Eis aqui a vigésima terceira edição da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros que continua circulando dentro do prazo ajustado desde a sua fundação, graças a participação de seus colaboradores em favor do desenvolvimento intelectual do nosso povo. O resgate e a preservação da história é um trabalho árduo e gratificante ao mesmo tempo, desde a elaboração dos exemplares até o seu lançamento, a cada semestre. É sempre oportuno ressaltar que, a compreensão e a solidariedade na remessa dos textos enriquecem, de importância a cada publicação. E não é de estranhar que assim seja, pois a cidade da arte e da cultura (Montes Claros) possui a mais bela história dentre todas as outras cidades mineiras.
Nesta edição, comemoramos com muita alegria o septuagésimo aniversário da Associação Comercial e Industrial de Montes Claros, com um belíssimo texto do confrade Lázaro Francisco Sena. Não
menos importante, ainda destacam os textos de Dorislene Alves
Araújo, Edvaldo de Aguiar Fróes, Felicidade Patrocínio, Filomena
Alencar Monteiro Prates, Harlen Soares Veloso, Itamaury Telles,
Leonardo Álvares da Silva Campos, Mara Yanmar Narciso, Maria Clara
Lage Vieira, Maria da Glória Caxito Mameluque, Maria do Carmo
Veloso Durães, Wanderlino Arruda e do associado correspondente, o
cordelista José Walter Pires da cidade de Brumado – Bahia.
Dessa forma, o leitor encontrará um farto material sobre a
história de Montes Claros e da região do Norte de Minas, assim como
os dados genealógicos e biográficos de nossa gente, além de outros
temas de interesse geral. Por tudo isso, neste ensejo, manifestamos com
especial carinho o nosso agradecimento a todos aqueles que, de uma
forma ou de outra, contribuíram para que tornasse viável a publicação
desta Revista, pois temos a convicção de que jamais faltará o auxilio
e a atenção de quantos valorizam e prestigiam a pesquisa histórica de
nossa terra. Enfim, eis aqui o nosso propósito para construção de um
mundo mais humano e mais fraterno. Boa leitura!
Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires
IRACY PEREIRA SANTOS
O meu coração está de luto! Um silêncio invade a minha alma ao saber da morte do meu tio Iracy Pereira Santos. Já estava tudo anunciado, é verdade, e mesmo assim nós não conseguimos acreditar nos desígnios do Grande Arquiteto Do Universo, isso porque, a notícia nos tomou de sobressalto neste amargo dia 17 de outubro – dia dedicado ao Santo Inácio de Antioquia, que mesmo depois da morte continuaria a orar pelos seus irmãos junto a Deus dizendo: “Meu espírito se sacrifica por vós, não somente agora, mas também quando eu chegar a Deus. Eu ainda estou exposto ao perigo, mas o Pai é fiel, em Jesus Cristo, para atender minha oração e a vossa. Que sejais encontrados nele sem reprovação”. Iracy, assim como Santo Inácio cuidou dos mais necessitados, você, na infinita bondade do seu florescente coração, também ajudou inúmeras pessoas em todos os segmentos da sociedade guanambiense. Por tudo isso eu insisto em dizer que o meu coração está, completamente, de luto!
Aprendemos na escola-do-tempo que o homem morre, mas
que o seu nome permanece imortalizado nas boas intervenções
aqui praticadas. O seu currículo, Iracy, é um dos mais fecundos de
ações humanas, de muitas caridades, de amor pleno e de amizades
profícuas. Por tudo isso os seus legados serão sempre lembrados no
batente constante do Banco do Nordeste, nas reuniões festivas do
Rotary Clube e da Maçonaria e, principalmente, no seio de nossa
família. O seu dinamismo com o colecionismo de carros antigos, a
sua participação discreta e firme nas decisões políticas do município,
o seu empreendimento robusto em construir pontes sem o bajoujo
dos incompetentes, a sua maneira fantástica de preservar a memória
das pessoas queridas, em especial o nosso saudoso avô Teixeirinha, tudo isso lhe credencia uma entrada triunfal no céu, sem mesmo
pedir licença a São Pedro – você se lembra de Irene? Pois bem, Iracy,
você é um homem imortal em todos os sentidos. O povo sertanejo
tem por você um respeito incondicional, uma admiração sincera e um
carinho imensurável por tudo que você fez em vida e fará na morte.
Nota-se que, durante a minha peregrinação na vida, muitas
vezes eu ouvi os seus valorosos conselhos. De certa feita, lhe perguntei
sobre a possível dispensa voluntária no Banco do Brasil e você me
respondeu categoricamente: “fique lá até você se aposentar”. E eu
fiquei. Sorte minha!
Aliás, a tristeza pela sua partida revela em nós o canto estridente
e livre de cigarras na escuridão da estrada, ou o doce arrulhar de
uma indefesa pombinha fogo-pagou, desgarrada e bem no meio da
pobre e fatigante caatinga. Enquanto aqui, os nossos olhos tristes, em
chuvaradas de lágrimas, fazem dos espíritos perfeitos os mensageiros
de sua triste partida. Lá no infinito dos céus, melhor acolhida lheé reservado no espaço destinado aos homens bons, os que estarão
sempre na vanguarda da perfeita sintonia para com a vida aqui na
terra. Certamente que os céus ouvirão de você o que há de se fazer
no mundo dos mortos em benefício dos vivos deste vasto mundo.
Iracy, a nossa cidade de Guanambi lhe deve muito e certamente que o
seu nome será gravado no parthenon dos imortais para sempre. Tudo
justo e perfeito!
Dário Teixeira Cotrim
Cadeira N. 93
Patrono: Simeão Ribeiro Pires
HÉLIO VELOSO DE MORAIS
A filatelia está de luto. O Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros está de luto. De luto estamos todos nós com a partida do confrade Hélio Veloso de Morais. Um filatelista dedicado e totalmente apaixonado pelos selos postais dos Correios. Certamente que neste setentrião norte mineiro não haverá outro filatélico igual a ele por um bom tempo. Convivi muito com o confrade Hélio de Morais nas reuniões do saudoso Clube Filatélico e Numismático de Montes Claros, que eram realizadas nas dependências dos Correios. Lembro-me muito do ilustre companheiro conversando com o associado Francisco Gomes Calaça sobre as novidades no mundo da filatelia. Era comum nos entretenimentos a troca de selos e os elogios direcionados àqueles que mais se interessassem na catalogação de espécimes adquiridas. Era uma festa ao redor de uma mesa grande, festa que contagiava até mesmo aqueles que não se identificavam com a ciência de colecionismo.
Ademais, eu guardo com extremo cuidado, alguns envelopes obliterados pelos Correios e que hoje são peças raras para os novos
Hélio de Morais, Aragão (Correios), Júlia e Dário Cotrim na abertura da Exposição
Filatélica e Numismática na Caixa Econômica Federal de Montes Claros.
colecionadores. Não obstante a minha vocação ser apenas a numismática,
ainda tenho um pouco de conhecimento da filatelia e isso se
deu em vista da insistência de Hélio de Morais que, vez por outra, me
presenteava com selos e envelopes postais, incentivando-me à técnica
de catalogá-los com a rígida ordem que o assunto adrede requer.
Para os associados mais jovens, Hélio de Morais distribuía, gentilmente,
selos em duplicidade do seu arquivo particular, na esperança
de fomentar neles o gosto pelo colecionismo. Ele estudava, com minúcia,
cada peça do seu magote sempre com o proposito de contribuir
conhecimentos em beneficio da arte de colecionar. Admirados por
todos, quando faltava em uma das reuniões, a sua ausência era sentida
e questionada pelos membros do Clube.
A primeira exposição de selos e dinheiro (cédulas e moedas)
do Clube Filatélico e Numismático de Montes Claros aconteceu no período de 03 a 29 de junho de 1994, na Caixa Econômica Federal,
a convite do seu gerente regional, senhor Gilberto Nonato Ferreira
da Costa. Naquela oportunidade o mestre Hélio de Morais proferiu
discurso sobre a “Arte de Colecionar”, apresentando o nosso trabalho
para uma plêiade de pessoas ilustres (entre outros mortais o historiador
Olintho Alves da Silveira e sua esposa dona Yvonne de Oliveira
Silveira, Dr. João Walter Godoy, José Gonçalves de Ulhôa e Francisco
Gomes Calaça, todos os citados in memoriam) e que hoje o recebem
para botar o papo em dia.
No Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, o confrade
Hélio de Morais ocupava a Cadeira de número 23, que tem
como patrono o saudoso o Dr. Carlos José Versiani, grande médico e
benfeitor de Montes Claros. A sua presença em nossas reuniões sempre
foi motivo de imensa alegria, pois ele nos contava as mais belas
histórias do passado de nossa cidade. Hélio de Morais era uma pessoa
inteligente e tinha a absoluta convicção da necessidade de resgatar
a história antiga do nosso povo. Hoje, ele deixa a vida terrena para
gozar as delícias do paraíso celestial ao lado dos que foram antes. O
seu augusto nome ficará para sempre na Galeria dos Imortais do nosso
egrégio Instituto Histórico e Geográfico.
Dorislene Alves Araújo
Cadeira N. 05
Patrono: Antônio Ferreira de Oliveira
TOQUEMOS OS SINOS
Yvonne Silveira, antes de tudo mestra... no sentido amplo da palavra, que dos seus feitos não se vangloria, de cultura inigualável, de plena sabedoria. Minha professora na antiga Faculdade de Filosofia Ciências e Letras - FAFIL / FUNM, atual UNIMONTES. Foi ali, no interior daquele casarão, que tive a grata satisfação e a honra de conhecê-la, em 1980... Ano em que me ingressei no curso de Letras daquela Faculdade, onde ela era professora titular de Literatura Portuguesa e Teoria da Literatura. A professora Yvonne Silveira sempre foi uma figura ímpar. Sua energia e dinamismo nos impressionavam. Personalidade marcante na vida de todos nós, seus alunos. Nos fez empreender viagens magníficas pelo universo literário dos grandes escritores e poetas. Nossa grande incentivadora nas artes da declamação e da escrita.
Por seu intermédio conheci o saudoso João Valle Maurício, escritor e poeta, autor de vários livros de prosa e dos mais belos poemas sobre Montes Claros, e pelo qual, eu, desde menina, nutria profunda admiração e respeito. Atendendo a seus convites, ainda na faculdade,
apresentava-me nos mais importantes e significativos eventos culturais
de nossa cidade, muitos deles promovidos pela Academia Montes-
clarense de Letras, da qual dona Yvonne era membro.
Ao longo do tempo, nosso vínculo de amizade foi crescendo,
amadurecendo e consolidando-se. Em 1989, nossa mestra maior,
Yvonne Silveira, torna-se Presidente da Academia Montesclarense
de Letras, cargo assumido com dedicação e compromisso. Em 1996,
com seu apoio, lancei o meu primeiro livro, “A Dança das Palavras”,
obra agraciada em 1997 com o “Prêmio Cultura”, do Jornal de Notícias,
através da coluna da Jornalista Márcia Sá, “Gente, Empresas e
Negócios”.
Em seguida, também com seu aplauso, pleiteei, com suces¬so,
uma cadeira na Academia Montesclarense de Letras, tornan¬do-nos
assim, além de amigas, confreiras. Em 2002, a presidente da Academia
Montesclarense de Letras, Yvonne Silveira, ilustra mais uma vez a
minha história, prefaciando com beleza e generosidade o meu segundo
livro, intitulado “Canção do Amanhã”.
A professora Yvonne é mesmo uma pessoa extraordinária, dotada
de memória e cultura fabulosas. Referência máxima nos meios intelectuais
de nossa sociedade. Sócia de várias entidades e instituições,
como: Rotary Clube Sul, Instituto Histórico e Geográfico de Montes
Claros, Academia Municipalista de Letras, entre outras. Fundadora
da Associação ‘Amigas da Cultura’ e da Academia Feminina de Letras
de Montes Claros. Continua como presidente da Academia Montesclarense
de Letras, onde atua com brilhantismo. Recebeu inúmeros
prêmios literários, homenagens e títulos, por merecido reconhecimento
ao seu valor e à sua infatigável luta em prol da cultura.
Em 30 de dezembro, deste ano, a ilustre e querida mestra completará
cem anos! Uma vida longa e prodigiosa. Vida iluminada e
iluminadora. A nossa notável professora, aos cem anos de idade (tomando
emprestadas as palavras de S. Catarina de Sena), “tem um coração de criança e uma coragem indomável de viver.” Esses cem anos
reduziram a audição da nossa mestra; contudo, não enfraqueceram
sua fala, que conservou-se firme, clara, ativa e vigorosa, com a sonoridade
própria da voz da Yvonne de antanho.
Esses cem anos não diminuíram o brilho dos seus olhos, tornaram
seu olhar mais aguçado pela luz das virtudes conquistadas; não
tiraram da dona Yvonne sua lucidez, ao contrário, enriqueceram-na
com experiências, vivências e conhecimentos, avivando e tornando
ainda mais prodigiosa sua memória. Em absoluto, esses cem anos não
fragilizaram o seu coração; aprimoraram os seus sentimentos, conservando
sua integridade com a energia rejuvenescedora do amor. Amorà cultura, aos amigos, à família, amor indestrutível ao esposo Olyntho
Silveira... E amor a Deus, sobre todas as coisas.
Os cem anos de Yvonne Silveira, definitivamente, não significam
velhice. Eles significam fundamentalmente sabedoria adquirida,
virtude que atua como poderoso elixir de rejuvenescimento do espírito.
Toquemos os sinos, todos os sinos... E celebremos o centenário
dessa nobre e admirável Mulher. Toquemos os sinos em louvor
Edvaldo de Aguiar Fróes
Cadeira N. 01
Patrono: Alpheu Gonçalves de Quadros
CRISES DE HIPOGLICEMIA:
UM CASO EXTREMAMENTE GRAVE
Todo Médico que atende em Pronto Socorro tem a oportunidade de diagnosticar e tratar, na crise, casos variados de hipoglicemia, seja devido ao tratamento com hipoglicemiantes orais ou injetáveis tipo insulina nos diabéticos, jejum prolongado, anorexia nervosa ou devido a neoplasias, fraqueza extrema, comas, etc. Geralmente, a injeção venosa de glicose hipertônica e a manutenção de soro glicosado a 10% IV e alimentos adocicados por via oral, quando possível, resolvem o quadro agudo.
A enfermeira que trabalhava com Jansen, começou apresentar crises de hipoglicemia que, no início, responderam bem ao tratamento. Entretanto, em uma delas, o quadro persistiu com sudorese fria profusa, sonolência , hipotensão arterial e taquicardia, apesar do uso de glicose hipertônica IV.
Foi providenciado, imediatamente, a sua remoção para um Centro Médico de maior recurso a 50 Km, onde foi internada, com exames laboratoriais frequentes , soroterapia glicosada e hidrocortisona endovenosa (Flebocortid ou Solucortef)- 100mg de 12/12 hs.
Tudo isso, há 02 dias da data do casamento de Jansen, impedindo o
comparecimento da amiga e eficiente profissional na cerimônia matrimonial
e recepção aos convidados!
Após aquela crise tão prolongada e grave, ela foi encaminhada
para avaliação por um renomado Endocrinologista em BH que solicitou
a dosagem de Insulina, devido a sua suspeita de tratar-se de
Insulinoma (tumor das ilhotas pancreáticas ou de Langerhans).
Naquela época não se realizava em BH a dosagem de Insulina
e a paciente foi para São Paulo, para outro famoso Endocrinologista.
A dosagem de Insulina foi normal, afastando-se a suspeita de Insulinoma
e o amigo de Jansen lhe enviou um relatório, sugerindo a
hipótese de ingestão compulsiva de hipoglicemiante oral, por se tratar
de enfermeira com fácil acesso a medicamentos, o que foi de imediato
descartada pelo Médico, pois tratava-se de pessoa da sua irrestrita
confiança, de personalidade e conduta invejáveis!
O diagnóstico foi de Hipoglicemia Idiopática ou essencial (termos
usados em Medicina quando não se consegue estabelecer a causa
de uma patologia)! Interessante comentar que o “terreno genético”
desse tipo de hipoglicemia, é semelhante ao da hiperglicemia ou Diabetes
e, assim, a paciente passou a fazer controles frequentes da sua
glicemia, constatando-se, às vezes, pequenos picos de hiperglicemia,
sem necessidade de medicação e quando iniciava os primeiros sintomas
da hipo, ingeria alimentos doces. Nada disso impediu a continuação
do seu admirável trabalho na bela profissão que abraçou!...
EDEMA AGUDO DO PULMÃO E TROMBOSE MESENTÉRICA
O paciente de 80 anos, cardiopata crônico, pai de um grande
amigo de Jansen, começou apresentar dispnéia intensa (falta de ar)
e dor abdominal difusa seguida de vômitos escuros e o médico foi
chamado para atendê-lo em sua residência em torno da meia noite.
Imediatamente para lá se dirigiu, constatando um quadro assustador:
sinais evidentes de insuficiência ventricular esquerda, com edema
agudo do pulmão, arritmia cardíaca e sopro diastólico no foco aórtico,
estertores crepitantes difusos, agitação e cianose nos lábios e polpas
digitais, além de dor abdominal e vômitos (hematêmeses) devido
a presença de sangue misturado com secreção gástrica. O paciente era
portador de insuficiência de válvula aórtica!
Não tendo O2 disponível para catéter nasal, foi feito o garroteamento
rotatório dos 03 membros para diminuir o retorno de sangue
ao coração insuficiente, com intervalos de 10 minutos e injeção de
cardiotônico e diurético venoso ( Cedilanide + Lasix) diluídos em
so-ro glicosado hipertônico. Feita sedação com meperidina (Dolantina)
intra muscular. Repetiu-se depois mais 1 ampola de Cedilanide e
Lasix, observando-se melhora lenta e progressiva do quadro. Somente
em torno das 05 horas da manhã o médico recomendou aos familiares
a transferência do idoso para um Centro Médico de maior recurso a 50 Km de distancia e se dispôs acompanhá-lo, alertando-os que o
caso era gravíssimo, pois o seu diagnóstico para a dor abdominal com
hematêmese era de isquemia intestinal, devido trombose mesentérica!
E lá se foi uma verdadeira comitiva de carros pela estrada poeirenta,
até à Santa Casa, onde foi internado.
Um médico de confiança da família passou a cuidar do caso,
tendo havido regressão do quadro cardíaco e a dor abdominal, devidoà sedação do paciente, melhorou aparentemente. E Jansen regressou
para a sua cidade, pensativo e preocupado. Aquele médico constatou,
no exame do abdômen, uma bexiga muito cheia atingindo o umbigo
chamado entre os profissionais da área de “bexigoma”, fazendo uso de
uma sonda vesical de alívio e, ao toque retal constatou uma grande
aumento da próstata, o que é comum naquela idade, diga-se de passagem!
Concluiu que aquele quadro evoluiria satisfatoriamente, do
ponto de vista clínico. Mas o desfecho daquele caso foi péssimo: à
noite do mesmo dia, a dor abdominal voltou com grande intensidade
e Jansen percebeu, durante o telefonema do filho do paciente dandolhe
conta da evolução do quadro, os profundos gemidos de sofrimento
do seu pai, que veio a falecer em seguida! Realmente a prática da
Medicina nos dá lições frequentemente!
ÚLCERA TÍFICA PERFURADA NO ÍLEO TERMINAL
O paciente encontrava-se internado sob os cuidados do clínico
de plantão da semana, ainda sob observação, fazendo exames, quando
um acadêmico, estudante de Medicina, solicitou ao experiente Médico
já citado, para examiná-lo, pois o quadro estava se agravando.
Na anamnese, registrada na papeleta de internação, havia a história
de febre alta, diarréia súbita, vômitos, dor abdominal difusa,
anorexia e estado geral bastante acometido. Os exames já realizados, mostraram Leucopenia com anaeosinofilia (global de leucócitos dimiminuida,
com ausência de eosiniófilos), com a presença de granulações
tóxicas nos neutrófilos e VHS (velocidade da hemossedimentação)
aumentada, urina rotina com densidade elevada, anemia moderada. A
reação de aglutinação para Salmonella thyphi foi positiva.
O paciente com dieta oral suspensa e hidratação venosa, com
uso de antibiótico de largo espectro IV (Clorafenicol - 500mg de
06/06 horas), mas o seu estado geral se agravou com sinais de toxemia
e dor abdominal difusa e intensa. O experiente clínico, ao palpar o
abdômen, notou contratura muscular de defe-sa e timpanismo à percussão
na área hepática, sinal de pneumoperitônio e, imediatamente,
selou o seu diagnóstico: perfuração de víscera oca por úlcera tífica!
Mandou transferir o paciente para o Hospital de maiores recursos
do mesmo Grupo, solicitou um RX do Tórax que confirmou
o pneumoperitônio (presença de ar abaixo da cúpula diafragmática
direita) e telefonou para Jansen para operá-lo de urgência. Na Laparotomia
confirmou-se a perfuração de úlcera tífica no Íleo terminal,
procedendo-se a ressecção da área acometida, com segurança, seguida
de anastomose em 02 planos com fios adequados, aspiração de todo o
líquido extravazado, com uso de soro fisiológico em abundância para
lavar a cavidade, seguida de drenagem com exteriorização do dreno
por contra abertura e fechamento usual da parede por planos. Sondas
nasogástrica e vesical de demora.
Pós operatório, sob os cuidados daquele clínico e do cirurgião,
com hidratação venosa rigorosa, antibióticos (clorafenicol IV na mesma
dosagem anterior), analgésicos/ antitérmicos, antieméticos e observação
dos curativos e dreno. O referido antibiótico era o indicado
para combater a bactéria causadora da “Febre Tifóide”: a Salmonella
Thyphi murium. Houve a necessidade de Transfusão de Sangue Total,
durante o ato cirúrgico (500 ml) e 1.000 ml no pós operatório.
Tudo isso, numa época que não se dispunha ainda de CTI (Centro
de Tratamento Intensivo) na Cidade. O resultado foi satisfatório para
felicidade de todos!
UM CASO DE GRAVIDEZ TUBÁRIA ROTA,
ORGANIZADA OU GRAVIDEZ ECTÓPICA
A paciente chegou à consulta, acompanhada do seu esposo,
com história de dor no baixo ventre, à direita, iniciada há 30 dias,
com pequenos sangramentos vaginais e estado nauseoso, com vômitos
esporádicos. Tais sangramentos foram confundidos pela paciente
como menstruação. O exame geral mostrou mucosas ligeiramente
hipocoradas, com pressão arterial, pulso radial e frequência cardíaca
normais, com dor à palpação à direita no hipogastro. Ao exame ginecológico,
toque bimanual, notou-se uma massa parauterina direita,
dolorosa aos movimentos do útero, que encontrava-se ligeiramente
aumentado de volume, com colo amolecido. O Dr. Jansen aventou
sua hipótese diagnóstica: gravidez ectópica na trompa direita, provavelmente
rota e organizada!
Relatou ao esposo o seu diagnóstico, propondo levar a paciente
a um Centro de maior recurso, o que foi feito, acompanhado do Médico.
Foi internada na Santa Casa, onde procedeu-se uma punção no
fundo de saco vaginal posterior (Douglas), confirmando-se a presença
de sangue na pelve. Realizou-se a Laparotomia, confirmando-se o
diagnóstico pré operatório, retirando-se a massa que englobava a tuba uterina direita e limpeza cuidadosa da cavidade com soro fisiológico
morno e fechamento da parede. Um colega do Hospital, que auxiliara
a cirurgia, encarregou-se do pós operatório até à alta da paciente emótimo estado. Mais um caso resolvido, felizmente, com sucesso...
UM CASO DE TUMORES BENIGNOS
GIGANTES NA PELVE FEMININA
O presidente do Sindicato Rural da cidade, responsável pelas
autorizações dos internamentos hospitalares dos trabalhadores rurais,
além de vizinho do Hospital tornou-se grande amigo do Jansen, relatando-lhe um caso de uma paciente que vivia numa fazenda distante
e que necessitava de uma consulta, para elucidação da sua patologia.
