreja, das ruas por onde passam o cortejo e também pela banda de música que o acompanha.

E como prêmio por todos esses gastos atualmente são os próprios festeiros ou os seus filhos que são coroados reis e rainhas da festa. E nesse trajeto em direção a casa do festeiro vão entoando canções como:

Nós viemos, nós viemos, nós viemos
Nós viemos, com amor e alegria
Nós viemos para festejar
A virgem Santa Maria

E em direção à igreja onde acontecerá a missa cantam:

Lá vem o nosso rei
Com sua rainha ao pé
Lá mais atrás o pretinho de guiné

Os catopês organizam-se em fileiras e vestem-se com camisas brancas e chapéus ornamentados com espelhos, papel picado e fitas de cetim coloridas., o mestre se veste de modo diferenciado e distinto, sob o comando dele os catopês dançam e cantam fazendo reverência., saúdam a bandeira. E seguindo os catopês, segue-se a corte em geral, como o rei, a rainha, os príncipes e todos os outros, relacionados ao santo ou santa do dia.

Em seguida o andor do santo é carregado, por homens ou mulheres com roupas da mesma cor da bandeira, sendo acompanhados pelo rei e pela rainha, logo atrás vem o a banda de música e todo o cortejo.

À aproximação da igreja, os cantos se tornam mais intensos, e exaltam o reinado:

Ô viva o rei, viva a rainha
Viva a coroa do nosso rei
Ô viva o rei, viva a rainha
Viva a coroa do nosso rei

Em seguida reverenciam o santo, como por exemplo São Benedito.

Viva São Benedito que está no altar
Ele está me chamando eu vou lá
Viva São Benedito que está no altar
Ele está me chamando eu vou lá

Depois entram na igreja, seguidos pelo rei e rainha, e durante a missa são convidados a reverenciarem mais uma vez o santo, na frente do altar. Sendo uma missa especial em homenagem ao santo.

Ô meu Divino, Espírito Santo
Ô meu Divino, Espírito Santo
É o santo, santo Deus
Meu Divino Espírito Santo
Ô meu Divino, Espírito Santo
Ô meu Divino, Espírito Santo

A frente do altar, cantam e dançam expressando sua fé e encerram desta forma.

Viva o Espírito Santo
Viva São Benedito
Viva o dono da casa
Viva o nosso capitão
Viva o nosso suplente
Viva o nosso general
Viva o nosso comandante
Viva tudo quanto é bom
Viva Nossa Senhora do Rosário
Viva o mestre o batalhão
Viva quem já foi
Viva quem pode ser

Após a missa, se retiram na mesma alegria para o local onde será servido o almoço. No mesmo dia ainda acontece a procissão e para finalizar a coroação do rei e da rainha do ano seguinte. No dia 7 acontece o hasteamento da bandeira de Nossa Senhora do Rosário, no dia 8 a festa de aniversário da cidade, no dia 9 é hasteada a bandeira do Divino Espírito Santo e por fim no dia 10 a bandeira a São Benedito. E na finalização levam o novo rei e rainha as suas casas entoando:

Vamos dar a despedida
Como deu Santa Isabel
Olé, olé como deu Santa Isabel
Agora fica pro ano
Pro ano se Deus quiser
Olé olé pro se Deus quiser.

A festa então se finda quando são feitos todos os agradecimentos aos santos e pedidos para que se encontrem novamente no ano seguinte.

2.4 MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS NAS FESTAS DE SETEMBRO

Não se sabe exatamente quando as Festas de Setembro tiveram início na cidade de Francisco Sá. Esta é também a Festa dos Catopês. É o momento de expressar a fé, de reencontrar os amigos, enfim, de reunir os habitantes e os brejeiros ausentes para comemorar as tradições e os costumes locais. É uma festa de cunho político, pois, coincide
com a data de aniversário da emancipação política da cidade, no dia 8 de setembro e tem início no dia 7, com o congraçamento dos brejeiros ausentes indo até o dia 10 do mesmo mês. Onde as Festas de Setembro possui uma programação que envolve toda a população, havendo “cortejos de Reinado, procissões, hasteamento de bandeias e
exposição de artesanato são a marca registrada do evento e... o congraçamento dos brejeiros ausentes.”9

Na medida em que o tempo vai passando, novidades vão sendo introduzidas na festa, não podendo dizer que ela permanece igual às do passado, considerando que a própria população se modificou, algumas pessoas se debandaram para outras religiões e/ou seitas e não mais participam da festa, outras não são assim tão religiosas e preferem participar somente dos shows artísticos e do comércio, além de se considerar que a cidade cresceu e também aumentou o número de visitantes e os festeiros já não têm condições de custear grandes banquetes e um número tão grande de pessoas, deste modo,

na atualidade vertiginosa em que vivemos, não mais se reveste do brilho e animação dos tempos das “vacas gordas”, em que os festeiros ofertavam a todo mundo banquetes grandiosos, regados com muita bebida... e mesmo os catopês estão aos poucos desaparecendo. Os seus tempos áureos, em que participavam o general Gonçalo Preto, capitão Camilo, tenente Manuel Urubu, capitão João Tomás, general Dodô, comandante do terno de São Benedito. Existe ainda um pequeno grupo que a prefeitura ajuda apenas para o sustento da tradição, porém, sem graça e o entusiasmo dos velhos antecessores. Os atuais catopês são apenas um arremedo dos primitivos.10

Através dessas falas, podemos perceber que a festa foi se modificando e adquirindo novos contornos. Dentre eles também podemos citar o fato de que os catopês já não vão mais buscar os membros da corte em suas casas. Onde eles alegam que isto se deu por causa de padre que reclamava do atraso das missas e proibiu esta busca. E ainda de acordo com a ex-vereadora e ex-secretária de cultura do município, foram introduzidos novos elementos e outros foram retirados.

O imperador do Divino era sorteado entre os homens de melhores posses do município e não havia imperatriz. Realizavam-se sempre por volta do meio dia na Igreja de São Gonçalo, onde o povo se reunia para saber quem era o imperador do Divino do ano seguinte. Os festeiros de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito não eram sorteados, aqueles que o desejassem se apresentavam espontaneamente. Nesses reinados havia príncipes, princesas, duques, duquesas, juízes e juízas... os catopês levavam o reinado até a porta da igreja e voltavam à casa o festeiro para almoçar. E passavam a se reunir a partir do dia 13 de maio, todos os sábados na casa do festeiro, até o dia da festa.11

E já pelos motivos citados acima, principalmente os de ordem econômica, parte dessa realidade se modificou, considerando que o número de catopês reduziu e os festeiros não possuem condições financeiras de custear um período tão longo de comemorações, apesar dos mesmos serem pessoas abastadas da sociedade franciscosaense.

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1 Arquivo Pessoal de Ana Valda Vasconcelos.
2 SILVEIRA. Minha terra e nossa história. p.262.

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BARÃO DE JEQUITAÍ

Marilene Veloso Tófolo
Cadeira n° 95
Patrono: Terezinha Vasques

As terras de Minas Gerais, no meio do sertão, são palco de vidas criadas neste rincão! Mais precisamente em Várzea da Palma e Jequitaí, onde os rios se encontram, onde a mata rala, as cercanias se descortinam, os animais correm soltos, e as primeiras pedras de cascalho aparecem no rio. O título do Barão de Jequitaí provém deste local, onde possuía as suas terras, bens e residiam os seus familiares. Na época que os títulos nobiliárquicos não eram hereditários, as pessoas abastadas os compravam na corte ou na guarda nacional. O Barão de Jequitaí foi Cypriano de Medeiros Lima, era Tenente- Coronel da Guarda Nacional. Conforme retificação ao ANB no “Titulares do Império” por Carlos G. Rheingantz, RJ 1960, páginas 112 a 121, o nome correto era Cipriano de Morais Lima, nascido em 1829, falecendo posteriormente em 1891.

