MEU QUERIDO AMIGO
Ôi, Manéu! Vem pra fora. Vem vê a coisa mais gozada que eu achei. O que é que é? Tu não vens? Tá bom... Vou falar o que é. É uma raiz. É um pedaço de pau que quero te mostrar. Eu o achei ali no mato. Parece um cachorrinho. Tem u’a cabeça, quatro pernas, um rabinho. Ele tem uma perna levantada como se fosse um cachorro mijando.
Tu não podes sair aqui fora agora pra vê? Já sei. Tu continuas zangado comigo, não é? Tu estás assim desde aquele dia, que eu dei uma paulada na tua moleira. Também tu não podias me chamar daquele jeito, não é? Tu não podias me chamar de muié, nem querer me usar como se eu fosse uma.
Muié eu não sou não. Sou home sim senhor. Por isso dei aquela paulada em tua cabeça. Tu sabes que sou macho de verdade, não é? Tá certo que dentro de mim, bem lá dentro, num lugar bem escondidinho, tem alguma coisa estranha, diferente... Acho até que não é tão estranha nem diferente assim, essa coisa porque tu também sentes como eu... Acho que todo mundo sente assim... Sentir
uma vontade danada de ser abraçado, tocado e acariciado por alguém.
Viver sozinho é muito ruim. Ah! Como é gostoso ser abraçado por
alguém, protegido e amparado.
Tu te lembras como a gente era feliz, tomando banho na Lagoa
de Cima? Nós dois se abraçava, lutava um com outro até acabar
as forças. Depois tu e eu saia pro lajedo e tu me abraçavas e eu ficava
quietinho como um filhotinho... E tu também ficavas quietinho me
abraçando. Nós nem respirar podia. Só nosso coração balançava nosso
corpo. Ficávamos assim um tempão.
Naquele dia na beira da lagoa estavas diferente... Tu te lembras?
Tu estavas nervoso. Naquele dia tu não estavas como das outras vezes
não. Tu me abraçaste. Eu deixei. Tu ficaste quietinho me abraçando,
eu deixei. Ficamos assim um bom tempo no lajedo.... Depois tu começaste
a querer me usar como se eu fosse uma muié. Foi aí que eu
peguei aquele porrete e bati forte na tua cabeça. Ah! Ah! Ah!... Tu caíste
no chão como um bode, depois de receber uma paulada na cabeça.
Sangue escorrendo pela tua testa. Aí tu sabes o que aconteceu. Você
mandou aquele Doutor me amarrar e me levar pra aquele hospitá ou
seria uma clínica?
Sabes Manéu? Tô me lembrando disso agora, porque foi naquela
vez que eu fiquei naquele hospitá que vi algumas raízes com cara de
bicho feio, que tinha cara de home e bicho. Como é que eu vi isso no
hospitá? Eu já te contei, moço. Eu não estava no hospitá não...
Foi naquele dia em que a moça da porta do hospitá, estava distraída
namorando no telefone, que eu passei abaixadinho, sem baruio
e fui pra rua. Depois, eu andei pra lá e pra cá sem saber pra aonde ir.
Eu queria mesmo era encontrar o caminho e voltá pra roça e vê como
tu estavas.
Tá certo que foi uma baita porretada que eu te dei na cabeça,
mas não deu pra te matar não, nun é? Naquele dia que eu fugi do
hospitá, fiquei andando pelas ruas até que cheguei num lugar que o
povo chama de Centro Culturá... Entrei e lá tinha um tanto de coisa
pra se vê. Um tanto de retratos, esculturas. Ah! Tinha até um retrato
de muié peladinha. Muié em pelo como Deus a fez. Pela primeira vez,
eu vi as partes de uma muié.
Tinha também um retrato horrível. Tinha a cara do demônio.
Só não saí correndo de lá, porque vi uma raiz cum cara de home e
de bicho. Vi uma raiz igualzinha a uma cobra... Eu admirava tudo
aquilo, quando um doutô apareceu e me levou de volta pro hospitá.
O que? Tu acha que estou mentindo? Vem vê então, se a raiz que achei
no mato num parece um cachorrinho?
- Bom dia Jão de Zefa!
- Muito bom dia Seu Quinzinho! Que novidade é essa do senhor
aparecer por aqui hoje?
- É que estou caçando umas rolinhas pro jantar hoje. E passando
por aqui perto eu pensei. Vou vê como está passando do Jão de
Zefa. Vou ver se ele melhorou, depois que vortô do hospitá.
- Melhorei não, Seu Quizinho... Aquela dorzinha que eu sinto
aqui no alto da cabeça continua doendo. Aquele zumbidinho que toda
hora não para de tocar, também não melhorou não. O senhor sabe
que me levaram praquele hospitá e me deram um tanto de remédios,
que me deixava tontinho. Sabe Seu Quinzinho? Aqueles remédios me
deixavam sem pensamento... O senhor já imaginou como é um que
um home vive sem pensamento? Pois eu estava assim. Depois dos remédios
minha cabeça branqueava. Tá certo que o zumbidinho sumia,
mas sumia também o meu pensamento. Eu ficava sem pensar nada.
Esquecia tudo. Não me lembrava de nada, nem mesmo de mim.
- Seu Quinzinho, o senhor já imaginou como é ruim ficar sem
pensar? Acho que aqueles remédios mata a alma da gente. Mas não
melhorei não, Seu Quinzinho.
- Com quem você conversava ainda a pouco, Jão de Zefa?
- Eu? – Ora Seu Quinzinho, então o senhor se esqueceu do Manéu? Ele estava comigo lá dentro de casa... Sabe Seu Quinzinho,
o Manéu está com muita raiva de mim, só porque eu dei aquela paulada
na cabeça dele. Só por isso é que ele não vai sair para falar com o
senhor. O senhor quer ver o Manéu?
- Ô Manéu, vem cá fora falar com Seu Quinzinho, moço. O
que? Tu não vens? Tá bom. Eu falo com ele... Num lhe falai, Seu
Quinzinho? O Manéu continua zangado comigo.
- Esqueça tudo isso Jão de Zefa. Por que você não vem comigo
lá pra minha casa? Eu tenho um quartinho lá nos fundos e você pode
ficar lá, que eu cuido de você... Eu era muito amigo de tua mãe. Vem
comigo, vem? Vou cuidar de você. Você não pode ficar assim tão sozinho,
passando necessidades. Eu gostava muito de tua mãe.
- Carece não Seu Quinzinho! Obrigado! Eu não estou sozinho
não... O Manéu está zangado comigo agora, mas daqui a pouco, nós
vamos até a Lagoa de Cima tomar banho e ficamos bem.... Carece não
Seu Quinzinho! Obrigado.
- Ô Manéu? Vem pra cá, moço. Traz um cafezinho pro Seu
Quinzinho, vem?
MESTRE ZANZA
Montes Claros chora a despedida do mestre Zanza, o senhor João Pimenta dos Santos, num desenlace amargo e triste, assim como o rufar dos tambores em dias sombrios querendo dizer-lhe que a hora chegou. É verdade, chegou o momento de dizer adeus ao mestre Zanza. A sua missão entre nós está completa. Completa e acabada à maneira do Divino Espírito Santo, num voo livre, leve e solto, pelo espaço celestial como quem procura a plena felicidade no infinito dos céus. O mestre Zanza sabia que um dia qualquer, este dia teria o fim, entretanto as suas memórias, as suas lembranças, o seu legado cultural e a sua fé inabalável em Nossa Senhora do Rosário, todos esses emblemas divinizados nunca teriam o mesmo desfecho.
Montes Claros chora. O seu povo chora. Aliás todos choramos a partida do mestre dos catopês, da marujada e dos caboclinhos para a morada eterna do Senhor. Certamente que as fitas coloridas continuarão a dançar pelos caminhos antigos da nossa querida cidade, sempre tremulando num aceno constante do adeus ao mestre, com
a doce magia dos tempos risonhos dos festejos, que abrilhantam as
ruas e praças de nossa comunidade, fazendo o burburinho alegre das
manifestações religiosas de todos os anos. Sabemos perfeitamente
que as Festas de Agosto nunca mais serão as mesmas, pois as nossas
tradições e os nossos costumes agora estão órfãos do verdadeiro amor
cristão dos homens.
Há de haver outros “zanzas” em Montes Claros para dar
continuidade a nossa alegria de viver. A paixão desenfreada pelas
Festas de Agosto, no ritmo, na dança, na musicalidade, na cantoria e
no manejo dos instrumentos musicais, fazendo o coração dos montesclarenses
vibrar no compasso do pandeiro e no batuque da caixa, em
cada cortejo que passa. O mestre Zanza era o mestre dos mestres no
comando das alegorias e das indumentárias de cada grupo. O seu
amor pelos capacetes enfeitados de fitas coloridas e o seu galanteio de
chitas e sedas na confecção das vestimentas, mostravam-nos até que
ponto a sua dedicação pela tradição das festas era constante e sincera.
Hoje, há em cada “poste” uma lembrança do mestre Zanza; em
cada “rua” uma dádiva do seu amor, em cada “praça” uma benesse de
sua bondosa alma e em cada “canto” o suave encanto dos seus cantos
de tudo que é mais sagrado para o acalento de sua gente. Assim, o
vento que antes ventava aqui não venta mais. Do mesmo modo, a
pureza d’alma do mestre Zanza apenas resta na doce lembrança de
cada momento, porque a festa agora está acontecendo num plano
superior, quiçá ao lado do saudoso marujo-carroceiro Aníbal Pereira
de Souza!
Montes Claros chora a despedida do mestre Zanza. É verdade!
Os seus amigos, cônscios do fato inerente à morte, manifestam com
pesar o decesso ocorrido no dia de hoje, suplicando um descanso
feliz para o mestre Zanza, no reino dos céus. A “cidade da arte e da
cultura” não pode deixar de manifestar neste abominoso ensejo de uma despedida, o amor que o povo montes-clarense tem dedicado as
eclosões religiosas, pois acreditamos que as atitudes espontâneas e as
palavras de carinho, no calor do momento, surgem para glorificar a
memória da cultura popular na pessoa do Mestre Zanza. Benza! Deus!
MUSEU DE ARQUEOLOGIA
E ETNOLOGIA
Sobre a supervisão do confrade Leonardo Alvarez Rodrigues, o
Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros estará organizando,
em breve, o espaço destinado ao Museu de Arqueologia
e Etnologia do IHGMC, em homenagem ao saudoso associado
Leonardo Álvares da Silva Campos, autor dos livros “O Homem na
Pré-História” e “A Inacabada Família Humana”. Haverá uma exposição
permanente de artefatos líticos, de uso dos índios botocudos,
os que habitaram a nossa região e que deles pouco coisa ficou para
o aprendizado das novas gerações. Também será mostrado algumas
cantarias e outras peças voltadas à difusão do conhecimento arqueológico
e etnológico no Norte de Minas, principalmente na região de
Coração de Jesus. É importante salientar que as filhas do homenageado,
Lorena e Monalisa Campos é que estão na dianteira deste projeto,
haja vista que o acervo deixado pelo seu pai tem um valor incalculável
para os estudos propostos e a cognição do assunto em questão.
Como vimos, parte do material que será exposto pertenceu ao
ilustre historiador Leonardo Campos, entretanto, outras peças foram
doadas por pessoas de gosto apurado pela arqueologia, em particular
o ilustre professor Simeão Ribeiro Pires, que passarão a compor o
acervo do Museu. Também participa deste projeto o pesquisador Dário
Teixeira Cotrim, autor do livro “A Arte Rupestre na pré-história
do médio São Francisco”, com a doação de objetos do seu antiquário
para os estudos dos tempos de antanho.
Entende-se por arqueologia: “archaios” significando o passado
e “logos” que quer dizer “estudo”; portanto é a ciência que estuda o
passado. Etnologia, por sua vez, é a que estuda os costumes e o uso
dos objetos antigos. Nota-se que os sítios arqueológicos do Norte de
Minas estão, em grande parte, na região de Coração de Jesus e em seu
entorno. Podemos afirmar que esses estudos foram iniciados pelo ilustre
pesquisador José Alves de Macedo, em parceria com os professores
Simeão Ribeiro Pires e Leonardo Campos, sendo que, a maior parte
dos achados por eles foi doado para a Universidade Federal de Minas
Gerais, em Belo Horizonte.
No Estado de Minas Gerais existem apenas cinco Museus de
Arqueologia e Etnologia, que são eles: Museu de Arqueologia e Etnologia,
de Juiz de Fora; Museu Arqueológico da Lapinha, de Lagoa
Santa; Museu da Arqueologia Indígena Antônio Adauto Leite; em
Carmo do Rio Claro; Museu Arqueológico de Carste do Alto São
Francisco, em Pains e o Museu de Arqueologia Professora Maria Angelina
Alves, de Perdizes. Em vista disso, é importante que a nossa
cidade de Montes Claros tenha, também, o seu Museu de Arqueologia
e Etnologia para que possamos abrigar, num só espaço, todo o
material já encontrado na região.
Para que o nosso esforço seja compensado, pedimos a quem
interessar possa, doar peças líticas da nossa região, e/ou outros objetos
componentes dos mesmos estudos para a valorização do nosso empreendimento. Outrossim, convidamos o povo em geral para uma
visita na nossa sede, que fica à Rua Coronel Celestino, 140 – Centroda cidade. O IHGMC acha-se aberto todos os dias da semana, no
horário da manhã. Compareça lá.
FLORENTINO JOSÉ DA SILVEIRA
O Brasil, em virtude de sua dimensão continental, enseja uma diversidade cultural extraordinária. É um país rico não só em recursos naturais, mas em História. Dada a sua grandeza, cada região, cada Estado, cada microrregião desses mesmos Estados é de uma riqueza cultural e social, sem paralelos. Assim sendo, Minas Gerais se destaca no cenário nacional dada a profusão de fatos históricos, belezas e curiosidades. Para cada recanto que se olhe, para cada município, há uma fonte inesgotável de personagens e fatos que merecem serem registrados. Mais curioso ainda é quando as histórias de lugares e pessoas se cruzam, de forma improvável, e resultam em histórias fantásticas. Portanto, nosso olhar hoje se volta à figura de Florentino José da Silveira (Florentino do Garrote), cujos descendentes fizeram história não só no Vale do Jequitinhonha e Norte de Minas, mas também no Brasil.
Florentino José da Silveira nasceu em 1808, no Arraial do Tijuco (hoje Diamantina), na região do “Rio Prêto”, hoje município de São Gonçalo do Rio Preto.
“Desde meados do século XVIII já residiam naquela região
grandes famílias, embora pouco se saiba o que as levaram para aquelas
paragens. Na mesma região do Rio Prêto nasceu também Dom João
Antônio dos Santos, primeiro Bispo de Diamantina, irmão do grande
jurisconsulto Joaquim Felício dos Santos. Estas famílias que para ali
foram, certamente estabeleceram-se com o intuito de formarem propriedades
de exploração agrícola naquelas terras que eram bastante
férteis, para o abastecimento da região, inclusive o Tijuco, que era o
centro consumidor mais importante da época. Esta localidade, como
era passagem de estrada de ligação para outras regiões foi sem dúvida
o que deu início à povoação por aquelas famílias que proliferaram na
região. Iniciou-se em um ponto propício para a comercialização dos
seus produtos, à beira da estrada um poucoa cima da margem esquerda
do Rio Preto, recebendo o primeiro nome do próprio Rio que a
margeia. A povoação floresceu, conforme atesta o Dr. Joaquim Felício
dos Santos, em seu livro Memórias do distrito de Diamantina, que
em 1734, já floreciam importantes povoações, dentre elas Rio Preto” .
Sabe-se que Florentino José da Silveira era da mesma parentela
do Dr. José da Silveira e Souza (1725-1794), pai da poetisa Bárbara
Heliodora Guilhermina da Silveira (1759-1819), ela própria e seu
marido, Dr. Inácio José de Alvarenga Peixoto, participantes da Conjuração
Mineira de 1789. Mas também outros membros da parentela
dos Silveira tomaram participação no movimento, motivo pelo qual
viram-se obrigados a se dispersarem pelo território mineiro.
Entre o fim do século XVIII ou início do século XIX, este outro
ramo da Família Silveira e alguns companheiros, após terem participado
da Inconfidência Mineira, fugidos da perseguição movida
contra os inconfidentes, chegaram à região que hoje é São João do
Bonito, distrito de Mato Verde/MG, ali se estabelecendo. E a este
ramo pertencia Florentino José da Silveira.
Florentino José da Silveira foi casado com dona Francisca Cardosina
da Silveira Faria, com quem teve os seguintes filhos:
1) Padre José Patrocínio da Silveira;
2) Otávio Augusto da Silveira (bisavô do médico e prefeito Mário
Ribeiro da Silveira e do antropólogo e senador Darcy Ribeiro da Silveira);
3) Guilhermina Cândida da Silveira;
4) Maria Natalícia da Silveira;
5) Maria Cardosina da Silveira;
6) Felicidade Perpétua da Silveira (trisavó dos autores destas linhas)
7) Franscisca das Chagas Cardosina da Silveira (bisavó da artista plástica
Felicidade Patrocínio e do médico e senador Carlos do Patrocínio
Silveira)
8) Vitorina Idalina da Silveira;
9) Cristiano José da Silveira.
Florentino José da Silveira, embora nascido no Tijuco, na região
do Rio Preto, se transferiu mais tarde para o município de Rio Pardo
de Minas, “cuja povoação teve sua origem na mineração de ouro e
diamantes praticada por portugueses, nas serras do atual distrito de
Serra Nova. O comércio era estabelecido diretamente com a capital
da Bahia e com as cidades de Condeúba, Jacaraci, Caculé e Feira de
Santana. Sabe-se que a primeira expedição que pisou terras do atual
município foi a denominada Espinosa Navarro, procedente de Caravelas,
que percorreu todo o vale do Rio Pardo até entrar em Espinosa.
Rio Pardo deve o seu nome ao rio de igual nome, em virtude de serem suas águas de cor parda e lamacentas. Predominavam em todo o município
as grandes fazendas de propriedades dos primeiros povoadores
portugueses, que as exploravam com os trabalhos dos escravo snegros.
E desde aquela época toda a atividade econômica do município girava
em torno da agricultura e da mineração” .
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Relato da História Oficial do Município de São Gonçalo do Rio Preto, no website oficial
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE. Acesso em 02 de novembro
de 2021, às 04h00min.
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/sao-goncalo-do-rio-reto/historico
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E foi justamente em Serra Nova que se desenvolveu suas principais
atividades durante grande parte de sua vida. Foi negociante no
Distrito de Serra Nova, em 1840, fiscal municipal em 1842, e 4° Juiz
de Paz do mesmo Distrito em 1863. Dono de terras, ingressou, com
sua esposa, aos 08 de setembro de 1843, na Irmandade do Santíssimo
Sacramento da Vila.
Interessante observar a genealogia de Florentino José da Silveira,
mais precisamente para seus desdobramentos no Norte de Minas
Gerais, especificamente na cidade de MontesClaros. Sabe-se que a
Família Silveira veio a fixar-se em Montes Claros quando do traslado
do Major Domingos Garcia Leal Tupinambá, em 1892, para a cidade.
HERMES AUGUSTO DE PAULA, em sua monumental “Montes
Claros: sua história, sua gente e seus costumes”, atenta para o fato de
o Major Tupynambá ter “arrastado” (trazido), consigo, várias famílias
da região do atual Município de MatoVerde (Minas Gerais) para
Montes Claros, quando de sua mudança. Segundo o autor, acompanharam
o Major Tupynambá: “entre diversas outras famílias, Cristino
Faria, que era seu sócio na Firma Tupinambá & Faria; capitão
Olegário Augusto da Silveira, que era sobrinho de sua esposa, Dona
Felicidade Perpétua da Silveira”,entre outros.
Insta constar, por curiosidade, que o capitão Olegário Augusto
da Silveira era filho de Otávio Augusto da Silveira, irmão de dona Felicidade Perpétua da Silveira, esposa do major Domingos Garcia
Leal Tupinambá. O capitão Olegário foi pai de dona Josefina Augusta
da Silveira, mais conhecida como “Mestra Fininha” (por ser professora),
casada com o farmacêutico e fiscal das linhas telegráficas Reginaldo
Ribeiro dos Santos, com o qual teve dois filhos: Darcy Ribeiro
da Silveira (1922-1997), antropólogo, escritor, fundador e reitor da
UnB, ministro da Educação e Cultura, Ministro-Chefe da Casa Civil
e Senador; e Mário Ribeiro da Silveira (1924-1999), médico, fundador
e diretor da Faculdade de Medicina da Unimontes, vereador,
vice-prefeito e prefeito de Montes Claros/MG e Secretário de Estado
do Trabalho e Ação Social de Minas Gerais.