E, assim, foi agendada a sua consulta, acompanhada por um familiar.
Tratava-se de uma mulher de 45 anos, melanoderma, nulípara,
com história de aumento progressivo do volume abdominal, iniciado
há quase um ano, com dor tipo cólica e peso, acompanhada
de sangramentos frequentes vaginais. O estado geral era satisfatório, constatando-se mucosas hipocoradas. A paciente já havia recorrido a
diversos chás caseiros com plantas da região, além de benzeção com
curadores e rezas da crença popular, tão difundidas na zona rural!
O exame do abdômen revelou uma gigante massa que se estendia
do baixo ventre até a reborda costal, consistência endurecida
e bocelada e o toque vaginal constatou colo uterino ginecológico e
massa pélvica. Indicada a cirurgia, os exames pre operatórios foram
solicitados incluindo-se ABO-Rh, para transfusão de sangue total,
durante o ato.
Foi marcado o dia da cirurgia e combinado com o Anestesista
e auxiliar da vizinha cidade, com os 03 frascos de sangue devidamente
liberados. A laparotomia revelou as presenças de Mioma Uterino
bocelado, enorme e um Cisto do Ovário direito de grande volume,
líquido citrino no seu interior. Feita o esvaziamento do cisto e ooforectomia
direita além da Histerectomia subtotal. O pós operatório
transcorreu sem anormalidades, com diurese e cicatrização abdominal
normais. Os fragmentos da cápsula do cisto ovariano e do mioma
foram encaminhados para exames anátomo patológicos na Capital
(BH) e os resultados foram Benignos. Todos satisfeitos, inclusive,é claro o jovem Jansen pelo sucesso do caso, que providenciou um
enorme frasco de vidro com formol a 10%, colocando a cápsula do
cisto e diversas bossas do mioma, bem tampado, em frente a sua mesa
do consultório, com a data e o título da Cirurgia, tão bem realizada
naquele pequeno Hospital, mirando o frequentemente, com uma certa
dose de orgulho e vaidade, tão naturais naquela idade!
UM CASO DE CÂNCER DE PULMÃO
DENOMINADO DE CABRONCOGÊNICO
O paciente era funcionário da Prefeitura local e procurou o Médico
apresentando quadro de Bronquite Aguda pós gripal com tosse produtiva, febre, anorexia e chiado nos peitos (roncos e sibilos à ausculta
pulmonar), com um detalhe: era tabagista (fumante) inveterado.
O RX de tórax em AP e PERPIL, mostrou imagem arredondada no
1/3 médio do pulmão direito, sendo solicitado o exame de escarro no
laboratório do SESP, para pesquisa do b.a.a.r, que foi negativa.
Foi feito o tratamento usual com antibióticos, analgésicos/antitérmicos,
repouso, expectorante e líquidos oral, recomendando-se o
retorno para controle. Na segunda consulta, o paciente foi encaminhado
para um Pneumologista num Centro Maior e o diagnóstico foi
de Carcinoma Broncogênico que evoluiu, rapidamente, com Metástases
(disseminação da neoplasia), levando ao óbito. É uma das graves
consequências do tabagismo, em todo o Mundo!
UM SURPREENDENTE E INESQUECÍVEL AGRADECIMENTO
Num dos seus plantões de sobreaviso, Jansen foi chamado para
atender um paciente, no Hospital da UNIMED, encaminhado da cidade
de Capitão Enéas, apresentando um quadro de Abdômen Agudo
Obstrutivo, devido a uma hérnia umbilical estrangulada: dor tipo
cólica intensa na região umbilical, náuseas, vômitos, parada de eliminação
de gases e fezes, desidratação e fácies de sofrimento.
E, ao exame abdominal, o cirurgião constatou uma massa irredutível
no umbigo, com dor intensa à palpação e história antiga
de uma hérnia umbilical que se reduzia facilmente até o início do
quadro agudo, após um esforço físico. Instituida soroterapia venosa
glicofisiológica, antiespasmódico preparo imediato para Laparotomia
de Urgência, pois o paciente já estava em jejum.
Feita secção cuidadosa do anel que prendia as alças do delgado,
que se encontravam em sofrimento, cor arroxeada, aplicação de
compressas umedecidas em soro fisiológico morno, em abundância, até a completa recuperação das mesmas, com o típico aspecto róseo
avermelhado, sem lesões das suas paredes. Após a reposição das alças
na cavidade abdominal, procedeu-se ao fechamento da parede com
Herniorrafia pela técnica de Mayo (sutura da aponeurose em “jaquetão”,
com pontos separados, em U, fio inabsorvível: seda).
O pós operatório transcorreu dentro da normalidade, com alta
no 4º dia e marcado o retorno no 10º dia para revisão e retirada dos
pontos da pele. A agradável surpresa ocorreu quando Jansen, acompanhado
do seu filho adolescente, foi fazer a revisão do caso e retirada
dos pontos no mesmo Hospital e o paciente, num gesto surpreendente,
exclamou agradecido na singeleza do homem sertanejo: “o senhor
me viveu, doutor”. Jansen olhou para o filho e lhe disse, emocionado:
aí está a beleza da nobre profissão que abracei! Sempre valerá à pena...
Felicidade Patrocínio
Cadeira N. 20
Patrono: Camilo Prates
UM POUCO DE ZÉ
Há um sentimento visível de felicidade, muitas vezes confessado entre nós, os dez irmãos Patrocinio, devido ao berço de origem e ao amor e princípios que nos legaram nossos pais, Dário e Ditinha.
Como quinta filha e primeira mulher na escala sucessória dos nascimentos, eu tinha o cuidado dos meus irmãos mais velhos, Tuca, Carlinhos, Lô e Zé, e, é claro, eu ajudava no cuidado dos que vieram depois, Zélia, Tião, Fátima, Graça, Donério, Roberto e Márcia. Fátima, ainda criança, antecipou a sua viagem sem volta, e Tuca, o mais velho, companheiro de viagens do nosso pai, tomou a providência de acompanhá-lo, também, na viagem derradeira. Hoje somos dez os que sobreviveram às intempéries do mundo e, embora tenhamos vidas e personalidades diferentes e habitemos localidades distantes, honramos o amor de nossos pais, com a nossa incondicional união e mútua solidariedade.
Dentre todos os componentes desse contexto, quero destacar o Zé pela essência superior do seu ser. Ele é somente um ano mais velho que eu; quer dizer, eu tomei logo cedo o colo que era dele, o que
me enche de remorso. No entanto, ao invés de ciúmes, recebi desde
o primeiro instante o seu companheirismo. Desde bebês, estávamos
sempre juntos. Bagunçávamos o ambiente, por vezes derrubando e
quebrando coisas, e, quando descobertos, conforme relatos da velha
vó Dadinha, ele logo apontava para mim e dizia: “Foi Dade”.
Olhando para o túnel do passado, lembro-me de uma nossa
aventura em Serra Nova, onde nosso pai nos deixou enquanto viajava a
trabalho, bem pequenos ainda éramos. Simplesmente desaparecemos,
os dois, na mata que cobria parte da Serra Geral, naquela localidade
que depois se tornou reserva natural com o nome de Parque Serra
Nova. A avó Dadinha, responsável por nossa integridade física estando
nós no seu habitat, espalhou os moradores da vila em nossa busca.
O dia já findava quando nos encontraram perdidinhos em busca de
uma cobra muito linda que tinha balançado um atraente chocalho
(uma cascavel). Ao sermos levados à presença da avó em desespero,
não adiantou ao Zé dizer “Foi Dade”: ambos apanhamos feio. Para
mim, esse salvamento foi a primeira manifestação do poderoso Anjo
protetor que acompanha o Zé por toda sua vida.
Rumo à escola, eu sigo os passos de Zé no Grupo Escolar
Francisco Sá, onde ele se destacou pela inteligência e aplicação. Ao
final do 4º ano, foi premiado com um livro grande, de capa dura,
ilustrado, tão belo que acendia faíscas nos nossos olhos. Com esse livro
nas mãos, ainda pequenininho, internou-se no Seminário Diocesano
de Montes Claros para se preparar para ser padre, e lá permaneceu por
muitos anos. O regime do internato era austero e exigia dedicação.
O Zé adequou as suas necessidades e aspirações aos objetivos do
seminário, imprimindo excelência em tudo que lá produzia. Tinha
notas altas, participava com brilhantismo dos concursos de oratória,
em línguas. Lembro-me dele vencendo um concurso de oratória
em grego. Nas visitas mensais que os familiares podiam fazer ao
seminário, éramos brindados com peças teatrais esplêndidas, flashes
históricos dos tempos das Cruzadas. Nas férias, quando o Zé vinha para casa, a vizinhança se reunia para assistir a nossas missas. Digo“nossas” porque fui sua sacristã. Lembro-me da vizinha dona Antônia,
das avós Sinhá e Dadinha, e mãe, contritas, comungando hóstias de
rodelas de banana, enquanto eu batia sonoramente o almofariz de
cobre e respondia “Et cum spiritu tuo”. A missa era perfeita, mesmo
assim eu, às vezes, por achar graça, soltava uma irreprimível risada no
meio da cena, ocasião em que o Zé me lançava um olhar fulminante.
E assim a vida foi passando. O Zé, sempre longe de nós,
transferiu-se para Diamantina, em busca do Seminário Maior, onde
iniciou os estudos de Teologia e Filosofia. Lá ele decidiu romper
com esse projeto e pensar num outro, mais condizente com a sua
expectativa de então. O choque inesperado para a família foi superado
e o Zé caminhou rumo a novo horizonte.
Mudou-se para Belo Horizonte e morou por um tempo com
a família de tio Antônio, cuja finura e generosidade facilitaram essa
etapa de sua vida. De lá o Zé foi para Brasília, onde explodiu na
liberdade do seu ser sempre contido. Classificou-se entre os primeiros
no vestibular para o curso de Economia da Universidade de Brasília
(UnB) e, numa época de grande agitação política, foi eleito presidente
de diretório estudantil na mesma universidade. Seu compromisso com
a ética e a liberdade levou-o a tomar parte em manifestações de repúdio
ao golpe de estado de 64 e à ditadura militar, que acabou resultando
na sua prisão pelos militares. Nesse momento, vi em minha casa, em
Montes Claros, longe de Brasília, os meus pais chorando e rezando,
confabulando segredos, queimando livros de capas vermelhas e
implorando ajuda e intervenção a deputados. O mano Carlinhos, que
estudava Medicina em Uberaba, estava em Brasília e intercedeu, mas
também foi preso até averiguação. Nessa passagem, eu percebi mais
uma manifestação do poderoso anjo protetor de Zé, que foi libertado
sem sofrer torturas.
O Zé, já conhecido e respeitado, tornou-se um namorador
contumaz. As moças se apaixonavam facilmente por ele e o disputavam
com determinação. Ele não tem a beleza de um galã, mas o seu ser especial, a educação extremada, a atenção que dispensa a todos, a
generosidade incansável, sua sabedoria e intelectualidade, até mesmo
a sua doçura, cativam e prendem para sempre.
Ao se formar economista, o Zé, através de concurso, foi
trabalhar na Receita Federal, iniciando sua carreira no serviço público,
para o qual tem grande vocação. Foi selecionado para estudos de pósgraduação
na Sorbonne por cinco anos e morou em Paris, onde se
casou com a paraibana Hermita Prazim, que para lá foi em busca
do seu amor, deixando para trás consultório de dentista. Ao retornar
ao Brasil, foi assessor de Mailson da Nóbrega, à época ministro da
Fazenda, e desde há muito é consultor legislativo do Senado, sendo
muito requisitado na área de tributação.
Tem um filho que adora, o Graciliano, lindo jovem ainda
estudante, em quem investe todas as suas expectativas. Adora arte,
conhece-a bem e com ela convive estreitamente, chegando a tornarse
um colecionador de obras de grandes nomes da história da arte
brasileira.
Joga bem o tênis e adora viajar, tendo me concedido a
oportunidade de acompanhá-lo em viagens memoráveis ao redor do
mundo. E foi nesta circunstância, de companheira de viagem, que
passei a admirá-lo e amá-lo mais e mais. Nessas viagens e através de suas
pacientes explanações, ele me ofereceu o esplendor do conhecimento
de parte do mundo. Assim, compartilhando do seu encantamento,
percorri grande parte do Canadá, Estados Unidos, Espanha, Portugal,
quase toda a Patagônia argentina e chilena, o Paraguai, e também
grande parte do Brasil. Ele adora dirigir nas estradas e todos os perigos
enfrentados foram sempre bem contornados com a ajuda nítida do
seu poderoso anjo.
Todos os irmãos a ele devem favores. Para beneficiá-los ainda
mais, adquiriu e ofereceu à família uma deliciosa casa de praia no sul
da Bahia. Assim também com a casa de Serra Nova, vila natal de nosso
pai, onde o Zé fez benfeitorias para um povo humilde e promoveu
a maior festa que aqueles arredores já viram, para comemorar o
centenário de nosso pai.
Para mim, o Zé é um exemplo maior de ser humano. Na sua
companhia, presenciei gestos de paciência, educação e tolerância
incomuns, para com todos que o rodeiam. Sempre fui alvo da sua
generosidade. Houve um tempo em que, devido às dificuldades
financeiras, eu estava empurrando carro na rua, sem poder trocá-lo, e
o Zé chegou com um carro de presente. Mais à frente, ele trocou este
carro dado por outro mais novo e melhor. Ele vive perguntando se
estou precisando de dinheiro ou alguma outra coisa, e eu emocionada
respondo que sim ou que não. Então pergunto: como não ser feliz
tendo um irmão como esse?
Eu, sim, sou muito feliz porque tenho você, Zé, como meu
irmão e agradeço a Deus esse privilégio, implorando-Lhe que lhe
conceda vida bem longa com saúde, paz, amor e tempo para receber
nossa gratidão.
Capa do Livro: Histórias de Serra Nova, em comemoração ao centenário de nascimento do nosso
pai Dário Silveira, organizado por José Patrocínio da Silveira e Roberto Patrocínio Silveira.
Filomena Alencar Monteiro Prates
Cadeira N. 74
Patrono: Luiz Milton Prates
A VIDA É UMA ETERNA
E SÁBIA MESTRA
A vida é uma eterna e sábia mestra que está sempre a nos ministrar aulas e trazendo sempre novas surpresas. Surpresas essas como podemos comprovar através desse título de Cidadã Montes-clarense que hoje recebo o que muito me honra, principalmente saber, que a partir de hoje sou uma das mais “novas” (aspas) das irmãs de vocês meus caros amigos de Montes Claros.
De coração já sou mineira há mais de quarenta anos quando aqui cheguei, vindo do Nordeste, deixando para trás aquele povo sofrido e castigado pelas intempéries das estações do ano, quando muitos esperam pelas chuvas e elas vão para outras plagas, causando muitas vezes o caos trazido pelas enchentes, enquanto que no Nordeste o sertanejo continua a olhar para o céu esperando o milagre das chuvas, depositando suas últimas esperanças no dia de São José – 19 de março – que segundo a crença, se chover neste dia a colheita estará assegurada.
Mas, meus amigos, o que me trouxe à Minas Gerais não foi a
seca e, sim, a ingratidão da política.
Meu pai era um advogado, com um bem montado escritório;
pequeno fazendeiro nas horas vagas, mas, sobretudo, apaixonado chefe
político do nada saudoso do Partido Social Democrático – PSD.
Quando Parsifal Barroso foi eleito governador do Ceará, o meu
pai apesar de haver sido vitorioso na eleição teve a grande tristeza de
ver um ente querido seu, ser assassinado por adversários políticos.
O velho Zequinha Monteiro, na época com sessenta e poucos anos
de idade, não pensou duas vezes, fez como o patriarca Noé, reuniu a
esposa, filhos, genros, noras e netos e partiu sem olhar para trás em
busca do país dos Gerais.
Na época eu cursava a Faculdade de Serviço Social em Fortaleza,
no último ano; o então seminarista Antônio Alencar (hoje Padre
Alencar)estudava teologia no seminário da Prainha, também em
Fortaleza. Veio para o seminário de Diamantina onde completou os
estudos, ordenando-se sacerdote no ano de 1962.
Do Ceará meu pai veio direto para a cidade de Coração de Jesus
(hoje tão bem aqui representada por meus familiares) onde comecei a
lecionar no Grupo Escolar Coronel Francisco Ribeiro como professora
primária. No ano seguinte (1959), conheci o jovem advogado Adão
Múcio Prates que, ao ser informado pelo seu pai Flaminio Prates da
chegada de um outro advogado (o meu pai), na cidade falou: “Esse
velho veio atrapalhar meu início de carreira”. Nem pensava que esse
mesmo velho um dia tornaria seu sogro.
Fiquei conhecendo Mucio em abril de 1959 e em 31 de julho
de 1960 nos casamos. Em Coração de Jesus nasceram meus primeiros
filhos: Cid, Célia, Cecília Maria e Carlos Eduardo. Já Ana Cristina e
André Felipe nasceram aqui em Montes Claros. O que me torna cada
vez mais montes-clarense do coração e por adoção.
Adão Múcio Prates, marido de Filomena
Senhor presidente da Câmara, Dr. Iran Rego, esse título que
hoje recebo me dignifica ainda mais por me ter sido conferido por V.
Excia., pessoa a quem muito admiro pela sua dignidade e honradez
como político e grande devoto e leal discípulo de Hipócrates a quem
nunca traiu o juramento feito quando de sua formatura em medicina.
Minha gratidão aos Srs. Vereadores pela aprovação do meu
nome; sem deixar de mencionar os nomes dos meus queridos ex-alunos
João Hamilton e Lipa Xavier de quem fui professora quando lecionava
no Colégio Tiburtino Pena, em Francisco Sá, onde Mucio
atuava como juiz da Comarca.
Seria impossível destacar nomes, pois são pessoas tão queridas
que não haveria papel que coubesse tão grande lista.
No entanto preciso agradecer a vocês pela acolhida maravilhosa
na nossa querida Montes Claros: a família Prates Ataíde por parte
do meu marido; a Sociedade Amigos da Cultura e Grupo Lisieux de
quem sou um dos mais humildes de seus membros e me orgulho de
pertencer.
Portanto meus irmãos montes-clarenses de uma coisa podem
ter certeza: estou muito feliz com esse título e tudo farei para honrá-lo
e dignificá-lo como Montes Claros bem merece.
Agradeço a presença do meu esposo Adão Múcio, de filhos,
genros, netos, irmãos e cunhado que estiveram presentes. (Falar sobre
S. V. não fica de pé, no dizer do meu pai)
SALVE MONTES CLAROS
Terra acolhedora, quando te conheci já eras centenária.
Quando aqui cheguei vindo do nordeste, era ainda uma velha senhora
que andava em passos lentos, mas, sempre buscando dias melhores
para teus filhos.
Eles cresceram, saíram para outros lugares em busca da perfeição;
nas letras, nas artes, no cinema etc. Ciro dos Anjos, Yara Tupinambá,
Carlos Alberto Prates e tantos outros que seria impossível
enumerá-los. Olhando para o passado minha bela Montes Claros,
vemos quanta coisa mudou. Temos Academia de Letras, Museus,
Centro Cultural, Instituto Geográfico, Arquidiocese, Conservatório
Musical, Unimontes e muitas outras Faculdades, onde jovens de varias
cidades vem em busca das tuas Fontes Culturais, matarem a sede
de novos conhecimentos. Morei na cidade de Coração de Jesus, lá
me casei e nasceram quatro filhos, os outros dois já nasceram aqui,
são Montesclarenses como eu, cujo titulo me foi outorgado pelo
ilustre presidente da Câmara Municipal Dr. Iran Rego, uma comenda
de que tanto me orgulho. Morei em Porteirinha onde fiz grandes
amizades e depois meu marido foi promovido para a Comarca de Francisco Sá, cidade querida e acolhedora onde me tornei “Brejeira de
Coração”. Hoje morando aqui nessa cidade, sinto orgulho de pertencer
ao Instituto Geográfico ao qual me dedico com grande afeição e à
Academia Feminina de Letras, a qual considero uma grande família.
Devo ainda citar com bastante entusiasmo a Academia Montesclarense
de Letras, onde seus membros são verdadeiros ícones do saber,
sendo que, muitos deles já se encontram em outro Plano Espiritual,
mas deixaram seus nomes gravados nos anais da tua historia querida
Montes Claros. Sempre que posso participo das reuniões em Casas
de Cultura, e recentemente em uma dessas reuniões, adquiri alguns
volumes de uma verdadeira Antologia do colega José Ferreira, ao qual
parabenizo, e que na sua linguagem simples e autêntica, fala da sua
juventude, dos esportes e enaltece a figura de seu pai, Sr. Galdino.
Sou Grata e Feliz por viver e compartilhar com as inúmeras entidades
culturais desta cidade, repletas de bons autores, colegas e amigos.
Salve
Montes Claros.
Harlen Soares Veloso
Cadeira N. 26
Patrono: Cyro dos Anjos
A ORIGEM DOS VELOSO
DO NORTE DE MINAS
Cavalhada é o nome de uma tradicional celebração portuguesa que teve origem nos torneios medievais, em que os aristocratas exibiam, em espetáculos públicos, sua destreza e valentia. Envolvia temas do chamado período da “Reconquista”, processo histórico de retomada dos territórios conquistados pelos mouros (berberes que professavam a religião muçulmana) na Península Ibérica.
Conforme expõe em seu blog a jornalista Raquel Mendonça, “A mais antiga notícia sobre as Festas (de Agosto) data de 1839, segundo o grande e saudoso historiador e folclorista, Hermes Augusto de Paula, em seu livro ‘Montes Claros, Sua História, Sua Gente, Seus Costumes’ (...). Ao se comemorar a coroação de Dom Pedro II, em 8 de setembro de 1841, foram permitidos oficialmente vários divertimentos durante três dias: ‘Catopês (...); Cavalhadas, Volantins e quaisquer outros divertimentos que não ofendam a moral pública’. As belas “Cavalhadas” desapareceram com o tempo, assim como a figura do ‘Bumba-meu-Boi’, que integrava o cortejo”.
A propósito dessa esquecida manifestação cultural, encontra-se
em registros históricos um interessante conto que descreve o modo
como se desenvolvia a sua representação em Montes Claros. A preciosidade literária (de imenso valor cultural e histórico) está publicada
no jornal “A Manhã”, do Rio de Janeiro, edição do dia 7 de maio
de 1950, suplemento “Letras e Artes”. Seu autor é o montesclarense
Antônio Versiani dos Anjos (26/08/1891 - 08/1970), irmão de meu
patrono, Cyro dos Anjos. Era farmacêutico (diplomado em Ouro Preto)
e escritor. Carlos Drumond de Andrade o definiu como “um narrador
cheio de malícia, poder de observação e talento”, na orelha de
seu livro “Viola de Queluz” (1956). Para a crítica da época, Antônio
Versiani “revivia com suas estórias o homem do interior mineiro, um
tipo social de infinitas possibilidades do mais puro aproveitamento
literário”.
Sem mais delongas, passo à transcrição do primoroso conto do
ilustre conterrâneo (com a grafia original da publicação fluminense).
“CAVALHADA
Iam em quente os últimos preparativos para ser levada a efeito a
festa da cavalhada moirana, velha evocação das pugnas entre mouros
e cristãos, que se realizava todos os anos nos meados de agosto em
Montes Claros, velha cidade mineira plantada num vale cheio de encantos,
debaixo de um céu azul marinho de beleza rara, jamais visto
em outras plagas que não as daquele sertão.
Os ensaios, que por espaço de dois meses foram feitos com regularidade
na várzea do Motoso já tinham sido dados como terminados,
prenunciando-se um êxito completo do drama ao ar livre que
ia reconstituir a tomada de Floripa, filha do rei cristão, e lutas que se
seguiram até à derrota do rei mouro, sua conversão à fé católica, para
finalizar com o casamento do soberano com a princesa.
Havia dois partidos políticos na cidade: o dos ‘estrepes’, que
torciam pelo grupo dos mouros, e o dos ‘pelados’, que o faziam com
igual entusiasmo, mas pelo lado dos cristãos. É que tomavam parte
naquela função pessoas de prol pertencentes aos partidos antagônicos.