Aí começa a minha história, entre fatos, contos e lendas de homens e mulheres que habitavam por esses Gerais a fora. Em segundas núpcias, Antônio da Silva Maia, casou-se com Rita de Medeiros, filha do Barão de Jequitaí. A família Maia II origina-se de aí e depois se ramifica para Montes Claros. Domitília Maia casou-se com Jacinto Veloso, iniciando-se a ligação entre as famílias Veloso e Maia. Volto às raízes, pela atração que sinto pelo garimpo, pelos engenhos, pela vida do campo, pelas atividades rurais, principalmente as ligadas a terra, ao plantio e a criação de animais. O campo não sai da nossa vida por mais que a gente procure a cidade grande, leva na sua bagagem a origem rural.

O ar do campo, a chuva que cai devagar ou forte, o pássaro que canta, o rio que corre, as nuvens que formam figuras no céu, a viola que corta a noite escura com seus gemidos, a alegria e a tristeza do caboclo moram no meu coração... Gosto das coisas simples, dos dias de sol, da chuva, da lua cheia, do vento, das matas fechadas, e da vida do sertão!

Quem foi o Barão de Jequitaí? Foi um ancestral que morou no campo, adquiriu um título na corte, fez do seu garimpo a sua vida e a sua riqueza. Acumulou terras, reses, casas, brilhantes dos rios que os cercavam! A pedra preciosa era a cobiça de muitos que iam vendê-la na corte, montados no burro e levada dentro do embornal (bolsa de pano)... O brilho das pedras fascinou e levou muitos a morte...

Ao olhar o brilhante no meu dedo, o meu pensamento vai ao longe e vejo toda a trajetória que o trouxe a mim, os caminhos que percorreu e os percalços do caminho! Vejo o uniforme do Barão, o seu bigode, colete, chapéu e botinas, sentado na varanda esperando os homens voltarem do garimpo... Os olhos brilhantes e faiscantes com a pedra alegram-se com o colono que as trazem junto à lama e a solidão do sertão! Quanto sacrifício para achar uma pedra e quantas vidas custou no passado!

A pedra branca e faiscante brilha indiferente aos sacrifícios dos colonos, e a figura do Barão de Jequitaí esfuma-se em uma visão, nos olhos do passado junto a um retrato apagado pelo tempo, mas o brilhante permanece inalterado!

Valeu a pena o sacrifício? Penso, medito, questiono, vale a pena dar tanto valor a uma pedra? Olho para ela que faísca, indiferente a tudo, não questionando o garimpo do Barão!


PRAÇA CEL. RIBEIRO

Palmyra Santos Oliveira
Cadeira nº 64
Patrono: José Gomes de Oliveira

Antigamente, essa praça se chamava Largo São Sebastião,
depois passou a chamar-se Praça Cel. Ribeiro.

Ali, no dia 2 de abril de 1920, nasci no chalé nº 19, especialmente construído para o evento. Antigamente, a praça era de terra cheia de buracos feitos pela erosão das águas que desciam do Cecé, em enxurradas, nas quais colocávamos nossos barquinhos de papel, que singravam as águas até o rio da fábrica. A praça já foi lugar de footing para moças e rapazes que se encontravam e depois de um flerte, começavam o namoro. Hoje, é uma praça limpa, com jardim, cuidada pela municipalidade, cheia de carros, com dois pontos de ônibus, que percorrem a cidade.

O nosso quintal era muito grande onde se plantaram flores, verdura, milho, feijão, mangueiras e laranjeiras. Tinha um pé de magnólia que, quando floria, exalava um perfume delicioso, e dois pés de bananinha de macaco, além de outras árvores.

Anos mais tarde meu pai vendeu uma parte para o Sr. Genesco Veloso, outra parte para o Sr. Juca de Chichico, e lá foi construído o Hotel São José, que depois foi alugado para o senhor Romano.

Naquele tempo, onde foi o Diretório dos Estudantes, na esquina com a Rua Barão do Rio Branco, era a casa do Sr. Clemente Moreira, pai de Sinhá, Iracema, Bela, João e Geraldina. Ele era viúvo e trabalhava na prefeitura. Ao lado morou o Sr. Joãozinho Gonçalves e sua esposa D. Honorina de Quadros, pais do Dr. Alfeu Gonçalves de Quadros que foi prefeito de Montes Claros. Eles tinham um filho adolescente, o José que na fazenda, caiu de um cavalo e morreu.

Nessa casa tempos depois, morou o Dr. Ruy Braga, odontólogo, com sua esposa Lígia. Hoje, no local, existe um estacionamento de carros. A casa da outra esquina com a Rua Bocaiúva, pertencia à professora Dulce Sarmento, hoje é lugar abençoado, casa de oração, visitas ao Santíssimo Sacramento.

Onde era o Cine Coronel Ribeiro, foi casa de orações e hoje abriga uma instituição educacional. Na esquina com a Rua João Souto havia um chalé na década de trinta que era a casa do Sr. Mariano, um presbiteriano, e havia pregações de sua igreja.

Antes, foi casa de D. Ladu Prates Guimarães, mãe de Maninha, Bejé, Telê e outras crianças amigas. Naquela, hoje, há uma casa comercial onde se vendem mercadorias populares. Na outra esquina com Rua Tiradentes era a casa de Sá Coleta. No dia dois de fevereiro havia reza em sua casa e cada pessoa saía com uma lamparina de azeite com o pavio aceso, cantando, e seguia até os pés do cruzeiro e a depositava lá, nas pedras. Essa lamparina era uma vasilha de barro com um cabinho. No dia seguinte, minha amiga Efigênia Câmara e eu, crianças, íamos lá pegar quantas panelinhas pudéssemos para fazer guisados, que muitas vezes não passavam de terra com água. Anos depois, nessa casa de Sá Coleta, funcionou uma venda do meu tio Tião, que vendia “Secos e Molhados”. como se dizia na época. Um dia chegou um freguês e pediu:

_ Sr. Sebastião Gomes, me dá um bate?
(Bate era uma certa porção de cachaça)

O meu tio, bem nervoso, batendo com força, as mãos
no balcão disse:
_ Cê qué bate, cê que bate? Gomes é meu irmão rico.”
– ele se referia ao meu pai, Manoel Gomes.

O freguês saiu tão assustado que nunca mais voltou à venda do meu tio.

Anos depois, na casa de Sá Coleta funcionou uma farmácia do meu primo Amândio José de Carvalho. Atualmente, estão construindo um prédio de muitos andares. Ao lado ficava a casa da Sr. Pio, fazendeiro. Aí, depois, foi a casa dos fogões.

Situava, logo após, a casa do Sr. Arcelino Ribeiro da Cruz, que era esposo de Dona Pomba, que penteava o cabelo com um coque no meio da cabeça. Eram pais de Benjamim e Brasiliano, e avós de Cida, Carmélia, Alciliano, Mariinha e Geraldinha, minhas amigas, filhas de Tininho, porteiro da Escola Normal. Hoje, é estacionamento de carros. Na esquina, moravam os meus tios Ulisses Pereira e Maria Antonieta, irmã da minha mãe. Seu quintal era um jardim florido.

Na outra esquina, com a Rua Barão do Rio Branco, morava D. Mariquinha Serradeira, tia da minha amiga Gelisa de Figueiredo Brandão. Morou também nessa casa D. Caçula Mendes, de Porteirinha, mãe do ex-prefeito Alcides Mendes da Silva. Ali, depois, funcionou o escritório do advogado Antônio Eustáquio Tolentino, também ex-prefeito de Porteirinha.

Na esquina seguinte, morava o Sr. Leonides de Andrade Câmara, o Coló, escrivão do crime, esposo de Glicéria Cardoso Câmara, minha querida Cera, mãe de Laís, Evandro, Efigênia, Décio, Antônio, Maria Aparecida, Aideé e Ester, Depois, era a casa dos meus pais, Manuel Gomes de Oliveira e Laura Pereira dos Santos, o chalé que foi demolido em 2011.

No centro da praça ficava o pluviômetro, em que Joaninha, mãe de Inês e de Sinhá olhava quanto havia chovido.