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Relato da História Oficial do Município de Rio Pardo deMinas, no website oficial do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE. Acesso em 02 de novembro de
2021, às 10h00min. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/rio-pardo-de-minas/historico
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Por todo o exposto, temos que a matriarca dos SILVEIRA em
Montes Claros foi dona FELICIDADE PERPÉTUA DA SILVEIRA,única dos filhos de Florentino José da Silveira a residir na capital
do norte de Minas. Casada com o Major Domingos Garcia Leal
Tupynambá, Felicidade Perpétua da Silveira teve 04 (quatro) filhos:
Sebastião Leal Tupynambá, Tobias Leal Tupynambá, Domingos Leal
Tupinambá (Filho) e Felicidade Perpétua Leal Tupinambá. Os três
primeiros filhos de dona Felicidade Perpétua da Silveira são nascidos
em MatoVerde/MG e a última, em Montes Claros. Faleceu, dona
Felicidade Perpétua da Silveira, a 29 de junho de 1907, aos 50 anos
de idade, em Montes Claros.
Embora não se tenha certeza quanto à sua filiação, é certo que
Florentino José da Silveira é parente próximo, não se conseguindo
precisar se irmão ou primo “carnal”, de Luiz José da Silveira, um dos
fundadores de Mato Verde/MG. Mesmo sem se estabelecer com precisão
o elo parental entre os dois, é certo que são da mesma família.
Uma curiosidade é que um casal de filhos de Florentino José da Silveira
(Francisca Cardosina das Chagas da Silveira e Cristiano José da
Silveira) se casam com um casal de filhos de seu parente, Luiz José
da Silveira (Adelino José da Silveira e Clemência Rosa da Silveira),
respectivamente.
Sobre a formação de Mato Verde é interessante notar que “o
núcleo, em torno do qual se formou o primitivo povoado onde, hoje,
se ergue a sede do município, iniciou-se por inspiração do bispo D.
João Antônio dos Santos, em 1872. Andava em missões aquele prelado,
e sugeriu aos moradores da região, que viviam em propriedades
isoladas, a criação de um povoado que, equidistante das mesmas, viria
a ser um ponto de referência aos interesses sociais de todos. Assim
foi promovida uma reunião dos principais proprietários e a tradição
guardou o nome dos mais destacados: Raimundo Barbosa de Sousa,
Felipe José Barbosa, Luiz José da Silveira, Daniel José da Silveira, Florentino
José da Silveira, Manoel José Bittencourt, Florentino José de
Sá e Felicíssimo Dias Corrêa, além do Padre José Patrício da Silveira,
primeiro dirigente Paróquia de Santo Antônio da Rapadura, recém
criada. Nessa mesma reunião, foi escolhida, de comum acordo, a denominação
Mato Verde, pela característica da vegetação local, sempre
verde, em qualquer estação do ano, tanto que, já com a mesma denominação,
havia uma propriedade rural nas proximidades. O novo povoado
nasceu, então, jurisdicionado e administrado pelo município
em 1954. Sua formação teve origem completamente independente
daquele de Monte Azul”.
Florentino José da Silveira falece em 24 de julho de 1878, aos
70 anos de idade, na sua afamada Fazenda Garrote, em Mato Verde/MG.
Texto de Daniel Oliva Tupinambá de Lélis
e
Yury Vieira T. de Lélis Mendes
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Relato da História Oficial do Município de Mato Verde, nowebsite oficial do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE. Acesso em 05 de novembro de 2021, às
17h00min. https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/mato-verde/historico
APENDICITE AGUDA
COMPLICADA NUM IDOSO
O paciente tinha 75 anos e apresentou quadro súbito de Abdômen Agudo Inflamatório: dor abdominal de média intensidade, difusa, que se localizou no baixo ventre, à direita, náuseas, vômitos, febre baixa e parada de eliminação de fezes e gases.
À palpação abdominal, notava-se o sinal da descompressão brusca dolorosa (sinal de Blumberg) e discreta contratura muscular na FID (fossa ilíaca direita).
O hemograma mostrou leucocitose moderada de 10.200/ mm³, com desvio para a esquerda (neutrofilia ou aumento dos neutrófilos), eosinopenia (diminuição dos eosinófilos) e a VHS aumentada. Urina rotina normal. O RX simples do abdômen mostrou a presença de níveis hidroaéreos no baixo ventre (íleo paralítico).
Foi feito um ECG de rotina, jejum e indicada a cirurgia de urgência, realizada com sucesso: apendicectomia, devido apendicite aguda supurada, limpeza e drenagem da cavidade.
O pós-operatório transcorria normalmente quando, no 6º dia,
apareceram os sintomas e sinais de obstrução intestina: vômitos frequentes,
distensão abdominal progressiva, queda do estado geral e
deiscência parcial (abertura) da incisão cirúrgica, com a ruptura de
pontos, devido aos esforços provocados pelo vômitos. O RX simples
do abdômen com o paciente de pé, mostrou níveis hidroaéreos difusos,
confirmando o diagnóstico.
Nova laparotomia foi realizada, encontrando-se distensão generalizada
de todo o intestino delgado, com grande quantidade de líquido
de estase no seu interior, que foi exaustivamente aspirado, através
de sonda nasogástrica, perfazendo um total de 1,5 litro, sendo usada
a técnica da “ordenha” do íleo para o jejuno proximal, para esvaziar as
alças. A causa da obstrução foi
aderências no íleo terminal, com angulação do mesmo.
O pós-operatório, no CTI, foi complicado, pois o paciente
apresentou o temido íleo paralítico prolongado por dez dias, tendo-se
de se manter a sonda nasogástrica, com aspiração constante e medida
rigorosa do volume, dieta oral zero e hidratação venosa com nutrientes,
plasma e “papa de hemácias”. Houve ferimento da asa do nariz, devido ao trauma da sonda, além da secura acentuada da língua e
garganta. As funções cardiovasculares e renais se mantiveram boas e
a fisioterapia respiratória e dos membros inferiores, foram instituídas
precocemente.
Com o retorno dos movimentos peristálticos e eliminação de
gases, a sonda nasogástrica foi retirada e iniciou-se a alimentação oral,
com alta do CTI.
Mas, outra complicação surgiu com o paciente em casa, assistido
por Jansen e uma enfermeira prática: houve necrose parcial da
incisão cirúrgica, com deiscência (abertura) da parede parcialmente,
até ao nível da aponeurose, ficando tudo bloqueado, o que evitou a
evisceração.
A conduta, então, foi conservadora, passando-se para a feitura
de inúmeros curativos, com antibiótico local (Rifocina), antissépticos,
luvas, para evitar as contaminações. Todos os dias, no final da tarde,
ou à noite, lá ia Jansen para a residência do paciente, para trocar os
curativos e controlar a evolução do caso, até a completa cicatrização
“por segunda intenção”.
O paciente se recuperou totalmente, voltando a dirigir o seu
automóvel após alguns meses, ficando como sequela uma Hérnia Incisional
(Eventração pós-operató-ria) de médio volume, passando a
usar uma cinta abdominal.
Esse caso marcou, profundamente, a vida profissional do médico,
despertando nele o sentimento de humildade, que deveria nortear
sempre tão nobre profissão!
CASOS DE TUBERCULOSE PULMONAR ANTIGA COM
TRATAMENTO DAS CAVERNAS RESIDUAIS
Na época, havia 03 pacientes que foram tratados há mais de
vinte anos de Tuberculose Pulmonar e se submeteram à chamada Colapsoterapia
Pulmonar através de Pneumotórax Terapêutico (injeção
de ar da cavidade pleural com aparelho apropriado), com a finalidade
de fechamento das cavernas residuais, provocadas pela doença
em estágio avançado. Era vulgarmente chamado de “isolamento do
pulmão” afetado.
Tais pacientes, naquela época já sofriam de certo preconceito
e, assim, procuravam esconder seu estado clínico e Jansen os atendia
discretamente, fazendo controles radiológicos e os encaminhava para
exame de escarro (pesquisa de b.a.a.r : bacilo ácido álcool resistente )
agente causador da tuberculose, no SESP, com um Serviço qualificado
para aqueles casos.
O aspecto radiológico era, de certa maneira, impressionante,
com opacificação total do hemitórax afetado e desvio do Mediastino
para aquele lado e numerosas sinéquias (aderências), inclusive deformando
a cúpula diafragmática. Mais uma fonte de aprendizado!...
CIRROSE HEPÁTICA ALCOÓLICA
COM HIPERTENSÃO PORTA
Homem de confiança do Prefeito e funcionário antigo Municipal,
responsável pela parte financeira, fazia e datilografava os contratos
relativos ao Hospital da Conferência São Vicente de Paulo, onde
Jansen trabalhava, chamou o médico para atendê-lo na sua residência.
Numa cidade pequena, as pessoas sabem muito bem dos hábitos
e vícios dos seus moradores e, sabia-se, à boca pequena, que
aquele senhor começava a ingerir cervejas super geladas às 6:00 horas
da manhã e depois do expediente, nos botecos ou em sua casa, diáriamente,
apesar dos conselhos e ponderações da sua esposa. O casal
não tinha filhos.
Na anamnese, o paciente queixou-se de vômitos escuros (hematêmeses)
tipo “borra de café” e melena (fezes com sangue metabolizado,
com aspecto de “carvão”).
Mucosas ligeiramente hipocoradas, hipertensão arterial e frequência
cardíaca em torno de 100 bpm, dor à palpação do fígado
e esplenomegalia (aumento do baço) tipo 2, entre a reborda costal
esquerda e o umbigo. Sem sinais de ascite (líquido na cavidade peritonial).
Com todos esses dados, a hipótese diagnóstica foi de Cirrose
hepática Alcoólica com Hipertensão Porta e sua consequência: as Varizes
de Esôfago, que se rompem e sangram, podendo levar ao óbito,
quando o sangramento é copioso!
Aquele episódio cedeu com o tratamento clínico de soroterapia
venosa, antieméticos e Vitamina K injetável (Kanakion IM).
Foi recomendado ao paciente procurar um Especialista em BH
o mais breve possível: Gastroenterologista, para os exames necessários,
mas se tratava de um doente rebelde que continuou, logo depois,
a ingerir as tais cervejas, diariamente.
Num fim de semana, durante a ausência do Médico, teve morte
súbita, devido a um provável IAM (Infarto Agudo do Miocárdio).
INDEPENDÊNCIA OU MORTE!
Na próxima terça-feira comemoramos a Independência do Brasil de Portugal e no próximo ano comemoraremos 200 anos deste evento. Uma independência atípica em que o próprio Príncipe regente DECLARA a independência do país que outrora colonizara.
Diferente do Peru, da Colômbia, do Equador, da Venezuela, do Chile, da Bolívia e da Argentina aqui não houve batalhas sangrentas contra o colonizador como as levadas a cabo por Simon Bolivar e San Martim na América do século XIX. A liberdade destes povos irmãos foi conquistada ao longo de vários anos. Aqui, talvez pela vinda de Dom João VI em 1808, fugindo de Napoleão, o processo da Independência tenha sido bem menos violento ou bem mais pacífico com rebeliões e movimentos específicos como o empreendido pelos inconfidentes mineiros alguns anos antes.
Não obstante esta diferença histórica o Sete de Setembro é sim motivo para se comemorar e reavivar o sentimento patriótico e de se revalorizar a importância da Soberania nacional que nada mais é
do que o “poder de autodeterminação dos povos” nas palavras sábias
de Afonso Arinos de Melo Franco. Nâo podemos nos esquecer que
a Declaração de Independência foi o berço da Proclamação da República
e o celeiro para a democrática Constituição cidadã de 1988
que tentou reequilibrar a harmonia entre os poderes. Harmonia que
hoje se encontra abalada com o fortalecimento excessivo das decisões
monocráticas dos Ministros do STF ao mesmo tempo em que o Congresso
Nacional não exerce suas prerrogativas como em casos recentes
em que se permitiu busca e apreensão no interior da casa legislativa. O Poder Executivo, por seu turno, sofre amarras destas decisões
monocráticas, e se vê obrigado a cumpri-las, sob pena de Crime de
responsabilidade.
A Liberdade de expressão, ao lado do direito à vida, é a maior
das nossas liberdades; e deve ser buscada incessantemente. Os direitos
e garantias individuais, cláusulas pétreas da nossa Constituição devemprevalecer sobre a vontade dos três poderes; seja o Executivo, o legislativo
ou o Judiciário. E é justamente esta tão desejada “Liberdade de
Expressão” que todo cidadão de bem deve respeitar e lutar para que
seja respeitada. Se houver excessos, que aquele que os cometeu seja
processado por injúria, difamação ou calúnia, conforme prescreve o
nosso código penal. E também a nossa legislação processual penal.
Respeitar o artigo 5º da Constituição Federal é condição “si ne qua
non” para que o Grito de liberdade de Dom Pedro I seja ecoado novamente,
a cada dia, das margens do Ipiranga, passando pelo Oiapoque
ao Chuí.
Independência ou Morte! Liberdade ou Morte!
MINAS DOM QUIXOTE
Não podemos falar dos valores de Minas sem lembrar Tiradentes, Tomaz Antônio Gonzaga, Cláudio Manoel da Costa e Chico Rei. Não se pensa o “sentimento mineiro e catrumano” sem entender os escritos de Arthur Versiani Velloso e Alberto da Veiga Guignard. Não se compreende o “Grande Sertão Veredas” sem a leitura obrigatória de João Guimarães Rosa. Minas são muitas, já dizia a voz de São João Del Rey. Na verdade, os momentos de medo, pandemia e crise são também momentos de oportunidades; momentos de espíritos de real grandeza. Jean Paul Sartre emergiu das cinzas da Segunda Guerra Mundial como tantos outros intelectuais da Europa. O Brasil são muitos. Este país que ainda não completou a etapa da cultura manuscrita e já sofre a agressão da “cultura informatizada” ou da “cultura das redes sociais”, muitos consideram que são visíveis os sinais de decadência moral e espiritual. E os mineiros e suas “mineirices”, “mineiridades” e “prudências” são uma espécie de resistência a sonoridade das letras e das artes. Mineiros bons, onde estão?
Aqui, como lá, a reposição tem sido raquítica, invisível quase. Mas garanto
que não se acha por esses brasis gente do nível intelectual de um
padre Henrique de Lima Vaz (Filosofia), um dos maiores especialistas
em Hegel, Francisco Iglésias, Laurindo Merckel e Simeão Ribeiro Pires
(História) Ivana Ferrante Rebello (Letras), Darcy Ribeiro e Joba
Costa (Antropologia), Cyro dos Anjos, Adélia Prado, Manoel Higino,
Petrônio Braz, João Vale Maurício, Milene Antonieta Coutinho
Maurício, Hermes de Paula, Yvonne de Oliveira Silveira, Wanderlino
Arruda, Luiz de Paula Ferreira, Amelina Chaves, Itamaury Teles e Dario
Teixeira Cotrim (Escritores e cronistas) Constantin Cristoff, Ray
Colares e Sergio Ferreira (Artes Plásticas), Padre Murta, Chico Xavier
e Irmã Beata (Teologia Doutrina), Marina Lorenzo Fernandez, João
Chaves, Godofredo Guedes, Zé Coco do Riachão e Beto Guedes (
Música ) o escultor Amílcar de Castro, o poeta e estudioso da cultura
barroca Afonso Ávila, o poeta e ensaista Abgar Renaut , Roberto
Drummond, Silvio Barata Viana e seus estudos sobre os pré-socráti cos e tantos outros. Nos tempos do movimento modernista, Mário
de Andrade vinha ver as montanhas e dialogar com gente que ele
admirava – Henriqueta Lisboa, Drummond, Emílio Moura, Mário
Mattos. Minas não há mais?
Guimarães Rosa já dizia e proseava que: “Minas - a gente olha,
se lembra, sente, pensa. Minas - a gente não sabe”.
“Curvelo vale um conto. Cordisburgo um conto e cem. As Lajes
não tem preço porque lá mora meu bem...” A Minas que há de
prevalecer não é certamente a Minas do poder que segrega. Em tempo
de Pandemia tudo é nada nada são.
A Minas Gerais que há de prevalecer no pós pandemia é a Minas
do sonho quixotesco que não troca o ideal por um prato de lentilhas.
A Minas mais Quixote e pouco ou quase nada Sancho Pança. Esta é
a Minas que todos nós mineiros, catrumamos e sertanejos sonhamos.
A IGREJINHA DA CATARINA
Já tratei aqui da riqueza das tradições e raízes católicas da região de Juramento, tema que volto a abordar com grande satisfação, desta vez para falar sobre a igrejinha da Catarina.
Ela está situada cerca de 5km ao norte da cidade de Juramento, às margens da estrada vicinal que sai da rodovia MG-308, rumo à região da Fazenda Canoas. O terreno faz limite com a mata da COPASA.
A construção, no formato atual, tem 5,60m de largura por 10,40m de comprimento, com pé direito de 3m e cobertura de telhado em duas águas. A fachada eleva-se a aproximadamente 6m de altura e no topo há uma cruz. A porta principal tem 1,25 de largura por 2,10m de altura, abrindo em duas folhas, assim como outra um pouco menor na lateral direita, com 1,20m de largura. No lado esquerdo, ao fundo, há um cômodo anexo que serve como sacristia, com 4,90m por 2,90m. Um cruzeiro está posicionado 4,70m à frente da igreja.
Nos fundos há um cemitério e um cômodo à parte serve de
ponto de apoio para a realização dos leilões mensais e demais festejos.
O interior é singelo, mas de bela ornamentação com imagens
sacras e um altar de madeira. O presbitério tem um degrau acima do
piso da pequena nave.
Na pesquisa de sua origem, a história oral contada por diferentes
entrevistados menciona uma suposta “lenda” de que uma escrava
de nome Catirina (assim mesmo, com “i”, Catirina) teria morrido
no local depois de ser torturada. Houve quem dissesse que a imagem
original da Santa Catarina teria sido deixada ali pela referida escrava
e, por duas vezes retirada, sempre voltava a aparecer no mesmo lugar,
a exemplo do que teria ocorrido na igreja de Itacambira.
Não obtive informação quanto à data ou época exata da construção
da igreja. Embora existam relatos de sua existência “ao longo
de mais de dois séculos”, a reunião de outros elementos leva a concluir
por uma origem mais recente, aproximadamente no início do século
XX.
Isso porque a história oral menciona a construção da igreja por
Artur Caldeira de Souza. Nas memórias de seu filho, o Professor Juvenal
Caldeira Durães, há o registro de que, no início da década de 30,
o Sr. Artur havia construído outra igreja numa fazenda para onde a
família se mudara, “Fazenda Cantinho” (hoje terreno do Batalhão do
Exército em Montes Claros). A par disso, no pequeno cemitério ao
fundo da igreja o túmulo com data mais antiga que se pode identificar
tem a inscrição do ano de 1934.
Outrossim, na Cúria Arquidiocesana de Montes Claros, o
Monsenhor José Osanan de Almeida Maia me mostrou que no primeiro
Livro de Tombo da Diocese já constava a existência da igreja
de Santa Catarina. O livro é de 1910, mas nele consta que a primeira
visita pastoral à igrejinha da Catarina ocorreu no ano de 1938, com a presença do Bispo Dom João Pimenta (1859 – 1943). Na ocasião,
houve 46 comunhões, 7 batizados e 3 casamentos.
Então, possivelmente a igreja tenha sido construída nas primeiras
décadas do século XX, talvez entre 1910 e 1930.
Ainda na Cúria Arquidiocesana observei que o Livro de Provisões
registra no ano de 1944 a nomeação do Padre Osmar de Novaes
Lima para a igrejinha, ali indicada como “Capela do Bom Jesus –
Catarina”, provisionada como “oratório semipúblico por um ano”.
Mais adiante, em 1946, constava como “Capela da Catarina”, ao lado
de outras da região com as indicações de “Capela de Sete Passagens”,
“Capela de Campo Grande”, “Capela do Riacho do Fogo”, “Capela
do Mucambo”, “Capela da Clarinha”, “Capela de Juramento (São Vicente)”,
“Capela de Juramento (Bom Jesus)”, dentre outras.
Depois de Artur Caldeira, passou a zelar do local o Sr. Valeriano
da Silva Maia (1890 – 1978) e sua esposa Ângela de Quadros Durães
Maia (1898 – 1980), preservando a devoção católica ali cultivada e
os festejos tradicionais. “Valu”, como era conhecido, era padrinho de
batismo de meu Pai, Orozimbo Veloso Prates.