Dentre os partidários mais ferrenhos dos cristãos, destacava-se
Bento Cafubá, mendigo acatado que tinha assento na farmácia do
Nandú, cujos traços marcantes da sua personalidade eram a sua intransigência,
gênio irrequieto e linguagem um tanto descomedida.
Lá estava ele refestelado a um canto do gradil, com a sua indefectível
manguara, assuntando o tempo, quando aparece o major Exupério,
um caboclo de modos estabanados à procura de digestivo. Exupério
iria desempenhar o papel de rei mouro nas corridas. Aparece solícito
Nandú para atende-lo, enquanto Bento Cafubá o olha de soslaio e,
já enervado que nem cascavel em cima da rodilha, à espera da bocada
que o ‘estrepe’, sempre que se oferecia oportunidade, lhe ativava.
- Então seu major, que me conta de novo? – disse Nandú.
- Muito ocupado com os ‘apreparativos’ da cavalhada, seu Nandú,
‘mas porém’ acho que o ‘trem’ vai agradar. Me arranja aí um amargo.
A uma ordem do farmacêutico, o caixeiro trouxe a beberagem
que o major sorveu de um trago.
- ‘Marga’ que nem ‘fel’, ‘mas porém’, é remédio superior. A gente
tomando ‘ele’ em antes, pode comer o que quiser que o estômago‘constroe’. O senhor carece de tirar patente dele antes que qualquer
vadio carregue a receita e saia por aí a fazer milagres à sua custa.
Já foi a primeira bodocada para o Bento, que com supremo esforço
se fez de distraído para evitar discussão. Não satisfeito, virou-se
para ele:
- Tu ainda não foi para o asilo, ‘esse menino’?
- Não senhor. – respondeu Bento. Não quero ir para lá enquanto não assistir a corrida de uns cavalinhos manquitolas que vai
ter amanhã, porque quero ver muita gente graúda borrar na retranca.
O Nandú, que é homem de boa paz, procurou mudar de assunto
e o major saiu pouco depois cuspindo grosso e olhando de banda
para Cafubá, que indiscutivelmente tirou vantagem nesse último embate.
- Mas você pintou com o major. É capaz dele ter saído agastado
com aquela sua resposta.
- Uai! Eu estou no meu quieto, o senhor bem viu. Prá que é
que aquele besta vem ‘jogar ponto’ por cima de mim? Eu sou pobre,
mas não como disaforo nem levo eles para casa. Respondo é no ‘sufragante’.
Continuou resmungando Bento Cafubá, quase em solilóquio,
porque Nandú atendia naquele momento a outros fregueses, dessa
vez clientes que vinham fazer consultas, como é frequente no interior.
O afluxo de gente, nessa ocasião, como sói acontecer em vésperas de
festa, era grande.
Não podendo desabafar com o farmacêutico, dirige-se ao coronel
Zacarias, velho procurador de partes que acabava de chegar:
- Pois é, coronel. A gente está ‘seus quieto’, chega umas ‘cria’
e entende de fazer pouco caso só porque é rico. Pode ‘insuquir’ os
dinheiros dele que eu, graças a Deus, posso passar sem ele porque
ainda tenho muitos amigos para me valerem. Não careço de adjutório
de ‘estrepe’ nenhum. O mal que ele pensa que eu tenho é ser pobre.
Pobreza algum dia foi defeito coronel?
- Não é defeito não, Bento. É aleijão. – respondeu o coronel
galhofeiro, a quem não faltava presença de espírito.
Bento não quis ouvir o resto das gargalhadas provocadas pela
piada do advogado. Saiu bufando – ‘Teve melhor’, – disse entre dentes.
Chega o grande dia das corridas. O Largo de Baixo, onde se
situava a velha igreja matriz, todo embandeirado, tendo em uma das
extremidades da praça, já armado o palanque, à guiza de castelo do
Rei cristão, devidamente ornamentado com varas de bambu, festões
(trecho truncado) o palanque, à guisa de castelo do trave para argolinha,à semelhança de goal de futebol e, em cada ângulo do largo,
os bonecos de papelão espetados em postes para servirem de alvo aos
guerreiros, finalmente, a um canto, o rancho de capim do ‘espia’.
A banda de música ‘Euterpe’, tida como a melhor das duas existentes,
ricamente equipada com seu instrumental de metal amarelo
luzidio, também estava a postos com todas as ‘figuras’ devidamente
uniformizadas.
A grande praça se achava estivada de gente de toda a condição
social, tipo e raça, indumentária variadíssima, desde a que caracteriza
o povo das cercanias até a usada nos sítios mais distantes, numa redondeza
de trinta a quarenta léguas, emprestando um colorido heterogêneo
e original àquele cenário de festa regional. Não faltavam também
os granfinos da cidade e dos burgos circunvizinhos, quase todos
desafiando a canícula daqueles dias de verão com ternos de casemira
preta tresando a naftalina.
Tudo, porém, na melhor ordem, sem nenhuma necessidade de
assistência policial, tão somente na alegre expectativa do torneio que
ia realizar-se dentro de alguns momentos.
Havia também em torno da liça uma profusão de bancas de
refrescos, onde predominava a gengibirra, ‘quitandas’ (biscoitos e bolos),
afora os ambulantes de tabuleiro a cabeça oferecendo toda a sorte
de guloseimas e frutos diversos.
- Oólha a gengibirra, feitio do Leolino do Beco! ...
- Oólha os biscoito fofão ...
- Oólha os ‘panam’, cem réis cada um! ...
- Chega freguesia, óia o dinheiro e a vazia! ...
- Oóia as brevidade, feitio de Siá Mariquinha do Ó! ...
De súbito, cessaram os pregões quando a banda de música executou
um vibrante dobrado e Neco de Maria Enfeitada começou a
queimar os foguetes do Bernardo Calango. Era prenúncio da aproximação
dos cavaleiros.
Surgem, afinal, os cavaleiros cristãos em primeiro lugar, em torno
do seu rei, embaixador e princesa, todos montados em corcéis ricamente
ajaezados, os homens usando dolmans azuis, calças brancas,
botas de montaria, armados de lanças enfeitadas de fitas multicores,
espadas e pistolas a cinta. Dirigem-se para o lado do palanque, onde
se instalam o rei, a princesa e o embaixador. Em seguida aparece o
grupo mouro precedido do seu soberano, o major Exupério e respectivo
embaixador. Seus dolmans são vermelhos para se distinguirem
dos cristãos, assim como o revestimento dos arreios, que é também
encarnado.
Compareceram também o ‘espia’, que se foi alojar na palhoça, e
o ‘careta’, um cavaleiro avulso, apalhaçado e mascarado, como se fosse
o bobo do rei.
O entusiasmo era grande e empolgava a todos sem embargo,
entretanto, da bisbilhotice característica do sertanejo, que tudo esquadrinha,
comentando a seu modo, mansa e pacificamente, as menores
coisas, mas com regular dose de jocosidade.
- Ói, Tião, ói o Bento Cafubá no palanque do Siô Juca Feroz.
Véerge! Ta que nem cabe um alfinete e ‘pelado’ véi dos infernos,somentes
porque o coronel Nolasco cumprimentou ele.
Deixe ele, coitado. Está matando a saudade do tempo em que
foi embaixador. Hoje, com aquela perna esquecida perdeu o ‘prestígio’
prá correr.
O coronel Nolasco era o rei cristão. Figura desempenada, boa
altura e têz clara, usava uma bigodeira bem frisada e um andó. Às
vezes, algum ‘estrepe’ mais irreverente se aventurava a chamá-lo de‘barba de bóde’ não encontrando, porém, guarida mesmo entre os
seus companheiros. Desempenhava satisfatoriamente o seu papel, o
que vinha já fazendo há anos, podendo considerar-se como a figura
central daquele tradicional torneio. Sabia na ponta da língua o que
teria a dizer quando fosse assaltado o seu castelo pelo rei mouro.
Não acontecia o mesmo, porém, com o major Exupério, caboclo
estabanado e bom peão, mas pouco versado em matéria de letras.
Velha ‘diferença’ do Bento Cafubá, este não tirava os olhos do
seu adversário sem perder os menores detalhes da sua atuação na doce
e ansiosa expectativa de um completo fracasso. Os debates eram longos
e não seria possível ao major guardar em sua cachola primária
todo o fraseado empolado do dramalhão medieval. Acompanhava
com indisfarçável interesse os vai-e-vem das personagens integrantes
da cena que ia em breve se desenrolar.
- Ta na hora dos debates, seu Juca. Ancê põe sentido no que vai
fazer o véi Exupério. Prá mim, ele vai ter um ‘fracasso’.
Acometem os mouros, seu rei à frente, para tomar ‘de surpresa’
o castelo e levar à viva força a princesa. Seguem-se os primeiros diálogos,
saindo-se com toda a naturalidade o coronel Nolasco. Já o major
Exupério, antevendo a breve e inevitável tomada da princesa, deixava-se empolgar pelo arrebatamento emprestando mais ênfase a outras
frases que se sucederam, as quais já cheiravam a invectivas:
- ‘Insolente cristão! Não obstante terdes falado atrevidamente,
declaro: Eu sou o rei da Turquia, perseguidor dos cristãos! Governo os
astros, governo a terra e toda a força humana vem tombar aos meus
pés. Nasci pagão e pagão hei de ‘morrerei’. Nas guerras me nutri e
nelas prendo a perder o medo da morte’.
Bento Cafubá, esfregando as mãos de contente, grita entusiasmado
para o Juca Feroz.
- ‘Hei de morrer’, seu Juca!
- Deixa de ‘bestage’, menino. Ainda é cedo prá isso.
- Não é isso não, seu Juca. É o velho que já começa a errar o papel,‘distiorando’ o tempo do verbo. Já começa a feder o ‘disgramado’.
Seguem-se outros lances, ao cabo dos quais a princesa, tentando
suicidar-se, é obstada pelo rei mouro, compelida depois a segui-lo.
Exclama:
- ‘Meu Deus! Que será de mim! Amparai-me! ...’
- Nesse momento Juca Feroz não se conteve, desabafando:
- Miserável! Se eu tivesse no lugar de compadre Nolasco, tu não
levava a princesa no fácil, ainda que fosse preciso espichar teu couro!
- Não se altere não seu Juca, que isso é do papel. Ela tem que
voltar de novo e no fim tudo vai dar certo. – disse o Bento Cafubá
para acomodá-lo.
Uma salva de palmas da parte dos torcedores do major Exupério
coroou sua saída triunfal levando consigo a princesa, ao som de
um dobrado da banda Euterpe e ao espoucar de foguetes. Juca Feroz
não deu de mão às armas porque estava desprevenido. Ficara previamente
estabelecido que ninguém as conduziria naquele dia, deixando-as em casa.
Bento Cafubá acompanhou lívido o desenrolar dos outros lances
antes do entrevero final em que teria lugar a derrota do exército
mouro.
Antes de se ferir a batalha houve sucessivas trocas de mensagens
verbais por intermédio dos embaixadores de um e outro soberano. O
rei mouro, cada vez mais cheio de empáfia, respondia com arrogânciaàs intimidações do embaixador. Sua exaltação atingiu o clímax quando este, usando do mesmo diapasão, disse, brandindo raivosamente a
lança em tom de provocação:
- ‘Eu sou o Embaixador Cristão, que venho da parte do meu
Rei dizer-vos que entregueis a sua filha ou que vos rendais à fé católica
e que, se o contrário fizerdes, estará disposto a atravessar-vos com sua
vencedora espada’.
Antes esse ultimatum, o major Exupério perdeu de vez o domínio
de si.
Dirigiu-se furioso ao embaixador cristão e começou a gaguejar
porque se esquecera naquele momento do que deveria responder de
acordo com a deixa:
- ‘Atrevido embaixador... ousadamente me deste a... a tua embaixada.
Volta e diz a teu rei que... que... vai à....’
O nomaço saiu com grande estardalhaço sob o estrondo de
uma gargalhada contagiante que empolgou toda a assistência.
O embaixador cristão sorriu e disfarçou. Deu de rédea e volveu
ao seu soberano para transmitir a resposta, não a real, porque o rei
mouro, ao invés de enunciá-la, cobriu de pesado labéu a rainha mãe.
Cessada a agitação motivada pela mancada do major Exupério,
as outras partes da peça tiveram seu desempenho normal, rematando
a última com a apresentação do rei mouro depois da estrondosa
derrota. Humilhado, em frente ao palanque do rei cristão, dirigiu-seà princesa:
- ‘Eis-me submisso aos vossos pés, soberana princesa. Maior
dos mortais, fui finalmente vencido por vosso pai porque sómente êle
poderia fazê-lo. Eu me sujeito aos vossos preceitos e juro fidelidade às
vossas leis’.
Seguiram-se as corridas para tirar argolinha e tudo acabou bem.
Contudo, ainda pairava uma dúvida no espírito de Juca Feroz.
Pediu esclarecimentos ao Bento Cafubá:
- No final, esse ‘suplicante’ depois de andar de deu em deu com
uma moça donzela ‘arreparou’ o mal? Quero saber como é que ficou
esse acerto.
- Uai, seu Juca! Foi batizado e depois se casou.
- Prá mim, não está bem certo esse final. ‘Vadiação’ dessa natureza
padece sangue. Compadre Nolasco devera de ‘sentar’ nele a ‘ferrage’
com aquele espadagão que tinha na cintura. Aliás, essas espadas
da guarda-nacional, que foram feitas prá brigar, acabam perdendo a
serventia. Enfim, como lá diz, ‘em todos causo, causo’. Deixa prá lá.
Acabou-se a festa memorável. Bento Cafubá, impando de satisfação,
reassumiu seu lugar na farmácia do Nandú, onde se vingou
das humilhações do major Exupério fazendo com incontida alegria a
narrativa do seu fracasso”.
Itamaury Telles de Oliveira
Cadeira N. 84
Patrono: Newton Prates
DE DR. CHAVES A DARCY RIBEIRO
Montes Claros, cidade “da arte e da cultura”, numa síntese genial cunhada pelo saudoso jornalista e teatrólogo Reginauro Silva, sempre foi um celeiro de grandes talentos.
Não é de hoje que a gente forjada no sertão norte - mineiro vem-se destacando não só em meio aos montanheses, mas muito além das montanhas de Minas, deixando rastro luminoso de perene brilho, nos variados campos do saber.
Tirante o evidente “jucapratismo” - bairrismo que nos é peculiar, inaugurado pela destacada figura de Juca Prates, para quem, devido ao seu acendrado amor pela terra natal, Montes Claros e seus números demográficos e econômicos eram vistos sempre com lupa de alta capacidade de ampliação -, a cidade é berço de destacadas figuras.
O montes-clarense de maior expressão nacional, que a história registra, e até hoje insuperado, é o jurista Antônio Gonçalves Chaves, filho do Cônego Chaves – que administrou a cidade por 12 anos ininterruptos. O Dr. Chaves, que seus conterrâneos o homenagearam dando seu nome à principal praça da cidade – a da Matriz -, foi
Presidente das Províncias de Santa Catarina e de Minas Gerais (cargo
que equivale ao de Governador, atualmente). Em 1890, foi eleito ao
Congresso Constituinte Nacional, sendo aclamado primeiro Presidente
da Câmara dos Deputados Federais. Quando se organizou o
Código Civil, ficou a seu cargo o capítulo sobre “Direito de Família”.
Rui Barbosa, em discurso, certa vez, chamou o Dr. Chaves de “mestre
de Direito Civil”. Foi depois eleito Senador Federal pelo Estado de
Minas Gerais, exercendo o mandato até 1903. Foi um dos fundadores
e Diretor da Faculdade de Direito de Minas Gerais. Em 1906, foi
eleito para o Senado Estadual Mineiro, cuja presidência ocupou, até
sua morte, em 1911.
No jornalismo, muitas estrelas montes-clarenses brilharam em
redações de jornais belorizontinos, com destaque para Newton Prates,
que acolheu e orientou, no extinto Diário da Tarde, o imberbe Rubem
Braga, e o transformou no maior cronista brasileiro. Em determinada
cerimônia, quando Braga recebia os louros de ser o Príncipe dos cronistas
brasileiros, não se esqueceu de agradecer àquele que considerava
o Rei da Crônica, o montes-clarense Newton Prates.
Também nos Diários Associados, mais especificamente na redação
do Estado de Minas, até hoje é lembrado um dos mais destacados
editorialistas daquele jornal, o montes-clarense Hermenegildo Chaves,
conhecido mais pelo epíteto de Monzeca.
Em tempos mais recentes, muitos repórteres, egressos de O Jornal
de Montes Claros e do Diário de Montes Claros, atuaram, com
raro brilho, em redações de jornais da Capital, conquistando prêmios
de abrangência nacional com suas reportagens.
Nas letras, escritores como Cyro dos Anjos e João Valle Maurício
ocuparam uma cadeira na Academia Mineira de Letras. Atualmente,
o grande representante de Montes Claros, na Academia Mineira,é o jornalista e escritor Manoel Hygino dos Santos – um prolífico
cronista diário, autor de livros de grande aceitação pelo público leitor.
Onde Montes Claros se destaca, em nível nacional, todavia, é
na Academia Brasileira de Letras. A cidade é das poucas do interior
do País a ocupar, por duas vezes, uma cadeira na Casa de Machado de
Assis. Primeiro, com o escritor Cyro dos Anjos, que ocupou a cadeira
no. 1, em 1969; depois, com o antropólogo Darcy Ribeiro, eleito para
ocupar a Cadeira no. 11, em 1992.
Enquanto os romances de Cyro dos Anjos foram equiparados,
em qualidade, aos de Machado de Assis, Darcy Ribeiro - com obras
traduzidas para diversos idiomas - figura entre os mais notórios intelectuais
brasileiros.
Como se vê, é com sobra de razão que o montes-clarense se
ufana com a grandeza de sua gente...
Ao contrário de outras cidades, que erigem monumentos a seus
imortais, Montes Claros está em débito não só com Cyro dos Anjos,
mas também com Darcy Ribeiro. Ambos merecem estátuas em logradouro
público, para que seus admiradores possam fazer “selfies”
interagindo com “eles”.
Sugeri, há tempos, que Cyro fosse homenageado com estátua,
sentado em banco a contemplar o Solar dos Oliveira – onde morava a“Menina do Sobrado”; e Darcy, com estátua na entrada do “Campus”
da Unimontes – que leva o seu nome – com aquela imagem descontraída
que ilustra a capa de “Confissões”, seu último livro.
Numa era em que a Prefeitura enche praças e avenidas com
gigantescas borboletas metálicas, homenageando destacadas figuras
femininas locais, está na hora de serem lembrados os imortais da Academia
Brasileira de Letras, que nasceram sob a sombra de tuas asas...
Lázaro Francisco Sena
Cadeira N. 55
João Luiz de Almeida
OS SETENTA ANOS DA ACI
Dia 30 de dezembro deste ano de 2019, a Associação Comercial, Industrial e de Serviços – ACI de Montes Claros está completando 70 (setenta) anos de fundação e exercício de suas atividades nesta cidade. É um marco notável, que precisa ser registrado nos anais do Instituto Histórico e Geográfico – IHGMC, para conhecimento da posteridade.
A cidade de Montes Claros, pela sua privilegiada situação geográfica, já nasceu sob a égide de entreposto comercial da região, desde os tempos coloniais do ouro e do diamante, quando se transformou no maior fornecedor de produtos agropecuários para exploração e manutenção das minas. E o exercício dessa sua pioneira vocação logo despertou a necessidade de criação das primeiras indústrias, muitas delas de caráter rudimentar e artesanal, como eram os curtumes para couros de gado bovino. Mas o “campo” era propício para o desenvolvimento das duas atividades, tanto a comercial como a industrial, criando-se logo a necessidade de organização e controle, para evitar a desordem em seu crescimento.
EXPERIÊNCIAS ANTERIORES
Conforme registram os historiadores Hermes de Paula, em sua
obra “Montes Claros: sua História, sua Gente e seus Costumes”, e
Henrique de Oliva Brasil, com a sua “História e Desenvolvimento
de Montes Claros”, há mais de setenta anos a cidade já vivenciara a
criação de algumas entidades associativas voltadas para as atividades
comerciais, sem lograr continuidade, por motivos diversos. Em 1905,
por iniciativa de Antônio Augusto Teixeira, foi criada uma entidade
patronal associativista, que nem iniciou suas atividades, talvez em razão
da inexperiência e falta de conhecimentos específicos dos associados.
Em 12 de setembro de 1920, o professor Cícero Pereira reuniu
alguns comerciantes, para retomar o ideal de associativismo, levando
adiante o ideal de Antônio Augusto Teixeira e criando a primeira associação
de Montes Claros, contando com nomes importantes da época
para sua diretoria, como o presidente Francisco Ribeiro dos Santos.
Sabe-se que uma de suas conquistas foi o fechamento do comércio
aos domingos, depois do meio-dia. Embora com bom trabalho, essa
entidade também não prosperou. Em 14-01-1935, criou-se mais uma
instituição, denominada Associação Comercial de Montes Claros,
sob a presidência de João Paculdino Ferreira. Essa associação apresentou
bom desempenho, como foi a criação da Escola de Comércio da
cidade, mas não motivou os seus associados, encerrando suas atividades,
por falta de interesse e frequência. Só mais tarde, por iniciativa
do Rotary Club, a associação voltou ao debate público, como órgão
necessário ao desenvolvimento de Montes Claros.
O RENASCIMENTO
Consta do artigo 1º de seu estatuto que a entidade associativa
foi “reorganizada aos trinta dias do mês de dezembro do ano de
1949”, com o nome de “Associação Comercial de Montes Claros”.
Essa, portanto, seria a data oficial de sua “reorganização”, consideran
do que outra entidade homônima já então existira, “fundada” em 14
de janeiro de 1935. Acredita-se que essa última data não prevaleceu,
em razão da falta de um estatuto próprio, que fosse registrado em
cartório.
A seguir, transcrição dos artigos 100 e 101 do estatuto em vigor,
com termo de aprovação pela Assembleia Geral realizada em 28 de
janeiro de 1951. O nome do secretário não aparece no termo, mas a
grafia apresenta alguma semelhança com a assinatura do presidente
Plínio Ribeiro dos Santos. Embora se faça referência à ata da reunião,
que teria sido lavrada em “livro competente”, tal livro não foi localizado
na sede da ACI:
***
SEDE PRÓPRIA: O GRANDE DESAFIO
Conforme se pode verificar na relação de assinaturas do termo
de aprovação de seu estatuto, a nova Associação Comercial de Montes
Claros renasceu forte, pela presença e participação das principais
lideranças da cidade na assembleia geral realizada em 28 de janeiro
de 1951. O passo seguinte seria a construção da sede própria. Após
exercer a presidência durante o biênio 1950/1951, o professor Plínio
Ribeiro passou o cargo para o comerciante Antônio Loureiro Ramos,
que assumiu a responsabilidade por aquela obra. Com esforço, dedicação
e exemplos, o novo presidente conseguiu o apoio e a colaboração
dos associados e, durante os cinco anos de seu alongado mandato,
conseguiu construir um majestoso prédio de três pavimentos, situado
na rua Carlos Gomes, nº 110, mesmo local onde ainda se encontra,
por sinal, bastante imponente. A inauguração da sede própria aconteceu
a 16 de julho de 1955, em solenidade festiva, com a participação
do governador do Estado, o doutor Clóvis Salgado, que substituiu o
titular Juscelino Kubitschek, em campanha para a eleição de presidente
da República.