DISCURSO DE POSSE NO HISTITUTO
HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MINAS
GERAIS, CADEIRA Nº 85,
PRONUNCIADO NO DIA 23
DE NOVEMBRO DE 2013

Petrônio Braz
Cadeira nº 18
Patrono: Brasiliano Braz

Conhecia o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, mas era um conhecimento distante. Ocorreu que, na Fazenda Cabangu, quando me foi outorgada a Medalha “Santos Dumont”, em 2007, assentei-me ao lado da ilustre professora Regina Almeida, mineira de São João do Paraíso, também homenageada, no aguardo dos atos oficiais da outorga. Ali principiamos uma amizade e conversamos muito.

Para minha surpresa, algum tempo depois, recebi da professora Regina Almeida uma correspondência informando-me que havia indicado o meu nome para integrar, como sócio correspondente, o corpo desta Casa de Cultura e pediu-me as informações e documentos complementares necessários.

O convite emocionou-me. À força de tanto imaginar, fui transportado a outra dimensão como o cavaleiro de Cervantes. Iria eu participar, por um convite não buscado, do seleto corpo de luminares da respeitável Casa de João Pinheiro.

João Pinheiro, para os meus guardados da memória, era a próspera cidade mineira onde residi por quatro anos de boas recordações, exercendo as funções do cargode Secretário Geral da Prefeitura Municipal, na administração do Dr. João Batista Franco, nos anos setenta do século passado. Não existia de plano, em minha consciência, uma relação presente entre o nome e o homem – este
um dos mais importantes brasileiros de todos os tempos.

Regularmente investido como sócio correspondente, ingressei nesta Casa hesitante. Aqui fiz amizades inestimáveis, e adquiri saberes que não se podem enumerar.

O enaltecido professor Zanoni Eustáquio Roque Neves já era meu conhecido, com quem tenho uma convivência fraterna. Membro fundador, como eu, da Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco, ele é um cultor das letras, das artes e das ciências. A sua biografia, o valor de seu trabalho está parcialmente gravado no sítio eletrônico da Academia e dele extrai-se que ele “nasceu na cidade de Pirapora”, nas barrancas do Velho Chico, “o grande caminho da civilização brasileira”, como definido pelo historiador João Ribeiro e atestado por Euclides da Cunha.

No convívio desta Casa, ressalto a reverência a mim deferida pelo presidente emérito professor Herbert Sardinha Pinto. Foi ele o patrono de minha indicação como sócio efetivo e quem levou o meu nome ao Plenário da Casa. É mister, portanto, que eu relate uma pequena coincidência, que eu, a essa altura da vida, credito mais à providência amiga que mero gesto do acaso.

Eu viera para demandar informações sobre a minha posse e, sem que houvéssemos combinado, encontrei-me com o professor Sardinha nas escadas de acesso a esta Casa. Disse-me ele que não havia programado sua vinda naquele dia, mas uma força inexplicável o havia conduzido até ali.

Conversávamos sobre a posse, quando ele me perguntou quem, entre os sócios efetivos, iria fazer a minha apresentação e eu disse que ficaria honrado se o professor Zanoni Neves aceitasse a incumbência. Mal acabara de pronunciar seu nome e eis que aparece, na porta da sala, a pessoa do meu ilustrado amigo Zanoni Neves! Tinha que acontecer, porque já estava escrito no Livro do Destino, como querem os sectários do islamismo, essa misteriosa força que governa o mundo.

Doutos membros da Mesa.

Da estrutura organizacional do Instituto coube-me, por escolha entre as poucas Cadeiras vagas, a de nº 85, que tem como patrono Álvaro Astolfo da Silveira e antecessores Simeão Ribeiro Pires e Edir Carvalho Tenório, três insignes imortais. Eles nos fazem cientes de que “só temos uma vida, mas podemos ficar na História”.

Dizem que são imortais os que integram um sodalício cultural. São imortais os que somam valores pessoais a feitos que os distinguem, entre os comuns. E são imortais porque sublinharam suas passagens na história de um lugar, de um povo, de uma instituição, por isso serão sempre lembrados.

A imortalidade depende, conforme sabemos, de atos ou de fatos. Para tornar-se imortal, Zeus, ao nascer, pediu a Hermes que o levasse para junto do seio de Hera, quando esta dormia, e o fizesse mamar. O leite divinal concedeu a Zeus o poder de ser grande entre os grandes.

Em relação similar, são imortais os humanos que sorveram o leite de Atena, a deusa grega da sabedoria.

Como repete uma máxima: “A morte não é para sempre; só morre o que se esquece”. A imortalidade, assim, se constitui não pelo acaso, mas pela memória de uma existência, que deixou marcas particularizantes.

Lembrando-me de Érico Veríssimo, em “Caminhos Cruzados”, reconheço que o tempo passa, as pessoas envelhecem, mas seus escritos os perpetuam. As pessoas nascem, sofrem e morrem, cumprindo um ciclo natural; mas há as que nascem, realizam e eternizam-se. A arte, caros senhores e senhoras, é um meio de eternizar o homem.

O renomado escritor Eça de Queirós no “Prefácio dos Azulejos do Conde de Arnoso” sentencia: “A arte é tudo - tudo o resto é nada. Só um livro é capaz de fazer a eternidade de um povo. Leônidas ou Péricles não bastariam para que a velha Grécia ainda vivesse, nova e radiosa, nos nossos espíritos: foi-lhe preciso ter Aristófanes e Ésquilo. Tudo é efêmero e oco nas sociedades - sobretudo o que nelas mais nos deslumbra. Podes-me tu dizer quem foram, no tempo de Shakespeare, os grandes banqueiros e as formosas mulheres? Onde estão os sacos de ouro deles e o rolar do seu luxo? Onde estão os olhos claros delas? Onde estão as rosas de York que floriram então? Mas Shakespeare está realmente tão vivo como quando, no estreito tablado do Globe, ele dependurava a lanterna que devia ser a Lua, triste e amorosamente invocada, alumiando o jardim dos Capuletos. Está vivo de uma vida melhor, porque o seu espírito fulge com um sereno e contínuo esplendor, sem que o perturbem mais as humilhantes misérias da carne!”.

Desta forma, o professor Álvaro Astolfo da Silveira, está vivo, sem que o perturbem as misérias da carne. Como Patrono, ilumina para sempre a Cadeira nº 85 da Casa de João Pinheiro.

Ele é mineiro de Passos, de família ilustre, onde nasceu em 1867, na vigência plena do glorioso Império brasileiro. Engenheiro pela Escola de Minas de Ouro Preto ocupou, já no início de sua carreira profissional, a partir de 1892, as funções de geólogo da Estrada de Ferro Central do Brasil. Mas ele não foi uma pessoa acomodada e alçou voos mais altos. Já em 1895 era ele Chefe da Comissão Geográfica de Minas Gerais. Foi diretor da Imprensa Oficial entre os anos de 1904 a 1907, para logo depois assumir a chefia técnica da Diretoria de Agricultura do Estado, tendo se aposentado, em 1931, como Diretor da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais.

Homem das letras, botânico, geólogo e naturalista, intelectual de larga visão e competência cultural, publicou várias obras técnicas e literárias, escritas a mão, com o uso da caneta tinteiro. Tantas que seria cansativo enumerar.

Ele foi membro da Academia Mineira de Letras, da qual foi presidente, reeleito por três mandatos, entre 1915 e 1920, e é Patrono da Cadeira nº 85 do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, tornando-se duplamente imortal.

Segundo a valorosa lição de Machado de Assis,emmensagem no Livro de Ouro, em homenagem a Eduardo Lemos: “uma palavra é pouco, para dizer o que ele merece; uma linha é demais”. E declara o mestre da língua pátria que, se não pudermos dizer tudo, é preferível o aperto de mão.

Não posso, entretanto, apertar a mão de Álvaro Astolfo da Silveira. Mas sou capaz de conhecer seus feitos e sua história. E posso ler a letra que traçou em seus livros, seu acento eterno na História de Minas Gerais.