Meu tio Luiz Veloso Prates (pai de Carmem Prates) trabalhou
como carpinteiro na última reforma da igreja, sob a supervisão de “Valu”, que veio a falecer cerca de dois anos depois. Segundo seu relato,
nessa reforma (que portanto seria de 1976) não houve aumento do
tamanho da igreja. O pedreiro foi Vicente Monção, que fez a fachada.
O telhado colocado na ocasião foi de telhas francesas, posteriormente
substituídas pelo modelo atual. Outro que ajudou foi o “velho Firmino”,
que era dos Veloso, nascido na Lapa Grande e morador no
Ribeirão.
Meu pai narra que aos pés do cruzeiro antigo (no mesmo lugar
do atual) ficavam quilos de moedas doadas pelos fiéis à Igreja. E ninguém
mexia.
Existe na igreja uma pequena imagem de Santa Catarina de
Siena, doada por Maria Durães (“Mariinha”), esposa de Artur Caldeira
de Souza, indicando uma devoção que provavelmente justifica
o nome atribuído ao templo. Refere-se a Catarina de Siena, nascida
Caterina Benincasa (Siena, 25/03/1347 — Roma, 29/04/1380), foi
uma “terceira” da Ordem dos Pregadores (Dominicanos).
Curiosamente, porém, toda a iconografia utilizada nas festas da
pequena igreja é de outra Santa Catarina, a de Alexandria (287 – 305
D.C.), mártir geralmente representada com uma roda de tortura que
ela quebrou com um gesto do sinal da cruz. As imagens das duas Santas
dividem o espaço com outras na igreja, mas a estampa na bandeira
que é levantada no mastro na festa de setembro é de Santa Catarina
de Alexandria.
O altar de madeira, em forma de um grande oratório, foi construído
aproximadamente na década de 30 do séc. XX pelo Pai de
Monsenhor Ozanan, Sr. José Cristiano de Almeida (1906 – 1997),
carpinteiro e marceneiro, casado com Juscelina Maia de Almeida (conhecida
como “Mainha”).
A energia elétrica foi instalada no local em 07/09/1996. No ano
de 2016, meus padrinhos Lourival Gonçalves, Caldeira e Catarina
Durães Caldeira doaram um poço artesiano e tubulação para o fornecimento
de água às instalações da igreja e demais cômodos adjacentes.
Dois novos banheiros foram construídos mais recentemente, em
2019, com receitas dos leilões e doações. Celebrantes que lá atuaram
nos últimos anos foram os Padres Fábio Vieira e Gledson Eduardo
DE Miranda Assis, ambos com grande estima e admiração dos fiéis.
A comunidade que frequenta e zela da igreja é muito ativa. No
primeiro domingo de cada mês é rezado o terço e celebrada uma missa,
seguida de almoço (ou café, quando é à tarde) e leilão. Os “donos”
de cada terço se esmeram nos cuidados e serviço aos participantes.
São eles: - Janeiro: Naudy Soares Neves Gomes; - Fevereiro: Vânia
e Elisângela Maia; - Março: Catarina Durães e Nenem; - Abril: Luís
Maia; - Maio: Isabel Soares Neves (Bela); - Junho: Maria do Rosário
Maia; - Julho: Edivá Maia; - Agosto: Dilma Maia e Ângela Maia; -
Setembro: Diva Prates Maia e Maria De Lourdes Veloso Rodrigues; -
Outubro: Aparecida Durães e Carmen Durães; - Novembro: Angelisa
Braga Maia e Pedro Maia - Dezembro: Luciene Bicalho e Geraldo
Valeriano Braga Maia.
São realizadas anualmente na igreja duas festas que se estendem
por três sábados. A primeira é a de Nossa Senhora de Fátima, em
maio. A segunda é dedicada a Santa Catarina, em Setembro. A dinâmica
das duas é semelhante: nos dois primeiros sábados há a oração
do terço, seguida de leilão e barraquinhas; no terceiro sábado ocorre
a entrega da bandeira “roubada” no ano anterior, celebração de uma missa, levantamento do mastro, leilão e barraquinhas. Quem costuma
ser leiloeiro é meu primo, Catarino Prates. Para meu pai, o maior
cantador de leilão foi Tiago Quirino, avô de Vilma Aparecida Lopes
Maia.
No cemitério atrás da igreja estão sepultados membros das famílias
mais diretamente envolvidas com a igreja e a região, notadamente
os Maia, Quadros, Durães, Prates, Veloso e Caldeira. Logo
atrás da igreja estão as lápides de Valu e Ângela.
A lápide de “Valu” indica o seu nascimento em 25/01/1891,
mas encontrei seu registro de batismo indicando a data correta de
14/10/1890. Ele era filho de José da Silva Maia e Prudência da Fonseca
Ruas e foi batizado em 04/07/1891 na fazenda Lagoinha. Não
encontrei relação de parentesco dele com o Coronel Luís da Silva
Maia, fazendeiro em Juramento. Já Ângela de Quadros Durães era
Filha de Cesário Durães Coutinho e Josefina de Quadros Bittencourt
e Sá (portanto, neta materna do Barão de Gorutuba, Ângelo de Quadros
Bittencourt, oriundo de Caetité/BA).
Igreja de Catarina
O MOVIMENTO RELIGIOSO
DO SÉCULO 16
Dá-se o nome de “Reforma” ao grande movimento religioso do século 16, que dividiu a igreja cristã em duas partes: o Protestantismo e o Romanismo. Até aquela data havia uma só igreja, mas está cheia de erros e de inovações, tinha-se desviado bastante dos ensinos bíblicos. É preciso lembrar que a igreja cristã primitiva teve de sustentar uma luta tremenda para fazer o seu caminho através do mundo pagão. Infelizmente, porém, exercendo sobre grande massa pagã as influências salutares de cristo, deixou-se, por sua vez, influenciar-se por seus costumes, admitindo em seu seio muitas práticas que não condiziam com os ensinos bíblicos.
O imperador Constantino, no século Quarto, estabeleceu o Cristianismo como a religião oficial de todo o império romano, quando a partir daí, a igreja cristã experimentou lenta, mas progressiva corrupção na doutrina, no governo e na disciplina. Uma reforma urgia na “cabeça” e nos “membros”. Vozes diversas levantaram-se em diferentes pontos, todas abafadas ou contidas nos limites sociais, geográficos e culturais onde surgiram. Enfrentar uma igreja gigante, manipuladora dos poderes temporal e espiritual, constituia tarefa quase impossível. Porém na plenitude dos tempos históricos, no amanhecer da Renascença, quando os ventos renovadores agitavam as consciências, Deus chamou um homem destemido, cultural e psicologicamente preparado para desencadear a REFORMA. E foi assim que o monge Martinho Lutero, insatisfeito com os desmandos de sua igreja e revoltado com a venda de indulgências por Tetzel, cujos iníquos lucros serviram para construção da Basílica de São Pedro em Roma, na noite de 31 outubro de 1517, afixou na porta de sua igreja, em Wittenberg, Alemanha, as famosas 95 teses, desafiando o clero de modo geral, os legados papais e os promotores das indulgências a um debate público dos cruciantes problemas teológicos, eclesiológicos, disciplinares e morais da igreja.
Vale salientar, naquele tempo, tinha-se criado a hierarquia da igreja, havendo cardeais, papas, arcebispos e outros. Por volta do ano 783, a idolatria, a adoração de imagens e relíquias tinha-se introduzido na igreja, quebra flagrantes do 1º e 2º mandamento. Contra os ensinos da palavra de Deus, ocorreram também outros desvios como: a instituição da missa, no ano 304. Missa pelos defuntos, ano 310; O uso de velas, ano 320. Culto aos Santos, ano 375. Doutrina do purgatório, ano 503. Uso de água benta, ano 850. Culto a São José (protodulia), ano 890. Canonização dos Santos, ano 993. Celibato sacerdotal, ano 1074. Dogma da infalibilidade da igreja, ano 1076; Invenção do rosário, ano 1090. Instituição da “santa Inquisição”, ano 1184; Venda de indulgências, ano 1190; Substituição do pão da comunhão pela hóstia, ano 1200; Criação da confissão auricular, ano 1215; Adoração da hóstia ano 1220; Proibição da leitura da bíblia, ano 1229; Instituição da reza “Ave Maria”, ano 1316; Eliminação do vinho na comunhão, ano 1415; Equiparação da tradição com a bíblia, ano 1546; introdução dos livros apócrifos, 1546; Dogma da infalibilidade papal, 1870; Dogma da Assunção de Maria, ano 1950, instituído pelo Papa Pio XII.
Estava desencadeada a REFORMA. A luz do Evangelho e o
eco do Verbo de Deus cruzaram os céus e abalaram os alicerces do
medievalismo religioso, despontando após Lutero e João Calvino, o
teólogo-mor Zwinglio, o destemido e outros, firmando os 4 primados
da REFORMA: Só a bíblia, última palavra em matéria de fé; Só a
graça, pela qual somos salvos (Efésios2:18);Só Cristo, único mediador
entre Deus e a humanidade (Atos 4:12/1 Timóteo 2:5); Só a fé, pela
qual o cristão é justificado(Romanos 3:28).
Finalmente, apesar de Max Weber afirmar que o capitalismo é filho do protestantismo, porque nos países que lhe assimilaram as
doutrinas e a ética tornaram-se os mais ricos e prósperos do mundo,
do que é verdade histórica incontestável, contudo a REFORMA é
ainda atual e atualizante, colocando o homem sem barreiras e obstáculos
diante de Deus. Humaniza-o, libera-lhe as potencialidades
criadoras, fixa-lhe nítidos limites entre o certo e o errado, o justo e o
injusto. Descortina-lhe, também aos olhos, um mundo dinâmico, no
qual o seu papel de servo é específico, único e intransferível. O movimento
da REFORMA, permitiu a criação de todas as igrejas cristãs
não católicas do mundo ocidental.
A VIAGEM DERRADEIRA
DE JACINTHO MENDES
As famílias de sobrenome Mendes estão entre as mais numerosas do Brasil. Por muitas gerações seus membros não tiveram o cuidado de anotar informações das árvores genealógicas a que pertenciam. Talvez por descuido ou talvez por receio de produzirem documentos que pudessem ser usados contra eles próprios pelos carrascos da inquisição religiosa. Por causa dessa falta de dados, fica hoje muito difícil decifrar com clareza, a qual tronco pertence esse ou aquele ramo da família.
No livro OS JUDEUS NO BRASIL COLONIAL, o historiador Arnold Wiznitzer afirma que muitas pessoas de sobrenome Mendes foram presas pelos fanáticos seguidores da igreja católica e condenadas à morte na fogueira, sem apelação. O maior foco de fanatismo ocorreu em Portugal, mas também houve condenações na Espanha e no Brasil. Motivo? Qualquer denúncia de que aquelas pessoas não eram católicas ou praticantes dedicadas dos ritos da igreja. Muitas foram executadas. Pior. Depois da execução, os líderes do clero se apropriavam de todos bens da família. Roubalheira descarada.
A interferência arrojada do governo holandês junto à Coroa
Portuguesa freou parcialmente aquele extermínio de famílias inteiras
por qualquer denúncia de heresia, ainda que infundada. Mesmo
depois da reprimenda da Holanda, a perseguição dos inquisidores
continuou por muito tempo. Mas começou a perder força. Muitos
daqueles MENDES fugiram logo depois que se viram livres do autoritarismo
da igreja. Foram para a Holanda ou vieram para o Brasil.
Os que se decidiram pelo nosso país chegaram a partir de 1557.
Embrenharam-se pelo interior, buscando refúgios distantes, temerosos
de novas investidas dos fundamentalistas contra as liberdades religiosas.
Não apenas membros da família Mendes. Vieram também
muitos Antunes, Barros, Campos, Cardoso, Carvalho, Costa, Coutinho,
Cruz, Dias, Escobar, Esteves, Fernandes, Fonseca, Freire, Garcia,
Gomes, Lopes, Machado, Matos, Miranda, Nunes, Oliveira e outras
dezenas de sobrenomes supostamente de origem hebraica que os inquisidores
não suportavam.
Além de Wiznitzer, o nosso confrade Daniel Antunes Júnior relata
em seu CATÁLOGO GENEALÓGICO episódios sinistros praticados
pelos fundamentalistas da diabólica “santa” inquisição contra
as comunidades judaicas. Ele tem muitas e variadas pesquisas. Dentre
várias fontes, Daniel embasa seus trabalhos em livros de autores
consagrados, como História Secreta do Brasil, de Gustavo Barroso;
os memorialistas Egon e Frieda Wolf; História de Portugal, de João
Ameal e outros.
O período mais sinistro de perseguição religiosa da igreja se
estendeu entre os séculos XIV e XVIII. Por volta de 1500-1700 a monarquia
portuguesa era frouxa, fanfarrona, incompetente. Oportunista
como sempre, o clero se apropriou do estado e passou a dominar
tudo. Só a partir de 1750 o Marquês de Pombal deu um “chega pra
lá” e começou de fato a dar fim àquelas arbitrariedades. Ele enfrentou
sérios obstáculos, mas conseguiu romper a espinha dorsal do terrorismo
religioso.
O escritor Eugênio Marcos Andrade Goulart nos dá dimensão
da tortura psicológica a que viviam submetidos os moradores do Brasil
colônia. Além de escritor com grandes recursos literários, Eugênio
Goulart é médico, professor da UFMG e membro ativo do conselho
do Projeto Manuelzão que luta incansavelmente para recuperar os
biomas do nosso país, especialmente os da bacia hidrográfica do Rio
das Velhas, tão impiedosamente destruído pela ganância do ser humano.
Eugênio é incansável nas lutas em prol do meio ambiente ao lado
do mestre Apolo Lisboa.
No livro O CAMINHO DOS CURRAIS DO RIO DAS VELHAS,
o professor Eugênio mostra um pouco das angústias e medos
que assombravam os moradores da colônia. Ele diz que no século
XVIII as “asas negras” da inquisição rondavam Sabará. Várias pessoas
foram presas e levadas a Portugal, acusadas de atos contra a fé católica.
Qualquer denúncia, por mais inconsistente que fosse, já era suficiente
para que a vítima fosse condenada à morte na fogueira, sem apelação.
Por mais que tentassem demonstrar sua fé na doutrina do catolicismo,
a igreja não lhes dava crédito. Muitas foram presas e levadas
a Portugal. Os “crimes” passíveis de punição máxima eram judaísmo,
concubinato, blasfêmia, bigamia e feitiçaria. Para queimar pessoas vivas
em praça pública, a igreja fazia festas. Até o rei costumava levar a
família para assistir àqueles shows de horrores.
No livro, o professor Eugênio conta que Luzia Pinto, negra forra
de Angola residente em Sabará foi presa pelo “santo ofício” em
1742 sob suspeita de pacto com o demônio. Acusada de bruxaria, por
curar enfermos e ter aptidão para vidente. Dezenove “testemunhas” prestaram depoimentos contra ela. Luzia negou tudo, dizendo-se católica
fervorosa. Em vão. Foi condenada a quatro anos de degredo e
sofreu ameaças de punição maior se insistisse naquelas práticas.
Além de todas essas doideiras, a igreja proibia a população de
consumir peixes de couro. Baseava-se em orientações do Levítico, da Bíblia. Nos rios do Brasil havia fartura de surubins, mandis, bagres,
baús (pacamãs) e outros de carne deliciosa e nutritiva, mas ai de quem
se atrevesse a consumi-los. Ninguém desrespeitava aquelas determinações
da igreja com medo de denúncias dos próprios vizinhos.
Logo após o descobrimento de ouro e pedras preciosas, o interior
do nosso país se transformou num formigueiro humano. Parecia
Babel. Garimpeiros, mercadores de escravos, comerciantes, criadores
de gado e contrabandistas expandiram a exploração mineral e o comércio
clandestino de riquezas desde a região centro-sul de Minas até
o norte da Chapada Diamantina na Bahia. Mais de 1500 quilômetros
ao longo da Serra do Espinhaço. Também avançaram em direção a
Goiás e Mato Grosso. Na medida em que novas minas iam sendo descobertas,
incontáveis levas de europeus, principalmente portugueses
apareciam nos atuais territórios mineiro, baiano e todo o interior. Vinham
em busca de ouro, mas grande parte queria desesperadamente
fugir das perseguições da inquisição.
Foi naquele contexto de sonhos de riqueza, misturados com
obscurantismo religioso imposto pelos fanáticos seguidores do catolicismo
que surgiu o povoado de São José do Gorutuba no início do
século XVIII, possivelmente entre 1700 e 1720. Situado no enclave
de três elevações montanhosas, entroncamento de dois riachos perenes
de água cristalina e pertinho das terras férteis das vazantes do rio
Gorutuba, o povoado tinha tudo para crescer. E cresceu...
Além desses fatores, o povoado era rota de contrabando do
ouro e de abastecimento para os garimpeiros. Durante mais de um
século, a vila se desenvolveu a passos largos. Uma das primeiras providências
dos recém-chegados foi a construção de uma suntuosa igreja.
Hoje ela se encontra em abandono. Recebe apenas os cuidados de
alguns moradores próximos. É patrimônio da Igreja Católica, mas a
própria igreja não investe um centavo em sua preservação. Em pouco
tempo se transformará em ruínas.
O nome pomposo que deram a ela já mostra subserviência
ou temor de represálias dos fundamentalistas: IGREJA DE NOSSA
SENHORA DA SOLEDADE DE SÃO JOSÉ DO GORUTUBA.
Dois santos para uma só igreja. O primeiro foi inspirado na Gruta de
Nossa Senhora da Soledade de Bom Jesus da Lapa, batizada pelo eremita
espanhol Francisco de Mendonça Mar em 1657. (CATÁLOGO
GENEALÓGICO ANTUNES E TOLENTINO, Daniel Antunes
Júnior). O segundo é o nome do povoado.
Longe de Portugal e das perseguições, muitas daquelas famílias
construíram fortunas com garimpo, criação de animais, produção
de víveres, contrabando. Mas acima de tudo, baseadas na exploração
cruel do trabalho escravo. Assim, por volta de 1850, Santos Mendes,
pai de Jacintho já era um dos homens ricos do São José do Gorutuba.
Possuía muitas fazendas, muito gado, escravos, tropas, além de ouro
e diamantes adquiridos em negociatas com tropeiros e garimpeiros.
A fiscalização brutal imposta pela coroa portuguesa sobre as
atividades de garimpo, comércio e até sobre a posse de escravos fazia
aumentar a sonegação. Há rumores de que incontáveis potes de ouro
foram enterrados em locais secretos para fugir dos cobradores de impostos.
Reza a lenda que muitos proprietários desses verdadeiros cabedais
morreram de repente e não revelaram seus segredos. Portanto,
há muitos potes de ouro em toda a região do São José, esperando que
alguém os descubra.
Apesar de todas as perseguições da coroa e da igreja, o povoado
prosperou. Foi elevado à categoria de distrito e paróquia pela lei imperial
de 14-7-1832. O cartório de registro civil foi criado em 1887 e
instalado em 08-12-1888. Por volta de 1975 a Codevasf desapropriou
as terras férteis das margens do Gorutuba para construção da barragem
do Bico da Pedra. Foi a sentença de morte para o povoado do São
José do Gorutuba. Lá hoje só existe a igreja em vias de se desmoronar.
O Cartório foi transferido para o povoado de Bom Jesus, no município
de Porteirinha.
É fato que as estiagens prolongadas castigam o sertão há milênios.
Mas via de regra, quando acontecia uma seca, não havia fome
generalizada. A população sabia se defender dos períodos críticos
guardando alimentos. Arroz em casca pode ser guardado por muitos
anos em caixas de madeira, longe de umidade e de ratos. Feijão gorutuba,
misturado com cinza de surucucu e guardado em potes, dura
vários anos.
O milho tem que ser armazenado na palha em paióis de madeira
bem cobertos e fechados nas laterais, pelo menos um metro acima
do solo. As espigas têm que ser arrumadas de ponta para baixo, longe
de umidade e fora do alcance de roedores. Aguenta muito tempo.
Do mesmo modo que a farinha de mandioca, a goma e a rapadura.
O toucinho salgado, bem seco e enrolado em fardos pode aguentar
mais de um ano. Com esses métodos simples, os habitantes do sertão
enfrentavam as eventuais perdas de safras.