A SUDENE COMO PARCEIRA
A partir de 1959, com a criação da Superintendência de Desenvolvimento
do Nordeste-SUDENE, cuja área de abrangência incluía
também o Norte de Minas, a Associação Comercial se transformou
em parceira daquela autarquia federal, pois as duas instituições visavam
a um mesmo objetivo: o desenvolvimento econômico e social da
região. Quando a SUDENE aqui chegou, instalando o seu escritório
em 1965, já encontrou uma Associação Comercial consolidada, conhecedora
dos problemas regionais que emperravam o seu desenvolvimento,
como era a carência de energia elétrica para implantação
de grandes projetos. Essa questão, porém, ficou solucionada, com a
ligação da rede de transmissão diretamente de Três Marias, naquele
mesmo ano de 1965. Estava, portanto, criada uma parceria bastante
promissora. Como a maioria absoluta dos projetos aprovados com os
incentivos fiscais e os benefícios da SUDENE eram de caráter industrial,
não restou outra alternativa à Associação Comercial senão assimilar
esse novo segmento do progresso e transformar-se em Associação
Comercial e Industrial. A consequência esperada da parceria logo
se fez sentir, com a cidade se transformando em metrópole regional a
exigir o surgimento de inúmeras prestadoras de serviços, pelo seu progresso
e crescimento. Mais uma transformação, agora para Associação
Comercial, Industrial e de Serviços – ACI de Montes Claros.
FENICS: EVENTO MAIOR
A Feira Nacional da Indústria, Comércio e Serviços – FENICS
de Montes Claros, realizada anualmente pela ACI, transformou-se em
evento de caráter nacional, trazendo para a cidade as amostras mais
notáveis das inovações tecnológicas que promovem o desenvolvimento
e gerando um ambiente de negócios altamente favorável para todos
os participantes. Neste ano de 2019, entre os dias 12 e 15 de setembro,
realizou-se a 24ª edição da FENICS, no parque de exposições
João Alencar Athayde, ocupando uma área de 12.000 metros quadrados,
somente para a instalação dos 250 estandes, todos eles comercializados
para os expositores interessados. Assim como as “Festas de
Agosto”, a “Exposição Agropecuária” e a “Festa do Pequi”, a FENICS
já se incorporou ao calendário dos grandes eventos anuais capazes de
mobilizar toda a sociedade montes-clarense.
Newton Carlos Amaral Figueiredo
PARABÉNS, ACI, PELO SEU ANIVERSÁRIO!
O Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, como
observador do processo desenvolvimentista do presente, para se transformar
em guardião da memória histórica no passado, vem cumprimentar
essa mola mestra do desenvolvimento regional, a Associação
Comercial, Industrial e de Serviços – ACI, pelo seu aniversário, na
pessoa de seu atual presidente, o doutor Newton Carlos Amaral Figueiredo.
Não importa quanto tempo de atividades estamos festejando,
mas a marca dos setenta anos de trabalhos ininterruptos e produtivos
realmente merece muita comemoração.
Leonardo Álvares da Silva Campos
Cadeira N. 97
Patrono: Urbino Viana
GLACIAL DE JEQUITAÍ
(OU A POSSÍVEL EXTINÇÃO DO HOMEM)
A expressão era do gelo, ou idade do gelo, período glacial ou era glacial designa um período geológico de longa duração de diminuição da temperatura na superfície e atmosfera terrestres. Nela se verifica uma expansão dos mantos de gelo continentais e polares, como também dos glaciares alpinos. No decorrer de um período glacial de longa duração ocorrem períodos com clima extra-frio, conhecidos por glaciações. Em termos glaciológicos, o termo era do gelo mostra extensos mantos de gelo em ambos os hemisférios, norte e sul. A Terra ainda se encontra numa era glacial, uma vez presentes os mantos de gelo da Groelândia e da Antártida.
Era do gelo diz respeito ao mais recente período de frio extremo, com extensos mantos de gelo sobre a América do Norte e Eurásia. O último máximo glacial se deu há cerca de 16 mil/20 mil anos, ocasião em que enorme área onde hoje estão Nova York, Boston, Montreal e Vancover, na América do Norte, estava totalmente coberta de gelo, o qual se estendia por grande parte da Europa e o norte da Ásia. Na Suécia, a última glaciação se deu há 9.000 anos, e na região sul de Ontário, há 13.500 anos.
Por ocasião de maior recrudescimento verificado quando do final
da glaciação de Würm, entre 16.000 a.C. e 11.000 a.C., o homem
asiático, ou mongoloide (Homo sapiens primitivo), atingiu a América
do Norte pelo Esteito de Bhering. Regredindo então o fenômeno, há
cerca de 10.000 a.C., passando o continente americando a tropicalizar-se vagamente, esses asiáticos caçadores já tinham se espalhado
pelo planalto, Centro, norte e Sul, formando-se na Amazônia, ainda
desabitada, sua floresta tropical que persiste até presentemente.
A propósito, “Luzia” não passou de um blefe, ou mesmo uma
fraude científica, a manipulação de um crânio do homem pré-histórico
de Lagoa Santa, por imagens computadorizadas, dando-o como
um tipo negroide, isto agora, em pleno Terceiro Milênio.
A população primeva de lagossantenses sempre foi estudada e
respeitada nos meios científicos como de ascendência asiática, o que
sempre subsistiu desde os tempos do seu descobridor, o naturalista
dinamarquês Peter Lund, isto ainda no século XIX.
Cientistas norte-americanos viam a deturpação por computadores
do tipo morfológico uniforme de um asiático para negroide
com bastante reserva. O restabelecimento da verdade veio depois com
uma nova reconstituição da face do nosso primeiro ameríndio, além
de exames de DNA em fragmentos do crânio de “Luzia”, quando
tudo voltou ao status quo ante: eram todos mongoloides (asiáticos).
A fraude mais conhecida envolveu o “Homem de Piltdown”,
em 1912, quando se teria achado na cidade inglesa de Piltdown o crânio
do “elo perdido” na evolução de supostos macacos para o homem.
Somente 40 anos depois, percebeu-se que aquele crânio de Piltdown,
então escondido dos pesquisadores, não passava de um embuste visivelmente
grosseiro. Ele não passava de um crânio humano moderno
com uma mandíbula de orangotango. Somente em 1983 chegou-se
ao provável responsável pela fraude. Seria sir Arthur Conan Doyle,
autor de romances policiais.
Sítios arqueológicos entre 12 mil e 7/8 mil anos multiplicamse.
Na hoje chamada região arqueológica de Lagoa Santa, o que se
constatou foi a presença de uma população homogeneamente de origem
asiática, denominada de “homem de Lagoa Santa”, inclusive na
Lapa Pintada, na parte setentrional de Minas Gerais (Montes Claros).
Há dados de uma população mais recente e de características
diferentes em Januária, Itacarambi e Montalvânia, porém, de tempos
mais recentes, com o achado de dois esqueletos humanos e silos para
guardar mandioca, milho, feijão, urucum, coquinho e até folhas de
fumo para secagem.
Saliente-se mais que as glaciações e perídos interglaciais sempre
acompanharam a Terra, mesmo antes do aparecimento de mamíferos,
como nós, surgindo nela ciclicamente. Registre-se, de passagem, que
quase 50 teorias tentam explicar a ocorrência cíclica de tal fenômendo
em nosso planeta.
Possivelmente entre 750 e 580 milhões de anos atrás, este planeta
esteve completamente congelado. Calcários formados naquele
período comprovam sua formação em águas bastante geladas, sendo
que os minerais apresentaram falta de oxigênio, condição climática
glacial responsável pela extinção de quase toda forma de vida de então.
A fronteira entre o Permiano e o Triássico registra a maior extinção
em massa verificada na Terra, com 95 por cento das espécies
dizimadas.
A segunda maior extinção em massa da histórica física da Terra
se deu há 450/440 milhões de anos. Durante o Período Ordoviciano
(compreendido entre 488 a 443 milhões de anos, sucedendo o Cambriano
e precedendo o Siluriano), mais de 75 por cento das espécies
marinhas desapareceram coincidindo com um período glacial, ocasião
em que as temperaturas diminuíram e as geleiras dominaram a
paisagem.
O estudo do paleoclima se mostra difícil para aquilatar as mudanças
na temperatura dos oceanos e nos blocos de gelo continental,
mas o somatório de tudo é importante para explicar a extinção em
massa, uma vez que, com mais água congelada, o nível do mar diminui,
reduzindo o habitat marinho.
O período Carbonífero terminou com uma era do gelo que
atingiu a maior parte do hemisfério sul. E no início do Permiano, o
mesmo hemisfério sul ainda permanecia tomado pela mesma era do
gelo. Quando esta terminou, os continentes foram dominados por
um período desértico, com florestas virando desertos.
Seth Finnegan, da equipe de pesquisadores liderada pelo Instituto
de Tecnologia da Califórnia (Caltech), principal autor de artigo
publicado na edição on-line da revista especializada “Science”, tratou
da relação de mudanças climáticas com a extinção de organismos vivos:
“Descobrimos que taxas elevadas de mudanças climáticas coincidem
com a extinção... Mas, na época das glaciações, os termômetros baixaram
cinco graus, fazendo com que as geleiras crescessem no continente
Gondwana mais de 150 milhões de quilômetros cúbicos – um tamanho
maior do que as geleiras que cobriam a Antártida e o Hemisfério Norte
durante a última glaciação da era moderna, há cerca de 20 mil anos.
Nosso estudo fortalece a ideia de que a mudança climática foi responsável
pela extinção.”
Esclareça-se que Gondwana era a porção sul da Pangeia, cuja
parte norte ficou conhecida como Laurásia. Com o movimento continuo
de suas placas, Gondwana chegou ao que temos hoje: a América
do Sul separada da África; a Índia se juntou a Ásia; e Oceania se tornou
um continente cheio de ilhas, com a Austrália sendo uma porção
bem distinta. A Antártida se isolou no polo sul, ali se encontrando até
hoje.
Outra extinção em massa por força de mudança climática se
deu há 50 mil anos, quando os grandes mamíferos praticamente
foram desaparecendo da Terra. Bisões, cavalos selvagens, mamutes,
rinocerontes lanosos, renas e bois almiscarados, animais comuns na
América do Norte e Eurásia (continente que reunia as atuais Europa
e Ásia), começaram a declinar entre 36 a 72 por cento. Foi quando
tivemos a última era do gelo, durante o Pleistoceno, que durou de 2
milhões a 12 mil anos atrás.
Foi em um período glacial que apareceu o Homo sapiens neanderthalensis,
entre 100 mil e 40 mil anos atrás, ocupando pequena
faixa do Velho Mundo, entre a Europa Ocidental e Oriente Médio,
região geográfica em que seus traços biológicos se mostram de forma
incontestável, como no “velho” de La Chapelle-aux-Saints. Seu primeiro
esqueleto foi encontrado numa caverna do Vale de Neander, na
Alemanha, em 1856.
Era estupendamente especializado para ocupar regiões geladas
de sua respectiva era glacial. Entre meados e o declínio propriamente
dito do fenômeno, ele ainda se miscigenou com outros tipos humanos,
desaparecendo então.
Mas deixou em praticamente toda a atual população mundial
alta carga de seus genes, como foi comprovado por estudos recentes
usando DNA antigo e a sequenciação do genoma do Neanderthal.
Assim se comprovaram variantes genéticas semelhantes aos neandertais
em populações atuais de europeus e asiáticos.
Acresce notar que inúmeros fósseis humanos classificados
como Homo erectus ou Homo sapiens primitivo (Homo sapiens neanderthalensis)
acabaram sendo considerados formas transicionais entre
as duas espécies. O Homem da Rodésia, tido a princípio como um“neandertal tropical”, acabou classificado como forma de transição
generalizada. Na melhor vertente neandertalense estão os homens de
Steinheim e Swanscombe.
O homem de Cro-Magnon, que foi o Homo sapiens mais antigo,
também enfrentou o mesmo período glacial, convivendo com
animais, agora extintos, como mamutes, leão das cavernas e cervos
gigantes, entre outros. Acredita-se que os frequentes combates dele
com os neandetais é que levou os últimos ao desaparecimento.
O que é hoje a América do Sul, na qual está o território brasileiro,
passou por diversos efeitos decorrentes da ascensão e recuo
do nível do mar. As geleiras são parte integrante desse ciclo da água,
registrando as condições climáticas globais ou localizadas dos continentes
respectivos.
O território brasileiro guarda testemunhos de diferentes glaciações,
algumas delas ocorridas há milhares de anos, e outras, há milhões
de anos. Entre as mesmas, sendo umas mais duradoras e outras
menos, tivemos algumas de abrangência mundial e outras, limitadas a
certas regiões do atual território brasileiro.
Tilito é o nome dado à rocha endurecida que teve origem no
acúmulo dos detritos levados por uma geleira, e, tratando-se de rocha
ainda não consolidada, formada recentemente, o nome que recebe é
till. No verão, ou na época mais apropriada para o degelo, há enorme
sedimentação de grãos sílticos. A este sedimento rítmico consolidado
tem-se a designação do varvito.
Em Itu, Estado de São Paulo, o varvito tem exploração para pavimentação,
sendo vulgarmente conhecido por laje de Itu. O varvitoé encontrado frequentemente associado a seixos glaciais, estes originados
da fusão de blocos de gelo que boiavam sobre os lagos onde se
sedimentava o varvito.
Rochas moutonnés, de origem glacial, são registros típicos da
erosão glacial, ocorrendo entre os atuais municípios de Salto e Itu, em
São Paulo, conhecendo-se apenas outra, de mesma idade, na Austrália.
Há cerca de 250 milhões de anos, o Sul-Sudeste da América do
Sul possuía amplas geleiras, estendendo-se a outras áreas do globo, que deram origem a tais rochas moutonnés. Vimos essa ocorrência em
Salto. Existe nesse município paulista o Parque da Rocha Moutonné,
em antiga pedreira de varvito, rocha sedimentar que, refrisando, é de
origem glacial.
“Descobrir os vestígios dessas ocorrências, descrevê-los e caracterizá-los constituem uma especialidade dos estudos geológicos e da tectônia.
E as teses defendidas pelos pesquisadores nem sempre são concordantes
nas suas conclusões. O que vem trazer uma nova pitada de mistério neste
aspecto da história da Terra”, conforme Afonso José de Almeida-Manso,
em seu trabalho “O Jequitaí das Geleiras” (parte integrante da coletânea“Geleiras, flores e velhos caminhos”, BN/EDA/DF, 2011, nº 234).
O autor acrescenta, trazendo à baila um desses fenômenos no
atual setentrião mineiro, em lugares que visitamos com frequência há
anos, em observações de conglomerados diversos de origem glacial
remontando ao Pré-Cambiano Superior:
“O vale do rio Jequitaí, situado na região central de Minas Gerais,
guarda significativos testemunhos de uma glaciação ocorrida há
milhões de anos, conforme estudos publicados por cientistas de universidades...
Segundo alguns pesquisadores, tal fenônemo teve lugar durante
o intervalo sturtiano da idade proterozoica, há mais de 700 milhões de
anos. Ou seja, durante o denominado ciclo brasileiro, que se estendera
entre 1.050 milhões e 450 milhões de anos atrás.
E, cabe lembrar, esse ciclo constituiu fase essencial do processo
de formação da placa tectônica que veio a dar origem ao atual continente
sul-americano. Uma longa história, portanto. Assim, não deixa
de ser admirável que, ainda hoje, marcas, testemunhos, ícones daquele
fenômeno climático possam ser constatados e facilmente observados
nos terrenos dos municípios de Jequitaí e Francisco Dumont.”
Condições climáticas e deposicionais do Meso/Neoproterozoico
da borda oeste do cráton São Francisco revelam registros de destaque
na Formação Jequitaí, situada na base do Grupo Bambuí. Em talformação, na região do município de Vila Boa, existe uma ocorrência
que se mostra em contato dissonante nas diversificadas unidades que
compõem o Grupo Paranoá, com descontinuidade lateral. Estudos
demonstraram uma sequência basal de camadas métricas de arenito
e grauvacas sobrepostas por uma camada decamétrica de diamictito
maciço, seguindo-se uma camada métrica de arenito calcífero.
A observação sedimentar sugere a existência de depósitos glaciogênicos
assim mantidos em paleovales, os quais, preteritamente,
passaram por rápidas inundações posteriormente à sua deposição. Panorama
assim indica o registro de geleiras terminais ainda em condições
continentais erodindo o Grupo Paranoá anteriormente à geração
do Grupo Bambuí. Os registros petrográficos dessas rochas psefíticas
vêm mostrar diamictitos ressedimentados e possíveis tilitos localizados.
São as conclusões do referido estudo e outros desses vestígios
de uma glaciação que, nos primórdios da Terra, tingiu do branco das
geleiras (como vemos hoje nos glaciares polares e alpinos) Jequitaí,
Claro dos Poções (no seu distrito de Água Boa, sentido Triângulo
Mineiro) e Francisco Dumont.
Também no núcleo populacional de Santa Bárbara, no município
de Augusto de Lima, entre o Norte e região Central de Minas
Gerais, cuja predominância é a Serra do Cabral e seus respectivos
contrafortes basicamente em quartzitos, numa rápida visita que ali
fiz entre os dias 30 e 31 de agosto de 2019, junto da minha filha
Monalisa Álvares da Silva Campos, descobri uma pequena ocorrência
de diamictito poucos metros atrás do lado direito da antiga fábrica
de tecidos do lugar, tendo um lixão à sua frente e que impediu uma
maior aproximação da minha parte. Avistei mais dois blocos com cristas
de onda (riplles), testemunhando a existência de um mar interior
em tempos antanhos, abaixo da cachoeira que existe no resort de Santa
Bárbara. As respectivas ocorrências foram fotografadas por Monalisa
Campos.
Obtive de um nativo a informação de ter sido descoberto nas
proximidades das águas termais do resort um diamante negro com
tamanho razoável, isto nos anos 90 do século passado. Este é um mineral
formado de carbono puro, sendo a mais dura e brilhante das pedras
preciosas. Após o achado, outros moradores andaram buscando
mais desses minerais no lugar, não logrando êxito.
O corte de um morro, na Serra das Porteiras, quando das obras
de construção da BR-365 (Triângulo Mineiro – Montes Claros), em
Minas Gerais, é que trouxe à baila enorme formação rochosa cristalina,
sob a forma de uma lente oval, esta, na verdade, retratando uma
seção da formação rochosa que aí se estenderia por centenas de metros
de comprimento.
“Esse mesmo estudo aponta que junto ao Km 66 daquela rodovia
(ou seja, a cerca de 30 quilômetros ao norte do acesso a Jequitaí), uma
pedreira, ora desativada, fornece outro bom exemplo do diamictito formado
pelas geleiras. Nesse local, o diamictito apresenta-se com aparência
muito homogênea, de rocha muito endurecida, exibindo uma matriz
cinza onde se espalham incrustações de pequenos clastos avermelhados”
(Afonso José de Almeida-Manso, estudo citado).
“Passando a ponte da MG-208 sobre o rio, à saída de Jequitaí
para Francisco Dumont” – continua – “o viajante irá observar que o
corte no morro, feito para dar passagem à rodovia, trouxe à mostra a
constituição rochosa dessa elevação, o diamictito. Tratam-se de clastos,
bolderes e seixos de constituição rochosa ou mineral variada, inseridos,
em maior ou menor abundância, numa matriz feita de argila, silte e
areia, tendo sido, toda essa massa, submetida ao peso e a ação da geleira
que aí se assentava. Esse diamictito formara-se, portanto, na base da
geleira. Em termos figurados, constitui-se a partir de massa barrenta e
pedregosa que se encontrava à superfície, ou que então fora erodida, ou,
ainda, que fora raspada do embasamento rochoso pré-existente e comprimida
e empurrada pela imensidão de gelo que a tudo cobria.” (idem).
“Diamictito (sin. tiloide = semelhante a till). (Conf. Paraconglomerado).
Rocha conglomerática, com fragmentos grandes imersos e
dispersos em abundante matriz lamítica, síltico-argilosa, lembrando um
tilito (tiloide), não ou mal classificada, não ou mal estratificada, siliclástica
geralmente. O termo, usado por alguns autores como sinônimo
de paraconglomerado, não tem implicação genética direta, aplicando-se
a rochas de várias origens tais como tilitos (glaciais), paraconclomerados
periglaciais, olistostromas (associados a deslizamentos e correntes de
turbidez, por exemplo, lamito conglomerático elúvio-coluvional, lamito
conglomerático de deslizamentos gravitacionais em áreas vulcânicas)”,
conforme M. Winge (home page “Glossário Geológico”).
Diamictito é termo cunhado em 1960 para rochas pobremente
selecionadas ou laminadas, sendo o termo puramente descritivo, sem
conotação genética. Tem aplicação a rochas diversas, como, por exemplo,
o tilito glacial.
Em que pese as referências aqui já feitas à Glaciação Jequitaí
como base do Grupo Bambuí, em seu trabalho “Estratigrafia e Tectônica
do Grupo Bambuí no Norte do Estado de Minas Gerais”, dissertação
de mestrado (UFMG/Instituto de Geociências/Programa de
Pós-graduação em Geologia), o autor Mário Iglésias Martínez, com
orientação de Alexandre Uhlein, considera que aquela glaciação pretérita
registrada no que é hoje o setentrião mineiro deveria ser vista
como unidade em separado e discordante em relação ao Bambuí. Registrou:
“Couto e Bez (1978) discutiram a problemática da Glaciação
Jequitaí e a sua inserção como base do Grupo Bambuí. Concluíram que
a formação portadora de tilitos deveria ser considerada como uma unidade
em separado, discordante em relação ao Grupo Bambuí. Na base
do grupo ficariam apenas os conglomerados descontínuos e de pequena
espessura, como o conglomerado Carrancas. Os tilitos Jequitaí passaram
a pertencer ao grupo Macaúbas. Assim, esses autores confirmaram as
observações de Oliveira (1967), que, baseado em critérios estratigráficos e paleoclimáticos, considerou a formação Jequitaí como unidade discordante
em relação ao Grupo Bambuí. No presente trabalho tem-se optado
pela exclusão da Fm. Jequitaí do Grupo Bambuí tomando em consideração
esses mesmos argumentos.”
Referido trabalho, porém, traz abaixo uma tabela conforme
Dardenne (in Lima, 2005), mostrando a divisão litoestratigráfica do
Grupo Bambuí, ali constando a Formação Jequitaí, ao lado de outras
cinco, como sendo de ambiente de sedimentação glacial, tendo como
características litológicas paraconglomerado com matriz argilosa esverdeada
e seixos de quartzitos, calcários, dolomitos, cherts, gnaisses,
micaxistos, granitos e rochas vulcânicas.
Enfim, segundo J. G. Parenti Couto e Lauri Bez (in “A Glaciação
Jequitaí: um Guia Estratigráfico para o Pré-Cambriano Superior
no Brasil”, texto publicado na “Revista Brasileira de Geociências”,
volume 11, 1981):
“A propriedade em se definir como “Glaciação Jequitaí” o fenômeno
climático ocorrido no Brasil, no Pré-Cambriano Superior, deve-se
em primeiro lugar à primazia da sugestão de Branner; em segundo, por
situarem-se na região de Jequitaí as provas mais convincentes dessa glaciação;
e, finalmente, por possibilitar, mais do que em quaisquer outros
lugares, condições para se precisar o real posicionamento de tal período
com base em novos dados geocronológicos do Grupo Bambuí (Couto, et
al., op. cit.).
Os dados concretos sobre essa glaciação devem-se a Isotta et. al.,
que, em 1969, apresentaram provas convincentes de uma origem glacial
para os conglomerados de Jequitaí, conforme assinala Hettich (op. cit.),
que acrescenta, com ampla documentação, novas provas em favor dessa
concepção. Assim, a região que bordeja a Serra do Cabral e se estende até
pouco ao norte da localidade de Jequitaí, localizada na parte central de
Minas Gerais, situa-se como o local onde mais se acumularam provas de uma origem glacial para os inúmeros conglomerados do Pré-Cambriano
Superior, tidos como de origem glacial, que ocorrem espalhados pelos
Estados de Minas Gerais, Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato
Grosso.
A idade dessa glaciação situar-se-ia, portanto, entre 640 milhões
de anos (idade da base do Grupo Bambuí que se sobrepõe aos tilitos em
Jequitaí) e 950 milhões de anos-1 bilhão e 350 milhões de anos (idade
dos estromatólitos que se sobrepõem aos tilitos em Couto Magalhães).”