Hoje estou eu aqui, na simplicidade de um mineiro do Norte. Trago ao convívio dos ínclitos confrades e confreiras a fala de um sertanejo que, por um processo hipocorístico de simplificação, diz cosca em lugar de cócegas, toá em vez de tauá, abobra em lugar de abóbora; um sertanejo que, guardando a forma do português arcaico, diz menhã em vez de manhã, somana em lugar de semana, guaiaba, em lugar de goiaba, vocábulos que guardam a grafia anterior ao metaplasmo por dissimilação vocálica; que fala coresma, em lugar de quaresma; que usa como advérbio a terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo andar: andou que cai – quase cai; que diz pé-de-manga e pé-de-laranja, em lugar de mangueira ou laranjeira.

Esse homem rude e de vocabulário pitoresco, por meio de uma evolução semântica inconsciente, emprega acesso, ingresso, chegada, com a acepção de convulsão, síncope, ataque epiléptico; açoitar, que significa bater, fustigar, com o sentido de tanger longe, arremessar; que diz barrear, atravessar com barras, para indicar o romper do dia, a aurora; que se utiliza do verbete remeter, mandar, enviar, para indicar o ato de chifrar, agredir com os chifres; que transformou o verbo pensar, fazer reflexões, refletir, raciocinar em aplicação local de remédio em ferida; que se utiliza do verbo delatar, denunciar alguém como autor de um crime, com o significado de demorar, retardar; para quem romper, fazer em pedaços, rasgar, é começar a andar, seguir em frente.

Assim, chego falando a linguagem do povo do Norte de Minas, experiente em anos e leituras, mas “rompendo em frente”, com entusiasmo de menino novo. Como afirmou José Lins do Rego em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, “não me complicarão a sintaxe a presença de sábios e os rigores dos que manejam o estilo”.

Esse momento conforta-me, pois o que fiz na construção de uma vida não foi em vão. Esse momento, reportando novamente às palavras de Machado de Assis, é “a gloria que fica, eleva, honra e consola”.

E quem seria eu, se não me lembrasse daqueles a quem amei e amo? Meus pais Brasiliano Braz e Maria Augusta, no silêncio de seus jazigos, estão sorrindo. Minha esposa, meus filhos, netos e bisnetos estão eufóricos. Meus amigos estão felizes. Eu, entre tantas emoções da hora, sinto-me acalentado pela lembrança, exaltado pela honraria, emocionado por frequentar esta casa ao lado dos que são grandes!

Senhores e senhoras,

Que nome devemos dar ao orgulho sem vaidades vãs, às alegrias maiores, à comoção verdadeira? Podem faltar palavras a esse sertanejo simples, mas orgulhoso, mas não me falta a consciência de que são momentos como este que tecem o fio comprido da vida e que devo vivê-lo segundo os princípios de Horácio: carpe diem quam minimum credula postero.

Há dias, como afirmou Emerson, “em que o mundo alcança a perfeição, quando o ar, os corpos celestes e a Terra estão em harmonia, como se a Natureza se regozi jasse com os seus filhos”. Hoje é um desses dias dos ensinamentos de Alexandre Graham Bell extrai-se: “Nunca ande pelo caminho traçado, pois ele conduz somente até onde outros foram”. Mas, certamente que o bom caminho poderá nos levar às outras diretrizes!

Pela Cadeira nº 85, que doravante ocuparei, passaram dois nomes ilustres: Simeão Ribeiro Pires e Edir Carvalho Tenório. Humildemente pergunto-lhes: Como deixar de seguir seus passos? Que eu possa pisar suas pegadas e servir-me de suas caminhadas...

Senhor Presidente,

A terra de Montes Claros, celeiro de cultores das letras, deu a Minas e ao Brasil a figura ímpar de Simeão Ribeiro Pires, um dos fundadores da nossa Academia Montesclarense de Letras.

Ele diplomou-se em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual de Minas Gerais, em 1943. Foi presidente do Diretório dos Estudantes de Engenharia, Aspirante Oficial do Exército pelo CPOR. Premiado na Convenção Nacional de Engenheiros com a monografia “Ensino da Engenharia”. Ocupou o cargo de Oficial Técnico da Rede Mineira de Viação.

Recebeu, dentre outras, as comendas: Medalha de Ouro – Mérito Industrial – da Federação das Indústrias de Minas Gerais no ano de 1967 e a Medalha da Inconfidência do Governo do Estado de Minas Gerais. Professor por concurso público na Escola Estadual “Prof. Plínio Ribeiro” de Montes Claros e foi professor de Estudos de Problemas Brasileiros da Faculdade de Direito de Montes Claros. Homem de elevado espírito público, grande tribuno. Foi diretor do Colégio Tiradentes da Polícia Minas de Minas Gerais no ano de 1964,

Como pecuarista foi diretor do Frigonorte. Como político foi prefeito e vereador em Montes Claros, sendo uma das principais personalidades da história do Município. Como pesquisador, dedicou sua atenção ao passado da região norte-mineira, que Wanderlino Arruda qualifica como “de sonhos e de sonhadores”.

Ele é Patrono da Cadeira nº 93 do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, a Casa de Simeão Ribeiro Pires.

Sinto-me culturalmente realizado ao ocupar, nesta Casa, lugar por ele anteriormente honrado.

Não conheci Edir Carvalho Tenório, mas para se conhecer seu valor não há necessidade de ter conhecido o homem.

Verifico, pelo seu currículo que integra os anais desta Casa, que ele internacionalizou-se com Mestrado na Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, mas foi, principalmente, um brasileiro, um mineiro.

Ele integra a Galeria dos Imortais da Academia de Letras do Brasil – Seccional do Estado de Minas Gerais, onde foi empossado in memoriam. Exerceu inúmeras atividades públicas e privadas, mas foi, antes de tudo, poeta, Sócio efetivo desta Casa, empossado em 7 de abril de 2001, e da Arcádia de Minas Gerais, empossado em 4 de dezembro de 2002.

Senhor Presidente,

Entre tantos a agradecer, expresso minha gratidão, com especial reverência, à professora Regina Almeida, ao professor Herbert Sardinha Pinto e ao professor Zanoni Eustáquio Roque Neves. À primeira por ter aberto para mim as portas desta Casa. Ao segundo, pela demonstrada consideração ao indicar meu nome para integrar a gloriosa Casa de João Pinheiro como sócio efetivo e, ao terceiro, pelas inolvidáveis palavras com que me fez conhecido pelo seleto corpo desta Casa.

Aos amigos, que me honraram com suas preciosas presenças, o meu “muito obrigado”.

Aos parentes que aqui estão a “minha benção”.

Aos confrades presentes os meus respeitos e a minha consideração.

Na pessoa de Cássia Maria, o meu abraço fraterno aos atenciosos servidores da Casa.

Estejam certos de que vim para aprender, mas, certamente, alguma coisa tenho a oferecer. Sinto-me afetivamente acolhido por todos os presentes e por isso, antes de tudo, devo dizer que hoje estou aqui, confirmando um dito euclidiano: como um sertanejo forte.

Freud já observara: “Como fica forte uma pessoa quando está segura de ser amada!” Esse amor justifica tudo.

Muito obrigado.


O GLAMOUR DOS CASSINOS

Ronaldo José de Almeida
Cadeira nº 25
Patrono: Corbiniano R Aquino

O ambiente era de alegria, salão repleto de luzes, orquestra ao fundo, brilho de cristais por todo lado. O crupiê distribuindo fichas sobre o pano verde, cercado de mulheres bonitas em longos vestidos e homens de black-tie. Era inegável o glamour dos cassinos. Como num lance de roleta, o presidente Dutra decretou o fim do jogo e a era de ouro dos cassinos no Brasil.

Cerca de cem países permitem o funcionamento de casas de jogos. Neles, os cassinos representam uma das maiores forças de atração de visitantes, verdadeiros catalisadores do crescimento da indústria turística.

Cassinos funcionam em quase toda a Europa. O Principado de Mônaco se tornou um grande centro financeiro e de lazer graças aos jogos de azar. Aruba, pequena ilha do Caribe, é hoje a meca do turismo americano, com atividades voltadas aos jogos. Na Europa, na famosa Côte D’Azur, destacam-se os cassinos de Monte Carlo, na Riviera francesa, e o de San Remo, na Riviera italiana.