De maneira geral, o ambiente não era de tranquilidade para os
habitantes do sertão. Temores e preocupações parecidos com o que
conhecemos hoje como insegurança jurídica, já causavam inquietação
e aperto no estômago dos brasileiros naquela época. Só que em
escala incomparavelmente maior porque não havia justiça, não havia
imprensa, nem opinião pública. Governantes tiranos não davam importância
aos anseios do povo.
Fuxicos repercutiam como avisos de mau agouro. No sertão
era pior. Notícias atrasadas e distorcidas, trazidas pelos tropeiros se
espalhavam como fogo em pólvora. Além das costumeiras ameaças
da coroa e da igreja, havia muitos roubos de gado, mortes de tocaia,
assaltos a tropeiros. Como que trazidos pelo vento, vinham relatos sobre
guerras e revoluções, cabeças de poderosos rolando na guilhotina,
motins liderados por Maria da Cruz e combatidos com violência pela
coroa, execução de Felipe dos Santos e depois de Tiradentes, guerras
napoleônicas. O medo vinha de todos os lados. Ricos e pobres viviam
apreensivos.
Ainda no século XVIII, o clima político no São José do Gorutuba
azedou mais. A truculência dos cobradores de dízimos, somada a
boatos frequentes sobre o fim da escravidão criavam dúvidas e incertezas...
E a violência foi se espalhando. Crescia o ódio contra os negros e
seus sonhos de liberdade. Os senhores, os coronéis, os donos de terras
e comerciantes em geral não queriam nem ouvir aquele assunto. Viviam
assombrados, com medo das autoridades “lá de cima”.
Em 1835 aconteceu a materialização mais emblemática daquele ódio. O escravo Joaquim de Nagô pertencia a Manoel Lopes
de Oliveira proprietário de terras num lugar chamado Lagoinha que
fica perto do atual clube Lago dos Montes. Joaquim foi acusado de
assassinar o seu xará Joaquim Antunes de Oliveira. Mesmo sem provas
nem testemunhas, ele foi condenado à morte. Levado a Montes
Claros para novo julgamento, a sentença foi confirmada. Alegando
ser inocente e implorando por clemência, Nagô foi enforcado em 30-5-1836. Cinco anos depois, um tropeiro de Diamantina, agonizando
no leito de morte, confessou o assassinato de Joaquim Antunes para
roubar. (Montes Claros, sua história, sua gente e seus costumes. Doutor
Hermes de Paula).
O declínio na produção de ouro e pedras preciosas foi mais um
complicador. Garimpeiros começaram a abandonar suas atividades
para se dedicar aos serviços na lavoura. Diminuiu a demanda e aumentou
a concorrência no comércio. O resultado foi mais violência.
Conta-se que por volta de 1900, quando se reuniam dez homens na
praça do São José do Gorutuba para bater papo, havia dez revólveres
na cintura e ninguém sabe quantos punhais. Todo mundo andava
fortemente armado.
Em 1847 chegou para comandar a paróquia do São José o padre
José Vitório de Souza, sergipano de Itabaiana Grande. Apesar de
representante da doutrina de Cristo, era radicalmente contra a abolição
da escravatura. No primeiro momento, reinou paz entre ele e os
poderosos locais. Mas em pouco tempo, virou guerra. Em vez de agircom serenidade como se espera de um líder religioso, José Vitório
lançou mais sementes da discórdia. Começou a colecionar inimigos.
Usando os recursos da igreja, ele adquiriu muitas fazendas em
toda a região. Mudava de endereço todos os dias tentando se esconder
dos inimigos. Tinha duas fazendas no São José. (Passagem e Coco).
Outras em Mocambinho, Tapera, Riacho dos Machados, Rio Pardo,
Catuti e Serra Branca. Chegou ao ponto em que só rezava missas
fortemente armado, com um bacamarte no altar e uma garrucha na
cintura. Os homens que vinham rezar ou confessar os pecados, também.
Quase todos entravam e saíam da igreja ostentando armas de
fogo. Sem contar as espingardas “rela de banda” que tinham em casa.
Reza a tradição popular que havia no sertão um costume, quase
lei não escrita que impunha sérias restrições às mulheres. Machismo
descarado e sem justificativa. Quando morria um homem casado e
deixava herança em forma de terras ou gado, a mulher tinha que vender
tudo com urgência. Era a única maneira de impedir que ladrões
se apropriassem do espólio. A viúva não tinha direitos, a menos que
ela tivesse coragem de pegar em armas e partir para a guerra. Reclamar
com autoridades era perda de tempo. Algumas daquelas autoridades
eram cumplices na roubalheira.
Por imposição da igreja, todas as famílias tinham obrigação de
avisar imediatamente o padre sobre a morte de alguém. Também pagar
para que ele rezasse missas e mais missas para evitar que alma do
finado fosse para as “prefundas”. Naquelas horas o padre José Vitório
mostrava o lado mais sombrio do seu caráter. Comprava os direitos da
viúva e de filhos menores. Tudo baratinho. Depois oferecia segurança
em troca de chamegos. Quase sempre a chantagem funcionava.
Aquilo deixava os fazendeiros e comerciantes do São José e região
furiosos, pois todos queriam se apropriar dos bens do falecido.
O padre se beneficiava da condição de ser informado logo após o
ocorrido e chegava na frente. Em pouco tempo já tinha muita gente com vontade de mata-lo. Segundo a tradição oral e também documentos publicados no livro GORUTUBA, O PADRE E A BALA DE OURO, do doutor Simeão Ribeiro Pires, Santos Mendes foi um dos mandantes do assassinato do Padre José Vitório de Souza, o responsável pela paróquia de São José do Gorutuba, em 1865. Moradores locais diziam que o padre foi morto por ordem de Anjo, Santo e Deus. Queriam dizer Ângelo de Quadros Bitencourt, Santos Mendes e João de Deus Faria.
Também houve participação de Ana Eugênia Godinho. Fazendeira rica, viúva e valente, ela teria oferecido seus carinhos ao padre, atraída por sua fama de mulherengo. Mas ele recusou. José Vitório vivia como um sultão das arábias. Tinha tantas mulheres quanto quisesse. Ele usava os segredos do confessionário para chantagear homens e mulheres em troca do perdão de pecados. Dos homens, extorquia ouro, gado, mercadorias ou dias de serviço em suas fazendas. Das mulheres mais velhas ele exigia pagamento em forma de serviços domésticos.
Das mais novas e atraentes, perdoava os pecados em troca de favores de cama. Quem não se submetesse a seus caprichos, sofria ameaças de excomunhão. Aquelas atitudes criaram um clima de guerra que só terminou com a morte dele numa tocaia, em 1865. Mulheres mais simples e humildes, separadas, viúvas ou de marido ruim caíam naquelas lorotas.
Mas a maioria as rejeitava com veemência. As mais esclarecidas sabiam que a excomunhão nunca passou de um embuste, instrumento de tortura psicológica usado em larga escala pela igreja para intimidar gente humilde e mal informada com o propósito de extorquir benefícios. Ao ser rejeitada por Zé Vitório, Ana Eugênia ficou furiosa. Ofendida em seus brios femininos jurou vingança e se aliou aos muitos inimigos dele. Não teve sossego enquanto não o viu morto.
O livro do doutor Simeão é uma obra prima. Relata os aspectos técnicos e processuais extraídos de arquivos sobre os julgamentos a que o padre foi submetido. Documento técnico, o livro passa imagem suave e até romântica do padre. Mostra que ele era inteligente, tinha boa oratória, sabia se defender de acusações em tribunais. Essas qualidades ele realmente tinha. Também era obstinado e de muita coragem. Com ele era na base do “levou quem trouxe ou truco vale seis”. A tradição oral sobre o caráter do padre como ser humano ou como líder religioso, contudo, mostra uma figura sinistra, sem sentimentos de amor ao próximo.
Causos contados e repetidos ao longo do tempo revelam que a batina do padre José Vitório escondia um monstro. Dentre muitos defeitos era pedófilo contumaz. Senhor de muitos escravos, ele abusava sexualmente das escravinhas ainda meninas, mal saídas da infância. Também era ávido por dinheiro, poder e riquezas. Não tinha escrúpulos quando o tema girava em torno de levar vantagem a qualquer custo. Assenhorou-se dos poderes outorgados pela igreja e foi às últimas consequências. Ficou muito rico, mas também atraiu muito ódio. Inimigos tentaram elimina-lo. Sagaz, Zé Vitório sobreviveu a várias tocaias.
Com intuito de dissuadir seus opositores, ele costumava dizer que tinha o corpo fechado e que só seria morto por uma bala de ouro, benzida por ele próprio. Mas... Água mole em pedra dura... Na manhã de domingo, 20 de agosto de 1865, o padre foi abatido com um tiro de espingarda, disparado por José Faustino de Sá no lugar conhecido como Ladeira do Gravatá, pertinho do São José do Gorutuba. A munição era exatamente uma bala de ouro benzida por ele. (Em “Efemérides Riopardenses”, o cônego Newton de Ângelis afirma que ele morreu em 26 de julho de 1868).
Seus inimigos mandaram forjar a bala em ouro e a colocaram sob a roupa de um bebê que seria batizado por Zé Vitório. Reza a lenda que foi exatamente assim que ele benzeu aquela bala que o matou.
Morreu o padre, mas ficou a lenda. É fato que naqueles vinte anos que
comandou a paróquia do São José do Gorutuba, o padre deixou várias
dezenas de crianças dos olhos azuis. Muitas delas filhas de escravas.
Esta casinha em ruínas fica no alto da serra, ao lado do rio do
Coco, a uma légua do São José do Gorutuba. Região de terras muito
férteis. Segundo a tradição oral, ela era uma das sedes de fazendas
do padre José Vitório de Souza. Também servia de refúgio porque
o lugar é de difícil acesso e o padre tinha muitos inimigos. O nome
do rio é devido à existência de muito coco babaçu. Ele era perene e
havia muito capim nativo às suas margens. Por isso era um riquíssimo
berçário de pássaros, aves e pequenos animais. Animais grandes
foram extintos pelo homem há muito tempo. Mas por volta de 2010
uma mineradora detonou a nascente e o leito do rio mudou o rumo,
indo para outros lados. A região que parecia um oásis transbordante
de vida transformou-se em deserto. Não se ouve o cantar de um grilo.
Pela altura das paredes e das portas é possível supor que as pessoas
daquela época eram de menor estatura do que as de hoje. Na foto
um garoto da região, José Osvaldo, este autor, Júnior e Cristiano. Foto
realizada em 12-4-2015.
A morte do padre, em 1868 ou 65 foi apenas mais um capítulo
da violência que se instalou na região. Os séculos XVIII e XIX trouxeram
progressos patrimoniais para as famílias dominantes no sertão.
Também trouxeram muita insegurança. A coroa portuguesa era cada
vez mais perdulária e não controlava seus gastos. A cada crise na prestação
de contas vinha mais aumento de impostos. Quem pagava tudo
era a colônia.
******
Não temos informações sobre a ancestralidade de Santos Mentes
(o pai). O certo é que já nasceu muito rico. O filho Jacintho deu
sequência ao trabalho da família e continuou a produzir milho, arroz,
feijão, algodão, toucinho, rapadura, cachaça, farinha, fumo, amendoim
em grandes quantidades que negociava com tropeiros e contrabandistas
de pedras preciosas.
Santos Mendes (pai) mandava tropas levando produtos para
vender na região de Porto Seguro e Ilhéus. O principal objetivo daquelas
tropas era adquirir sal, mercadoria muito valorizada no sertão.
Também era de lá que traziam armas e munições. A partir de 1871
aquele trabalho foi facilitado, pois os vapores do São Francisco passaram
a trazer o sal e outros produtos manufaturados até Morrinhos e
Maria da Cruz.
No interior não havia circulação de moeda. O comércio era
feito na base do escambo, a simples troca de uma mercadoria por
outra. Foi assim que ele ajuntou enorme quantidade de ouro e pedras
preciosas. Jacintho Mendes nasceu e foi criado em berço esplêndido.
Com a morte do pai, ele herdou tudo e deu continuidade aos negócios.
O objetivo número um da vida de Jacintho Mendes se resumia
a duas palavras: ganhar dinheiro. Na visão dele, quem tinha dinheiro
podia comprar tudo. Até a salvação eterna. Em segundo lugar, vinha a
necessidade de mostrar publicamente sua fé em Deus. Já era tradição de família. Para não deixar margem de dúvida quanto a isso, todos os
anos ele levava uma manada de cinquenta bois gordos a Bom Jesus da
Lapa para dar de presente ao padroeiro da gruta. Era uma forma de
agradecimento ao santo pelas boas safras, pelos excelentes negócios e
pelo aumento no número de cabeças de gado.
Não apenas ele, mas todos os endinheirados do sertão faziam
aquela romaria todos os anos. Demonstração de fé, subserviência e
submissão aos poderosos da igreja. A cada visita à gruta do Bom Jesus
eles levavam gordas contribuições para agradar os padres. Era a compra
de indulgências e perdões pelos pecados ou crimes cometidos.
As jornadas se tornaram rotineiras lá pela metade do século
XIX, quando se iniciaram os desentendimentos entre os moradores da
região e o padre José Vitório. Autoritário e mandão, ele exigia servilismo
de todos sob ameaça de excomunhão. Embora já tivesse caído no
ridículo em toda a Europa, a excomunhão ainda simbolizava o terror
entre a população ignorante do interior. Os coronéis, os mais ricos e
esclarecidos não se importavam com aquelas ameaças e iam buscar
perdão de pecados na Bahia. Aquilo só fazia crescer a animosidade
entre o padre e os fiéis da região.
Os moradores do São José do Gorutuba faziam aquelas viagens
sempre pelas trilhas de tropeiros margeando os rios. Do São José eles
seguiam pelo Rio da Várzea, Mosquito, Gorutuba, Verde Grande.
Atravessavam o rio Verde Pequeno na região das Canoas, na divisa entre
Minas e Bahia. Continuavam pelo Verde Pequeno, Verde Grande
indo alcançar o São Francisco. Daí, sempre pela margem direita até
Bom Jesus.
Os padres recebiam os norte-mineiros com festas e homenagens.
Após entrega das doações, concediam amplo perdões de todos
os pecados. Desse modo, quando retornavam da Lapa do Senhor
Bom Jesus, eles vinham de alma lavada e consciência tranquila, prontos
para praticar novas crueldades. Segundo informações passadas de geração a geração, o padre ficava furioso toda vez que ouvia comentários
de que alguém levou oferendas para os religiosos baianos. Ganancioso,
ele queria tudo para si.
Na última década do século XIX Jacintho Mendes ocupou
grande área de terras no entorno da Lagoa Grande no atual município
de Janaúba. Tomou tudo na marra. Seus jagunços colocaram os
negros do lugar para correr debaixo de chicote. Não é difícil imaginar
a quantidade de inimigos que ele ganhou com aquela grilagem. Era o
maior criador de gado da região. Mais de dez mil cabeças. Ocupando
todo o lado do nascer do sol no entorno da Lagoa ele teria água garantida
para o seu rebanho nos períodos críticos de estiagem, quando
o Rio Gorutuba ficava seco.
Tão logo se apropriou das terras dos nativos, Jacintho Mendes
mandou construir boa sede e uma igreja. Ali ele rezava obrigatoriamente
o terço e o ofício todos os dias tentando apaziguar a consciência.
O fato é que com todas rezas ele não conseguia disfarçar que nunca
gostou dos negros e nunca teve condescendência com eles. Nem
fazia segredos sobre isso. Exigia que trabalhassem dia e noite. Não se
importava se estavam doentes, com fome, se eram mulheres grávidas,
velhos, crianças. Todos tinham que trabalhar sem descanso para aumentar
sua imensa fortuna.
Havia entre os escravagistas brasileiros um temor latente do que
acontecera no Haiti por volta de 1800 na revolução de São Domingos.
Naquela ocasião, os escravos rebelados executaram seus patrões
brancos e tomaram o governo. O medo fez os brancos endurecerem
as maneiras como tratavam os negros no Brasil.
A assinatura de Lei Áurea em 1888 exacerbou ainda mais aquele ódio. Jacintho não queria em nenhuma hipótese conceder liberdade
a seus escravos. Sendo obrigado a isso pela força da lei, mandou que
todos desocupassem suas terras. Queria retaliar para que voltassem
pedindo esmolas e implorando que fossem aceitos novamente como escravos. Isso não aconteceu. Tentou contratar apenas empregados
brancos. Não conseguiu. Por fim, a contragosto ele aceitou o trabalho
dos negros, mas simplesmente em troca de uma feirinha magra.
Mesmo com todo ódio e crueldade que alimentava contra os
negros e pobres, o fato é que Jacintho Mendes chegou ao posto de Juiz
de Paz no distrito de São José do Gorutuba. Veja a cópia de uma ata
de instalação de escola assinada por ele.
“Termo de installação da escola. No dia 21 de janeiro de 1908,
estando presente o Juiz de Paz em exercício Jacintho Mendes Ferreira,
foi installada a escola mista do distrito de S. José do Gorutuba, regida
pela professora Sophia Rosa da Silva. Verificou-se a presença dos alunnos
matriculados Joaquina d’Oliveira Braga, Theodolino Miguel da Silva,
Arthur Baptista da Silva, Juvência Benedita da Silva, Domingos Pereira
dos Santos, Vitalino Mendes Pereira, Belisário Barbosa da Silva, Santos
Mendes Ferreira (filho de Jacinto Mendes e pai de José Custódio Mendes,
prefeito de Janaúba em 1970), Camilo José Pereira, Silvério Leão de
Mello, Zacharias José da Silva, Maria Ferreira da Silva, Anna Francisca
da Silva, Juvência Maria da Silva, Josina Graciana da Soledade, Joana
Rosenda do Espírito Santo, Antônio Soares d’Oliveira, João Soares d’Oliveira,
Joaquina Dionysia da Silva, Maria Amélia da Silva, Theodoro
Antônio Lopes, Joaquim Miguel da Silva (irmão da professora Sophia
Rosa), Maria Joaquina de Jesus, Carlota d’Oliveira Braga, Santos Mendes
Pereira, Messias Maria de Jesus, Joaquim Baptista da Silva, Maria
Pereira de Jesus, Anna Rosa d’Araújo, Lindolpho Gonçalves de Souza,
Pedro José Pereira, Santos José Pereira, Antônio Ladeia da Silveira, João
Ladeia da Silveira, Onofre Barbosa da Silva, Manoel Rodrigues Gomes,
Francisca Maria da Silva, Maria Francisca da Silva, Veridiana da Silva
Lima, Avelino Miguel da Silva, Durval José de Souza, Hermínia Maria
de Jesus, em número de 42. Vai este assignado pela professora, pelo Juiz de
Paz, pelos alunnos que já o puderem fazer e também por José Bernardino
da Silva, Genésio José da Silva, Joaquim Pedro Pereira, Pacífico Marcellino
da Conceição, Antônio Baptista da Silva, Adolpho Barbosa da Silva, Antonino Francisco d’Azeredo, José Francisco d’Azeredo, João Adelino da
Silveira presentes ao acto de installação da escola.
São José do Gorutuba, 21 de Janeiro de 1908.
Sophia Rosa da Silva - Professora.”
(Dona Sophia Rosa é filha do Capitão José Miguel da Silva e sua
esposa Joaquina Rosa da Silva. O Capitão José Miguel da Silva era o
Inspetor Escolar e também a maior autoridade militar do São José do
Gorutuba nas primeiras décadas do século XX. Os nomes em negrito são
de pessoas que este autor conheceu.)
Depois de algumas breves pinceladas sobre a história do povoado
de São José do Gorutuba e da vida conturbada do padre José
Vitório de Souza, vamos falar das crises de consciência e também da
morte de Jacintho Mendes Ferreira. Grande parte do que vai ser relatado
foi vivenciado de perto pelo sobrinho dele, Mozart Mendes,
casado com Sidelice, tia do autor destas linhas. A história se completa
com depoimentos e muitos causos que ouvimos a respeito.
Jacintho nunca revelava quando ia viajar do São José do Gorutuba
para a Lagoa Grande, para outras fazendas ou qualquer lugar.
Muito menos o dia da volta. Vivia assombrado, com medo de tocaia.
Só andava acompanhado por meia dúzia de jagunços ou mais. Uns
seguiam na frente observando o caminho, outros viajavam ao lado
e mais alguns na retaguarda. Além das crueldades contra escravos e
pessoas indefesas, pesava também o modo violento como expulsou
moradores da orla da Lagoa Grande a fim de garantir água para o seu
rebanho.