Registros de geleiras atuais do hemisfério norte revelam a formação
de rochas pela atividade erosiva de rios subterrâneos. Estes
correm sob as geleiras, em temperaturas diferentes, sendo que com a
erosão da superfície são misturados os mais variados minerais, barro e
areia, com o que novas rochas se originam.
Geleira, em outras palavras, é uma grande e espessa massa de
gelo formada em camadas sucessivas de neve compacta e recristalizada,
de várias épocas, em locais nos quais o acúmulo de neve é superior
ao degelo, provocando erosão e sedimentação glacial.
Mister esclarecer que entre as características geológicas decorrentes
das geleiras estão as morenas, ou moreias, terminais ou frontais,
mediais, de fundo ou as laterais, que são cristas ou depósitos de fragmentos
de rocha transportados pela expansão do gelo.
A presença de registros dessa vetusta geleira em Jequitaí e redondezas
nos dá uma noção desse interessante fenômeno. A mencionada
pedreira desativada em Jequitaí, junto ao km 66 da rodovia,
fornece ótimo exemplo do diamictito formado pela referida glaciação:
uma rocha homogênea e endurecida, de cor cinza e na qual se espalham
incrustações de pequenos clastos avermelhados.
Visitamos uma pequena caverna em Coração de Jesus, no Norte
de Minas Gerais, em meados de 2018 e fevereiro de 2019, município
em que predomina o calcário.
De antemão, esclareça-se que o nosso calcário é uma rocha sedimentar
do Grupo Bambuí da Formação Sete Lagoas, datado do Pré-Cambriano Superior, no caso restringindo-se a 600 milhões de anos.
O Pré-Cambriano é a mais antiga e longa das eras geológicas,
estendendo-se desde a formação da Terra, há 4,5 bilhões de anos, até
570 milhões de anos atrás. Foi nela que os cientistas acreditam que o
mar se desenvolveu, tendo abrigado os mais importantes eventos da
história da Terra, como o início do movimento das placas tectônicas;
o início da vida; o aparecimento das primeiras células eucarióticas; a
formação da atmosfera; o aparecimento dos primeiros animais e vegetais;
a formação de escudos cristalinos (rochas magmáticas e metamórficas)
e dos escudos cristalinos (brasileiro e guiano); a formação de
minerais metálicos; a formação das rochas mais antigas; e a formação
das Serras do Mar e da Mantiqueira.
O grupo Bambuí ocupa quase 1/3 de Minas Gerais e detém
importantes recursos minerais, como zinco, chumbo, fosfato, ardósia,
fluorita, calcário (predominância de mais de 30% de carbonato de
cálcio), calcário dolomítico (quando o mineral nele predominante é
a dolomita), etc. A época de deposição do Grupo Bambuí é atribuída
ao final do Pré-Cambriano.
A Formação Sete Lagoas, que tem enorme predominância sobre
a Formação Bebedouro (também do Pré-Cambriano Superior), é tão
grande que se torna praticamente a única representante do Grupo
Bambuí. Essa rocha sedimentar estende-se do karts de Lagoa Santa
rumo ao Norte de Minas Gerais e Sul da Bahia.
No entanto, tal caverna, descoberta por Ubirajara Macedo e
que batizamos de Caverna Glacial, é sui generis, porque formada por
depósitos glaciogênicos em um paleovale, após cujas deposições ela
sofreu rápidas inundações, o que denota ali uma geleira terminal.
Ou seja, há registros no local de depósitos glaciogênicos em um
paleovale, que passou por uma ou mais inundações após as deposições. A origem e idade dessa caverna inusitada, ao que tudo indica,
estão entrelaçadas com o final da Glaciação Jequitaí (geleira terminal).
O recuo das geleiras fez surgir um provável ambiente marinho,
como se comprova pelas marcas de onda (riplles) encontradiças em
Jequitaí e circunvizinhanças, coincidindo com o início da formação
propriamente dita dos maciços calcários do Grupo Bambuí, há 600
milhões de anos.
Ainda em Coração de Jesus, não muito distante da entrada da
Caverna Glacial, quando muito 300 metros andando por esse mundo
subterrâneo, alcançamos uma formação geológica de natureza totalmente
diversa.
Isto é, deixando para trás aquelas paredes e tetos deposicionais,
como quem vira uma página de um livro, chegamos a corredores e
tetos inteiramente calcários, porém pobres em espeleotemas, havendo
ainda uma claraboia (saída para o mundo exterior pelo teto).
Na verdade, são duas cavernas entrelaçadas e de naturezas distintas.
A da entrada, formada no final da Glaciação Jequitaí, antecede
em idade (640 milhões de anos ou pouco mais) a subsequente (pouco
menos de 600 m.a.). Esta última é cerca de 2/3 maior, sendo constituída
de rochas carbonáticas da Formação Sete Lagoas do Grupo
Bambuí. Existe um riacho que, cortando ambas, chega ao mundo
exterior pela boca da Caverna Glacial (ressurgência).
A exemplo da diversidade de rochas raspadas pela ação erosiva
de rios subterrâneos sob as geleiras do hemisfério norte, a cavidade ora
tratada é algo similar ao mesmo fenômeno, o que é possível concluir
pela diversidade mineral arrancada e agregada àquilo que parece ter
sido uma fenda na parte mais profunda de um paleovale, talvez então
um mar interior raso.
Estão presentes nesse conglomerado sedimentar pequenos
componentes arredondados, predominando seixos calcários (também
registrados na Formação Jequitaí), seixos polidos de rochas diversas, também pouco quartzo hialino, algo parecendo argila endurecida e
outros minúsculos minerais enegrecidos, escorrimentos no teto daquilo
que na época foi um líquido cor de ouro muito brilhante, além
de uma concha parcialmente recoberta de calcário, tudo ligado por
material aluvionar.
A propósito de ouro, palavra a que nos referimos acima, estivemos
mais uma vez na cidade de Jequitaí, nos dias 09 e 10 de agosto
de 2019, quando ganhamos de presente do amigo, conterrâneo e excolega
de escola, Edaílson Cordeiro, no segundo dia, um fragmento
de diamictito com uma profusão de ouro em pó nele agregado.
O pedaço da citada rocha conglomerática com inclusão de ouro
em pó foi encontrado em Jequitaí mesmo, algum tempo antes, por
um garimpeiro, que erroneamente pensou tratar-se de uma rocha de
granito. Imediatamente associamos esse achado com o líquido cor de
ouro que observamos na Caverna Glacial de Coração de Jesus, município
que não é aurífero.
E, pela manhã do segundo dia daquele passeio, nadando no
Rio Jequitaí, que é dominado pelo diamictito, coletei na margem esquerda
deste manancial uma inclusão de quartzos hialinos em tapanhoacanga,
ou canga, esta uma concreção ferruginosa misturada com
argila e areia, inteiramente imprestável à extração de ferro. Essa canga
não existe nos diamictitos de Jequitaí, mas é extremamente comum
em Coração de Jesus, relembrando mais as pequenas ocorrências do
mesmo quartzo hialino nas laterais e teto da Caverna Glacial.
Tais achados seriam, com certeza, um elo da era do gelo entre
as duas localidades, Jequitaí e Coração de Jesus.
Já a concha, alongada, assimétrica e côncava, com uns cinco
centímetros, na qual se percebe nitidamente seu revestimento por
uma “nata” calcária – ou seja, um calcário ainda líquido originariamente,
o que presentaria seu estágio de formação, envolvendo o outro
corpo e nele endurecendo como se fosse uma pintura minúscula -,foi ligada ao mundo marinho pelo físico, professor e entendedor de
moluscos, o nissei Shigueo Watanabe, o qual não conheci e que esteve
na caverna em questão com Ubirajara Macedo.
Mini Aurélio”, 8ª. “Concha [Latim. conchula.] sf. 1. Zool. Invólucro
calcário ou córneo de muitos moluscos...” (edição, 2010, pág. 184).
A peça acima referida, segundo aquele estudioso, seria do Paleozoico
(unidade de tempo geológico composto por eras), com início
entre 542/416 milhões de anos atrás. Seu início compreende o Siluriano,
Ordoviano e Cambriano, seguindo-se outros três períodos: Devoniano,
Carbonífero e Permiano. Ou seja, ele teve uma duração de
aproximadamente 540 milhões de anos a 250 milhões de anos atrás.
O período Cambriano é que registrou o surgimento de animais
com carapaça, sendo os trilobites (grupos extintos de artrópodes
marinhos paleozoicos) os principais, com 70 por cento dos fósseis de
então.
A Terra se mostrava com domínio de seres microscópicos no
Paleozoico. E, num período relativamente curto para a história do
planeta, de cerca de 40 milhões, a evolução deu um salto, conhecido
por “explosão cambriana”, começando a surgir seres pluricelulares e,
depois, seres macroscópicos, como as plantas e os animais que alteraram
profundamente o meio ambiente então existente.
Dito escorrimento de calcário por certo só se registrou exatamente
no princípio da formação de tal rocha sedimentar, entre 620
milhões a 680 milhões de anos atrás, o que se sabe por análises isotópicas
em regiões variadas do Grupo Bambuí.
Shigueo Watanabe também é de opinião que a concha, que creditou
ter sido de algum molusco marinho, um animal invertebrado
que ali teria vivido por volta de 600 milhões de anos atrás, ainda
carece de maiores estudos para sua datação precisa. Mesmo porque o
que se tem como certo é que os primeiros moluscos surgiram há uns
550 milhões de anos. É sugerida mesmo a existência do filo desde o
período Pré-Cambriano.
Com efeito, se essa concha tem idade de mais de 540 milhões
de anos, tendo sido quase que totalmente revestida por um calcário
ainda solúvel, a mesma remontaria ao tempo da formação do nosso
calcário Bambuí. A hipótese levaria a concha para antes do início do
Paleozoico.
Os primeiros invertebrados provavelmente habitavam a areia
e o lodo do fundo do mar há uns 600 milhões ou um pouco mais.
O ambiente era propício para se esconderem e encontrar bastante
alimento, que afundava na água. Há cerca de 550 milhões de anos,
surgiram os primeiros moluscos (mollis = “mole”). Mesmo assim, há
apenas hipóteses sobre a origem dos moluscos, sem convergência de
opiniões.
Os invertebrados, o segundo maior grupo de animais em número
de espécies (aproximadamente 100.000 espécies, suplantados
apenas pelos artrópodes), foram representados mais cedo no registro
fóssil, em curto tempo, o que é problema à análise de sua sequência
evolutiva.
A classe dos cefalópodes, ou Cephalopoda, também é chamada
de gastrópodes. Possui umas 700 espécies ocupando reservatórios ou
seu fundo. A classe é dividida em duas subclasses. Os primeiros são
o extinto amonites e nautiluses, que representam Chetyrekhabberny.
A segunda categoria inclui choco, lula e polvo. Estes representam
uma subclasse de coluna dupla. Frise-se que o corpo de moluscos
distingue-se pela simetria bilateral. A concha está presente apenas em
formas antigas, enquanto em outros representantes é rudimentar. Investigadores
da Universidade de Bristol descobriram em Marrocos o
fóssil de uma lesma com 480 milhões de anos, o que contribui para
esclarecimentos pertinentes acerca da evolução dos moluscos, conforme
trabalho recentemente publicado na revista Nature.
Os sambaquis da costa brasileira, que são conchas e moluscos
ali depositados por populações anteriores ao período histórico, encontram-se, em sua maioria, na região meridional. Enquanto os moluscos
serviam de alimento, rico em proteína, suas conchas eram e ainda são
utilizadas como ornamento. São hoje coletadas e mesmo cultivadas,
daí a existência de indústrias de pérola e de adornos de madrepérola
em diversos países.
Conclusivamente a este respeito, a bióloga graduada Mariana
Araguaia arremata:
“Representantes do filo Mollusca. Os moluscos são animais predominantemente
marinhos e de vida livre, podendo, inclusive viver fixos
ou enterrados. Embora exista grande diversidade de espécies, todos apresentam
um mesmo plano estrutural e funcional. São conhecidas aproximadamente
50.000 espécies viventes, divididas em oito classes - entre as
quais se destacam a classe dos gastrópodes, pelecípodes e cefalópodes - e
35.000 fósseis.
Gastrópodes são representados por caracóis, lapas, lesmas terrestres
e marinhas, búzios, lotirinas, lebres-do-mar e borboletas-do-mar.É a classe mais diversificada do filo. Quando possuem concha, é uma
peça única, podendo ser enrolada. São geralmente vagarosos, devido ao
peso desta, principal forma de defesa. Para alimentação, todos utilizam
rádula (órgão que permite ao animal raspar o alimento).
Pelecípodes, também conhecidos como bivalves, são representados
pelos mexilhões, vieiras, ostras e teredos. Seus pés possuem forma de machado
e há a presença de concha com duas valvas. A maioria são comedores
de materiais filtrados e não possuem cabeça nem rádula.
Na classe dos Cefalópodes, lulas, polvos, náutilos e sibas são representantes,
podendo ter conchas internas ou ausentes. São predadores
ativos, encontrados em altas profundidades.
Este filo abriga animais de corpo mole (molusca) e com simetria
bilateral; triblásticos (três folhetos embrionários) e não segmentados; com
corpo revestido por um epitélio simples, com cílios e glândulas mucosas.
Além disso, são protostômios (no desenvolvimento embrionário, formam primeiro a boca e, depois, o ânus) e possuem celoma, um espaço preenchido
por líquido no interior do organismo que, no caso dos moluscos, está
localizado ao redor do coração e ao redor das gônadas e dos rins.” (...).
Giro outro, fósseis de animais pluricelulares destituídos de conchas,
chamados de anêmonas do mar e provenientes das Montanhas
Mackenzie, no Canadá, existiram no período Ediacarano, que muitos
cientistas preferem incluir no Paleozoico, ao invés do Pré-Cambriano.
Vem do Folhelho Burgess, exatamente no Canadá, um conjunto especial
de fósseis, mas nenhum parecendo se encaixar numa classificação
estabelecida; chama a atenção a Wiwaxia, lembrando uma lesma coberta
com uma malha de ferro.
O Ediacarano registrou seres estranhos com corpo mole, na
Austrália e na Inglaterra. Mas minerais formados nesse período de
tempo apresentam falta de oxigênio, sugerindo uma condição climática
glacial a provocar o desaparecimento de quase toda forma de vida.
A concha encontrada aderida ao teto da Caverna Glacial suprarreferida,
com efeito, carece de maiores estudos, mesmo porque o
nissei antes mencionado sequer a classificou por seu nome científico.
De mais a mais, pelo que andamos verificando em parca bibliografia,
ela mais se parece às de mexilhões, e não de lesmas. Pelo menos foi a
nossa impressão.
Importante salientar que mexilhões vieram e vivem em conchas.
No livro “Fóssil” (Editora Globo, ano não informado), nas páginas
10/11, podemos ler:
“1. MEXILHÃO VIVO. O mexilhão prende-se às rochas e superfícies
duras por meio de filamentos bissais. As partes moles são envolvidas
por duas conchas calcárias. Cada indivíduo pode passar a vida
toda no mesmo lugar. Se se desprender, pode morrer, especialmente se
for colocado em ambiente diferente. 2. DETERIORAÇÃO. Ao morrer,
as conchas abrem-se como “borboleta”. As partes moles logo começam a
apodrecer ou são devoradas por animais predadores. 3. O RIJO PERMANECE. Quando as partes moles já deterioraram, a concha, que é
a parte rija, permanece. 4. PARA FOSSILIZAR. Conchas vazias às
vezes são carregadas pela correnteza e acabam se misturando a seixos e
areia para formar praias pedregosas. Alguns dos espécimes têm seu par
de conchas ainda unido por um forte tecido (ligamento); em outros, esse
ligamento partiu-se. O movimento constante do mar quebra as conchas e
os pedaços podem ser enterrados e fossilizar lentamente. 5. MEXILHÃO
FÓSSIL. Aqui, uma argamassa mineral liga os grãos sedimentares às
conchas fósseis, dificultando o trabalho do pesquisador para retirar as
conchas.”
De outro ângulo, ante a total ausência de diamictitos na Caverna
Glacial (pelo menos em minhas pouco demoradas visitas naquele
lugar nada percebi em tal sentido) e em suas proximidades, não se
pode falar no peso de uma geleira em seu auge para a formação na
sua base dessa rocha conglomerática. O “cimento natural” da Caverna
Glacial lhe dá inteira sustentação. Ela aparenta ser muito frágil
porque formada da agregação de materiais esparsos “cimentados”
pela própria natureza, inexistindo uma rocha sólida inteiriça, como o
calcário, para lhe dar sustentação, mormente quanto a seu teto, que
parece prenunciar um desabamento num futuro próximo.
Estivemos em cima desse teto, portanto a céu aberto, e o cenário
era de pastos, árvores miúdas e duas ou três reses. A região de Coração
de Jesus está inserida no domínio das savanas-cerrados/campos
gerais tropicais, conforme sua classificação fitogeográfica. Passando
por baixo de uma cerca, descobrimos na outra manga após a estrada a
saída da claraboia da caverna calcária.
A concha, encontrada no teto da Caverna Glacial e recolhida
posteriormente para o museu de Coração de Jesus, se mesmo marinha,
vem referendar, por outro lado, a origem de determinadas marcas
de onda deixadas no sítio das geleiras, em Jequitaí, conhecidas nos
meios acadêmicos como ripple marks: em sedimentologia, ondulações
em forma de onda ou marcas de ondulações em forma de onda em sedimentos - arenito, calcário, siltitos e dunas, indicando agitação
pela água ou vento.
Enfim, trata-se de uma caverna com rebotalhos de toda ordem,
alguns por certo arrastados de lugares distantes, o que é típico de uma
“terra arrasada” como causa ou efeito do recuo de uma geleira.
Demonstração de que a Caverna Glacial antecede a formação
propriamente dita dos enormes maciços calcários anotados em Coração
de Jesus é que, a poucos metros dela, existe a caverna inteiramente
calcária denominada Maria Cobra, que percorremos por diversos
metros, no final dos anos 70, e desistimos após determinada distância
ante sinais da existência em suas galerias extremamente úmidas do
letal monóxido de carbono.
Pela exiguidade de tempo, não pudemos percorrer as imediações
daquela abertura subterrânea, para que dúvidas não restassem,
em busca de uma possível nova ocorrência de diamictito, ao contrário
de um pequeno registro que percebemos na região da Serra do Cabral,
em Santa Bárbara, no município de Augusto de Lima, conforme
informado antes. Anos atrás, encontramos uma pedreira dessa natureza
bem próxima do distrito de Água Boa (município de Claro dos
Poções). Em linha reta, a distância entre ela e a Caverna Glacial é de
aproximadamente 10 quilômetros ou pouco mais.
Um conglomerado polimítico propriamente dito, correspondendo
a um paleocanal das coberturas terciárias, foi identificado no
município norte-mineiro de São João das Missões, mostrando clastos
de arenito quartzoso, calcário micrítico, calcário esparítico, gnaisse e
grãos de quartzo, feldspato e mica.
A classificação de conglomerados de tal ordem, os quais levam
em conta sua granulação, composição e tipo de cimento natural
unindo os clastos, diz respeito ao ambiente originário: conglomerados
marinhos, fluviais ou glaciais. Encontramos uma dessas estruturas sedimentares
decorrentes de um mar interior em Jequitaí, ostentando com magnífica perfeição moldes do balanço de ondas, ora no nosso
acervo.
A Serra do Cipó, por exemplo, perto de Belo Horizonte, tem
sua pré-história remontando há mais de um bilhão de anos. Os quartzitos,
rochas arenosas predominantes naquela região, se formaram
pela deposição marinha em tempos geológicos que o homem sequer
conheceu. Os ripple marks, isto é, marcas formadas pelas ondulações
da areia ao sabor das ondas, ali são comuns. Hoje, na rocha já consolidada,
suas marcas permanecem como testemunhas inapagáveis de um
oceano pré-histórico.
Milhões de anos depois do afastamento de suas águas e soerguimento
das montanhas que formam a atual Serra Geral, ou Serra
de Minas (também chamada de Serra do Espinhaço), a alteração das
rochas deu origem aos solos onde hoje o cerrado, a Mata Atlântica e
os campos rupestres constituem algumas das riquezas daquela serra.
Devo frisar aqui, a propósito da Serra Geral, considerada reserva
mundial da biosfera, que a mesma também é conhecida como
Serra do Espinhaço, nome que lhe foi dado pelo barão alemão Ludwig
Wilhelm von Eschwege, no século XIX, ao fundamento de ser
responsável pela divisão das redes de drenagem do Rio São Francisco
e as dos rios que correm diretamente para o Oceano Atlântico.
Mas há quem ache errada a denominação de “Espinhaço”, uma
vez que a sua orografia central, lembrando sua espinha dorsal a de
um quadrúpede, não seria divisor de água de duas vertentes contrapostas.
Em Itacambira, por exemplo, ela se encontra inteiramente na
Bacia do Jequitinhonha em extensão considerável. Por conseguinte
não existiriam duas bacias hidrográficas que separa, daí a alegada impropriedade
do seu nome.
A Serra Geral (seu nome usual hoje), aurífera e diamantífera
em trechos que se multiplicam por sua extensão, na verdade, é um
conjunto de serras de certa forma individualizadas formando a cordilheira brasileira, com pouca variação longitudinal. Corta nosso território
no sentido Norte-Sul, desde o Quadrilátero Ferrífero, no centro
de Minas Gerais, até a Chapada Diamantina, na Bahia, em mais de
1.000 quilômetros de extensão.
Divide, na verdade, o território mineiro nas terras a leste (Mata
Atlântica) e nas terras a oeste, cobertas pelo cerrado. Há uma lacuna
ao norte, seguindo-se a elevação da Chapada Diamantina, em meio à
caatinga.
O município de Salinas, no setentrião mineiro seguindo para
o Estado da Bahia, também guarda registro de um mar interior, que
recuou deixando em suas terras o sal-gema, daí o nome do município.
Sua acumulação se deu pela evaporação da água dos mares em época
pretérita da história física da Terra.
Na zona rural do município norte-mineiro de Francisco Sá,
percebemos também, junto a um sítio paleontológico de animais extintos
da fauna pleistocênica, no leito seco de um córrego temporário,
esse sal de terra, denominação dada pelos caboclos para as eflorescências
salinas, onde o gado fica por ali lambendo-o.
Fui entrevistado pela TV Globo sobre tal ocorrência e também
sobre o sítio arqueológico ao lado, de animais extintos da nossa fauna
pleistocênica, no antigo Brejo das Almas, matéria veiculada em seu“Jornal Nacional” e no “Fantástico”.
Na Alemanha são realizados os principais estudos teóricos e
práticos sobre o sal-gema, na jazida de Stassfurt.
Quem possuía em sua casa uma mão-depilão elaborado em
diamictito, com um minúsculo diamante nela incrustado, também
proveniente de Jequitaí, era o historiador montes-clarense Simeão
Ribeiro Pires. Mão-de-pilão foi um instrumento lítico utilitário produzido
pelo nosso homem primitivo. Também percebemos possíveis inclusões de diamante em diamictitos dinamitados - para utilização
nas obras de construção da BR-365 – muito próximos do trevo de
acesso à cidade de Jequitaí.
Há registro de marcas de onda (ripples) em siltitos nas proximidades
de Miravânia (município vizinho de Montalvânia, Cônego
Marinho, São João das Missões e Manga).
Por fim, pesquisadores descobriram microfósseis de origem marinha
na atual região do Alto Paranaíba, cujos dados só conseguimos
encontrar no jornal belo-horizontino “Hoje em Dia”, de 08/09/1996,
na página 15, de “Ciência & Tecnologia”, como se segue:
“Na era dos dinossauros, o mar invade o Brasil e chega a Minas
Gerais. Deixa ali alguns animais microscópicos, de apenas uma célula.
Passados 100 milhões de anos, eles reaparecem como fósseis. Parece roteiro
de filme de ficção, mas não é. O estudo de um pesquisador brasileiro e
de um norte-americano concluiu que a atual região do Alto Paranaíba
foi coberta por águas marinhas durante um breve período do final da“era dos dinossauros”, o Cretáceo.