A cidade de Veneza também abriga famosos cassinos.

Na América do Sul, os cassinos mais conhecidos se situam no Uruguai, Argentina, Paraguai. Chile, Equador e Venezuela, sendo frequentados por milhares de brasileiros.

O Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, foi o mais conhecido de todos, tendo recebido as maiores atrações musicais da época, de Carmen Miranda e Dalva de Oliveira a Edith Piaf, Amália Rodrigues e Tony Bennett.

O edifício à beira-mar onde funcionava foi construído na década de 1920 para ser um hotel. Em 1933, com a regulamentação do jogo, foi transformado no mais famoso cassino do país.

Durante o período de liberação do jogo o Cassino da Urca foi o centro da vida noturna do Rio de Janeiro, com trânsito livre de artistas, políticos, homens de negócios, intelectuais e turistas. Diga-se de passagem, uma atração à parte.

O Cassino Atlântico, no Posto Seis, rivalizava em luxo com o Cassino da Urca. Possuía palco giratório e as belas coristas se alternavam com os grandes nomes da música popular brasileira, artistas que faziam sucesso nas rádios.

Lá se apresentavam Emilinha Borba, Dircinha Baptista, Grande Otelo, Francisco Alves e outros monstros sagrados do Brasil. Estrelas internacionais em passagem pelo Rio marcaram sua presença na plateia como Henry Fonda e Orson Welles.

No bairro de Copacabana, dois grandes cassinos fizeram história; o Cassino Copacabana, localizado nas dependências do Hotel Copacabana Palace, era destinado a sociedade carioca.

Em Petrópolis, na serra fluminense, surgiu o maior cassino-hotel da América do Sul, o Quitandinha. Com característica dos cassinos europeus, seu teatro, com três palcos giratórios, tinha capacidade para 2 mil pessoas.

Na cidade de Guarujá, litoral paulista, o Hotel Cassino La Plage, era frequentado por magnatas paulistanos, personalidades nacionais e internacionais. Uma curiosidade; foi num dos quartos do La Plage que o inventor Alberto Santos-Dumont tirou a própria vida, em 1932.

No dia 30 de abril de 1946, o presidente Dutra assinou o decreto-lei que proibiu o funcionamento de cassinos em todo o país. Desempregou milhares de brasileiros com uma canetada. A notícia do decreto causou estupefação geral. Segundo comentários da época e que ainda hoje frequenta o imaginário popular, o decreto se deu por força e graça da esposa do presidente, dona Santinha, uma beata, mas que, ditava as ordens e o marido cumpria de cabeça baixa.

O presidente teria assinado o decreto-lei atendendo às pressões da mulher, que considerava os cassinos verdadeiros antros do pecado e a casa do demônio, segundo suas palavras.

O Brasil possuía cerca de setenta cassinos em atividade, e o ato desempregou milhares de brasileiros com uma simples canetada.

Após a publicação do decreto, dois desempregados cometeram suicídio em plena Avenida Rio Branco, no centro do Rio Janeiro. Na classe artística o desespero era geral. Atores, dançarinos, comediantes, músicos, cantores, coristas, cenógrafos e técnicos perderam para sempre grandes oportunidades profissionais.

O Cassino da Urca continuou por algum tempo como casa de shows, em seguida serviu de sede para a extinta TV Tupi. Tombado, o prédio aguarda as obras para sua transformação em museu.

O grupo musical que se apresentava no Cassino da Urca, chamado Os 3 Carijós, esteve em Montes Claros, sob contrato, para inauguração da Rádio ZYD-7, carinhosamente chamada de A Furiosa.

Um dos integrantes do conjunto musical, passeando pela cidade, conheceu uma estudante do Colégio Imaculada, iniciando um namoro que rapidamente chegou ao casamento, e por aqui ficou, constituindo numerosa família. Nunca mais retornou a cidade maravilhosa. Capricho do destino!

Fonte: “Nossa História”, Janne Santucci.


NA FASE DOS “BATE PAUS”

Ruth Tupinambá Graça
Cadeira nº 96
Patrono: Tobias Leal Tupinambá

Os montes-clarenses de hoje não são capazes de avaliar o que foi a nossa cidade nos anos 30.

Hoje vivem medrosos, aflitos e preocupados com a violência e os crimes absurdos em decorrência do tráfico de drogas. Mas não sabem que a nossa cidade, no seu passado, foi vítima de violências terríveis, iguais às de hoje, talvez piores.

Tudo aconteceu depois da terrível tragédia de 6 de fevereiro de 1930, quando os jagunços de Dona Tiburtina (a seu mando) atacaram a comitiva do Dr. Fernando de Melo Viana, Vice–presidente da República, que veio a nossa cidade fazer política, almejando a Presidência, anunciando um grande comício, tudo apoiado com muito entusiasmo pelos adversários da Aliança Liberal, da qual Dona Tiburtina era a forte correligionária.

Embora eu morasse bem perto da Estação Ferroviária, apesar da minha vontade de acompanhar a comitiva, eu não fui. O pai da amiga Alaíde, o Sr. Arthur Amorim, nos preveniu: “vocês não vão descer acompanhando a comitiva. Fui avisado por um amigo que haverá tiroteio (caso haja provocação). Os jagunços já estão prevenidos”. Foi a minha sorte.

Quando a comitiva passava em frente à casa da Dona Tiburtina, os jagunços de cima das árvores, armados, dispararam suas carabinas sobre a multidão. O desespero foi total. Dr. João Alves gritava: “não atirem! Há crianças e mulheres”, mas já era tarde. Nunca saberemos
ao certo se houve alguma provocação. O fato é que os jagunços obedeceram o mandado.

Sabemos que morreram várias pessoas, inclusive o Secretário do Dr. Melo Viana, Dr. Fleury da Rocha, Yracy de Oliveira Novais (Irmã de Jair Oliveira), o jornalista João S. da Silva, mas há dúvidas sobre o número de mortos, pois para o comício tinha vindo muitos políticos e pessoas das cidades vizinhas. Supõe–se que talvez algum tenha
sido vítima desta monstruosidade. Talvez esta suposição tenha fundamento por que na construção da sede do Automóvel Clube de Montes Claros, justamente no local onde fora a residência da Dona Tiburtina, houve um boato: que nas escavações encontraram uma cisterna cheia de esqueletos. Mas nunca saberemos, ao certo, quais foram estas vítimas...

Após o tiroteio, os parentes recolheram as vitimas.

A comitiva também recolheu suas vítimas. Desceu a Rua Dom João Pimenta, parando na esquina (casa da Dona Fininha Silveira), para se refazer do choque, beber água, voltando imediatamente para Belo Horizonte.

Foi a minha sorte não ter acompanhado a comitiva. Talvez eu teria morrido também (e não estaria aqui hoje contando para vocês esta história) nesta fatídica noite em que Montes Claros perdeu filhos inocentes.

No dia seguinte ao tiroteio, satisfazendo minha curiosidade de adolescente, resolvi sair de casa (apesar dos apelos da minha mãe) e, passando onde ocorreu o sinistro acontecimento, tive que saltar vários pocinhos de sangue espalhados entre as pedras em todo o quarteirão.

Fiquei atordoada e, para meu desespero, a cidade estava completamente deserta, paralisada, ninguém nas ruas. Todos, ainda chocados e assombrados, permaneciam em casa, patéticos.

A revolta e o sofrimento permaneciam no ar.

Aí começou a fase negra dos anos 30.

A valentia daquela mulher não parou. Veio a fase da vingança, aproveitando a força da política.

Naquela época, o chefe do Décimo Batalhão de Polícia era o Cel. Coelho, nomeado pelo Governador.