O tempo passa, a velhice vai chegando de maneira inexorável e
a consciência começa a apresentar as faturas das maldades praticadas
contra os mais fracos. Até para ir à igreja ou quando ia ao mato pear o
bode exigia sempre a presença de um ou dois jagunços bem armados.
O medo tinha razão de ser. Muita gente não gostava dele.
No início de 1923, perto dos setenta anos Jacintho Mendes
recebeu o primeiro aviso da velha feia nariguda. A da foice. Estava
chegando a hora do acerto de contas. A partir daquele momento, não
adianta ter muito dinheiro, pouco dinheiro, muita fé ou pouca fé, ter
rezado terços e mais terços, ladainhas, ofícios, dominus vobiscum,
crém deus pai; ter assistido a um sem número de missas, comido milhares
de hóstias, dado dinheiro aos padres, ter frequentado terreiros
de macumba, nada.
Zera tudo. Chegou a hora, o peão tá frito! Tá no bico do urubu!
Ao perceber os primeiros sinais, ele ficou em silêncio, como se pudesse esconder a doença. Não adiantou. Algumas semanas depois ele passou
a se queixar de boca amarga, difruço, indisposição, avexame no
coração, dor na cacunda, nos ossos. O apetite foi diminuindo. Logo
começou a perder peso. Mandou buscar curador, padre milagreiro,
rezadeira de mau olhado, de ziquizira, espinhela caída, nó nas tripas.
Mandingueiro para espantar coisa feita, raizeiro, benzedeira de urucubaca,
tudo. A igreja já havia desistido de combater aquelas práticas.
Jacintho pagaria um bom dinheiro a quem lhe restituísse a
saúde. Saía curador, chegava raizeiro; saía raizeiro, chegava feiticeiro.
Rezas e mandigas, misturadas com chá de fedegoso, de carapiá, de
losna, de raiz de jurubeba, flor de mamão macho, junco, zabumba,
raiz de gambá, sabugueiro, casca de barbatimão, fruta de umburana,
de sucupira e o diabo a quatro. Inútil. Devagarzinho, a situação ia só
se agravando.
Foi aí que surgiu uma ideia inusitada. Como já foi dito, Jacintho
era o maior criador de gado da região e fez promessa interessante.
Uma não. Duas! Mais do que promessas, tentou fazer negócios com
Deus e com Bom Jesus da Lapa. Fazer negócio com Deus? Não é
a expressão apropriada. Melhor dizer chantagem. Chantagear Deus?
Chantagear Bom Jesus da Lapa? Pensou que os dois são trouxas, mas
o plano mascou.
Pelo contrato da promessa com Deus ele daria duas novilhas a
cada descendente dos escravos que pertenceram à família. Para Bom
Jesus da Lapa prometeu que se recuperasse a saúde, na próxima viagem à Bahia, ele levaria não cinquenta, mas cem bois gordos. Em
troca, Nosso Senhor Bom Jesus lhe restituiria a saúde. Com apoio de
Deus e de Bom Jesus, a coisa ia dar certo. Batata!
Pã! Negócio fechado. Pelo menos da parte dele. Prometeu e
fingiu que cumpriu o primeiro contrato. Distribuiu mais de duzentas
bezerras a filhos, filhas, netos e demais descendentes dos antigos escravos.
Até na hora de pagar a promessa ele fez sacanagem. Prometeu no vilhas e entregou bezerras. Pensa que Deus teve dó? Que nada! Deus
foi muito mais esperto. Não caiu na conversa. Nem deu ouvidos. A
doença continuou se complicando e a situação piorando a cada dia.
Pelo menos os negros foram minimamente indenizados pelo trabalho
escravo. E a segunda promessa? Bom Jesus da Lapa nem perdeu tempo
com aquela proposta.
Alguém teve uma ideia mais sensata: levá-lo para São Paulo.
Gente conhecida e de confiança garantia que por lá havia médicos
que faziam verdadeiros milagres. Trem doido de bão. Cobravam caro,
mas o serviço era garantido. Depois da decisão tomada começaram
os preparativos para a viagem. A tarefa não seria fácil. Já havia alguns
dias que o homem estava acamado.
Teriam que seguir em carro de bois para Maria da Cruz, embarcar
no vapor até Pirapora e lá pegar o trem da Maria Fumaça para
São Paulo. Logística de guerra. Jacintho tinha muito patrimônio, mas
naquela época, ninguém no interior possuía dinheiro vivo. E em São
Paulo, se o sujeito não tivesse dinheiro, era o mesmo que nada.
Ele possuía muito, mas muito ouro e diamante. Porém tinha
amor demais àquelas riquezas. Mais do que à própria vida. Não queria
vendê-las de jeito nenhum. Nem naquele momento de emergência.
Ouro e diamante não se reproduzem. Melhor seria vender gado
porque vaca pare todo ano.
O filho Santos Mendes Ferreira tomou a frente das coisas e
decidiu o que fazer. (Jacintho era filho de Santos Mendes e pai de
Santos Mendes Ferreira). O filho contratou 30 vaqueiros. A intenção
era capturar 300 ou 400 rezes gordas para vender e fazer dinheiro.
Mas não havia na região uma pessoa sequer com recursos financeiros
suficientes para comprar aquela quantidade de gado à vista.
Teriam que levar o rebanho e vender em Maria da Cruz para a
Companhia de Navegação do São Francisco. É que naquele povoado,
a empresa possuía uma salgadeira onde se abatiam os animais. A carne era salgada e prensada. Depois, levada pelos vapores para ser comercializada
nas cidades grandes. Ainda não se falava em frigorífico. Nem
se sonhava com energia elétrica.
Para ajuntar todo aquele gado, formaram-se 6 grupos de 5 vaqueiros
valentes, em bons cavalos e burros, levando laços, tapas, ferrões,
facões e cachorros treinados para aqueles trabalhos. Partiram da
Lagoa Grande em várias direções. Jacaré Grande, Cruz, Clarindo, Lagamar
e voltando em direção à Umburana, (Fazenda Colonial), Bom
Jardim, Sapé, Rio Verde. Raio de muitas léguas para encontrar lotes
de animais. Com muita dificuldade eles conseguiram capturar pouco
mais de 350 rezes. Demorou duas semanas. Enquanto isso, o homem
definhava a olhos vistos.
Santos Mendes tomou muitas outras providências. Eles possuíam
vários carros de bois com eixo de pau (saboeiros). Também
muitas parelhas de bois mansos. Naquela época o gado era muito
pequeno, devido à degeneração causada pela consanguinidade secular.
Era descendente dos primeiros bovinos trazidos ao Brasil pelos portugueses
ainda no século XVI. Assim, para cada carro usavam-se três
parelhas de bois. No carro maior eles instalaram fueiros altos, resistentes.
Construíram uma casa ambulante, coberta de pindoba trançada
e bem amarrada com cipó de caroá, tanto na cobertura quanto nas
laterais, para servir de paredes. Era preciso proteger o paciente do frio,
do calor e da chuva. Deixaram uma porta na parte dos fundos.
Colocaram dois catres com colchões de palha de bananeira para
dar conforto ao doente e acompanhantes. Aquele carro seria a ambulância
para levar Jacintho, a esposa e mais uma benzedeira. Puseram
proteção de pindoba em outros carros de bois. Neles seriam levadas as
cozinheiras e carpideiras que seguiam rezando e cantando ladainhas,
terços, ofícios e louvores.
Também levava outros auxiliares. Tinha ainda mais um carro
coberto para levar barricas de madeira cheias de água e mantimentos com fartura. Arroz, feijão de corda, feijão gorutuba, toucinho, carne
seca, farinha, rapadura, café de pilão, goma para biscoito frito, cumbucas
de tempero, cestas de ovos empalhados, várias cabaças d’água.
Levavam muito requeijão e uma pinguinha despistada para combater
o frio ou o calor. Todas as noites, antes do jantar todos se reuniam
para rezar o terço. Era um ritual que o futuro finado Jacintho Mendes
cumpria todos os dias, com medo do fogo do inferno.
Dependurados nos fueiros dos carros de bois, cabaças cheias de
azeite de mamona para lubrificar os eixos, as cantadeiras e os cocões.
Providencialmente eles mandaram socar alguns alqueires de milho
no pilão. Fizeram canjiquinha que seria usada para alimentar bois
e burros onde houvesse necessidade de parar, e não existisse pasto.
Cachorros valentes acompanhavam a comitiva para avisar no caso de
alguma onça mais atrevida atacar os bois e os burros. Ou alertar contra
intrusos.
À noite, enquanto as carpideiras choravam e rezavam junto ao
quase defunto, as cozinheiras e rezadeiras se embrenhavam no escuro
com os peões. Iam tirar o atraso. Afinal, ninguém é de ferro. O quase
velório era uma festa, uma arrelia sem fim. Só faltava violão, sanfona e
pandeiro. Na noite seguinte umas revezavam com outras na louvação
e no apelo dos desejos da carne. Tinha peão de sobra. Nove meses
depois daquela peleja, foi um tal de mulher parir que não tinha fim.
Vários burros de cangalha levavam as tralhas de cozinha e mais
mantimentos porque a equipe era muito numerosa. Na frente e na
retaguarda da caravana viajavam dois grupos de pistoleiros fortemente
armados de revólveres e carabinas, para dar proteção, pois Jacintho
Mendes se cagava de medo das dezenas de inimigos que arranjou ao
longo da vida.
Total: mais de 30 pessoas entre homens e mulheres. Carreiros,
guieiros dos bois, tropeiros, o pessoal das rezas e da cozinha, as carpideiras,
e mais os jagunços. Tinha também um carpinteiro para lavrar eixo de carro, cocões, cantadeiras. Um batalhão! Três dias depois da
saída da comitiva quase fúnebre, partiram também os 30 vaqueiros
levando a boiada. Isso porque a comitiva que levava Jacinho era lenta,
vagarosa.
Havia mais dificuldade. O carro de bois com roda de pau era
muito duro. Maltratava o doente. Para aliviar o desconforto e as dores,
ele era levado por homens a pé, em rede amarrada a um varão.
Nas horas de sol quente tinham que parar. Usavam-se então os catres
dentro do carro de bois para o descanso. Quase todos aqueles homens
que carregavam o varão com a rede eram descendentes dos escravos
que Jacintho se recusou a libertar.
Antes da viagem propriamente dita, foram várias semanas de
planejamento e preparativos. A jornada teve início com a caravana
partindo do São José do Gorutuba e indo pernoitar na Lagoa Grande.
Quatro léguas mais um tiquinho. No dia seguinte a jornada diminuiu.
Após um estirão de três léguas e meia, o paciente reclamou de
dores e cansaço. Fizeram pouso no Furado do Umbuzeiro. No terceiro
dia foram até Cachoeirinha, atual Verdelândia. Lá, o angu encaroçou,
as coisas se complicaram. O rio Verde era largo, estava com mais de
um metro de fundura e muita correnteza. Como atravessar? Operação
de guerra.
Tiveram que assentar acampamento para organizar a travessia.
Cortaram dois varões lisos e fortes, do tipo de pau de porteira com
cinco metros e comprimento. Amarraram as pernas do catre aos dois
varões para que seis homens altos e fortes atravessassem o rio a pé levando
o catre com o doente. Tiveram o cuidado de amarrar também
o paciente sobre o catre para que ele não caísse na água. Mas ainda
tinha dificuldade. A correnteza era muito forte e poderia arrastar os
homens com o doente.
Amarraram duas cordas bem esticadas paralelas, entre as margens
do rio, com um metro e pouco de distância entre uma e outra para que os homens passassem por dentro do vão ou segurando-se
nelas. Com aquela tarefa realizada, era preciso passar os carros de
bois. Se tentassem atravessá-los puxados pelos bois, a correnteza levaria
tudo. Tiveram que passar os bois, os burros e os cachorros, um de
cada vez, amarrados para que também não fossem levados pela força
da água. Panos, colchões de bananeira ou taboa, cobertas seca-poço,
barricas, sacos de mantimentos, cangas dos bois, bruacas, cangalhas e
couros foram levados na cabeça.
Ficaram para trás os carros de bois. Ali estava a parte mais difícil,
pois a força da correnteza os levaria. Mas surgiu uma engenhosidade.
Colocaram mais de 100 quilos de pedras em cada carro para fazer
peso e impedir que a água levasse. Amarraram uma corda comprida à boca de lobo para que todos puxassem. Com toda aquela dificuldade,
levaram quase dois dias apenas na passagem do Rio Verde. E o
homem só piorando.
Na manhã seguinte partiram de Cachoeirinha. Mais dois dias e
foram dormir perto do Campo Redondo. Às vezes paravam ao calor
do meio dia para que o paciente, as pessoas e os animais descansassem.
Também para as cozinheiras preparassem um tacho de arroz tropeiro
para a comitiva. A merenda da tarde era rapadura com requeijão, com
paçoca ou farinha. À noite faziam comida com mais sustança.
A cada dia a jornada ia se reduzindo. Começou com quatro
léguas, caiu para três e meia, três, depois duas. A toda hora o paciente
reclamava de mais dores e cansaço. Num trecho de 90 a 100 quilômetros
entre o povoado de São José e Campo Redondo eles levaram
mais de uma semana.
As esperanças se desvaneciam a cada minuto, pois não havia remédio,
reza nem macumba que aliviasse as dores do paciente. Enfim,
quando se aproximavam o povoado de Gameleiras, Jacintho Mendes
Ferreira queimou o último fusível, partiu desse mundo.
Sofreu muito com as dores e a febre sem cura. Saiu de casa sem
conforto e foi morrer longe. E agora? Fazer o quê? Homem rico, muito
rico, não poderia ser enterrado em qualquer lugar, muito menos
em cemitério de gente pobre, pé rapado. Voltar com o corpo para
enterrar em São José do Gorutuba também não ia dar, pois levariam
pelo menos cinco dias de viagem. Ninguém suportaria o fedor. Gente
rica também vira carniça. Santos Mendes mandou um portador a Januária
procurar o responsável pela igreja católica de Gameleiras.
Precisavam de padre para rezar missa demorada de encomendação
do corpo com todos os rituais que só os graúdos podem ter.
Também que permitisse o enterro dentro da igreja, pertinho dos santos.
Durante a viagem entre Januária e Gameleiras o padre perguntou,
bisbilhotou e descobriu que o defunto era de família rica e poderosa.
Nas negociações com os parentes, ele foi direto ao assunto: “já que o
finado é muito rico, quanto estão dispostos a pagar pelo privilégio de
enterrá-lo dentro da igreja”?
Discussão demorada. Foi uma peleja chegar a denominador
comum. Mas o padre era malandro e não arredou pé. Dos trezentos
e tantos bois e vacas que saíram da Lagoa Grande, mais de 40 já tinha
ficado na arribada. Espertalhão, ele estipulou o preço. “Deem-me
todo o rebanho e eu dou a permissão para o sepultamento”.
Negócio fechado. Meteram a picareta no chão. Abriram cova de
sete palmos junto ao púlpito da igreja e jogaram o defunto lá dentro.
Enterro feito, a comitiva voltou mais aliviada do que abatida. Jacintho
foi sepultado na igreja secular, construída no centro da atual cidade
de Ibiracatu. Soube-se tempos depois que o padre passou a perna nos
chefões na hora da distribuição da boiada. Em represália, a cúpula da
igreja não aprovou a negociata. Mandou retirar a ossada de e enterrar
em outro local.
E assim terminou a história de um homem que julgava ser superior
aos outros pelo simples fato de ser muito rico.
BELÍSSIMO ESPETÁCULO DA NATUREZA
A poeira do tempo vai lentamente apagando as notícias de fatos
importantes e em espaço de poucas décadas tudo cairá em eterno esquecimento.
Assim, a história vai morrendo.
Há um episódio extraordinário que ocorreu em nossa região
menos de um século atrás e que hoje só existe na memória dos filhos
ou netos de pessoas que presenciaram os acontecimentos ou que tiveram
notícias deles por fontes dignas de crédito.
É fato sabido e ainda muito comentado que a pior estiagem do
século vinte no sertão norte mineiro ocorreu em 1939. A chuva caiu
generosa até novembro de 1938. A partir de daquela data começou o
sofrimento. Foram dez longos meses de sol inclemente sem um pingo
de chuva. Ela só voltou no fim de setembro de 1939.
Os rios e lagoas da região secaram completamente. No leito
arenoso do Gorutuba, pessoas abriam cacimbas de até cinco metros
para conseguir água escassa para gente e animais domésticos. As matas
ficaram esturricadas. Animais silvestres morreram aos milhares ou aos
milhões.
As plantações se perderam. Não houve colheita. O capim morreu.
As nascentes desapareceram. O que houve foi fome, sede, desolação,
tristeza sem fim. Não morreu gente de sede e inanição porque o
número de habitantes era pequeno.
A Lagoa Grande, localizada a dez quilômetros do centro de Janaúba
secou pela primeira vez que se tem notícia. Ela sempre foi um
manancial seguro da vida tanto de animais quanto de humanos. Estendia-se numa depressão de quase uma légua de comprimento, por
300 metros de largura e 3 ou 4 de fundura. Uma floresta nativa, alta
e frondosa protegia o entorno.
Mas a seca de 39 foi brutal e nem a Lagoa Grande resistiu. No
início de setembro ela secou. Foi quase um mês sem uma gota d’água.
Calor intenso. O fundo argiloso ficou todo rachado, sem vida. Os
peixes, jacarés e cágados que sempre foram fonte de alimentação para
onças, gatos, raposas, pássaros, aves e gente desapareceram.
Tristeza, fome. Parecia o fim do mundo. Quando tudo parecia
perdido veio a chuva. Com ela chegou o ânimo, o renascer. A Lagoa
Grande pegou mais de um metro de água, com alguns quilômetros
de extensão, mas ficou longe de se ligar ao rio Gorutuba que trouxe
apenas uma enchente pífia de água, mas transbordante de alegria.
Poucos dias depois da chuva, moradores do lugar notaram que
as águas da lagoa estavam coalhadas de peixes. A notícia correu. Havia
peixes de várias espécies e tamanhos, assim como jacarés, cágados
em quantidade extraordinária. Veio gente de todas as redondezas para
pescar, pois aquela era uma fonte de alimentos disponível para todos.
Ora, se as águas da Lagoa Grande ficaram longe do Rio Gorutuba
e não houve nenhum intercâmbio entre elas, de onde poderiam ter
vindo aqueles peixes?
Milagre! Milagre! Para as pessoas humildes não havia o que discutir.
Foi milagre de Nosso Senhor Bom Jesus da Lapa e pronto! Uma
providência divina para que a população não morresse de fome.
Para os que não acreditam em milagres, resta uma explicação.
Foi um recurso da Mãe Natureza que está acima da nossa capacidade
de entendimento. Para evitar que fossem extintos, aqueles animais
mergulharam na lama e ficaram lá por mais de três semanas numa
espécie de hibernação.
Quando a chuva bateu na terra eles saíram daquele estado de
letargia e voltaram à superfície, triunfantes. Mais triunfantes ficaram
homens e animais com a possibilidade de matar a fome. Lamentavelmente,
a Lagoa Grande está extinta, assoreada, entulhada de vidros e
plásticos, poluída de agrotóxicos, sem as matas generosas que a protegiam.
Será esse o preço a pagar pelo progresso?
Era início dos anos setenta, quando fomos morar no Remansinho, um lugar situado entre o encontro dos rios São Francisco e Pandeiros, gastávamos dois dias para chegarmos até o local onde funcionava um orfanato. Era uma fazenda na qual meu pai fora contratado para trabalhar na mesma, executando trabalho braçal, pesado, aliás essa sempre foi sua sina.
Chegamos pela manhã, enquanto o meu pai era apresentado ao gerente da fazenda. Fomos até o barranco do rio São Francisco, cá de cima, dava pra ver a grandeza daquele rio, a praia de areia branquinha chamava atenção, era uma novidade pra nós, não dava pra ver a outra margem do rio, naquela direção o que se via, era só água, confesso que fiquei com medo só de olhar aquela cena.
Antes de irmos para a casa, onde iríamos morar, vi o armazém onde os funcionários da fazenda faziam suas compras, me lembrei da nossa venda, da minha infância, e tentava entender, o que levara o meu pai a tomar a decisão de acabar com seu negócio e se aventurar num lugar daquele, longe de tudo e de todos, perdido no meio do nada.