O carro-chefe da constatação de uma invasão marinha foi a descoberta
de radiolários, que são animais exclusivamente marinhos”, diz
Dimas Dias-Brito, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio
Claro (SP). Segundo ele, a invasão do mar nessa região teria durado
pouco tempo. A rocha onde foram encontrados os radiolários, animais do
mesmo grupo das amebas, é “fina”. “Ainda não há nenhuma evidência
de um ‘pacote marinho’ espesso abaixo e acima desse silexito (rocha). A
ideia é que o mar teria se retirado rapidamente.
Há cerca de 140 milhões de anos, no início do Cretáceo, a África e
a América do Sul estavam coladas. Mas, entre 130 milhões e 110 milhões
de anos, começou a se abrir uma fenda entre os continentes. Com
o alargamento dessa fenda, surgiu o Oceano Atlântico, há cerca de 115
milhões de anos. Entre esses dois momentos o mar invadiu o Brasil. A
ideia de que a região teria sido coberta pelo mar surgiu em 1991, quando a pesquisadora Senira Kattah encontrou evidências de que algumas
rochas da região da cidade de Patos de Minas (Alto Paranaíba) teriam
radiolários.
Em 1995, Dias-Brito e Emile Pessagno, da Universidade do
Texas, voltaram à região e confirmaram a descoberta de Kattah e classificaram
os microfósseis. Eles estavam “presos” no silexito, um tipo de
rocha conhecida popularmente como ‘pedra-fogo’.
Ao estudar os fósseis, os cientistas depararam com um grande
problema: de onde teriam vindo as águas que cobriram Minas? Uma
das hipóteses propostas por eles é a de que teria sido o Oceano Pacífico o“invasor”. Isto porque um dos radiolários existentes no silexito pertence
a um gênero comum há cerca de 130 milhões de anos. Nessa época, o
Atlântico Sul ainda não havia completado sua formação. A água deve
ter vindo do Sul. Também há 130 milhões de anos, radiolários como os
de Minas estavam presentes em latitudes iguais ou maiores do que 22
graus. Portanto, os pesquisadores acreditam que a invasão tenha acontecido
a partir de águas mais austrais.
A outra hipótese é a de que o próprio Atlântico teria invadido
o continente. A ideia é baseada na datação de pólens encontrados em
camadas inferiores ao silexito mineiro, cuja idade é de 115 milhões de
anos, época em que o Atlântico já havia se formado.
Para Antônio Carlos Rocha Campos, paleontólogo do Instituto
de Geociências da USP, “essa pode ser a primeira evidência de que a
formação geológica Areado (onde foi encontrado o silexito) é de origem
marinha”. “Segundo se acreditava, as informações do Cretáceo eram inteiramente
continentais”, disse. Mas, segundo o pesquisador, é preciso
que se aprofunde o estudo para que se descubra de onde veio a invasão.
“É preciso achar a trilha que o mar teria deixado”.
Além dos cardiolários, os pesquisadores também encontraram
espículas de esponjas presas no silexito, rocha formada por sílex. As espículas,
cuja forma lembra a de agulhas, são uma espécie de “esqueleto” de sustentação dos animais. “Essa associação é classicamente encontrada em
sedimentos do Jurássico e do Cretáceo em todo o mundo”, disse Dias-Brito.
Para Rocha Campos, a presença dos radiolários já é suficiente para
dizer que houve mesmo uma invasão, já que eles são marinhos.”
Lado outro, a deposição do Grupo Bambuí foi iniciada em ambiente
marinho raso, redundando no término das rochas da Formação
Jequitaí. Isto possibilitou o soerguimento da plataforma carbonática
da Formação Sete Lagoas, quando foram depositados os calcários. Daí
notamos que, em meio ao diamictito da Formação Jequitaí, o calcário
não abunda nem tem tamanho destacado.
E, não nos alongando mais, uma regressão marinha na Formação
Lagoa do Jacaré permitiu a deposição de lentes de calcário na
região norte-mineira de Lontra.
“O gelo é o mais formidável exemplo de agente natural capaz
de “raspar” totalmente uma área. Na superfície terrestre, nenhum outro
agente é capaz de realizar movimentos mecânicos tão vigorosos sobre as
rochas... Se existem solos ou materiais menos resistentes nas encostas das
montanhas, o gelo os remove e, às vezes, origina exposições de grandes
massas de rocha, com estrias e sulcos paralelos ao sentido de movimentação.
As rochas por onde passam as massas de gelo são submetidas à intensa
raspagem. Com o resfriamento, o gelo tende a “grudar” na superfície
da rocha. Com o tempo, pedaços desta vão sendo arrancados. Surgem
então formas arredondadas, lembrando carneiros deitados (rochas moutonnés),
ou semelhantes ao dorso de baleias (drumlins)”, conforme trabalho
de Fernando Flávio Marques de Almeida e Celso Dal Ré Carneiro,“Geleiras no Brasil – Os Parques Glaciais de Salto e Itu (SP)”, publicado
na revista “CiênciaHoje”, volume 19, número 112, página 26).
Por outro lado, a geologia nos mostra que se há alguma parte da
superfície da Terra coberta por gelo, nós já estamos vivendo em uma
era glacial. Temos hoje aproximadamente dez por cento da Terra sob
geleiras e glaciares (no ápice de uma glaciação, tal proporção fica em trinta por cento). Evidencia-se que, na maior parte de sua existência,
o planeta teve uma temperatura média de oito a 15 graus Celsius acima
da atual, o que impediu que qualquer área da Terra permanecesse
congelada.
Entretanto, em seu último bilhão de anos, nosso planeta enfrentou
cinco períodos glaciais. O atual é o sexto, com seu início há
aproximadamente dois milhões de anos. No decorrer de certo período
glacial, a temperatura nem sempre é a mesma. Para cada 100 mil anos
de muito frio, passamos por cerca de 10 mil anos com temperatura
mais amena. A Terra encontra-se há oito mil anos em um desses períodos
de menor expansão de sua camada de gelo. Contudo, a previsão
é que daqui a dois mil a quatro mil anos terá início outro aumento da
nossa cobertura de gelo.
Há previsão de chegada próxima ao Brasil de nevasca, que atingiu
Santiago em 1971, trazendo intenso frio para as regiões do Sul,
Sudeste, Centro-Oeste e sul da região Norte, como indica o Instituto
Nacional de Meteorologia do Brasil (INMET).
Não bastando, meteorologistas do National Oceanic and Atmospheric
Adminstration (NOAA), órgão ligado à NASA, responsável
por monitoramento de condições atmosféricas oceânicas ao redor
do globo, chegaram a projetar a possibilidade de precipitação de neve
para o Sul do Brasil em 2017 (ocorrências repetidas em 2018 e 2019).
A ciência ainda não precisou o que provoca uma era glacial.
Existem teorias buscando explicar esta variação entre fases mais frias
e mais quentes no decorrer de uma glaciação. A principal delas tem
como base as diversas mudanças registradas nas órbitas terrestres. Primeiro,
o eixo de rotação da Terra não forma um ângulo perfeito de 90
graus com a linha do Equador: o planeta está ligeiramente inclinado.
O ângulo dessa inclinação sofre alterações devido à influência da força
gravitacional dos demais planetas. Essa é uma das mudanças. Segundo,
o eixo de rotação também gira em torno de si mesmo como se
fosse um pião, por influência da atração do Sol e da Lua. Em terceiro lugar, o movimento em torno do Sol não é sempre igual, também devido à força de gravidade dos planetas. O somatório destas mudanças
faz com que exista variação na quantidade de energia que chega do
Sol, o que provoca o esfriamento.
Mostradas essas teorias entrelaçadas com as órbitas terrestres,
em contrapartida é afirmado que uma glaciação é um fenômeno intitulado“Paradoxo da Hibernação Solar”.
Como exemplo tivemos o esfriamento do clima global que provocou
a Pequena Era do Gelo (1400 – 1650). Esta, trazendo penúria e
desnutrição à população, foi prenunciada pela horrorosa peste negra,
pandemia mais mortal da história e que entre 1347 e 1352 eliminou
entre 30 e 50 por cento da população europeia.
Na hibernação solar, a atividade da nossa estrela é tão precária
que não há ejeção de matéria da sua coronal em direção ao espaço. Ou
seja, as tempestades solares desaparecem ou são praticamente nulas, o
que leva aquele astro a um estado de calmaria.
Cientistas que acompanham o fenômeno anotaram que a atividade
solar máxima vem enfraquecendo presentemente, com o que o
período de mínimo solar se estende.
Artigo na publicação científica “Annales Geophysicae” assegura
que se ocorrer uma menor atividade do Sol e uma fase de mínimo solar
ampliada, ocorrerá uma nova glaciação. A Terra gelará: o que hojeé subtropical se tornará clima temperado e quanto mais próximo aos
polos, maior o avanço do frio.
“O Paradoxo da Hibernação Solar é o caminho contrário ao
aquecimento global. O Sol, que é a principal fonte de energia em forma
de calor, agora estaria colaborando para o esfriamento. A estrutura
magnetizada tanto do planeta como da estrela vive numa disputa equilibrada.
Quando há mais atividade solar, menor é a penetração de raios
cósmicos na atmosfera terrestre. As partículas solares impedem esse ingresso
da radiação espacial, que chegam até a 10 quilômetros na troposfera
e ionizam essa parte da atmosfera terrestre.” (“Annales Geophysicae”).
Resta claro que a redução da atividade solar não depende do
aquecimento global causado pela atividade humana – esta ocasionando
o efeito estufa, desmatamento e emissão de gases, o que não quer
dizer que não tenhamos de relegar ao esquecimento nossas responsabilidades
ambientais, esperando um resfriamento global por conta do
Sol.
No Encontro Nacional de Astronomia, pesquisadores aventaram
sobre uma possível era do gelo em 2030. O estudo, anunciado
pela professora Valentina Zharkova, da Universidade de Nortúmbria,
se baseou em modelos computadorizados de manchas solares, os quais
mostraram 97 por cento de acertos no mapeamento de movimentos
anteriores da atividade solar.
Estando certas essas previsões, por volta de 2022, uma parte
de ondas deverá se mover até os hemisférios norte e sul do Sol, o que
reduziria essas atividades. Eventualmente as duas ondas estariam em
sincronia, entrando em seu pico ao mesmo tempo, porém em hemisférios
opostos. Isso provocaria o que é denominado por climatologistas
de mínimo de Maunder – período de 70 anos, entre 1645 e 1715,
quando o Sol produziu poucas manchas solares, provocando outra
pequena era do gelo em partes da Europa e continente norte-americano.
O rio Tâmisa, em Londres, permaneceu congelado durante sete
semanas. Essas condições são esperadas para os próximos anos, até a
era do gelo propriamente dita.
A seu turno, uma dupla de cientistas russos, Raulf Galiulin e
Vladimir Bashkin, fez previsão de queda gradual na temperatura da
Terra a partir de 2014, bastante lenta num primeiro momento, devendo
culminar em uma nova era do gelo dentro de um período de
50 anos.
A variação da temperatura da Terra encontra-se, indubitavelmente,
associada aos ciclos das atividades solares, já em processo de
redução e devendo esta diminuição da temperatura afetar todo o
mundo.
Aquecimento global decorrente da atividade humana, que provoca
elevação de temperatura, não deve ser confundido com atividade
solar, a qual se sobrepõe à sina predatória ambiental do homem. Já
existem sinais de frio intenso na Terra, fazendo nevar, por exemplo,
em 2018 (pela terceira vez em 40 anos) em pleno deserto do Saara.
Pode-se afirmar que o homem moderno construiu sua civilização
numa época de calmaria solar, ou seja, num período interglacial
iniciado por volta de 11 mil anos atrás, coincidindo com o término daúltima era do gelo. Mas a cada 11/16 mil anos alternam-se períodos
de grande intensidade solar, com as suas manchas bastante desenvolvidas,
com períodos de baixa atividade. Portanto estamos entrando
no período de baixa atividade, uma vez decorrido o lapso temporal de
11/16 mil anos.
Contudo, há pouco tempo, a NASA mostrou imagens nas quais
se observava a ausência de manchas solares. Se para um leigo isto pode
não significar nada, a seu turno cientistas mostram-se alarmados. A
conclusão mais provável é que o Sol esteja entrando em outra fase fria,
um novo Solar Minimum, trazendo consigo uma nova era glacial, ou
então uma mini-era glacial, a ser iniciada em 2019/2020.
Astrônomos especialistas daquela agência espacial afirmam que
a atividade das manchas solares funciona como um pêndulo, balançando
de trás para a frente ao longo das eras geológicas. O contrário
de um prenúncio da proximidade de nova era glacial seria que a superfície
volátil de nossa estrela estivesse coberta de manchas solares.
Mas, refrise-se, não é o que está acontecendo, pois a ausência
de manchas solares significa um período de baixíssima intensidade
magnética do Sol, processo que deverá continuar pelos próximos anos
até mudar drasticamente o clima terrestre. Calcula-se que o novo congelamento
perdurará durante um mínimo de três ciclos solares (30
anos). E a nossa espécie não estaria preparada para outra era do gelo,
mínima ou de maior amplitude.
Por fim, durante os últimos milhões de anos tivemos diversas
eras glaciais com frequências de 40.000 a 100.000 anos. Destacam-se
a Glaciação Donau, há cerca de 2 milhões de anos; a Glaciação Günz,
há cerca de 700 mil anos; a Glaciação Mindel, há cerca de 500 mil
anos; a Glaciação Riss, há cerca de 300 mil anos; e a Glaciação Würm,
há cerca de 150 mil anos.
Reiterando a existência de determinadas circunstâncias a indicar
que estamos próximos de uma nova era do gelo, porque a Terra
atravessa aproximadamente 10.000 anos de temperatura quente
a cada 90.000 anos de uma glaciação, por outro lado, mercê da ação
do homem com suas agressões ambientais, o planeta atravessa, em
tempos recentes, um contínuo período de aquecimento global sobremodo
acelerado, ao invés de estar iniciando sua fase de esfriamento a
anteceder a próxima era do gelo.
Se de um lado temos pesquisadores e/ou cientistas que acreditam
que esse efeito estufa adiaria uma nova glaciação e seus efeitos
danosos por longo período de tempo ainda, de outro lado o aumento
da temperatura planetária traz consigo a enormidade de desastres ecológicos
que estamos assistindo, como incêndios na floresta amazônica
e no Pantanal, furacões e tornados, secas e queda na diversidade biológica.
Como quer que seja, o aquecimento provocado pelo homem
não significa aumento de temperatura em toda a Terra, mas da temperatura
global média. Em outras palavras, o período de baixíssima
intensidade magnética do Sol independe do efeito estufa, desmatamento
e emissão de gases.
Numa visão mais otimista, esta conjuntura faz com que o derretimento
das calotas polares altere as condições presentes das correntes
marítimas, provocando longos períodos de forte glaciação no
hemisfério norte (América do Norte e Europa, em especial), ao passo
que o hemisfério sul sofreria um forte aquecimento.
Como exemplo desta visão otimista, podemos frisar que o eixo da Terra encontra-se hoje numa posição similar e de outras eras glaciais,
e mesmo assim o Ártico, recebendo o mínimo de energia solar,
não estaria dando indícios de uma glaciação próxima, que assim seria
adiada para os próximos 100 mil anos.
Não pairam dúvidas acerca da gravidade do atual aquecimento
global. Os seis anos mais quentes do atual Holocento (que pessoas
dos meios científicos buscam denominar de Antropoceno, mas sem
consenso) foram registrados entre 2014 e 2019. Se o aquecimento
global hoje enfrentado teria o condão de adiar o próximo glacial para
começar daqui a 100 mil anos, há outra corrente de pesquisadores
acreditando que o homem sucumbiria antes, pelas já assustadoras
consequências do progressivo aquecimento global. Isto significaria a
antecipação do apocalipse.
Como quer que seja, vindo o nosso planeta a registrar temperaturas
elevadíssimas, em total detrimento da vida, após tal fenômeno,
sobre terras então esturricadas, se precipitaria a esperada próxima glaciação.
Se já finda a calmaria presente do Sol, a esperada era do gelo
aconteceria em estágio semelhante futuro, e sem mais contar com a
presença da espécie Homo no planeta.
O artigo que se segue, de José Eustáquio Diniz Alves, originariamente
publicado em “EcoDebate”, trata com precisão das consequências
desairosas do aumento do aquecimento global, como se
segue.
“Os 6 anos mais quentes do Antropocentro: 2014-2019.
“Na ausência de um ajuste significativo da maneira como bilhões
de seres humanos vivem, partes da Terra provavelmente se tornarão
próximas a inabitáveis e outras partes terrivelmente inóspitas, antes do
final deste século.” David Wallace-Wells (09/07/2017).
O mundo tem apresentado temperaturas cada vez mais altas ao
longo do tempo, sendo que a atual década tem batido todos os recordes
das décadas anteriores. O aquecimento global é uma realidade inques tionável. Os 6 anos mais quentes do Antropoceno aconteceram entre
2014 e 2019.
O ano mais quente do século XX foi 1998, que apresentou uma
temperatura 0,63º Celsius acima da média do século. Porém, nos anos
seguintes houve redução da anomalia e somente em 2005 a temperatura
bateu novo recorde, de 0,66º C acima da média do século XX. Novo recorde
aconteceu somente em 2010 com 0,70º C. Em 2011 houve desaceleração
do aquecimento global e a temperatura média de 0,58º C (acima
da média do século XX) ficou abaixo daquela apresentada em 1998. As
temperaturas de 2012 e 2013 ficaram abaixo dos valores de 2010.
Todavia, o quadro mudou radicalmente a partir de 2014, pois,
além de bater novo recorde com 0,74º C, a temperatura média do referido
ano passou a se constituir em um novo piso para a série histórica
que começou em 1880. Em consequência, os 6 anos compreendidos entre
2014 e 2019 são os mais quentes já registrados. Aponta-se para a possibilidade
de 2019 ser o segundo ano mais quente da série.
De fato, os meses de junho, julho e agosto foram os mais quentes
já registrados, com variação de 0,95º C, em relação à média do século
XX. A Europa teve duas ondas recordes de calor em 2019, uma em
junho e outra em julho. Diversas cidades tiveram temperaturas elevadas
e nunca antes registradas. Portugal e outros países sofreram com os incêndios
florestais. Nestes dois meses, vastas extensões de latitudes do norte da
Terra ficaram em chamas. O clima quente tomou conta de uma enorme
porção do Ártico, do Alasca à Groenlândia e à Sibéria. Isso ajudou a
criar condições propícias para incêndios florestais. Alguns deles foram
realmente enormes e queimaram de maneira singular e sem precedentes.
Artigo de Crunden (15/07/2019) mostra que as mudanças climáticas
estão agravando os incêndios florestais.
Dados da NOAA mostram que, no período janeiro a julho, a
temperatura mais alta aconteceu em 2016, com 1,1º C acima da média
do século XX. As outras duas marcas mais altas aconteceram em 2017 e
2019, ambas com uma anomalia de 0,95º C acima da média do século XX, para os primeiros sete meses do ano. A linha de tendência mostra que
a temperatura está subindo 0,21º C por década no século XXI (quando
estava subindo 0,08º C por década entre 1880 e 2019). Isto quer dizer
que o aquecimento global está se acelerando e, no mínimo, vai subir 2º
C no atual século, mantida a tendência das duas últimas décadas. Mas
o mais provável é um aquecimento cada vez mais intenso, como alerta
o IPCC.
Apesar de todos os alertas, o mundo continua consumindo combustíveis
fósseis, liberando metano na agropecuária e agravando o efeito
estufa. Continua também desmatando e destruindo os ecossistemas.
Assim, cresce a concentração de gases de efeito estufa e aumenta o nível
de CO2 na atmosfera, que, em 2018, foi de 408,52 partes por milhão
(ppm), e está aumentando em 2,4 ppm ao ano na atual década (mas
pode passar de 3 ppm em 2019). Sendo que o nível seguro é 350 ppm.
Artigo de Matt McGrath, na BBC (24/07/2019) mostra que
o alerta do IPCC sobre o prazo de “12 anos para salvar o planeta” se
transformou em 18 meses. A necessidade de reduzir as emissões em 45%
até 2030 para manter as temperaturas globais abaixo de 1,5º C neste
século se antecipou e agora o prazo é o final de 2020. A sensação de que
o final do próximo ano é a última chance de mudança climática está se
tornando mais clara o tempo todo. Com base em evidências científicas,
ele escreve: “Acredito firmemente que os próximos 18 meses decidirão
nossa capacidade de manter a mudança climática em níveis de sobrevivência
e restaurar a natureza ao equilíbrio que precisamos para nossa
sobrevivência”.
A velocidade do aquecimento global nunca foi tão rápida quanto é hoje e está afetando o planeta inteiro simultaneamente, pela primeira
vez em, pelo menos, dois milênios. Uma pesquisa, publicada na revista
Nature Geoscience (24/07/2019) reconstruiu a temperatura média
da Terra nos últimos dois milênios, destacando a surpreendente taxa de
aquecimento generalizado do nosso planeta no século passado e, em especial,
nas últimas décadas.
Desta forma, se este quadro não começar a ser revertido urgentemente,
o colapso ambiental pode se tornar inevitável. O aquecimento
vai provocar o degelo do Ártico, da Antártida e da Groenlândia, elevando
o nível dos oceanos, o que ameaça bilhões de pessoas que moram
nas áreas costeiras. O aquecimento também deve provocar o degelo dos
glaciares do Himalaia e o leste e o sul da Ásia, lar de bilhões de pessoas,
vão sofrer com a falta de água. O aquecimento global é um dos elos fracos
do Sistema Terra e pode provocar um grande desastre ecológico. No
longo prazo, pode ser o apocalipse para todos os seres vivos do Planeta,
incluindo a espécie que é culpada e vítima deste processo: a humanidade.
Como disse o cientista David Suzuki: “Se quisermos que a Terra
permaneça habitável para os seres humanos e para outras formas de vida
que nos tornam possíveis, devemos fazer escolhas difíceis, promover soluções
e nos envolver mais politicamente (04/08/2019).” (...).
Sem dúvida, cientistas de todo o mundo alertam para a situação
de emergência climática. E como diz, acertadamente, a garota e ativista
sueca Greta Thunberg: ‘Eu não quero que vocês estejam esperançosos. Eu
quero que vocês estejam em pânico. Quero que vocês ajam como se a casa
estivesse pegando fogo. Porque está!’.”
Pelo sim, pelo não, a retração do calor solar não deixará de ser
danosa, mais cedo ou mais tarde, para toda a Terra, e mesmo os defensores
do aquecimento global também têm certeza que a baixa na atividade
solar ainda afetará o clima planetário, mas apostando com uma
hipotética prorrogação da próxima era do gelo, como posto antes.
Trata-se, enfim, de um terreno ainda completamente desconhecido
por nossa espécie, não passando de especulações a previsão de
que a próxima era glacial estaria sendo adiada. Tanto é verdade, como
já salientado antes, que contamos com cerca de 50 teorias a tentar
explicar a ocorrência cíclica das glaciações terrestres.
____________________________________
(1). Mexilhão é nome comum, sem valor taxonômico, que identifica diversas
espécies de moluscos bivalves. Ditas espécies, de grupos filogenéticos
distintos, se caracterizam por apresentar conchas alongadas e assimétricas,
as quais ficam presas ao substrato por um feixe filamentoso (o bisso).
(2). A matéria menciona o período atual como Antropoceno, o qual não
passa ainda de uma tentativa, sem consenso nos meios científicos, de se
estabelecer uma nova era na escala geológica marcada pelas ações da nossa
espécie, ou como um sinal de alerta para as intervenções humanas sobre
os mais variados sistemas da Terra. Ou seja, esta nomenclatura não persiste,
porque estamos no Holoceno, nome dado aos últimos 11 mil anos
da história da Terra, portanto pós-glacial, marcado por temperaturas de
mornas para quentes. O Holoceno, assim, é a época atual do presente
período Quaternário.
(3). Entre os incêndios florestais de 2019 no planeta, precisamos incluir,
talvez como o de proporção mais alarmante e grave, o mesmo fato registrados
na Amazônia sul-americana, com seu auge em agosto deste mesmo
ano.