Com ares de protetor da humanidade, resolveu criar um batalhão para proteger a cidade, mas, na verdade, era para atacar os adversários da Aliança Liberal, partido do Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (governador de Minas Gerais), do qual Dona Tiburtina era forte correligionária em nossa cidade. Dr. João Alves era o chefe do partido Aliança Liberal, mas ele era um médico dedicado à sua profissão, muito pacifico, pouco ligava para a política. Dona Tiburtina é quem mandava no partido dando rédeas à sua maldade.

Criou-se o “Batalhão”, mas infiltrado nele estavam
os mais valentes jagunços de Dona Tiburtina: Velho de
Lília, Ezupério Ferrador, Joaquim Preto, Manoel Baiano e
outros...

Este grupo de “voluntários”, fantasiados de soldados, com uniforme de brim cáqui, polainas, boné, revólver na cintura (durante o dia) e, à noite, armados com cacetes bem fortes, percorriam as ruas atacando os adversários da Aliança Liberal, os correligionários de Júlio Prestes.

Como sofreram estes políticos!...

Com a vitória da Revolução de 30 (vitória de Getulio Vargas) esta valente mulher ficou com mais força política.

Foi a fase negra dos ”Bate Paus.”

À meia noite, eles percorriam a cidade já sabendo a quem iriam atacar.

Assaltavam a residência da vítima, tiravam-na da cama, levando-a para o suplício. Onde é hoje a Catedral, havia um cemitério velho. Lá era o palco da maldade, onde os “Bate Paus” surravam covardemente as vítimas.

No dia seguinte, eram levados para casa quase mortos, pelos parentes. Milhares de pessoas honestas, senhores respeitáveis foram massacrados e muitos morreram em consequência dos ferimentos. Luis Carlos Novaes (Peré) que o diga, pois alguns dos seus familiares foram vítimas destes “falsos soldados”.

Terríveis violências contra o ser humano foram cometidas naquele período e nada aconteceu aos criminosos. A Gazeta do Norte, jornal da cidade, foi brutalmente vítima dos “´Bate Paus”. Quebraram todas as máquinas, queimaram tudo até a Bandeira Nacional e, ainda, não satisfeitos, derrubaram a casa onde funcionava o nosso melhor jornal.

Dona Tiburtina estava com a corda toda: proteção do nosso Governo e da nossa polícia.

Anos depois, houve um júri muito especial e os criminosos nada sofreram.

Este reinado de maldades e injustiças durou anos. E a nossa Montes Claros ficou conhecida em todo país como “cidade assassina”

Mas política é como uma fruta: brota, cresce, amadurece, depois apodrece.... e cai.

Com o passar dos anos (Deus não dorme) a política mudou, mudando também as reações governamentais.

Quem estava por baixo subiu.... e esta história se repete.

Dona Tiburtina perdeu o prestígio e a valentia. Caiu na realidade.

Viúva pela segunda vez, teve um fim de vida muito triste, doente e abandonada pela sociedade, fazendo jus aos danos e tantos sofrimentos que causou às famílias de nossa cidade.

Moral da história: Colhemos o que plantamos.


LENDAS, TRADIÇÕES E SUPERSTIÇÕES DE
REISADO DAS FOLIAS DO NORTE & VALE

Teófilo de Azevedo Filho (Téo)
Cadeira nº 90
Patrono: Romeu Barcelos Costa

COMPONENTES DA FOLIA

De acordo com a lenda do Norte & Vale, baseada na Bíblia, os foliões eram só os Três Reis Magos – Baltazar, Gaspar e Melchior – com arregimentação musical da seguinte forma: caixa, viola, rebeca e vozes dos próprios reis, e a estrela guia que fazia o papel de bandeireiro. No entanto, um Terno de Folia precisa no mínimo de cinco componentes: uma viola, uma caixa, um pandeiro, um bandeireiro, uma rabeca, duas vozes de respostas dos mesmos componentes que tocam.

Imperador: É qualquer pessoa que assume a responsabilidade
total pela festa de Reis ou o dono da última casa visitada no dia seis de janeiro, quando encerra a Folia com reza do Terço.

Chefe: O mesmo que mestre ou capitão.

Mestre: É uma espécie de diretor, tem que ter um grande conhecimento de religião e organização de Folia. Para ser ummestre é preciso ter no mínimo trinta anos de atividade na folia.

Decurião: O mesmo que mestre.

Guia: É o cantador de Reis que faz a primeira voz da dupla que puxa os cantos (o mesmo que puxador de reis).

Ajudante de guia: (Contramestre): É o cantador de Reis que faz a segunda vos do guia.

Resposta: É a primeira voz que responde os cantos do guia.

Ajudante de Resposta: É o cantador de Reis que faz a segunda voz da resposta.

Segmento: É a sequência de versos dentro da continuação da história. O mesmo que enredo.

Resposta no segmento: Quando a dupla de cantadores de resposta sabe o segmento, não é preciso responder os mesmos versos cantados pelos cantadores – guias, e pode se continuar o segmento.

Obs.: Há lugares no Norte & Vale em que a resposta não é feita só pela dupla e, sim, por cinco tipos de vozes.

Estrofe e verso: Em algumas regiões, o povo chama a estrofe de verso e o verso de linha ou pés.

Guaiano e Lundu: Pode ser cantado por qualquer componente da Folia.

Toalha: A toalha branca representa a pomba da paz, Deus, Divino Espírito Santo, a pureza, a fé cristã e é o símbolo sagrado do Menino Jesus. Na falta da toalha, todo Folião deve, ao menos usar uma fita branca na viola ou no pescoço.

Bandeira: A Bandeira, Quadro ou Estandarte significam o símbolo sagrado do Terno de Folia e todo Terno é obrigado a ter o Quadro ou a Bandeira, carregada nas duas mãos ou estandarte, que é o mais tradicional em um pequeno mastro com no máximo dois metros de altura.

Bandeireiro: É o Folião que carrega o Quadro, Bandeira ou Estandarte. É obrigado a andar na frente da Folia e quando a Folia chegar na casa, ele tem que colocar o Quadro, Bandeira ou Estandarte em frente à porta principal da casa que está fechada. E, assim, que for aberta a porta, é seu dever fazer a entrega para a pessoa responsável pela casa.

Esmola: A esmola é uma tradição religiosa e só pode
ser gasto o dinheiro arrecadado com a festa de reis no dia
6 de janeiro ou com o material de uso do Terno.

Uniforme: Na nossa região, nenhuma Folia é obrigada a ser uniformizada. Mas no Norte & Vale encontramos alguns ternos que usam uniformes.

Riscar: Ato de começar o toque ou a dança.

Instrumentos do Terno de Folia de Reis: Segundo a tradição, os instrumentos de Terno só podem ser usados nas épocas de apresentação. Se usado para outros tipos de música, pode dar atraso de sete anos na vida de quem desrespeitar a tradição.

Fitas: São seis cores de fitas que devem enfeitar os instrumentos e que têm valor religioso muito grande.

CORES
Vermelha: Representa o fogo do incenso que o Rei Baltazar deu de presente ao Menino Deus, o sangue de Jesus.

Amarela: O ouro que o Rei Belchior deu ao Menino Deus e o sol, a claridade da vida.

Verde: A mirra, essência perfumada, tirada da planta e dada ao Menino Deus pelo Rei Gaspar. A mata por andam os foliões.

Azul: Maria Mãe de Jesus; cor de Maria; O céu, Nossa Senhora das Graças que protege o Folião contra cobras, pois Maria está pisando numa cobra e tem o domínio sobre a mesma.

Cor-de-rosa: São José, pai de Jesus, e a beleza e o perfume das rosas.

Branco: Deus, a paz, pureza, Divino Espírito Santo, a pombinha e o Menino Jesus.

Roxa: Nenhum Folião deve usar fita roxa, pois ela representa o pacto com o Tesoura, com exceção se for por luto da morte de outro colega. O luto é da seguinte forma: com a fita preta dá-se um laço na branca.