Remansinho de Januária
No caminho até a casa, observei algumas casas abandonadas,
com telhados e paredes caindo, era um mundo novo que se abria
diante de meus olhos, vi algumas lagoas distantes, umas das outras,
e lá na frente, um pouco mais distante, o morro até onde as águas
da enchente, provavelmente alcançavam sua parte de baixo, aí então
veio a grande descoberta, estávamos na rota da cheia do rio, eu que
tantas vezes ouvira pelo rádio na nossa venda, as notícias das enchentes
destruindo cidades à beira do rio São Francisco, inundando tudo,
carregando o que estivesse à sua frente, a minha cabeça de menino
começava à desenhar aquela cena, que aos poucos passava à mexer
com minha imaginação, e descobri que as notícias do rádio eram verdadeiras.
E os dias foram passando... O terreiro da nossa casa, fazia divisa
com o barranco do rio Pandeiros, uma cerquinha de arame farpado
era o limite até onde nós meninos podíamos colocar a cara, pois dali
pra frente era muito perigoso. Para ter acesso ao rio tínhamos que
descer uma ladeira inclinada, com degraus cravados barranco abaixo,
que não era nada fácil.
O meu Pai saia cedo para o serviço, cigarro aceso, ferramenta
nas costa, levava uma cabaça de água na mão, e ia alegre sem reclamar
de nada, se estava arrependido com o desfecho daquela situação, eu
não fiquei sabendo. A minha mãe ficava em casa tomando conta da
gente, com seus afazeres que não eram poucos. Certo dia veio um
pescador oferecer peixe em troca de farinha de mandioca, chegou até
aqui com sua canoa, os peixes que nos ofereceu, eram enormes, nunca
tinha visto iguais, como nossa feira tinha ficado para vir depois, mãe
não perdeu tempo, fez valer sua experiência de comerciante, e negociou
com o homem da canoa, assim eu passei à chama-lo. Várias
vezes eu o via descendo o rio remando sua canoa até sumir de vista,
não sabia de onde ele vinha, ou mesmo pra onde ia, à medida que o
tempo ia passando, eu já não sabia mais a direção onde ficava minha
casa, onde cresci e aprontava minhas travessuras, ou se até mesmo
voltaria à morar nela um dia, pergunta sem resposta, o nosso futuro
naquele lugar era nebuloso.
Meu pai foi garimpeiro, caçador e pescador, sempre que voltava
do serviço juntamente com o pôr do sol, chegava com vários
peixes pescados nas lagoas próximas de casa, era uma festa, um dia
me lembro dele ter nos levado para vê-lo pescar, era uma loucura, não
dava tempo do anzol chegar no fundo da lagoa e o peixe já mordia a
isca, sei que em pouco tempo, no qual estivemos à beira da lagoa, o
meu pai pescou peixes pra várias refeições, chegamos em casa e eu o
vi limpando os peixes pescados naquele dia, com todo cuidado, passando
sal em cada um deles, para então colocá-los ao sol para secar,
e a cerca de arame farpado em frente da casa, ficou repleta de peixes,
hoje imagino como aquela pessoa sabia fazer tanta coisa, caçar, pescar,
garimpar, além de cantar e tocar violão, varando noites a dentro, nas
festas iluminadas pelas fogueiras e lampiões... quantas foram? eu não
sei, mas diante de tantas habilidades, eu sempre admirei o meu pai.
A noite escura sem lua, onde as estrelas se espremiam umas
nas outras buscando espaço talvez, dava para ouvir o canto da mãe-da-lua, longe de casa, provavelmente na ponta de um toco no meio
da mata fechada, eu ainda estava acordado, pensando não sei no quê,
coisa de menino, naquele lugar, com pouca coisa pra fazer, não tinha
como inventar malinesa, a cerca de arame farpado, nos separava entre
o perigo do rio e a rotina de alguma canoa que descia ou subia com
o canoeiro vendendo seus peixes. Meus olhos se perdiam naquele horizonte
desconhecido, em meio aquele mar de pensamentos, o sono
leve me vence, sem aviso, numa modorra calma, capaz de me levar até
de manhãzinha. Mas, o barulho ensurdecedor da buzina do vapor nos
acorda, meu pai então acende a lamparina, pois a escuridão era total,
nos acorda, saímos então pra fora da casa, e ficamos no terreiro, para
ver o que estava acontecendo, avistamos o vapor com suas luzes acesas,
parecia que estava parado no meio do rio, mas era só impressão, o
vapor seguia vencendo a escuridão e a correnteza a baixo, em seguida,
ainda ouvimos o barulho da buzina, algumas vezes, antes dele virar
um pontinho luzente perdido no meio da escuridão. Meu pai então
nos coloca pra dentro de casa, fecha a porta, e nos conta que o vapor
está indo em direção à Bahia, levando carga e passageiros, ai me veio a
lembrança de nossa travessia na balsa, para então chegarmos até aqui,
e minha primeira vez frente à frente com o rio.
Certo dia, depois de voltar da sede da fazenda, meu pai chegou
com uma notícia boa pra nós, passamos então a ter direito de buscar
o leite no curral que ficava lá no morro, um pouco distante da casa
onde morávamos.
Fiquei incumbido dessa tarefa, o caminho era estreito, passava
perto de algumas lagoas, e várias vezes vi pele de cobras enormes à
beira do caminho, era de arrepiar, ainda mais para uma criança de
sete anos de idade. Confesso que fiquei com água na boca, quando o
vaqueiro de nome Simplício encheu a leiteira pequena de leite, mais
ou menos uns dois litros, pensei comigo mesmo “hoje mato minha
vontade” e na volta pra casa, no meio do caminho, afrouxei um pouco
a tampa da leiteira e tomei alguns goles, o reencontro com o sabor do leite, mexeu comigo, foi como voltar no tempo, e ficar na beira do
curral da fazenda Brejão, tomar uma caneca de leite caprichada, com
bastante espuma, era pura imaginação, saudade sem medida, que a
cada dia se manifestava mais forte do que nunca, para meu desespero,
e eu não imaginava até quando tudo aquilo passaria.
E assim, algumas vezes bebi leite na boca da leiteira, durante
meu trajeto de volta pra casa, e foi numa tarde chegando do trabalho,
sem pedir explicação alguma. Mas, explicar o quê? O resultado não
poderia ser outro, uma surra bem ao seu estilo por causa daquela minha
atitude, o vaqueiro Simplício havia me entregado pra ele, parece
que o sol daquele fim de tarde se escondeu mais depressa para não
presenciar a cena, depois daquele corretivo, meu fim de tarde acabou,
não vi os pescadores descendo o rio, não consegui comer nada, dormi
cedo, não ouvi o canto da Mãe-da-lua, solucei baixinho, com o rosto
colado na parede do quarto, até o sono me vencer. Naquela noite,
acho eu, nem mesmo o som da buzina do vapor conseguiria melhorar
meus ânimos. Guardei uma certa mágoa daquele vaqueiro dedo duro,
coisa de birra de criança.
No outro dia, antes de ir buscar o leite, resolvi inventar uma
musiquinha, que representasse um pouco do meu descontentamento
com aquele lugar e o vaqueiro Simplício, improvisei e decorei rapidinho.
Minha mãe adorou. Me lembro dela me pedindo para cantar,
e eu todo cheio de empolgação, atendia o pedido, talvez, tentando
esquecer o que havia acontecido no dia anterior, cantarolava assim...
“Ai como é triste/ pra quem mora no sertão/levanta de manhã
cedo/não acha café com pão”.
Voltei ao curral durante o tempo que moramos ali, via o Simplício
ordenhando as vacas, despejando o leite na leiteira, para eu
levar pra casa. Olhava para ele quando o mesmo se encontrava de costas,
através do espaço entre as tábuas do curral, meus olhos evitavam o
olhar daquela pessoa, que contribuiu para que eu levasse aquela surra
inesquecível.
Ficaram várias marcas roxas de cinto no meu corpo franzino,
durante dias, até hoje me lembro, sem ressentimentos, acho que aquele
episódio de certa forma mexeu com a cabeça daquele vaqueiro,
pois o mesmo não me olhava nos olhos também, e nem tão pouco
me dirigia a palavra, provavelmente, pai o contou sobre o desfecho
daquele episódio.
E foi numa tarde, sentado no banco na frente da casa, que eu
vi um caminhão vindo em nossa direção, tinha dois homens em cima
da carroceria. Quando o caminhão parou em frente o nosso terreiro,
então conheci uma das pessoas que estava lá em cima. Era o meu
avô José Azevedo, o pai de minha mãe. Ele desceu da carroceria e nos
abraçou com uma alegria enorme, trouxe coisas gostosas que minha
vó Du preparou pra gente, dona Rita de seu João Rosa mandou um
bolo de fubá, enorme. Fez com tanto gosto, só para presentear aquela
família que ela tanto adorava. E o meu avô, então, mostrando o porquê
de ter vindo de tão longe, foi logo perguntando por pai, e abriu
logo o jogo com mãe: “vim para buscar vocês, caso você e o marido
não queiram ir, os meus netos não deixarei nesse lugar, nem mais um
dia”.
Mandaram buscar pai no serviço, quando ele chegou a mudança
já estava em cima do caminhão. A alegria nos contagiava naquela
tarde. O quintal da nossa casa desde que meu avô chegara, era a carroceira
do caminhão e eu mal esperava a hora do último adeus. O
meu pai se queixou da dívida com o armazém da fazenda, meu avô o
tranquilizou quanto aquela situação, e que não era coisa que ele não
pudesse resolver, deu a entender naquele instante, que meu avô tinha
vindo prevenido. Mas para que tudo isso acontecesse, a minha mãe
tomou uma grande decisão, escreveu uma carta para o meu avô contando,
detalhes do nosso dia a dia e o perigo que corríamos vivendo
naquele lugar, pois segundo um morador antigo lhe contou, a água
da enchente inundava tudo, e para poder nos resgatar daquele lugar,
só mesmo de canoa, e se desse tempo, frisou ele, a carta mãe mandara escondido de pai, através de seu Adriano, filho de dona Rita, compadre
dela, ele viera trabalhar, e não se adaptou com aquele lugar e nem
com o trabalho.
À medida que o caminhão ia se distanciando da casa, com a
tarde caindo, eu olhava para trás, sem lágrimas nos olhos, sem nenhum
remorso ou apreço por aquele lugar, as lagoas, o curral em cima
do morro, onde Simplício ordenhava suas vacas, e o rio, aquele rio
imenso, no qual os canoeiros subiam e desciam vendendo seus peixes,
aquele cenário, que convivi até aquela tarde, agora ia virando passado,
dentro de mim, o reencontro com meu avô era um recomeço, com a
proposta de novos rumos em minha vida.
Na sede da fazenda, o gerente esperava o nosso pai com a conta
somada, deixou claro que não podíamos deixar o local por causa do
débito no armazém, meu avô perguntou o valor, foi até o caminhão
trouxe o dinheiro e acertou a conta sem faltar um centavo sequer.
Nesse momento já era noite, quando então seguimos viagem, não deu
para me despedir da praia de areia branquinha, e nem contemplar o
rio pela última vez, detalhes estes, que marcaram minha chegada, pois
naquele momento, aquele lugar chamado Remansinho, começou a
deixar de existir.
Nunca mais saiu de minha mente, quando vi a nossa mudança
sendo colocada em cima daquele caminhão, nos trazendo de volta
ao lugar de onde nunca deveríamos ter saído. Passaram-se os anos,
e o que virou passado, sempre aflora, provocando sensações as quais
eu não me esqueço. São detalhes vividos naquelas terras distantes,
de onde nasci, que de certa maneira permanecem mais vivo do que
nunca, quanto ao vaqueiro de nome Simplício, quis o destino que eu
o conhecesse, mesmo ficando magoado depois daquela surra, tudo ficou
exposto ao tempo e levado pelo vento, sem ressentimentos, guardar
lembranças vivas do meu pai, sempre tiveram o propósito, de
guardar a imagem dele sempre em minha memória, sempre!
O IHGMC E SUAS BIBLIOTECAS
Descrevendo com riqueza de detalhes o ato de pesquisar tem como objetivo compreender o patrimônio cultural de Montes Claros, especialmente o “patrimônio cultural”, tendo como objeto de estudo a História. Permite ao estudioso acessar informações diversas.
A partir da análise dos elementos, podemos conhecer e compreender melhor a humanidade – sujeito social dos acontecimentos cotidianos, que ocorrem em uma empresa, pública ou privada – ou em casa, na rua, na escola, no parque, nos bares e botecos, nos mercados e nas feiras, nos hospitais, enfim, nos lugares onde a pessoa, se relaciona com o outro, e estabelece vínculos, transformando o que está a sua volta. Em relações analisadas pelo historiador, pesquisador, através do acervo documental sob custódia dos arquivos transformam-se em narrativas de vivencias reais desconstruídas e/ou reconstruídas, tendo como suporte os dados contidos nos livros e documentos.
Não se ressuscitam vidas encalhadas em uma história.
Isso não é motivo para deixarmos morrer uma segunda vez.
O Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros contém
uma biblioteca pública municipal, sendo responsável pela guarda de
livros produzidos e/ou recebidos, as quais resultam posteriormente
em um acervo riquíssimo para pesquisa. Um local seguro de fácil
acesso, que pode facilmente consultar bases de trabalhos, importante
fonte de cultura de toda região norte mineira. As prateleiras de livros
acumulada por esse Acervo contém diversos livros que abordam aspectos
históricos da escrita e do registro do conhecimento, que culmina
no surgimento da biblioteca. Passando por questões histórica,
geográficas, filosóficas, éticas e de legislação que orientam a atuação
dos associados e de todo pesquisador para a informação. Contemplamos
também, como é processado o ensino e a pesquisa no átrio,
sempre presente estamos aprendendo, pois a Instituição produtora e
receptora é Histórica Geográfica, produção de histórias que orientam
as vivências dos cidadãos. Ao pensar o Instituto Histórico Geográfico
de Montes Claros - refletimos acerca das concepções de patrimônio
cultural que direcionam também o projeto da cidade. A biblioteca do
Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros constitui um dos
lugares onde as muitas memórias e histórias são possíveis de serem
descobertas e colocadas em pauta na nossa sociedade.
Dessa forma, procuramos entender as práticas sociais dos montesclarenses
imbuídas nos textos dos documentos e o papel do Arquivo
como um dos lugares da(s) memória(s) da cidade e não apenas
guardião de papéis antigos e velhos. Para tanto, a metodologia utilizada
consistiu em fontes variadas como; Divisão de Pesquisa e Documentação;
análise de fotografias, atas, livros de memorialistas. A relevância
desse estudo, a nosso ver, consiste em colocar em movimento
as categorias historiografia, poder, memória e patrimônio cultural/documental, visando articular esses conceitos com as vivências sociais
possibilitando ao trabalho de pesquisa trazer “cheiro de gente” a um
tema, que, em um primeiro momento parece tão inóspito, técnico e
operacional, além de estimular outras problemáticas sobre a questão
em pauta.
Esperamos juntamente às leituras e às atividades extras, estimulem
ao leitor que o livro de estudos seja relevante em sua aprendizagem
e formação profissional, incentivando a sua constante atualização
nesse universo da informação.
No IHGMC, revelamos o sabor da biblioteca que nos revela o
prazer em estar em arquivos históricos e as delicias possíveis de serem
saboreadas por meio dos documentos que pesquisamos.
Visitar, frequentar e usar a biblioteca, acervo doado pela viúva
do Doutor Simeão Ribeiro Pires ao Instituto Histórico, o Museu
de Armas, a sala Cabo Geraldo Martins de Santana, como espaço para pensar as experiências humanas deixa muito estudioso, especificamente
os historiadores e escritores, embriagados com a riqueza de
informações contidas em seus arquivos ou mesmo nas probabilidades
que podem ser encontrada através das palavras não ditas ou omitidas.
O objetivo aqui não é canonizar ou sacralizar os documentos
guardados, nós percebemos como nossa matéria prima no trabalho de
pesquisa enobrece o resgate histórico.
O surgimento das bibliotecas acompanha a história da evolução
da humanidade, da necessidade e dos esforços em se comunicar.
O ser humano, desde os primórdios, sempre teve necessidade
de se comunicar e de repassar seu conhecimento aos demais, para
sua família ou sua comunidade. O homem primitivo, quando ainda
não tinha desenvolvido a linguagem, o fazia por meio das pinturas
rupestres.
O ANIVERSÁRIO DE MONTES CLAROS
Na corrida do tempo, as pessoas e as instituições costumam medir a sua existência pelo número de anos passados, ou seja, cada período completo de translação, assim chamado o movimento da terra em torno do sol, em obediência estrita às leis da gravitação universal. Para marcar a passagem da cada um desses períodos, já consolidados e denominados como ANOS, instituiu-se, ao longo dos tempos, a comemoração chamada propriamente de aniversário.
Fizemos esta ligeira abordagem do assunto, para motivar as considerações que iremos tecer sobre o aniversário de Montes Claros, já que a historiografia oficial não oferece tranquilidade de interpretação sobre tão importante tema. Não o fazemos por diletantismo, mas por uma curiosa inquietação despertada pela leitura dos consagrados historiadores locais, citando, dentre os mais antigos, Antônio Augusto Veloso e Urbino de Souza Viana, para chegar aos mais recentes, como Hermes Augusto de Paula, Simeão Ribeiro Pires e Dário Teixeira Cotrim.
Afinal, quando nasceu Montes Claros? Qual a data certa para
comemorar o seu aniversário?
Vamos analisar passo a passo, segundo o que foi registrado, mas
permitindo também pequena margem de dedução, perante dúvidas e
omissões que assaltam a nossa curiosidade.
O primeiro documento aceito como referência a Montes Claros é o famoso alvará de 12 de abril de 1707, através do qual o governo
colonial português concedeu a Antônio Gonçalves Figueira uma sesmaria,
com légua e meia de largura por três léguas de comprimento,
ou seja, nove quilômetros por dezoito, área que, nos dias atuais, não
comportaria nem mesmo o perímetro urbano da cidade. Aliás, nada
indica que tal sesmaria compreenderia o terreno onde hoje se localiza
a cidade de Montes Claros. Convém relembrar que outros parentes
e companheiros de Gonçalves Figueira também foram contemplados
com sesmarias de igual tamanho, todas localizadas na bacia do rio
Verde Grande. É necessário repetir que Gonçalves Figueira e seus pares,
capitaneados por Matias Cardoso de Almeida, ao final do Século
XVII voltaram do Nordeste brasileiro, aonde foram combater indígenas
insubmissos, acatando decisões do governo geral do Brasil, estabelecido, à época, na cidade de Salvador-Ba. Do combate resultaram
centenas de índios aprisionados, repartidos como escravos entre os
chefes vencedores. Para empregar tão farta mão-de-obra, era preciso
criar fazendas. Foi o que fez Gonçalves Figueira, ao fundar as fazendas
de Brejo Grande, Olhos d’Água, Jaíba e, por último, Montes Claros, ocupando vastas extensões de terra, sem qualquer título de propriedade. Assim, o alvará de 12 de abril de 1707 veio apenas consolidar
uma situação de fato já existente, sem fazer qualquer referência à
fazenda Montes Claros, que, naquela data, já era assim denominada
pelo seu fundador, o mesmo Antônio Gonçalves Figueira. Logo, não
subsiste o argumento de que a fundação da fazenda Montes Claros
aconteceu no dia da expedição daquele alvará. Ficaremos sem saber
a data de aniversário da fazenda, pois não existe qualquer registro a
respeito do fato.
Do exposto até aqui, chegamos a uma conclusão preliminar:
Gonçalves Figueira teria fundado quatro fazendas em sequência, com
o objetivo principal de empregar o numeroso contingente de indígenas
escravizados, que recebera pela participação na chamada campanha
de pacificação do Nordeste insubmisso. Bandeirante que era,
acostumado a descobertas e conquistas de territórios minerários, logo
percebeu que não tinha vocação para a agricultura e criação de gado,
embora tenha sido pioneiro na abertura de estradas, para comercialização
de seus rebanhos. Isso, todavia, não impediu que ele, desencantado,
regressasse para sua terra natal, na capitania de São Paulo, onde
passou os últimos dias de sua existência.
Após a morte de seu fundador, a fazenda Montes Claros foi
vendida pela sua viúva, Izabel Ribeiro de Aguiar que, segundo consta,
em momento algum deixou sua residência na vila de Itanhaém,
capitania de São Paulo, para acompanhar as aventuras de seu marido.
Conforme registra Urbino Viana, a venda se fez por procuração passada
ao filho mais velho do casal, o tenente Manoel Ângelo Figueira.