(Agosto de 2018/setembro de 2019)
_______________________________________________
Mara Yanmar Narciso
Cadeira N. 98
Patrono: Virgílio Abreu de Paula
IRMÃ VEERLE
Bem adiante na vida, na pós-maturidade, quando já doente, olha-se para trás, o que se vê? Obras, ações, atos de caridade, alguns notáveis. As omissões não existiram. As bondades exigem reconhecimento, e lá está alguém, que se dá ao extremo, que se despe das suas vontades para cuidar das demais, na mesma toada. Assim é Irmã Veerle, conhecida como Irmã Verla.
Registrada como Joanna Maria Juliana Vandekeybus, Irmã Veerle diz que sua pátria, a Bélgica, é pequena, e não existem grandes fazendas. Filha de sitiantes, com duas irmãs e um irmão, conta que era costume não se colocar nos filhos o sobrenome da mãe, apenas o do pai. É da região norte, cidade de Essen, onde nasceu em 26 de novembro de 1937. Após aprender enfermagem, veio para Montes Claros em 09 de fevereiro de 1968 para trabalhar na Santa Casa de Caridade, em todos os setores, e depois se dedicar à Pediatria. Familiares e amigos do seu país e da Holanda enviavam recursos financeiros para a Santa Casa, sendo responsáveis por várias benfeitorias na entidade.
Irmã Veerle
Na Bélgica, um país católico, era comum as moças entrarem
para o convento. A cidade natal de Irmã Veerle fica perto da Holanda,
de Etten-Leur onde nasceu e partiu para Montes Claros Willelmina
Lauwen, depois Irmã Maria Beatrix, conhecida como Irmã Beata.
Irmã Veerle pertence à Congregação das Irmãs do Sagrado Coração de
Maria de Berlaar, e não a conheceu, pois Irmã Beata morreu em 1952.
Devido a sua idade, doença e fragilidade, Irmã Veerle foi
proibida de trabalhar, mas, inquieta, quer sair, porém, faltamlhe
forças. Quando perguntada, não fala de si, e sim sobre os que
a cercam. Conta do falecimento de algumas freiras da Santa Casa,
como Irmã Irene, Irmã Malvina e Irmã Luciene. Ainda hoje, o que a
move é ajudar.
Eu visitei Irmã Veerle em seu singelo quarto, com campainha,
catre, armário, duas mesinhas e uma cadeira. Quando eu soube
que ela, a incansável, a indestrutível, a mais apta de todas, sempre
pronta a correr e atender meio mundo, estava doente, fui lhe dar
um abraço apertado, nela que acudiu quem precisou, ou seja, todos
que conseguiu alcançar. Pedi para ver seu documento de identidade,
disfarçou, e, discreta, não me mostrou, então eu a pedi que escrevesse
seu nome, para que eu, enfim, pudesse saber seu sobrenome. Assim
ela fez, mas não revelou que fora batizada como Joanna.
É coisa de grande admiração, desde quando Milena, a minha
mãe, estudava Medicina. Algumas vezes eu acompanhei Milena à
Santa Casa, para ela fazer partos de madrugada, e via Irmã Veerle
na enfermaria da Pediatria. Parecia morar lá e jamais descansar. Em
1975, por volta das três horas, esquentava água no ebulidor, e dava
banho nas crianças. Nós passávamos e a cumprimentávamos, no que
ela respondia sorridente. Por mais cansada que estivesse, sorrir era
fácil para ela, no entanto, falar Português foi inviável, e se expressa de
forma incompreensível.
A agilidade física e mental que tinha, a capacidade de trabalho
que demonstrava, o saber e a experiência que acumulava eram
impressionantes, por isso falo com alegria dessa pessoa iluminada e
desprovida de vaidades. Dr. Konstantin Christoff, cirurgião da Santa
Casa, já falecido, e que se confessava ateu, também se encantava com
esse labor, e lhe dizia: Caso não exista céu, o que a senhora vai fazer,
Irmã Veerle?
De 1991 a 2001, os dez anos que trabalhei nas urgências/
emergências de Endocrinologia da Santa Casa, vi o ímpeto caridoso
e trabalhador de Irmã Veerle, que, atenta, me ajudava, suspeitando
de complicações, especialmente a temida hipoglicemia, glicose baixa,
tormento dos que lidam com diabetes. Certa manhã, quando a freira
chegou à Pediatria, viu que Josemar, um menino carente de cinco
anos, que tinha diabetes e se internava com frequência, não tinha
Irmã Veerle e Eli Penido
acordado. Comunicou-me e fui correndo, enquanto ela tentava lhe
pegar uma veia para injetar glicose. Não teve êxito, e começaram as
convulsões, então sugeri, como medida heróica, passar uma sonda retal
no menino para lhe aplicar soro glicosado hipertônico no intestino.
Em minutos estava feito, e logo ele acordou. Irmã Veerle estava lá.
Durante mais de cinco décadas, as paredes da Santa Casa viram
Irmã Veerle ser a primeira a correr e voltar com o recurso necessário,
levando conforto espiritual e material. Também testemunharam a
freira pedir ajuda para a sua infindável lista de protegidos. Enquanto
exalto sua importância, vejo emanar do seu, no momento frágil corpo,
junto com um sorriso, essa luz, esse dom, essa bondade interminável.
Mara Yanmar Narciso
Cadeira N. 98
Patrono: Virgílio Abreu de Paula
FUTEBOL, CORRESPONDÊNCIA
E DÍZIMO
As produções intelectuais de José Ferreira da Silva foram apresentadas por ele mesmo, afinal ninguém mais do que ele sabe como foram conseguidos seus conteúdos. Falou no Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros em maio. Comentou que os colegas o consideram um memorialista e não um historiador, mas acredito que essas duas funções se mesclem em José Ferreira. Investiga com dedicação e imenso gosto pelo que faz. Sua obra “Família Guarani – 50 anos de História”, versa sobre seu time de futebol, no qual jogou durante onze anos como lateral direito em Porteirinha. Sua paixão perma-nece, pois tinha 40 minutos para palestrar e gastou mais da metade do tempo falando desse livro, uma pesquisa que consumiu viagens e entrevistas, e o resultado foi documentação farta em fotos e depoimentos de jogadores, torcedores e dirigentes, inclusive ele.
Depois veio “Correio Galdino – Um homem de ferro”, sobre a vida do seu pai, um estafeta particular, que viajava a pé e à noite, de Porteirinha a Grão Mogol, sede da comarca, levando documentos, dinheiro e o que mais houvesse. A meu ver, foi um precursor do Sedex. Não concordava em ir a cavalo
e caminhava 138 km. Ia por dentro,
e, destemido, nada o amedrontava. O
filho-autor demonstra admiração pela
coragem do pai, que quando chegava
da viagem se embrenhava na roça para
puxar enxada e sustentar sua grande
prole de três casa-mentos.
Homem de igreja, “Dízimo –
Lei áurea da prosperidade” é seu livro
mais recente, que atende a toda a
crença cristã, com sucesso nas vendas, fato destacado pela sua esposa
Maria Mendes Pereira e Silva. É um assunto raro, sendo José Ferreira
o único leigo em Minas a escrever sobre o tema, começando no que
diz a Bíblia, indo até os dias atuais. O Arcebispo Dom José Alberto
Moura ungiu a obra, o que alegrou o autor.
O nosso confrade, além de pessoa de extrema correção, como
ex-professor de Português, cuja mãe o levava à força para escola, inclusive
distribuindo-lhe tabefes, tornou-se um incansável pesquisador,
escritor e palestrante, pois durante a apresentação hipnotizou
uma platéia atenta e participativa.
Maria Clara Lage Vieira
Cadeira N. 100
Patrono: Wan-dick Dumont
MARIA MAIA
O mundo é carente de afeto, de carinho, de sentimentos nobres, de ações edificantes. Constantemente, somos espectadores de atos que atentam contra a vida e a dignidade humanas.
Felizmente, ao pesquisar sobre a vida de pessoas que participaram da construção da história de Bocaiuva, temos encontrado seres maravilhosos que deixaram sua parcela de contribuição para o engrandecimento da terra em que viveram.
Assim foi Maria Maia, a primeira enfermeira do hospital de Bocaiuva.
Maria das Dores Maia Caldeira nasceu em Bocaiuva, MG., aos 22 de março de 1935, filha de Odilon da Silva Maia e Joana Pereira de Oliveira Maia.
O pai era viúvo, trazendo para o segundo casamento seus filhos:
Geraldo da Silva Maia,
Nelson da Silva Maia,
Maria de Lourdes da Silva Maia,
Luiza da Silva Maia e
João da Silva Maia.
Maria foi a segunda filha do segundo matrimônio de seu pai.
Seus irmãos:
José de Oliveira Maia,
Neide Pereira de Oliveira,
Antônio de Oliveira Maia,
Pedro de Oliveira Maia,
Sinval de Oliveira Maia,
Dulce da Silva Maia,
Dirlene de Oliveira Maia,
Carlos Luiz Maia e
Marcos Afonso Maia.
Podemos, desta forma, compreender o contexto de sua vida:
uma família de numerosa prole, agraciada com também numerosas
bênçãos de Deus, pois os filhos foram todos criados na fé e no temor
do Senhor e nela nasceu o nosso querido Padre Maia (Antônio de
Oliveira Maia), que, com sua vivência, formação religiosa e sabedoria,
tem sido amigo e conselheiro nas diversas circunstâncias que a vida
proporciona a cada pessoa.
Maria Maia, como era conhecida na sua difícil e generosa tarefa
de enfermeira, viveu sua infância na simplicidade da zona rural, na
fazenda Mocambo, região além do povoado de Sentinela.
Ela desfrutou das belezas naturais existentes. O lugar, até hoje,é muito bonito. Como toda criança de sua época, brincou de bonecas
que eram confeccionadas por ela e por sua irmã Neide. Viveu uma
infância feliz, em que podia correr pelos campos, nadar nos rios.
Bem cedo, aprendeu a cozinhar e a cuidar dos irmãos menores
e cuidava deles com tanta responsabilidade e com tanto amor como
se fossem seus filhos.
A inexistência de escola no lugar fez com que sua própria mãe a
alfabetizasse. E ela era tão atenta que, com 6 anos de idade, lia fluentemente.
Aos 7 anos, foi matriculada no Grupo Escolar Coronel Fulgêncio,
que hoje se intitula “Escola Estadual Genesco A.C. Brant”
Ela frequentou o catecismo, preparando-se para a Primeira Comunhão,
na igreja Matriz do Senhor do Bonfim.
Na escola, era considerada boa aluna, o que lhe valeu ser aprovada
para o segundo ano e, depois, para as séries seguintes. Obteve
uma aprendizagem de qualidade, firmada nos princípios cristãos que
lhe foram transmitidos pelos pais e desenvolvidos na escola.
Assim, ela se tornou uma cidadã bem preparada para a vida,
que não lhe foi fácil.
Em 1952, Bocaiuva foi presenteada com a construção do Hospital
do SESP (Serviço Especial de Saúde Pública) e Maria foi escolhida
para fazer parte do corpo de funcionários daquela instituição.
Preparou-se durante 6 meses no hospital de Pirapora, recebendo
ali, com seus colegas, os primeiros ensinamentos sobre a prática da
enfermagem.
Retornando a Bocaiuva, com o hospital já inaugurado, os funcionários
dedicaram-se ao ofício de auxiliar os médicos, no empenho
de aliviar as dores e males de tantos enfermos que, até então não tinham
na cidade um atendimento hospitalar e muitos sucumbiam por
falta de recursos.
Como sempre foi dedicada, desde criança, ao esforço de executar
da melhor forma possível, as tarefas que lhe foram confiadas,
Maria Maia ofereceu sua vida ao SESP. Na função de auxiliar de enfermagem,
emprestou ao seu trabalho a responsabilidade e dignidade
que lhe brotavam do coração. Foi sempre humilde, paciente, carinhosa
com os doentes que eram confiados aos seus cuidados.
Era uma pessoa generosa, sempre pronta para ajudar e sempre
com um semblante sereno e uma palavra de conforto. Era tão atenciosa
com as parturientes que estas, comovidas, lhe confiavam seus filhos
como afilhados de Batismo.
O trabalho de uma enfermeira exige atenção, paciência, coragem,
dedicação. É um trabalho árduo e cansativo e que retorna com
poucas alegrias, a não ser a consciência de que o dever está sendo
cumprido.
Maria Maia nunca se esquivou das dificuldades e, mesmo nos
seus períodos de descanso, atendia prontamente às necessidades do
hospital.
Ainda jovem, casou-se com José Floriano Caldeira, filho de
Américo Caldeira Brant e Adélia Soares. Ele era comerciante. Desta
união, nasceram 7 filhos, sendo dois já falecidos. São seus filhos:
Eustáquio José Maria Caldeira,
Eliane Adélia Maia Caldeira,
Elenice de Jesus Maia Caldeira,
Elana Maria Maia Caldeira e
Edilaine Helena Maia Caldeira.
Elenice casou-se com Roger Faro.
Elana casou-se com Carlos Marques.
São netos de Maria Maia:
Cláudia Fernanda Caldeira de Morais,
Roberto Henrique Maia Caldeira,
Luana Maria Maia Caldeira,
Maria Augusta Maia Marques,
Mayara Maia Faro e
Maria Luiza Maia Faro.
Quando o marido faleceu, Maria Maia ainda trabalhava no
SESP. Enfrentou sozinha a continuidade de sua existência com a mes ma garra de sempre, procurando preparar e encaminhar os filhos na
vida. Sua dedicação era tão grande e tão autêntica que ela se esqueceu
do cuidado com a sua própria saúde. Em campanhas de vacinação,
enfrentou regiões inóspitas, carentes de boa vigilância sanitária. Nessas
circunstâncias, ingeriu água sem tratamento, armazenada em potes
ou diretamente das barrocas, contaminada, o que motivou que ela
contraísse esquistossomose.
Maria das Dores Maia aos 18 anos de idade
Na época, ainda não haviam descoberto algum agente capaz de
debelar o mal e ela, em consequência do mal que lhe acometeu, sofreu
de cirrose.
Aos 59 anos, Maria Maia faleceu em São Paulo, sendo seu corpo
trasladado para Bocaiuva.
Após 30 anos dedicados a tentar aliviar os doentes de seus males,
Maria Maia deixou um exemplo de coragem, disponibilidade,
amor, dedicação, compaixão.
Em um livro de leitura infantil, certa vez, encontramos um poema
cujo teor é o seguinte:
Uma criança, estudando, encontrou a palavra “heroi” e se encantou
com ela.
Seu pai trabalhava na roça, de sol a sol, para garantir o sustento
da família. Só voltava à noitinha. Era esse o tempo que tinha para
conviver com a esposa e os filhos.
Ao chegar em casa, a criança lhe perguntou:
- Pai, que é um heroi?
O pai, cansado do trabalho, pacientemente respondeu:
- Ah! Meu filho, heroi é muito importante. Ele ajuda as pessoas
e faz coisas maravilhosas, enfrenta perigos e conquista a vitória. É
difícil para nós conhecer um heroi.
E, na sua humildade, aquele pai não percebeu que heroi era ele
próprio.
Esta história me lembra Maria Maia: simples, responsável, humilde,
amorosa. Nunca lhe passou pela cabeça o fato de que ela foi
uma heroína, aliviando aqui, higienizando ali, sorrindo, confortando
uma multidão de pessoas que precisaram e receberam a sua atenção e
o seu cuidado.
Bocaiuva se orgulha de ter em sua história a figura ímpar de
Maria das Dores Maia Caldeira!
Maria da Glória Caxito Mameluque
Cadeira N. 40
Patrono: Georgino Jorge de Souza
MARIA DA CRUZ : UMA MULHER VALENTE NOS MOTINS DO SERTÃO
A história de minha terra, São Romão, localizada no Norte de Minas Gerais, às vezes se confunde com a história de Maria da Cruz Porto Carreiro ou simplesmente Maria da Cruz. Embora sua figura seja pouco conhecida, foi a única mulher a participar dos “Motins do Sertão”, que alguns historiadores preferem chamar de “A Conjuração do São Francisco.”
Para se entender melhor a atuação de Maria da Cruz é necessário que voltemos à história das Minas Gerais : em 1735, tendo Gomes Freire tomado posse no Governo de Minas, deu início à reforma dos quintos, questão que desagradava aos habitantes daquela região. Nas Minas, o desvio do ouro que deveria ser recolhido era visível e por esse motivo o Governador perseguia os fundidores irregulares e ordenava a cobrança de dívidas antigas, mesmo sob pena de prisão ou confisco. Criou ainda uma taxa sobre indústrias e profissões, que recaía sobre escravos, negros, mulatos e mamelucos. Apesar da insatisfação popular, mantinha-se simpático e continha os ânimos. Sendo designado a se deslocar para o Rio, transfere o governo para Martinho de Mendonça, que não possuía a habilidade do seu antecessor. Crescia
a revolta em Minas, pelas cobranças absurdas. Esse sopro de revolta
chega à região do Rio São Francisco, também atingida pelas taxas
de captação. Diante da situação, os ideais de independência contra
a Colônia foram surgindo no meio do povo sertanejo. Reunidos em
conselho para organizar-se uma rebelião, entregaram a Pedro Cardoso
a distribuição de postos superiores e este instalou um governo provisório.
Pedro Cardoso era filho de Maria da Cruz. Para Diogo de Vasconcelos,
in História Média de Minas Gerais, “nenhuma figura mais
relevante se destaca em todo aquele sertão que a de Dona Maria da
Cruz, figura que somos felizes em retirar hoje da fria e apagada cova
em que jazia morta, esta menos umbrosa que a do esquecimento.”
A morte prematura do seu esposo Salvador Cardoso deixou-a
viúva com três filhos, dos quais Pedro Cardoso era o único homem. A
todos mandou educar na Bahia. As filhas casaram-se, uma com Aleixo
Gomes, seu parente, da mesma família da Torre, e foi dos mais abastados
fazendeiros do sertão baiano; a outra, com Domingos Martins
Pereira, comerciante, irmão do vigário-geral do arcebispado.
Maria da Cruz, em falta do marido assumiu a gerência de sua
casa, composta de vasto latifúndio do Capão, tendo por vizinho seu
cunhado o tenente-coronel Matias Cardoso em uma outra fazenda,
ao lado do rio.
A têmpera varonil de Maria da Cruz não lhe tirava a natural
doçura. Tinha o respeito de todos. O arraial das Pedras chegou a ser
o mais próspero, contendo teares de algodão, curtumes e oficinas de
couro; tendas de ferreiro, escolas de leitura e de música, armazéns de
fazenda com gêneros, tecidos de algodão e produtos de engenhos de
cana e de mandioca.
Por ter sido seu filho Pedro Cardoso um dos responsáveis pela
rebelião, houve denúncia de que os principais cabeças teriam sido:
Domingos do Prado, Dona Maria da Cruz e seu filho Pedro Cardoso.
Maria da Cruz era a alma do povoado Pedras de Baixo. Seu
filho foi o único que aceitou a liderança do movimento, tendo ela se
envolvido nos planos. Tendo fracassado os Motins do Sertão, Maria
da Cruz e seu filho estavam escondidos. Foi nomeado um ministro,
Manuel Dias Torres para prender os principais, mas usando de um
estratagema, tornou público que El-Rei só puniria os principais réus
presos e que os outros seriam ouvidos, para encerrar o caso. Confiantes,
os dois voltaram para casa, tenho até o ministro hospedado em
sua casa. Este convenceu-a a ir com ele a São Romão, sede do Julgado
e exigiu que mandasse chamar o seu filho Pedro Cardoso para acompanhá-la. Ela percebendo que se tratava de um golpe, mandou avisar
a seu filho que fugisse, mas ele, movido por seu amor filial, veio ao
encontro de sua mãe.
“Nobre e heroica esta mulher, que se poderia dizer uma soberana
decaída e prisioneira, só com o filho à vista deu sinais de fraqueza
e debulhou-se em lágrimas, apertando-o convulsivamente nos braços,
só se queixou de que ele viesse por ela sacrificar-se.” (Vasconcelos,
Diogo de. História média de Minas Gerais)
Maria da Cruz sai de casa em direção ao porto, enquanto mulheres
choravam e, altaneira entrou na barca de sua propriedade. Não
houve julgamento em São Romão e ela e o filho foram conduzidos à
Vila Rica e daí para o Rio de Janeiro sob recomendação que os encerrassem
em uma fortaleza segura. Além de Maria da Cruz e seu filho,
foram presos 17 conjurados, remetidos acorrentados à Vila Rica.
Pedro Cardoso foi degredado para a Capitania de Rios de Sena,
em Moçambique e Maria da Cruz foi indultada em 1745.
Hoje, o antigo Arraial de Pedras de Baixo é a cidade de Pedras
de Maria da Cruz, às margens do Rio São Francisco e o Governo de
Minas Gerais instituiu o Dia dos Gerais, transformando a cidade de
Matias Cardoso na Capital Simbólica de Minas Gerais, a cada 08 de
dezembro. Instituiu ainda a Medalha Maria da Cruz como reconhe cimento cívico de personalidades femininas, que de modo diferenciado,
tenham contribuído para o desenvolvimento econômico, social e
cultural do Norte de Minas.
O grande historiador Diogo de Vasconcelos, no seu livro “História
Média de Minas Gerais” assim termina suas considerações a respeito
de Maria da Cruz:
“Na história de Minas, há mulheres que se imortalizaram, fosse
pela sua beleza ou por seus talentos, fosse também por martírios sacrossantos.
Mas digam-nos agora se alguma foi, mais do que esta, digna
de memória em nossos fastos. O tranquilo esquecimento, a causa
maior de sua morte, apagou seu nome, conservado apenas no velho e
obscuro arraial à beira do grande rio.”
__________________________________
Referências:
BRAZ, Brasiliano: São Francisco – nos caminhos da História, 1977.
PEREIRA, Antônio Emílio: Memorial-Januária Terra, Rios e Gente.Mazza Edições, 2004
VASCONCELOS, Diogo de: História Média de Minas Gerais
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Maria do Carmo Veloso Durães
Cadeira N. 04
Patrono: Antônio Augusto Veloso
HOJE É DIA DE CINEMA
O cinema em Montes Claros começou na década de 30, com o Cine Theatro Montes Claros, da empresa Gomes e Lucrecio, dos Srs. Aristides Lucrecio de Oliveira e Manoel Gomes de Oliveira, em 1931 essa empresa pertencia ao Sr. José Paculdino Ferreira e Filhos. O Cine Montes Claros encerrou suas atividades, sendo reinaugurado na década de 70, no mesmo local do antigo cinema, pela empresa Cinemas do Norte de Minas, que já havia inaugurado, em 1944, o Cine Cel. Ribeiro, cujo nome era uma homenagem à memória do industrial Filomeno Ribeiro dos Santos.
Formaram-se, em Montes Claros-MG, duas empresas de cinema, a Empresa cinematográfica Euler de Araújo Lafetá, com dois cinemas (Cine Teatro Fátima e Cine Lafetá) e a sociedade Cinemas do Norte de Minas, criada em 1966, tendo como sócios o Dr. Mário Ribeiro da Silveira e José Paculdino Ferreira Filho. Com essas duas empresas, Montes Claros passou a contar com sete cinemas: Cine Cel. Ribeiro (Praça Cel. Ribeiro), Cine Montes Claros (Rua Governador Valadares), Cine Fátima (Rua D. Pedro II), Cine São Luís (Rua Simeão Ribeiro), Cine Ipiranga (Rua Melo Viana), Cine Lafetá e Cine
Nova Olinda (Av. Ovídio de Abreu).
A sociedade Cinemas do Norte de Minas também inaugurou
salas de cinema em outras cidades do Norte de Minas: Pirapora, Brasília
de Minas, São Francisco, Corinto, Francisco Sá, Janaúba, e Várzea
da Palma. Essa empresa de cinema era gerenciada pelo tio de Dr.
Mário, Sr. Otávio Silveira, que tinha um escritório de Contabilidade
na Rua Barão do Rio Branco.