MONSENHOR OSMAR NOVAIS DE LIMA

Wanderlino Arruda
Cadeira nº 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza

Não me canso de ter saudades do tempo bom e gostoso das aulas do Colégio Diocesano, de quando podíamos, todos os dias, sentir e ouvir a alegria do Monsenhor Osmar, a braveza do Padre Agostinho e a terna amizade do Monsenhor Gustavo. É de fato um momento inesquecível, de quando cada gesto era uma lição, cada atitude uma experiência de seres em luta e em paz com a vida. Os três juntos, ou cada um em particular, eram para nós, meninos-rapazes, o grau mais alto da sabedoria, a fonte inesgotável de conhecimento, os degraus por onde alcançar a segurança do futuro. É claro que, particularmente, um por um tinha o seu séquito de seguidores, dependendo da esperteza ou do grau de inteligência de cada aluno, ou mesmo da maturidade ou falta de juízo, como podíamos encontrar nos mais sérios como Geraldo Miranda e Nivaldo Neves, ou nos mais afoitos como Pai da Mata e João Doido. Em órbita havia gente de todo jeito, tipo Tereziano Dupin, Renato Pobre, Renato Almeida, Dezinho Dias, Ivan Guedes, Lazinho Pimenta, Raimundo Santana, José Maravilha, personalidades marcantes que iam do folclore à poesia, do trabalho sério à justa compenetração.

Cada dia era um novo esquema de novidades, de surpresas, uma sensação de estarmos construindo o mundo, preparando-o para a nossa geração e para todas as outras que poderiam vir depois de nós. Ninguém fugia da luta, tirar o corpo de banda, em qualquer tarefa, era um sacrilégio. Matar aulas era pecado capital. Durante a semana não valia nem cinema nem namoro. A ordem era estudar! Uma única transgressão era permitida e só ao Miranda, porque ele havia inovado o sistema, inventado uma saída, namorando com a professora Lourdes, inteligentão que era. O Dezinho Dias, já mais velho um pouco, falava de fazendas, de vez em quando. O Raimundo Santana era um importante, pois tinha bicicleta e tomava uísque antes das provas de matemática. Ivan impunha grande respeito: de vem em quando jantava em restaurante, sábado à noite depois do grêmio. A maioria, como eu, não tinha dinheiro nem para picolé ou quebra-queixo, e quando muito, bebíamos caldo de cana. Cafezinho era luxo!

Professor bom mesmo era o Pedro Santana, vibrante, grã-fino, dominante nas cadeiras de História, Ciências e Inglês, um terror par quem não tivesse as matérias na ponta da língua, a capacidade de responder, falando ou escrevendo, sem gírias. Pedro era tão imponente, que não repetia ternos e gravatas durante um mês, cada dia uma nova cor, hoje um três-botões, amanhã um jaquetão, tudo dentro do melhor figurino de Vavá ou Wilson Drumond. O cabelo, ah! O cabelo era que merecia o maior cuidado! A barba, de um barbear diário na barbearia de Antônio Guedes, com massagem facial, na mesma hora em que também estavam sentados os grã-finos Júlio de Melo Franco e
Nelson Vianna, fregueses de manhã cedinho. Errar com Pedro ou com o Padre Agostinho – outro elegante – era imperdoável. A nota menor que um bom aluno podia tirar era dez. O nove era um feito vergonhoso!

Havia outros professores famosos e entre eles o Tabajara, a Terezinha Pimenta, Doutor Carlyle, a Maria Inês, D. Rosita Aquino e o Belizário, que falava latim e tinha o cabelo parecido com o de Castro Alves. Em certas ocasiões, o bispo D. Antônio chegava a assistir a algumas aulas, sentado conosco, perguntando e participando, como se não soubesse de tudo! Foi a maior inteligência que conheci, uma cultura universal, um poder oratório que Montes Claros nunca teve igual, nem com o
Simeão Ribeiro... Era um admirável mundo novo, principalmente
para mim, que sem ternos e sem paletós – o primeiro foi o Vadiolando Moreira que me deu - achava tudo aquilo um sonho em realização. Maravilhosamente encantado, sedento de aprender, nunca cedendo o primeiro lugar a ninguém, uma coisa marcou-me profundamente a diretiva na vida e me tem servido constantemente de bom exemplo: a alegria de viver de Monsenhor Osmar Novais de Lima, nosso diretor!


SAMUEL FIGUEIRA,
MESTRE DA PINTURA

Wanderlino Arruda
Cadeira nº 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza

Lembro-me como se fosse ainda hoje o dia em que, na casa de Samuel Figueira, eu dera palpites, mais do que o usual, na sua forma de pintar, no uso das cores, na escolha dos temas e creio que até na evolução dos seus quadros. Devo ter exagerado na função de crítico, e foi daí que veio o desafio: Por que eu, que queria saber tanto de pintura, não tentava fazer um quadro ali mesmo, diante dele, de Mila, sua mulher, e de Shirley Durães, que os visitava naquela tarde de domingo? Insulto ou convite, chamamento ou convocação, fosse o que fosse, não me fiz de rogado e lancei-me ao trabalho, imediatamente, pintando a minha primeira paisagem azul, branca e verde, chapada, lisinha e até com um pouco de transparência. Para começo, creio que foi até um sucesso, em pouco mais de duas horas, com ele Samuel orientando aqui, orientando ali, e até ajudando dar uns retoques nos coqueiros, pois me faltava naquela hora uma certa leveza que, aliás, falta
até hoje.

Mais tarde em Mirabela, Shirley me lembrou da façanha e perguntou-me se valeu a pena todos estes anos de aventura no mundo das tintas, dos pincéis, das espátulas e das telas. Quis saber também se eu me considerava mais feliz com a atividade de pintor, metiê que sofre tanta crítica de quem entende do assunto e até muito mais de quem não entende nada. E qual seria minha resposta?

Claro que tudo ia bem, a pintura vinha sendo um grande passatempo, um exercício de paciência realmente maravilhoso, uma nova fonte de estudos, um encontro e reencontro com a arte que tem atravessado séculos de admiração e encantamento. Enquanto pinto ou enquanto escrevo, as horas passam como verdadeiros sonhos, interessantes, cheias de gratificação mental, gostosas mesmo. E quanto às críticas, principalmente as desfavoráveis, sempre me ajudam muito, contribuem para mudanças e busca de melhor desempenho.

Na verdade, não sabia a quanto andava, porque sempre ficava muito tempo sem me encontrar com Samuel e com Konstantin, meus dois orientadores mais exigentes que, mesmo elogiando, ainda faziam reparos, davam sugestões, nunca se mostravam totalmente satisfeitos. Não falo de Godofredo, porque este nunca achava boa a pintura de ninguém e só raramente dava uma palavra de incentivo, tanto faz para velhos como para novos. É que o bom GG achava a profissão muito sofrida, trabalhosa, difícil. E também para ele, pintura só valia a clássica, a acadêmica, a real nas cores e na forma. Essas invenções nossas são coisas de gente que acha que sabe, mas, não sabe... Cristina Rabelo, em certa ocasião, olhou quase tudo que preparei para uma exposição no Centro Cultural, disse que gostou, mas, perguntou porque eu havia abandonado a pintura de flores... Os críticos da família, a Olímpia, a Wladênia, a Rízzia, a Nádia, estas sempre seguiram cada trabalho, serviam e servem de feedback no exato minuto de cada pedido de avaliação.

É o que tem acontecido e não posso me queixar. Não me têm faltado os melhores e mais proveitosos momentos nestes mais de trinta anos de trabalho, exatamente quando vou completar os três quartos de século de vida. Pintar sempre fora uma distração, uma forma de paz interna e externa, uma evocação de viagens, um rememorar de paisagens. Depois que comecei a pintar, a Natureza jamais passou por mim (como eu tenho passado por ela), como página em branco. Cada estrada, cada pedaço de céu, cada folhagem, uma superfície de água, por menor que seja, é sempre uma festa para meus olhos e para a minha imaginação. O pintor é um ledor de cores, de movimentos, de formas, um visualizador e dimensões que existem e que não existem...