O comprador foi o alferes José Lopes de Carvalho, com escritura de
compra e venda lavrada a 27 de setembro de 1768. Entendemos, portanto,
que ali era o final da fazenda Montes Claros, inclusive podendo
citar as “vagas notícias” de localização de sua sede, onde havia sinais
de ruína da primitiva casa de orações erigida por Gonçalves Figueira,
em lugar afastado de onde seria construída a nova capela.
O esfacelamento da fazenda Montes Claros fica evidente, ainda,
quando o alferes José Lopes de Carvalho solicita licença para construir
a nova capela e faz doação de terreno com légua e meia de
comprimento por uma légua de largura, na fazenda Mucambinho -
sem qualquer referência à fazenda Montes Claros -, para constituição
do patrimônio, cujos limites encontram-se bem identificados até os
dias atuais, compreendendo, sem qualquer dúvida, o local onde está
situada a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição e São José. A
data da concessão, 18 de junho de 1769, pode ser considerada então
o nascimento do arraial que se formou no entorno da nova capela,
e que passou a ser chamado propriamente de Formigas, em razão do
grande número de formigueiros ali existentes. O crescimento desse
arraial, todavia, não aconteceu de imediato, face à concorrência do
povoado de Cruzeiro, surgido na mesma época, sob a influência do
padre Teotônio Gomes de Azevedo, e que se situava em local mais favorável
para a comercialização de mercadorias transportadas por tropeiros
que demandavam as estradas que cortavam a região. Somente
após o ano de 1809, quando uma epidemia de varíola dizimou a população
de Cruzeiro, vitimando inclusive o padre Teotônio, Formigas
passou a ser o refúgio dos sobreviventes, constituindo-se em núcleo
populacional mais importante da localidade.
O desenvolvimento de Formigas, consolidado em torno da
nova capela então construída, foi tão expressivo que, a 13 de outubro
de 1831, a Regência do Império sancionou e mandou executar a
resolução da Assembleia Geral Legislativa que elevava a Povoação de
Formigas à categoria de Vila. Essa, portanto, a data de emancipação
política de nosso município, que foi desmembrado do então chamado
distrito do Serro Frio. A instalação oficial da nova vila, todavia, só veio
a acontecer um ano e três dias depois, a 16 de outubro de 1832, com
a eleição e posse da primeira Câmara Municipal. Nos documentos
relativos à instalação da Câmara, quais sejam as atas de apuração dos
votos e a posse dos primeiros vereadores eleitos, pela primeira vez
aparece registrada a designação Vila de Montes Claros de Formigas, deixando entender que os pioneiros mandatários do novel município
assim o resolveram, certamente em reverência às origens da povoação,
ao mesmo tempo em que evitavam a duplicidade de locais com o
mesmo nome, já que existia também o arraial de Formiga no centro-oeste mineiro. Finalmente, através da Lei Provincial nº 802, de 3
de julho de 1857, a Vila de Montes Claros de Formigas foi elevada à
categoria de cidade, com a simplificada denominação de Montes Claros,
abandonando oficialmente o antigo epíteto de Formigas.
Assim exposto, podemos chegar às seguintes conclusões:
1 – O aniversário da cidade de Montes Claros, e tão somente da cidade,
é realmente dia 3 de julho, como atualmente se comemora. Infelizmente,
muitos formadores de opinião, através das mais diversas redes
de comunicação, confundem tal evento com a emancipação política do
município, certamente por desconhecimento dos fatos, levando essa
informação equivocada a todas as pessoas e comunidades alcançadas.
2 – A emancipação política do município aconteceu dia 13 de outubro
de 1831, com o nome de Vila de Formigas, embora a sua instalação
oficial tenha acontecido dia 16 de outubro de 1832, quando se adotou
o nome de Vila de Montes Claros de Formigas. Dia 13 de outubro,
portanto, é a data correta para se comemorar a “independência” do
atual município de Montes Claros.
3 – O nascimento do povoado, ou arraial de Formigas, aconteceu dia
18 de junho de 1769, quando foi concedida, ao alferes José Lopes de
Carvalho, autorização para construir uma capela sob a invocação de
Nossa Senhora da Conceição e São José, ao redor da qual viriam a ser
construídas as primeiras residências do local, inclusive a do próprio
doador do terreno e construtor do pequeno templo.
4 – A data de criação da Fazenda Montes Claros não foi registrada em
qualquer documento ou informação, mas fica evidente que foi anterior
ao alvará de 12 de abril de 1707, que concedeu, ao bandeirante
Antônio Gonçalves Figueira, uma pequena sesmaria na região, sem
qualquer referência àquela fazenda.
O IDOSO
Gostaria de mostrar aos moços o importante papel que a vontade desempenha no sucesso e no gozo que podem ter a vida. No entanto os meus conselhos são no sentido de que sejam persistentes nos seus ideais. Não cedam nos momentos de desânimo, nem permitam que qualquer obstáculo lhes obscureça esses ideais.
Bem sabemos que o grande dom da vida é o primeiro presente que recebemos de Deus, e a saudade é a ternura perdida no porão da memória.
Não é raro aventurarmos viver esquecendo-nos disso, como se fôssemos nós os patrões da nossa existência. Uma conversa com uma pessoa de mais idade do que a nossa é sempre um aprendizado.
O tempo voa exigindo mudanças e adequações, e nós, seres humanos, envelhecemos sob a proteção de um mesmo guarda-chuva: o patrocínio do Senhor dos Mundos. Muitas vezes o sacrifício de muitos pode ser o conforto de poucos.
É Deus que levanta os caídos, e ajuda os anciãos a terem ânimo.
Quando se deixa de acreditar em Deus, rapidamente se acredita em
qualquer outra coisa.
Pensar em uma pessoa que se ama é rezar por ela. Quem poderia
conhecer o valor da luz, se não tivesse sentido as trevas da noite? Rogamos,
pois, doação e amor no seio familiar e não guerra e desavença.
A riqueza é boa, mas a felicidade é melhor, porque quando o
coração pensa e a razão sente, a alma enche de profunda alegria. É,
realmente, motivo de grande alegria sentirmos em cada idade da vida,
em cada situação, em cada condição social, que somos filhos de Deus
e permanecemos com Ele. Não sejamos como os egoístas que pensam
nos seus semelhantes somente quando deles esperam receber algum
benefício.
Meu irmão idoso! Procure viver o seu dia de hoje, sem tentar
resolver os problemas que não lhe foi possível resolvê-los no passado.
Evite contar as suas fraquezas e decepções às pessoas estranhas, muitas
delas não se importam e outras ficam felizes por você os ter.
Depois de Deus o principal ponto de apoio do ancião em todos
os momentos e circunstâncias é a família. No convívio familiar há
respeito, carinho e as melhores condições de vida que cada indivíduo
idoso necessita. Em tese, a família não pode, e nem quer, conformarse
com uma mentalidade de impaciência, muito menos de indiferença
e desprezo com relação à velhice.
Meu irmão jovem! É importante ao seu bem-estar a priorização
ao atendimento daquele de mais idade, pois só faz bem o que se faz
com amor.
Devemos despertar para o sentido coletivo da gratidão, do
apreço e hospitalidade que faça o idoso sentir-se parte viva de sua
comunidade. Respeite os lugares reservados a eles. Sejam solidários.
Não se contentem com admirar as pessoas bondosas, imite-as. Pois,
os que não se deixam vencer pela verdade, serão vencidos pelos seus
erros e egoísmo.
Os idosos são homens e mulheres, são bisavós, avós, pais e mães
que antes dos jovens percorreram os mesmos caminhos, já estiveram
na mesma casa e enfrentaram a mesma batalha diária por uma vida
digna. São poucos os filósofos e escritores que têm tratado do assunto,
tão ausente hoje em todos os níveis sociais através do mundo.
Aliás, a terceira idade é tratada acertadamente de melhor idade.
Tenhamos muita tolerância com os anciãos. Sem tolerância, ninguém
poderá ter uma personalidade magnética, por mais que possua ouras
qualidades.
Caro idoso! O meu maior interesse não é saber se é rico ou pobre,
ou quantas vezes você já fracassou, mas apenas se tem vontade de
atingir o objetivo dos seus desejos. Se há alguma coisa que você queira,
prepare-se para recebê-la. O único requisito é a vontade de vencer.
Os idosos ajudam os jovens a perceber a importância da continuidade
da geração. São eles que asseguram a transmissão dos valores
aos filhos, aos netos, às crianças em geral, aos adolescentes e a todas
as pessoas mais novas.
Muitas pessoas devem a sua iniciação na vida cristã precisamente
a eles. As suas palavras, as suas carícias, ou as simples presenças,
ajudam as crianças a reconhecer que a história da família não começa
com elas, mas que são herdeiras de um longo caminho.
Quem quebra os laços com a história terá dificuldade em tecer
relações estáveis e reconhecer que não é o dono da realidade.
Nosso desejo é que todos os idosos do mundo tenham o direito
de viver bem, com amor e solidariedade. Sejamos solidários ao ver um
idoso cego, sem guia; um idoso faminto, sem agasalho ou com a mão
estendida mendigando comida e sedento de água.
Meu Deus! O medo pode manter-nos acordados a noite toda,
mas a fé sempre é um bom travesseiro. Abre os olhos de minha alma
para eu ver a grandeza da Sua misericórdia.
Precisamos olhar o problema como uma oportunidade, e aprender
a lidar com os desafios, adversidades e contratempos; o idoso precisa
ter consciência de que ainda é um ser produtivo. A pior coisa
que pode acontecer é alguém estagnar e dizer: “Não há mais coisa
alguma a aprender”. Em todas as fases da nossa vida há necessidade de
uma constante atualização. Porque viver implica em manter-se num
processo eterno de aprendizagem. Ele deve conservar o seu espaço,
trabalhar a sua autoestima, exercer a sua cidadania e a convivência em
comunidade.
Conviver com as dificuldades do cotidiano é tão importante
quanto saber viver. É difundir sua presença na sociedade. Há muitos
idosos cuidando de netos e bisnetos, e sem tempo para a própria vida.
Pertence à dinâmica do amor ao próximo o cuidado generoso
para que eles caminhem conosco, com passos firmes, lembrando que
uma pedra intransponível para o pessimista é uma pedra de apoio
para o otimista. Não se diz aqui de invasão de privacidade, interferência
desrespeitosa na vida alheia. Converse com eles, e evite assuntos
polêmicos para não desagradá-los.
O maior pecado é a indiferença para com o nosso próximo. A
cada dia o ser humano perde células. Com o passar dos anos perde o
vigor. As perdas fazem parte da vida.
Todos nós estamos sujeitos a isso.
Sendo pensamento comum, certas pessoas acreditam que quando
alguém atinge idade avançada se transforma em sábio pela vivência
e conhecimentos adquiridos; já outras, que são somente velhos. Esses
conceitos podem até ser considerados reais, mas velho é quem chega à velhice sem viver a vida, sem ser idealista e sem ser útil; na realidade é tão somente um velho!
O convívio social lhe assegura alguns dos mais altos prazeres
da vida. Onde há livre troca de opiniões, o espírito revigora as ideias,
graças ao exercício frequente dos seus poderes.
São bons os encontros realizados no convívio social que podem
vivificar o coração cansado e deprimido.
Caro leitor! Reflita e consulte o seu coração. Como você costuma
se portar com uma pessoa idosa e, principalmente, um idoso de
sua família? Não somente hoje. Medite nestas palavras!
“CUMPADRE’’ ALCIDES
Cumpadre Alcides era assim chamado por vários amigos. Na verdade era um compadrio não oficializado, comandado pelo coração e afinidade, afinal os jogadores de futebol de então jogavam por prazer e amor à camisa e cultivavam boas amizades sem tempo para disputas entre si. Hoje isso não existe mais.
Querendo escrever sobre o lado futebolístico do meu pai Alcides Alves da Cruz, fiz contato digital com os jogadores da velha guarda, e segui nomes sugeridos por Denarte D’Ávila, um cultor do futebol local de outros tempos e colecionador de fotos esportivas de épocas passadas.
Alcides nasceu em Januária, distrito de Pandeiros, em 10 de agosto de 1931, sendo filho de Antônio Alves da Cruz, um pernambucano de Cabrobó, que era fazendeiro e Idalece Alves da Cruz. Morou um tempo em Belo Horizonte num orfanato, onde foi deixado, junto com o irmão Ismar pela sua mãe. Quando soube, o pai foi buscá-los.
Fez o ginásio no afamado Colégio São João e veio para Montes
Claros aos 19 anos a convite da Associação Atlética Cassimiro de
Abreu, time de futebol mais popular cujo epíteto era “O mais querido”
(criado em 1948). O grande adversário era a Associação Desportiva
Ateneu, conhecido como “O Broca” (fundado em 1947).
Elienai Lima, quatro anos mais moço que pai, conheceu Alcides
em Januária como jogador e como banhista e me deu as seguintes
informações: “era bem conceituado, tinha boa dicção e foi locutor,
apresentando programas, junto com Teixeira Bastos, no serviço de alto-
falantes espalhados por Januária. Foi bom nadador e mergulhador.
Quando íamos tomar banho no rio São Francisco, ninguém conseguia
acompanhá-lo. Mergulhava e apanhava pedras no fundo do rio. Ótimo jogador de futebol que era, mostrava-se ágil dentro da área, e
parece que veio para Montes Claros na mesma época de Manuelito,
que fazia com ele dupla de ataque dentro de campo. Era sério, de
pouca conversa e nunca o vi em confusão ou com alguma namorada.
Num livro sobre a história de Januária está colocada uma foto do
Juventus FC, time que Alcides jogava. Quanto à família dele, não
conheci ninguém”.
Sei que meu pai nadava tão bem, que chegou a salvar a vida
de um homem que se afogava pelo meio do rio São Francisco. Ele
próprio me contou.
Já em Montes Claros, inicialmente trabalhou numa fábrica de
tecidos, fez o curso de contabilidade no Instituto Mineiro de Educação
e trabalhou como contador em grandes firmas como Somar,
Crevac, Montes Claros Diesel e Refloralge.
Foi proprietário de uma loja de roupas no centro da cidade, à
Rua Simeão Ribeiro, próxima ao Cine São Luiz, chamada “A Parisiense”.
Fazia viagens frequentes a São Paulo para abastecer sua loja.
Teve quatro filhos: Helder, Mara, Carla e Mayra, a última de outro relacionamento. Foi casado com Maria Milena Narciso Cruz, dona de
casa que se tornou médica aos 40 anos.
Após largar o futebol, aos 32 anos, devido à frequentes fraturas,
começou a fumar e a beber cerveja. Era o rei do boteco, e jogava
bem a “porrinha”, o jogo de palitos. Da nossa adolescência em diante,
teve desentendimentos com minha mãe, tornando-se frio, distante e
autoritário conosco.
Após meu casamento, ainda fizemos duas viagens levando Alcides
e Milena, uma à Brasília - DF e outra a Natal - RN.
Depois de 31 anos de um relacionamento infeliz, minha mãe
pediu o divórcio em 1984 e, após assiná-lo, meu pai afastou-se da
nossa família. Reapareceu nove anos mais tarde, trazido por Helder,
meu irmão, com a filha Mayra pela mão. Ela nascera em três de março
de 1988, fruto do seu relacionamento com Mirian. Foi quando pudemos,
pai e eu, termos um relacionamento cordial e civilizado durante
onze anos.
Íamos numa conversa até boa, embora tivéssemos ideologia
política oposta, quando veio a doença que nos permitiu gestar nosso
afeto em meio a uma forte e prolongada dor. Sofreu uma enfermidade
paralisante terrível. Teve o primeiro AVC hemorrágico aos 74 anos de
idade, seguido por outros quatro, e foi submetido a cinco cirurgias
na cabeça, ficando acamado e tetraplégico por mais de cinco anos.
Faleceu em 27 de janeiro de 2010.
Após a parte ruim, vamos à parte louvável.
Alcides foi um homem inteligente, difícil em casa e fácil com
os amigos. Gostava de música, em especial Roberto Carlos cantando “Quando”. Desde a época em que ficou noivo da minha mãe, apreciava
fotografar e colecionar discos. Ao chegar em casa, sua senha
era ligar a radiola. Como leitor contumaz valorizava se instruir lendo
Alcides Alves da Cruz no escritório da SOMAR
Associação Atlética Cassimiro de Abreu - 1955.
Alcides Alves da Cruz é o terceiro à frente, após a criança
jornais e revistas, além de frequentar cinema à noite, uma vez por semana,
quando levava minha mãe e nos trazia balas e chocolate.
Denominava minhas bonecas com nomes de atrizes de
Hollywood, como Sandra Dee e Jayne Mansfield. Gostava de nos levar
a restaurantes e clubes campestres, sendo sócio de quase todos.
Valorizava os estudos e nos pagou boas escolas. Levava-nos para passear
de bicicleta, e quando éramos meninos, descascava cana, cortava
melancia e brincava de jogos conosco. Lembro-me de atitudes extremadas,
como nos levar, diversas vezes, a Bocaiúva para tomarmos
sorvete Kibon, estranhamente numa época em que não havia essa
marca sendo vendida em Montes Claros. Levou-nos a conhecer o mar
quando Helder e eu tínhamos nove e oito anos de idade, respectivamente.
Não era frequente pais levarem os filhos em viagens. Era
severo, mas não nos batia. Por duas vezes explodiu comigo, ficando
apenas na ameaça, porque mãe entrou no meio. Fazíamos passeios e
viagens pelo norte de Minas, inclusive várias vezes à Januária, onde
morava seu irmão Ismar Alves da Cruz.
Vaidoso, seguia a moda e gostava de andar bem arrumado.
Quando os jovens aderiram, ele chegou a usar cabelos longos e a fazer
as unhas. Seu amor próprio tinha esse tamanho.
Jogou futebol muito bem, sendo referido como grande craque
de bola. É lembrado de forma positiva pelos que o viram atuar e pelos
que ouviram falar dele, sempre com admiração e saudade. Muitos se
espelhavam em sua maneira de jogar, querendo imitá-lo.
Davidson Diniz disse: “Nos anos 60, eu vi muitas vezes, o
inesquecível e grande centroavante Alcides, jogar pelo Cassimiro de
Abreu. Era maravilhoso, e fazia muitos gols. Eram peculiares os seus
gols de sem pulo, onde ele pairava no ar e impulsionava a bola com
qualquer um dos dois pés, para as redes adversárias”.
Zé do Bagre tem lembranças semelhantes e escreveu diante de
uma foto de Nilson Espoletão com Alcides: “Joguei com ambos! Realmente
craques! Tentava dar um sem- pulo igual ao que “cumpadre”
Alcides dava”.
Thiers Penalva, diretor do Cassimiro de Abreu, desde aquela época até hoje, vê o futebol de Alcides da seguinte forma: “Foi um
grande jogador de futebol, goleador do Cassimiro de Abreu por longos
anos. Além de finalizar tanto com o pé direito quanto com o pé
esquerdo, era exímio cabeceador. Fora dos gramados, era uma pessoa
de educação esmerada. Um grande atleta e um grande homem”. Tal
mensagem me foi repassada por José Geraldo Gomes, que concorda
com o missivista.
Palavras de Tunico Sargento – Antônio Carlos Dias: “seu pai
era um goleador, marcava muito gols, principalmente de “sem pulo”,
quando o atleta acerta, de primeira, um petardo numa bola que é
centrada em sua direção. Os goleiros o temiam, e os zagueiros não
desgrudavam dele. Quanto à estatura, era a mesma de Romário. Alcides
era um jogador elegante e leal. Fora de campo era um homem
simpático e gentil. Eu o admirava muito. Creio que você tem motivos
de sobra para se orgulhar dele”.
Aos 12 anos, o então gandula José Edson Dias, apelidado Cainágua,
ficava atrás do gol para pegar e, rapidamente devolver a bola ao
jogo, por isso precisava observar tudo com grande atenção. Também
dava assistência ao vestiário nos intervalos dos jogos. Lembra-se que “Alcides era magro, pequeno, e seu porte não sugeria força, mas batia
forte na bola, jogando e finalizando com as duas pernas. Nessa época,
predominava o futebol arte, onde a habilidade técnica se destacava”.
Outra coisa de que se recorda é que “Alcides jogava no Cassimiro, e
havia uma rivalidade muito grande, não apenas na posição de adversários,
mas quase como inimigos. Ainda que fosse assim, o Ateneu
construiu um vestiário cujo nome homenageia o rival Alcides Alves daCruz. Houve a inauguração com descerramento da placa com pompa,
discursos, elogios e festa. Como criança, eu fiquei surpreso com esse
fato, uma coisa de grande simbologia”. Para José Edson, como Alcides
era comerciante, tratava a todos mundo bem.