Em princípio os filmes eram projetados em telas pequenas, em
1953 a Twentieth Century Fox criou o Cinemascope, uma tela panorâmica
com o tamanho quase duas vezes maior que a tela anterior.
Esse novo formato de tela foi apresentado aos telespectadores em
1955 e em 1960 foi inaugurado em Montes Claros, pelo Cine Teatro
Fátima.
Por serem muito compridos, os filmes eram divididos em cinco
ou seis rolos, em latas de alumínio. Antigamente era comum dois projetores
se revezarem, enquanto um rolo era projetado em um cinema,
o outro era carregado pelo operador. Em Montes Claros, os filmes
passavam quase simultaneamente em mais de um cinema e assim era
uma correria para transportar as partes de um cinema para outro. Os
cinemas do Norte de Minas contavam com um funcionário, chamado
Jacó, que corria de bicicleta de um cinema para outro, transportando
os rolos de filmes em latas de alumínio e, nas matinês, quando um filme
parava, a criançada gritava “EI JACÓ!” Às vezes esse grito chegava
até à sessão noturna, com um ou outro telespectador mais extrovertido,
mas isso raramente acontecia, Jacó era muito eficiente e rápido.
Os cartazes dos filmes eram afixados nas paredes em ruas centrais
da cidade, com molduras fixas e vidros para proteção, mas eles
eram também espalhados nas calçadas das ruas, em suportes de madeira.
Quando o filme era famoso, campeão de bilheteria, formava-se
grandes filas para aquisição do ingresso e depois para entrar no cinema. Havia um selo estadual e todos os ingressos eram selados e, ao
entrar, o ingresso era rasgado pelo porteiro, que o depositava em um
recipiente próprio, com pequena abertura, como se fosse um cofre.
Cine Fátima
Cine Coronel
Quase todos os cinemas tinham Bombonière, que eram pequenas
lojas onde vendiam balas, pirulitos, bombons e pipocas, para se
degustar, enquanto se assistia aos filmes, mas havia também os baleiros,
que eram funcionários que vendiam essas gostosuras dentro do
cinema, até durante a sessão era possível comprar.
Os filmes de longa metragem eram divididos em duas partes,
com um bom intervalo para trocar ideias e comprar mais doces e
pipocas. Os filmes épicos eram verdadeiras aulas de história. Também
havia os filmes bíblicos, durante a Semana Santa, os cinemas
mostravam filmes sobre a vida e morte de Jesus. Havia outros per- sonagens lendários e maravilhosos, como Moisés e Ben-Hur. Alguns
filmes eram transportados para álbuns de figurinhas, que comprávamos
na Agência Thaís, livraria do Sr. Ducho. As figurinhas vinham
em envelope lacrado, assim muitas eram repetidas, então trocávamos
figurinhas entre amigos. Também havia o jogo das figurinhas repetidas,
que as crianças, sentadas nas calçadas, batiam com a palma da
mão, ganhava-se a figurinha, quando ela virava. Existiam as revistas
especializadas do cinema, entre elas, a “Cinelândia”, que traziam as
novidades do mundo encantado da Sétima Arte, com as fotos dos
famosos artistas.
Cine Montes Claros
Cada cinema tinha uma música tema para marcar o início do
filme e, antes do filme, eram exibidos os Trailers anunciando os próximos
filmes. As músicas tema do Cine Fátima eram “Sweet Melody”
e “Vous qui passez sans me voir”, do álbum “Doucement”, de
Jean Paquet, o Cine Cel. Ribeiro apresentava “O Pescador de Pérolas”
(“The Pearl Fishers”, de Georges Bizet ), com a orquestra de Werner
Muller... Na sessão das duas, antes do filme começar havia sempre um
capítulo de um seriado, assim as crianças não perdiam mais esse filme,
que era apresentado em algumas sessões.
Além da música tema, ainda tinham as famosas logomarcas das
companhias cinematográficas, que eram exibidas antes dos filmes:
MGM Metro-Goldwyn-Mayer com leão, que rugia. A 20th Century
Fox, com flash de luz e música. A Paramount em cima de uma montanha,
a Hank com um homem, tipo gladiador, que batia com um
grande martelo em uma chapa de metal. A Warner Bros com um escudo
e as sigla WB (Warner Brothers, dos quatros irmãos Warner). A
Colúmbia apresentava uma deusa grega com uma tocha acesa na mão.
A Universal com o globo terrestre com o nome Universal girando... O
símbolo mais interessante era da Condor, que aparecia pousada e, de
repente, alçava voo, enquanto a criançada gritava “xou, xou”. O cinema
brasileiro também exibia as suas logomarcas, a Vera Cruze apenas
uma placa com o nome e a Atlântida apresentava várias fontes de água
jorrando. Os filmes mais antigos eram da RKO Radio Picture, com
uma torre parecendo a Torre Eiffel.
A sessão das duas era para a garotada, que fazia muito barulho
durante o filme. Depois vinha a sessão das 16h00 frequentada quase
sempre por adolescentes. À noite era a sessão dos namorados. As
moças se arrumavam como se fossem para uma festa. Antes da sessão
havia o “footing”, as pessoas ficavam passeando, os casais de mãos
dadas e as solteiras procurando o par. Nesse passeio, que precedia aos
filmes, muitos namoros começavam... E, durante o dia, após as matinês,
a criançada se divertia, trocando os gibis, as revistas em quadrinho ou trocando as figurinhas dos álbuns de cinema. Antes ou depois
dos filmes, era comum também frequentar as sorveterias próximas do
cinema, a Cubana, a Montanhesa, a Cristal...
Cine Ypiranga
Os filmes tinham censura, quando eram livrem, todos podiam
assistir, mas quando eram proibidos para menores de 14 ou 18 anos,
os fiscais do juizado de menores ficavam na portaria para controlar
e os telespectadores, quando não aparentavam a idade, precisavam
mostrar os documentos. Lembro-me de que já fui barrada várias vezes.
Não pude assistir àquele filme “Adeus às Ilusões”, com Elizabeth
Taylor, porque o filme era impróprio para a minha idade, anos depois
eu assisti a esse filme e fiquei sem entender, pois hoje, nas sessões da
tarde, passam filmes realmente impróprios, nas emissoras de televisão
e as crianças assistem sem nenhuma censura, nem dos pais, nem do
Juizado de Menores.
Além dos filmes, as salas dos cinemas serviam também para
festas de colação de grau, das escolas secundárias e, mais tarde, da
FUNM – Fundação Norte Mineira de Ensino Superior (Fafil, Fadir,
Fadec, Famed), hoje UNIMONTES – Universidade Montes Claros.
Montes Claros é terra do cinema, já foram rodadas aqui, cenas
de um filme, com o galã Paulo José, outro filme realizado aqui foi
o “Cabaré Mineiro”. Ainda hoje, festivais de cinema acontecem na
cidade. Afinal, Montes Claros é considerada a Cidade da Arte e da
Cultura e, além de compositores, intérpretes, escritores, poetas, historiadores,
jornalistas, artistas plásticos, artesãos, folcloristas, atores,
atrizes, a cidade conta também com os cineastas, entre eles, Paulo
Henrique Veloso Souto, Carlos Alberto Prates Correa, Alberto Graça
e os irmãos Ricardo e Maurício Gomes Leite. Além desses citados,
existe hoje uma turma de jovens, que está investindo na área cinematográfica.
Hoje as antigas salas de cinema se transformaram em lojas e até
em igrejas evangélicas. Ainda existe cinema nas galerias dos Shoppings,
mas sem aquele estilo e charme dos grandes cinemas do passado...
Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza
IVAN GUEDES
O GRANDE BRASILEIRO
Louvemos as pessoas, em primeiro lugar, pelas obras com que beneficiam o tempo e o espaço e que beneficiam cada movimento do bom viver e da boa convivência. Consideremos, sobretudo, seus atos de fé, seus gestos de gentileza, sua atuação perante a família e os amigos. Consideremos, com o melhor da nossa consciência, os que vivem sempre para o progresso dentro e fora do trabalho. Benditos os que permitem a esperança, os que têm palavras de estímulo, os que são e que estão no caminho do bem e do socorro ao próximo.
Bem-aventurados os que, mesmo nos gestos simples de cada dia, se tornam benfeitores, que têm a felicidade não como estação de chegada, mas como um modo de se movimentar para o futuro. Para estes, não existem cargas mais leves, mas sim ombros fortes e apropriados à tarefa de cada dia; não há ponto final no amor, porque o amor é vida e a felicidade é o melhor jeito de ser e de viver.
Mesmo conhecendo com minúcias a vida do amigo e do meu mais considerado colega de escola, surpreendo-me com “IVAN DE SOUZA GUEDES, este grande brasileiro”, livro fruto das pesquisas
e da lavra literária da historiadora Zoraide Guerra David, lente e foco
ao mesmo tempo de uma vida cheia de grandeza, sincero retrato de
corpo inteiro para o agora e para o sempre: Ivan e família – fundamento
sólido; Ivan e Montes Claros, terra dadivosa; Ivan , o empresário;
Ivan e a expansão da Minas Brasil; Ivan e sua inter-relação humana e
comunitária; Ivan nas comemorações especiais e nas homenagens que
tem recebido; Ivan, uma referência e o reconhecimento público. Tudo
de vida e ação, tudo de fé e esforço, tudo certeza no valor do trabalho,
e acima de tudo, uma confiante esperança de quem sabe o que quer e
a que veio. O importante não é passar pela existência, é viver!
Minha confreira Zoraide foi bastante feliz em todos os registros
da biografia de Ivan, o filho do alfaiate baiano e intelectual Nino de
Souza Guedes e de D. Maria do Carmo, bocaiuvense da melhor estirpe,
excelente mãe de família e educadora; Ivan, o marido da doutora
Mercês Paixão Guedes e pai dos jovens administradores Leonardo,
Lyntton José, Luciano Frederico e Leandro Ivan, tudo gente do melhor
que a vida de trabalho pode oferecer, uma verdadeira equipe. Em
realidade, uma biografia fértil e bem apropriada diante da riqueza
de informações bastante conhecidas, sempre presenciadas por amigos
e clientes desde a antiga Farmácia São José, de Juca de Chichico,
onde Ivan vendia remédios durante o dia e aplicava injeções durante
a noite, parte por ser balconista, parte para ganhar mais uns trocados
para ajudar a família e para pagar os estudos no Colégio Diocesano
e no Instituto Norte Mineiro de Educação, escolas em que fizemos
o segundo grau e concluímos o curso de Contabilidade. Sempre de
pé, sempre olhos nos olhos, sempre se movimentando, Ivan nunca
se negou a ouvir um cliente em necessidade de um conselho ou do
aviamento de uma receita médica. Atendimento nota dez, o selo do
sucesso!
Como deixou claro Alberto Einstein em alguns escritos, “Não
podemos viver felizes, se não formos justos, sensatos e bons; e não podemos ser justos, sensatos e bons sem sermos felizes”. “Evidentemente,
nós existimos em primeiro lugar para as pessoas queridas, de
cujo bem-estar depende a sua felicidade e a nossa; depois para todos
os seres, nossos semelhantes, que não conhecemos pessoalmente, aos
quais, entretanto, estamos ligados pelos laços da simpatia e fraternidade
humana.” Se o amor não é eterno, eterna tem que ser a capacidade
de amar. Para Cora Coralina, “Todos estamos matriculados na escola
da vida, onde o mestre é o tempo”, pois como bem disse Benjamim
Franklin “A melhor coisa que você pode dar ao inimigo, é o seu perdão;
ao adversário, sua tolerância; ao amigo, sua atenção; aos filhos,
bons exemplos; ao pai, sua consideração; à mãe, comportamento que
a faça sentir orgulhosa; a todas as pessoas, caridade; a você próprio,
respeito.”
Inteligente, empreendedoramente fértil, determinado, consciente
no ser e no agir, Ivan nunca teve um dia sem proveito de aprendizagem
e da realização do bem. Sempre ao lado de Mercês e, ultimamente,
dos filhos, cresceu e multiplicou ao mesmo tempo em que
Montes Claros progrediu em tamanho e em qualidade. Das pequenas
drogarias das ruas D. Pedro II e Camilo Prates, fincou pé na Doutor
Santos com Padre Augusto e, hoje, lidera o comércio farmacêutico
no centro e praticamente em quase todos os bairros da cidade, cada
ponto comercial com mais recursos e mais modernidade. Viajante internacional
bom observador, soube, juntamente com Mercês, e mais
tarde com os filhos, fazer todas as adaptações que o seu comércio
permitia e o conforto da clientela podia exigir. O último feito foi a
instalação de uma luxuosa perfumaria, que nada deve à praticidade eà beleza das encontradas nos modernos shoppings e nas lojas duty free
dos melhores aeroportos do mundo. Progredir é qualificar-se para o
presente e para o futuro.
Bonita, admirável, material e espiritualmente encantadora a
vida de Ivan, meu companheiro, meu amigo próximo em quase sessenta
anos, seja na escola, seja na vida. Bem sei das quantas dificulda des teve que superar, do quanto teve que se esforçar, do quanto teve
que aprender ao longo da vida. Agora, que Zoraide Guerra David
grava em letras e imagens este portentoso registro, muito mais justiça
será feita por quem o conhece no dia-a-dia ou por quem tiver notícia
deste livro “IVAN DE SOUZA GUEDES, ESTE GRANDE BRASILEIRO”.
Ivan e sua família têm todos os merecimentos. E que Deus
os conserve sempre e sempre!
Wanderlino Arruda
Cadeira N. 33
Patrono: Enéas Mineiro de Souza
HÉLIO DE MORAIS
Quando em 27 de dezembro de 2006, Olímpia e eu recebemos pouco mais de meia dúzia de amigos e companheiros para a fundação do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, os nomes de Hélio de Morais - e de seu irmão Necésio - foram dos primeiros a entrar na lista de intelectuais formadores da Instituição. Velhos conhecidos meu e de Haroldo Lívio, Hélio e o professor
Necésio de Morais tiveram sempre o prestígio de possuidores de elogiável
memória, além de terem sido testemunhas ou participantes dos
principais fatos de história da cidade e da região. Bancário de elite da
antiga agência do Banco Mineiro da Produção, Hélio foi o primeiríssimo
a receber convite para a administração do recém-fundado Banco
do Nordeste do Brasil. Por uma razão muito simples: era considerado
o grande cérebro da contabilidade bancária, além de conhecedor profundo
da mecânica de financiamentos comerciais, agrícolas e pecuários.
Um mestre!
Haroldo e eu também conhecemos Hélio como um dos maiores
entendedores do Rotary International – administração e funcionamento– associado do Rotary Club de Montes Claros desde março
de 1946. Chegavam a ser exagerados os seus conhecimentos rotários,
principalmente pelo grau de exigências que ele demonstrava na escolha
de novos sócios. Acompanhamos nas décadas de cinquenta e de
sessenta suas funções de secretário e orientador nas governadorias de
Luiz de Paula Ferreira e Luiz Pires Filho, inclusive no planejamento
de viagens, quando o Distrito 452 era quase todo o estado de Minas,
maior parte das estradas ainda sem asfalto.
No Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, Hélio de
Morais foi sempre um frequentador assíduo e participante, enquanto
a idade lhe permitiu subir e descer as íngremes escadas do sobradão
dos Versiani Maurício, sede da Secretaria de Cultura. Ponderado, seguro
nas opiniões, muito ajudou em nossa formação institucional. A
seu cargo ficou sempre a história da Santa Casa Nossa Senhora das
Mercês, ele que foi Diretor por muitos anos, além de cuidador dos
arquivos e documentos. Era como se fosse também, juntamente com
o doutor Carlos Versiani e cônego Antônio Gonçalves Chaves, um
dos fundadores, há quase cento e cinquenta anos.
A Hélio de Morais, o notável colega do presidente Dário
Teixeira Cotrim no campo da Numismática, os nossos mais sinceros
agradecimentos pela participação ativa e pela honra que nos deu
como confrade, companheiro e amigo!
Danie Antunes, Dário Cotrim, Hélio de Morais e Wanderlino Arruda.
Zoraide Guerra David
Cadeira N. 86
Patrono: Patrício Guerra
PRESENTES DE DEUS
Dentre os inúmeros cuidados de meus progenitores na minha formação, o cultivo da gratidão se sobressai: Conforma isto, a minha oração do amanhecer:
- Obrigado Senhor, pelo dom da vida!
Além desse presente os meus complementos expressos em: família, amizades, realizações, momentos vivenciados que lhe dão sentido e se evidenciam como “Presente de Deus”. Ele, por sua imensurável misericórdia, brinda-nos constantemente.
Dia “24 de novembro de 2018” motivada pela convocação e prazer em participar de reuniões sadias que são realizadas no Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros – IHGMC, adentrei sua instalação, sob caloroso acolhida dos confrades e confreiras, gesto característico daquela agremiação cultural, aplicado a todos os sócios e visitantes.
Após alguns minutos na sala de recepção, fomos convocados a dirigir-nos ao salão de reuniões, onde um lanche recheado de calor humano abastece o corpo e os prepara para como espírito em consonância
harmoniosa deleitar-se com palestras, testemu8nhos, projetos
culturais que dignificam cada participante e cultuam a memória dos
que nos antecedem como: pesquisadores, fotógrafos, historiadores,
memorialistas, eternizando fatos e pessoas, o que faz jus a Montes
Claros a alcunha de “Cidade da Arte e da Cultura”.
Como parte integrante, ocupo a Cadeira número 86, cujo patronoé o poeta Patrício Guerra – meu saudoso pai.
Em constante reforma física o IHGMC brinda-nos com exposição
de quadros, fotos, obras literárias, objetos vários com referências
informativas e assim, retrocedemos no embalo da admiração e saudade,
tomando consciência da necessidade de atuarmos no presente
para preparamos a continuidade do processo histórico no futuro.
mbora seja rotineiro o meu prazer em frequentar aquele ambiente
cultural, sobressai-se o experimentado na data que destaco neste
pronunciamento quando ao adentar o salão, fui surpreendido com
um mural fotográfico que expõe meu patrono.
Intimamente e entre lágrimas que deslizaram em minha face,
expressei com amor e gratidão: obrigado meu pai, porque graças a
Deus o senhor valorizou o saber, escreveu inúmeros e belos poemas,
os quais o credenciam a ser integrante do IHGMC, como patrono da
Cadeira que Ocupo, e aqui presente em espírito e foto, alegra-me para
a responsabilidade do que escrevemos, porque se tornam eternizados
os informes que registramos.
Numa espontânea homenagem, declamei silenciosamente este
trova de sua autoria:
"Saudade não se biparte
Como, pois, se justifica
Que ela vá com quem parte
Sem se apartar de quem fica?
No embalo da gratidão que se apossou de minha alma, comuniquei-me com o Mestre dos mestres, suplicando ânimo e vitórias para
todos que compõem o corpo cultural do IHGMC
E retornei ao meu lar feliz, muito feliz!
O Poeta Patrício Guerra
José Walter Pires
Associado Correspondente - Brumado/BA
O CORDEL É PATRIMÔNIO
IMATERIAL E CULTURAL DO BRASIL
Alvissareira notícia! Já fazia por merecer esse reconhecimento. O cordel tem uma gloriosa história. Vindo de além-mar, a bordo das caravelas, ancorou no Nordeste, onde encontrou terreno propício para germinar a semente, enxertada pelas características miscigenadas de um povo em formação, que haveria de florescer, de forma genuína, graças às mãos laboriosas daquele cujo nome é consensual entre os grandes pesquisadores cordelistas da atualidade, nacionais e internacionais, Leandro Gomes de Barros, isso a partir do final do século XIX.
De lá para cá, adubado pelo engenho poético e criativo, desse “pai”, desse “pioneiro” desse “príncipe”, não quero me prender ao que o chamam, mas aceitar, plenamente, uma dessas designações, o que haveria de ser batizado de “cordel brasileiro”, ou “literatura de cordel” evoluiu e ganhou forma e contornos que haveriam prevalecer ao longo da sua trajetória, daí para frente.
Outros nomes igualmente valiosos, incorporaram-se à aventura dessa literatura popular em versos, escrita, produzida de forma artesanal e impressa em tipografias que iam surgindo nas diversas cidades
nordestinas, ou quando oral, divulgada pelos cantadores de viola e repente,
nos desafios que ocorriam nos longínquos recantos sertanejos.
Sofrida e tortuosa estrada palmilhada por esses intrépidos “severinos”,
enfrentando toda sorte de dificuldades, de preconceitos, de
restrições, sem apoio oficial, mendigando patrocínios, mas que não
deixaram arrefecer a crença no seu poder criativo ao divulgarem a
sua arte, nos livretos que narravam as mais belas histórias encantadas,
de reis, rainhas, príncipes e princesas, que povoaram reinos distantes,
das histórias dessas florescente Nação, onde valentes, espertos,
beatos, vingadores, jagunços, cangaceiros, heróis e heroínas, políticos,
vigários e outros, misturaram-se, transformando-se nos personagens
intérpretes das nossas raízes históricas, do nosso folclore, dos nossos
mistérios, das nossas lendas, enfim desse imaginário como só o cordel
foi capaz de revelar.
Mas, aos trancos e barrancos, o cordel, debruçando-se sobre
mais de cem anos passados, e graças a renitência de tantos velejadores,
quero pedir permissão aos cordiais amigos e confrades cordelistas,
para dizer que um nome nos representa, na atualidade, e seja, sem
ciúmes ou queixumes, e mereça o protagonismo da luta pela sua institucionalização
e reconhecimento, que é o de Gonçalo Ferreira da
Silva, aí pelo alto dos seus oitenta ou mais anos, nosso ilustre e decano
Presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel – ABLC,
que neste mês de setembro, completa trinta anos de existência.
— O cordel virou gente!
Que feliz expressão a do meu velho amigo, guru e confidente,
Manoel Monteiro, pelas mãos de quem fui levado à ABLC, procurando
fazer por merecer a glória da imortalidade, desde 2010, com a
posse em Campina Grande – Paraíba.
Por tudo quanto dito acima, não quero ser soberbo e dizer que
não estou, satisfeito com a definitiva consagração do cordel como Patrimônio Imaterial e Cultural do Brasil. Como não poderia sê-lo!?
Regozijo-me com isso!
Mais do que corrente literária, mais do que qualquer outra fonte
da manifestação escrita da literatura brasileira, m ais do que qualquer
outra forma de contar as vivências dessa “gente bronzeada”, sob
o enlevo das emoções, de tamborilar versos, dando sintonia e musicalidadeàs estrofes construídas, de fazer gemer a viola dos cantadores
em um galope à beira mar, de eternizar romances, como fizeram Leandro
Gomes de Barros, Joaquim Batista de Sena, o meu patrono na
ABLC, João Martins de Ataíde, Silvino Pirauá, José de Melo Rezende,
outros e mais outros, que foram pelas mais variadas temáticas, desde
os gracejos às traquinagens de João Grilo e Chicó, de Pedro Malazarte,
de ver Lampião desafiando o satanás, e não para por aí, porque a
versatilidade do cordel não tem limites, não tem fronteiras, nem se
restringe a escolas, fases, períodos, como se fez a literatura canônica..
Pois bem: tornado patrimônio há de se esperar que esse novo
status, consumando-se o que, de fato, já o possuía, mas agora de Direito,
imponha-se e possa exigir dos Órgãos Oficiais a efetividade de
ações estruturadas e direcionadas em prol do cordel e à sua inclusão
no cenário nacional. Ou seja: presença em Faculdades, bibliotecas,
livrarias, feiras, encontros, bienais, eventos culturais e educativos,
compêndios de Literatura, grades curriculares, cadastramento de cordelistas,
orientação acadêmica etc.
Ou tudo isso é querer demais? Creio eu não!
O trabalho doravante será bem maior do que se pensa. Devemos
agradecer, mas ao mesmo tempo colocar as nossas barbas de molho,
para que “tudo não continue como dantes, neste país de Abrantes”,
para encerrar as minhas palavras e não deixar a esperança que nunca
haverá de morrer em nós.
VIVA O CORDEL!