Já ia me esquecendo de fazer um conserto sobre o relacionamento de Godofredo com os seus colegas menores da arte pictórica. Ele não gostava é da pintura dos outros. Dos pintores ele sempre fora grande amigo. No que me toca, o mestre Godô só deu palavras de incentivo e de entusiasmo. Talvez seja eu a única pessoa a quem ele tenha ensinado as técnicas de desenho e de pintura. E soulhe, eternamente, muito grato por isso!


ARLEN DE PAULO SANTIAGO,
HOMEM DE AÇÃO

Wanderlino Arruda
Cadeira nº 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza

Só existem duas formas de viver a vida. A
primeira é pensando que o milagre não existe; a
outra é pensando que tudo é milagre.
Albert Einstein

Minhas primeiras palavras são de agradecimentos a Paulo César Santiago, por dois motivos: primeiro, por ter permitido a Montes Claros ter uma praça bonita e moderna com o nome do seu pai Arlen de Paulo Santiago; segundo, por realizar um ato de agradecida justiça a um homem que sempre soube ser grande no poder e no amor, o homem Arlen Santiago, que sempre teve a coragem de pensar grande, sonhar alto e acertar alvos, o homem que teve sonhos de realizar, de arriscar, de nunca parar por nada até que seus projetos fossem integralmente realizados.

A praça Arlen Santiago, que enfeita Montes Claros e o coração de três importantes bairros, o Major Prates, o Augusta Mota e o Morada do Sol é a marca e registro dos sonhos de Paulo César e da sua família, com a ousadia do arquiteto Cascão – dr. Luiz Cláudio Duarte de Oliveira - praça
composta de símbolos importantes, imaginação das mais dignas para enfeitar as cores do progresso de uma cidade que
tem vocação de pioneirismo e sedução para as artes. Por isso,
os agradecimentos de todos nós, de quem vive o hoje e daqueles que viverão o amanhã montes-clarense.

Conheci, bem de perto, o meu amigo Arlen Santiago, o “seu” Arlen, como muitos por respeito o chamavam. Conheci-o, no início da década de sessenta, como companheiro de diretoria nos bons tempos do Sindicato dos Bancários, quando sob a batuta de Raimundo Lírio Brant, fizemos a primeira greve de Montes Claros, movimento que mudou rumos e destinos, abrindo perspectivas para inúmeras lideranças. Convivi com ele na organização e no lançamento e na trajetória vitoriosa do Major Prates, desafio que não tinha tamanho para a época, pelas dimensões e pelo desprendimento no alargar ruas e criar avenidas e praças até então pouco imaginadas a não ser por sonhadores. Participei de corpo e alma na campanha política em que ele– arquiteto e engenheiro de cidadania - me lançou candidato a vereador e me elegeu para a Câmara Municipal de
Montes Claros, quando eu tinha apenas 27 anos, passo muito importante na minha diretiva de vida.

Compartilhei, noites e dias, com Arlen na sua importante missão de diretor do jornal Diário de Montes Claros como nunca vi um espírito de equipe, por ele supervisionada, funcionar tão bem e com tanta eficiência, trabalho e escola ao mesmo tempo. Arlen Santiago sabia que a palavra, falada ou escrita, sempre fascinou a inteligência e maravilhou a emoção, sempre encantou, sempre comoveu, sempre convenceu e entusiasmou. O jornalismo para Arlen, como poema de amor e grito de desafios, fez-se altivo, respeitável e respeitado, canto e epopeia, discurso inflamado e tribuna viva para as reivindicações em busca de melhor e mais justa participação social. Para Arlen, a verdadeira e perfeita sociedade jamais poderia ser justa se não contasse com a participação de todos os segmentos do ser e do viver, do pensar e do fazer.

Termino, como comecei, com a emoção do agradecimento a Paulo César, cérebro e bolso, mestre de obra e paisagista maior desta praça, centro da família Santiago em tudo de grandioso que ela possa sonhar e realizar. O velho Arlen, “seu” Arlen, Arlen de Paulo Santiago em todos os dias da sua existência soube que a vida foi criada por Deus para ser intensamente vivida. Para ele, que tenho certeza está aqui conosco nesta hora de alegria, cada momento de entusiasmo, cada momento de amor, cada busca do melhor e do mais bonito tem que ser desenhado e colorido sem qualquer indecisão, sem uma única gota de medo. Aos invejosos, a vitória de quem sabe fazer o certo, a consciência de que o melhor tem que ser realizado!

Parabéns a Rita Santiago, que soube domar o guerreiro que foi o seu marido Arlen, e que soube e sabe criar e dirigir esta família maravilhosa que constitui o clã dos Mota Santiago.


HAROLDO LÍVIO, BARÃO
DE GRÃO-MOGOL

Wanderlino Arruda
Cadeira nº 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza

A história é bem normal de tudo de conformidade com os cânones do comércio de nossos dias, fruto dos princípios da oferta e da procura. Negócio de toma-lá-e-dá-cá, envolvendo naturalmente valores e moedas comuns de qualquer ato comercial. Só põe romantismo numa operação dessas quem pode vê-la com olhos de poesia, com traços românticos de filosofia literária. Em tudo, não resta dúvida, mesmo nos atos de pura barganha e interesses outros, a gente consegue dar um colorido de fantasia, bem própria dos que vivem do trato das artes de das letras.

É que a verdade é bem interessante, amigos. Haroldo Lívio, cidadão brasileiro, brasilminense de nascimento, montes-clarense de coração, agora assina um atestado de amor à terra de Grão Mogol. Assina e paga. Paga com toda a força que o dinheiro põe e dispõe no mundo moderno, mesmo em se tratando de coisas antigas. Haroldo Lívio – é bom dizer logo – acaba de efetuar uma transação comercial de alto coturno na cidade de Grão Mogol. Comprou e pagou e tomou posse, com registro em Cartório, mediante todas a cláusulas, inclusive a de evicção.

Haroldo Lívio, ou melhor, Doutor Haroldo Lívio de Oliveira, brasileiro, advogado, casado com a socióloga, D. Maria do Carmo, é hoje senhor de um solar antigo e sensorial na cidade de Grão Mogol. Senhor legítimo de uma antiga casa, grande e imponente, construída possivelmente por mãos escravas, de paredes de pesadas pedras, escavadas com o suor do século passado. Caso de amor à primeira vista, Haroldo embeiçou-se pela nobre vivenda e sentiu-se imediatamente na pele de um poderoso grão-proprietário, dono da segurança de uma fortaleza ao mesmo tempo urbana e histórica. Viu e gostou. Gostou e comprou. Comprou e pagou. Pagou por ser o incontestável possuidor da possuída posse.

A casa de Haroldo, amigos, não é uma casa comum, que a escritura diz construída de alvenaria, de simples e perecíveis tijolos. É obra granítica, com paredes de meia braça, a sustentar janelas coloniais, portas imensas, de duas bandas, com pesadíssimas traves e ferrolhos, frutos, não só da segurança mineira como da senhorial competência de suados ferreiros de antanho. A casa de Haroldo, de telhado de aroeira lavrada a golpes de enxó por mãos competentes, tem repetidas ripas de jacarandá! As paredes das salas mais nobres são revestidas com lambris e o piso é digno das passadas de um comandante-centurião. Na frente, o arquitetônico ornato de uma resistente cimalha dá o toque do poderio e da força de uma escolha consciente do construtor e mestre-de-obras, orgulho da arte de cantaria.

O fundo do nobre solar, após generoso quintal de frutos opimos, divisa com as mais cristalinas águas do rio de areias brancas, leito de pedras polidas, barrancas atapetados de grama verdinha e capim gordura. Ao longe, mas não muito distante, o perfil elegante de centenárias árvores a formar moldura com o azul de ferrugem das serras e a linha cinzenta-celeste do horizonte. Tudo uma graça, um encanto para os olhos e um prazer para o coração...

Por tudo isso, pelo amor, pelo romantismo da decisão comercial, pela poesia, pelo gosto, pela nobre humildade e pela humilde nobreza de sã consciência, prevalecendo-me não sei de que autoridade, não tenho dúvida de atribuir a Haroldo Lívio, culto e intelectual senhor das Minas Gerais, o título de Barão de Grão-Mogol.