Outra coisa mencionada por José Edson, é que “os jogadores
de futebol de então, não tinham esse preparo físico de agora. Havia
mais concentração e técnica. Os jogadores atuais têm mais força, e
mudou para muito melhor a assistência médica disponível. Naquele
tempo os jogadores se contundiam com frequência”. Foi quando falei
que pai se machucou muito e isso apressou sua aposentadoria aos 32
anos, porque quebrou o braço duas vezes, a perna uma vez, como
também o nariz, além de que sofreu um corte no queixo.
Palavras de Felipe Gabrich: “seu pai pertencia a uma geração
de atletas anterior à minha. Soube ter sido um “cracão” de bola, além
de homem íntegro e perfeito cavalheiro. Deixou sua marca na história
do futebol da cidade, sendo lembrado com carinho. Foi realmente um ídolo da torcida. Casou-se muito bem, e foi um lojista respeitado”.
Mário Alaor Souza, um grande amigo na maturidade e um
dos poucos que o visitaram após o AVC, falou: “eu não convivi com
Alcides, quando ele jogava, porque eu torço pelo Ateneu, e naquela época a rivalidade era muito grande. Assisti aos jogos em que ele
participou contra meu time, inclusive o da sua estreia. Era um bom
centroavante, sendo destro, batia também com a canhota. Era de estatura
pequena, coisa comum naquela época, e como atleta era muito
disciplinado em campo”.
Alcides está nas lembranças de Cristóvão Barreto: “No campo
de jogo, era incansável, para ele não havia bola perdida. Creio que
se adaptaria fácil ao futebol atual, tinha força e velocidade e um sem
pulo mortal. Tive o privilégio de assistir muitos jogos que ele participou.
Fazia uma dupla fatal com outro craque, Manuelito. Certa vez, jogava no ataque do Cassimiro a dupla formada por Alcides e
Manoelito, o primeiro com um chute potente e o outro com uma
criatividade incrível. Em campo costumavam chamar um ao outro de“cumpadre”. Então, num contra-ataque do Cassimiro, partindo daárea deste, ambos vão em alta velocidade, trocando passes, somente os
dois, ao mesmo tempo em que se revezavam na colocação em campo.
Em segundos um estava correndo pelo meio e o outro pela ponta e
vice-versa. A defesa do outro time estava estática. Marcar a quem? E
sempre gritando, “passa cumpadre”. Já estavam perto da grande área,
então Alcides corre pelo meio e Manuelito desloca para a ponta. Alcides,
de costas para o gol, recebe a bola do outro e, quando todos no
estádio imaginavam que ele faria o giro e ficaria de frente para o gol, e
assim, bater seu chute forte, ele de calcanhar fez um golaço”.
É gol!
Alcides Alves da Cruz sobre fardo de algodão na Fábrica de Tecidos
MÃOS DE DEUS,
O PRESÉPIO DE GRÃO MOGOL
Os presépios me acompanham desde a minha infância. Uma tia-avó, quando chegava dezembro já começava a tingir papéis, tipo sacos de papel bem grandes e fortes; ela os abria e tingia-os com uma tinta artesanal caseira feita com goma, água e carvão moído. Pintava-os com as próprias mãos com rajadas de tinta cinza dando aquela nuance de preto acinzentado. No dia 13 de dezembro ela semeava em latas pequenas arroz com casca, que germinava como um capim verde-claro e seria dispostas entre as pedras. Na semana em que antecedia o Natal era a hora de armar o presépio. Com aqueles papéis pintados ela lhes dava o formato de pedras e as encostava umas às outras, às vezes do alto do telhado até ao chão donde surgia uma gruta de uma beleza incomparável.
No interior da gruta ela dispunha a família sagrada: Jesus, Maria e José; os reis magos vinham um pouco mais distantes para sua visita e os pastores conduzindo o rebanho.
Fiquei perdida em encantamento quando visitei o presépio de
Grão Mogol. Meu Deus!!! Quanto amor à terra natal; quanto desprendimento
em forma de gratidão!
O empresário Lúcio Bemquerer, 74 anos, na época, decidiu se
aposentar em 2009. Deu por encerrada uma trajetória profissional
que incluiu várias atividades. Quis voltar à sua pequena cidade, Grão
Mogol, da qual se afastara, por vinte anos, sem revê-la uma única vez.
Viveu aí até aos 12 anos mudando-se, então, para Montes Claros
e, depois para Belo Horizonte.” Desejava fazer alguma coisa por
Grão Mogol, mas não sabia o quê. Queria algo capaz de trazer à lembrança,
de forma perene, suas riquezas humanas, culturais e ambientais.
Lúcio Bemquerer conta que em uma de suas divagações sobre
o que fazer por Grão Mogol, viu que as pedreiras vizinhas à sua casa
pareciam com um presépio natural. Ao que ele concluiu: não, não
parece um presépio, já é, naturalmente, um presépio.”
Situada próxima a Montes Claros, em uma das serras da Cordilheira
do Espinhaço, Grão Mogol, a 550 km de Belo Horizonte, é
a mais setentrional das cidades históricas de Minas Gerais, nascida
do garimpo de diamantes. Ou seja: é a que se situa mais ao norte do
Estado, em um fim de linha. Os primeiros colonizadores a chegarem
lá foram os da expedição de Francisco Bruzza Espinosa, em 1553. O
bandeirante Fernão Dias Paes, que revirou o Brasil atrás de esmeraldas,
sem encontrá-las, também vasculhou a região.
A obra em homenagem ao nascimento de Jesus está em uma área de 3.600 m2; encravada em um grande paredão de pedras. Do
terreno não foi retirada e nem cortada nenhuma rocha. Foi inaugurado
no dia 9 de dezembro de 2011.São 15 personagens do presépio.
Todos esculpidos em pedra sabão ou moldadas no cimento. O trabalho é assinado pelos artistas mineiros Édson Novaes e Antônio da
Silva Reis. O único presépio ao ar livre do mundo, levou oito meses
para ficar pronto. Ao conhecer o presépio de Grão Mogol, o padre Bertram Pricelius, da Arquidiocese de Berlim, garantiu que é o maior
do mundo, sem contar o fato de ser permanente e a céu aberto. O
Presépio Mãos de Deus fortalece a fé dos cristãos, o turismo regional e
estimula a economia; e para mim foi uma grande emoção trazendo as
reminiscências de minha infância tão celebrada no mês de dezembro
com a chegada do presépio.
Todo dia é Natal em Grão Mogol todo dia Jesus nasce ali;
Nasce entre as pedras, que àquele lugar circundam;
Nasce entre as orquídeas nativas, que embelezam-na.
Nasce no coração de um povo feliz, hospitaleiro.
Grão Mogol tem noite feliz sempre.
E a noite feliz convida uma manhã alvissareira,Uma tarde fagueira.
E os anjos ali debruçados cantam sobre aquelas terras:
“Glória a Deus nas maiores alturas!”
E paz na Grão Mogol aos homens valorosos!
Filhos de uma terra ditosa, aprazível e dadivosa:
GRÃO MOGOL GENEROSA!
CARLOS PRESTES E JOÃO REGO
Muito criança ainda eu já ouvia Silvina e Dona Anália, minhas duas mães, falarem da violência dos revoltosos quando passaram por São João do Paraíso, vindos de Taiobeiras e se dirigindo à Bahia, lá pelos lados de Candeal e Condeúba. Eram, segundo elas, piores que um vendaval, levando tudo, dinheiro, mercadorias e coisas das lojas e vendas, remédio das farmácias, animais, os presos das cadeias e até moças solteiras se houvesse descuido. Por isso, por muito mais e por muito menos, o esvaziamento das casas, gente e mais gente fugindo para o mato, tanto quanto possível para lugares remotos, inacessíveis, mais que escondidos dentro das matas, pés de morros, beira de rios, sem qualquer sinal de estradas. Viajavam a cavalo e em carros de bois, levando de um tudo para sobreviver, da farinha, do sal, da carne de sol até o sabão de coada para lavar vasilhas e tomar banho de cuia. Situação de perigo, de medo, com todos os temperos da aventura. O nome mais falado da defesa regional era o do Coronel Horácio de Matos, chefe que enfrentou corajosa e bravamente todos os perigos. Conhecedor de todas as estratégias, jamais
deu folga aos invasores.
Da parte do meu avô João Morais, já tive a oportunidade de
contar sobre a corrida quase festiva para os esconderijos, tendo como
coordenador o meu tio Armindo Morais, ainda bastante jovem, mas
com toda a liderança do mundo. Como os revoltosos iriam chegar a
qualquer hora e, para passar por Salinas, a fazenda do meu avô João
Morais tinha que ser caminho obrigatório. Esperá-los seria loucura
ou, no mínimo, ato bem arriscado. Aí, todo o pessoal da fazenda tratou
depressa de tirar o time de campo e descobrir o lugar mais isolado
e seguro que fosse possível encontrar, o que não seria qualquer problema,
porque quem mais conhece mesmo a sua fazenda é o fazendeiro.
Meu avô deu ordens expressas para que levassem de tudo, o necessário
para uma agradável aventura de pelo menos trinta dias: material
de cozinha, roupas de dormir e de vestir, vacas de leite, garrotinhos
de carne macia, porcos, cabritos, frangos e galinhas, capões, todas as
abóboras e maxixes e raízes de mandioca mansa que pudessem tirar,
sal, tempero, rapadura, nata de leite, manteiga, açúcar de pedra, e
mais todos os etcéteras. Também o mais importante para os trinta
dias de festas: pandeiros, violões, sanfonas e um ou outro garrafão da
melhor pinga do alambique, não muita, porque minha família nunca
foi de beber lá esse tanto. Todos contavam, até algum tempo atrás, da
pequena viagem, como uma grande saga, um ato de alegre heroísmo,
um descontraído sacrifício de velhos e jovens, de patrões e agregados,
Mamãe contava que, mesmo nas paradas para o descanso das mulas
de carga, o sanfoneiro tinha de tocar e a dança era obrigatória. Para
qualquer fomezinha, morria logo uma leitoa e duas galinhas, o arroz
com carne cozinhava fumegando de gostoso. Todos gozavam a vida
e só o Armindo, mais tarde meu padrinho de batismo, dava o toque
de responsabilidade no verdadeiro serviço, só ele comandava para assunto
sério.
Que mais sabe dessa história, nos dias de hoje, é o meu amigo
e confrade Dário Teixeira Cotrim, a quem sempre chamo de doutor.
Um dos melhores relatos da Coluna Preste está no seu livro “Laço
Húngaro”, de que me vou valer para muitas informações sobre as
aventuras do Cavaleiro da Esperança, grande líder do tenentismo
da década de 1920. História bem contada, que tem início no Rio
Grande do Sul, quando os jovens oficiais Luiz Carlos Prestes, Juarez
Távora, Emídio Miranda, Siqueira Campos, João Alberto, Cordeiro
de Farias e Djalma Dutra, sob o comando do General Miguel Costa,
partiram em 1924 para uma longa e difícil jornada de 25.000 quilômetros,
com 1.500 homens, deslocamentos contínuos de 647 dias,
por treze estados, até a entrega das armas na Bolívia em 1927. Um
rico balanço: 100.000 cavalos, 30.000 rezes, toneladas de carne seca,
toucinho, farinha, rapadura, fora as panelas, o sal e os temperos.
Os objetivos gerais e específicos da didática militar e política
eram mostrar a insatisfação com o governo de Artur Bernardes e o regime
oligárquico característico da República Velha, conhecido como
política do café-com-leite. As reivindicações marcavam o voto secreto,
o ensino público e a obrigatoriedade do ensino secundário para toda
a população, além de acabar com a miséria e a injustiça social no
Brasil. Uma expressão de revolta das classes médias com o domínio
oligárquico existente no país, liberação do povo do baraço e do cutelo
dos chefes políticos. Parecendo uma marcha militar, as características
eram de um movimento popular, uma vez que a maioria dos soldados
vinha do campo - analfabetos e semianalfabetos.
Nas palavras do historiador Dário Cotrim, em Minas Gerais,
o começo foi na Vila Risonha de São Romão, do outro lado do São
Francisco, direção Nordeste, e depois, volta para as regiões baianas e
mineiras, formando o desenho de um oito, por isso chamada de Laço
Húngaro. Todos os dias e noites e no sempre, embaralhando as pegadas,
girando em torno do próprio eixo, com audácia sem limites a confundir jagunços e tropas dos governos. Um viver muito perigoso,
como poderia dizer nosso saudoso Guimarães Rosa.
A Coluna era dividida, por questões de segurança, em cinco
grupos, tendo no Estado Maior Luiz Carlos Prestes e, no subcomando,
Juarez Távora. Quatro grupos, como destacamentos, operavam na
vanguarda e nos flancos, resguardando o grosso da tropa. Potreadores
atacavam as fazendas, requisitando tudo e muito mais. Criminosos
libertos e aderentes destruíam linhas de telégrafos, espalhavam terror
e produziam abusos inconsequentes, quase sempre com as mulheres.
Aportando, agora, em Taiobeiras, que é o centro do meu objetivo
como contista, é importante dizer que os revoltosos acomodaramse
no Tocão, sítio protegido até de ventos frios, com água farta e boas
lavouras, currais de gado e chiqueiros de porcos, com luzidias leitoas
e gordos capados. Sabedor de que o terreno era do comerciante João
Rego, o único que não havia fugido da pequena vila, Prestes logo,
de início, quis conhecê-lo, indo à sua loja de tecidos e miudezas, na
avenida principal, frente ao mercado. Homem culto, apesar de pouca
escola, João Rego se interessava por uma multidão de assuntos, tudo
sabendo de política, economia, religião e costumes, ledor de jornais,
leitor diuturno da Bíblia. Foi um encontro dos mais agradáveis para
ambas as partes, principalmente para Luiz Carlos Prestes, um pouco
mais jovem, vivamente curioso de tudo que era novidade, principalmente
pela cultura mineira e de influência baiana pela proximidade
da divisa dos dois estados.
João Rego, que havia conhecido Rui Barbosa, em uma visita a
uma livraria no Rio de Janeiro, e como ele conversara bem uma meia
hora, tinha pelo Conselheiro uma grande admiração, com leitura de
todos os seus discursos publicados em jornais, era realmente um homem
de visível cultura e amante de tudo que elevava o conhecimento.
Carlos Prestes
João Rego
O único voto que o Conselheiro Rui Barbosa teve no município
de Salinas, quando candidato civilista à presidência da República,
fora do eleitor João Rego, sendo por isso o bom tempo que os dois
tiveram na livraria. Quando essa escolha foi dita a Prestes, o Capitão
ficou mais do que encantado, pois era uma prova contundente contra
o coronelismo do início do século.
Tendo o próprio Luiz Carlos Prestes visto as requisições de mercadorias
da loja por muitos dos seus comandados e a gentileza da
dona da casa, Dona Fidelcina, que lhe serviu sucos e cafezinhos com
biscoitos, foi mais do que natural a sua admiração e firmeza de uma
amizade mesmo que passageira. Muitas foram as perguntas sobre os
filhos do casal, a herança de costumes da velha Bahia, o fato de ter
jornais do Rio e de São Paulo, mesmo chegando com um mês de atraso,
o conhecimento de tudo que era notícia nacional e internacional,
bons motivos de aproximação. Agradeceu a João Rego a permanência
no Tocão, destacando a beleza e a tranquilidade do lugar e das vizinhanças,
principalmente pela amenidade do clima.
Chegando afinal a hora de seguir viagem em direção a São João
do Paraíso, fato que o historiador Dário Cotrim destaca no seu livro
Laço Húngaro, Prestes formalmente agradeceu ao amigo João Rego
e entregou-lhe de presente um par de meias feito em sua terra, o Rio
Grande do Sul, dizendo que aquilo seria uma lembrança de bons momentos
dos dois e da família. Só depois que João Rego viu desaparecer
a poeira e o barulho dos passos do cavalo, sentiu o peso das meias e
descobriu que, dentro delas, estavam quatro moedas de ouro, que
além de muito bonitas, de um valor precioso. Junto com as moedas,
um bilhete do Cavaleiro da Esperança dizendo que ficara imensamente
agradecido com a gentileza com foram tratados os seus soldados e
oficiais. Esperava que aquelas moedas pudessem saldar todos os valores
devidos. Ele jamais esqueceria a sua passagem por Taiobeiras, onde
havia um eleitor esclarecido que votara em Rui Barbosa.
A BARRAGEM DE CERAÍMA
Para mim, houve muita importância desde a primeira página, como se tudo me fosse conhecido, porque o nome Ceraíma não é, nem me parece novo, pois de muito conhecido. Nem do Gentio, nem da fazenda Baú, nem o DNOCS, tudo do meu vocabulários, por muitas e muitas razões: por muito tempo fui contador da Cooperativa do DNOCS, a fornecedora de um tudo para o pessoal de implantação e manutenção da barragem, e contador sabe tudo em espécie, nas coisas e nos valores; segundo, minha vida tem sido uma batalha de leituras do que escreveram e escrevem meus amigos historiadores Dário Teixeira Cotrim e Lázaro Francisco Sena; terceiro, porque fui professor de Leolina, irmã de Lázaro, no Curso de Letras da Faculdade de Filosofia, e ela sempre falava da sua terra, da sua família, das águas de sustento da natureza e das pessoas; nasci em cidade do interior – São João do Paraíso – e sei com perfeição das venturas e aventuras dos jovens ligados à simplicidade da vida e do amor à terra natal.
Donos do Prefácio, posso dizer também que a ideia de construção
do açude de Ceraíma começou em 1915, da viagem oficial um
engenheiro que buscava solução para os problemas da seca regional.
Também da ida, em 1948, do engenheiro Luiz Nóbrega, que conheci,
para iniciar, com sua equipe, os trabalhos preliminares e a própria implantação
do canteiro de obras para as construções definitivas. Sendo
a sede do DNOCS em Montes Claros, tudo que era feito nos canteiros
de obras de Espinosa, Janaúba e Guanambi, era divulgado em
nossa imprensa local, que me tinha como repórter de todos os dias.
Voltando ao substancial do livro “A Barragem de Ceraíma”,
preciso adiantar na história que o historiador Lázaro Francisco Sena,
em 1948, tinha apenas seis anos de experiência de vida, acredito imaginando
os sonhos de ser coronel da mais brilhante Polícia Militar do
Brasil e de ser presidente do mais dinâmico Instituto Histórico e Geográfico
do mundo, o de Montes Claros. Nos planos dos engenheiros
e do menino Tom, o Rio Carnaíba de Dentro em pouco tempo
se alargaria em barragem para garantir água para consumo animal e
humano, lavouras só em algum tempo mais tarde. Planejamento do DNOCS e planejamento dos que vão ser beneficiados.
Outra data muito sacrificante para a gente de Ceraíma, foi a
seca de 1939, com muito sofrimento e morte. Esta ou essa eu conheci
bem, na loja do meu pai, em São João do Paraíso, quando passavam
por lá levas e levas de retirantes para São Paulo, quase todos mortos
de fome, pedindo comida “pelo amor de Deus”.
Escondido de minha mãe, eu dava para eles tudo que podia
de pão sovado, broas, manuês, biscoito cozido e assado, biscoito espremido,
biscoito frito. Quase como Lázaro, em Ceraíma, que tinha
seis anos em 1948, em 1939 eu tinha cinco. Cada um agindo como
podia, ele brincando com caminhõezinhos vindos de Bom Jesus da
Lapa, eu dando, escondido, o de comer para os pobres pedintes.
Importante esclarecer que o livro do meu quase conterrâneo
Coronel Lázaro, foi escrito sem a preocupação de dados técnicos e
levando em conta só os impactos emocionais positivos e negativos
sofridos pelos habitantes, principalmente as crianças e adolescentes.
Mínimo de documentação, máximo de memória da criança e do adolescente,
futuro historiador. Visão perfeita de perto e de longe, das
dúvidas da construção, dos caminhos do progresso, das oportunidades
de emprego e trabalho, resultados de uma razoável escolaridade
de toda a rapaziada das redondezas. Um colorido mapa da chegada do
pessoal do DNOCS, da construção da casa para o engenheiro-chefe,
das casas reformadas para o pessoal, além da pensão, ambulatório médico,
estradas de rodagem, igrejinha, água, modernidades como escola,
armazéns, vendas, luz elétrica, aladins, rádios, aparelhos de som,
vitrolas, até livros de ciências, história e até de religião, mesmo com
alguns ainda usando candeeiros e lamparinas e fifós.
Outros importantes registros são das geladeiras de querosene
substituídas pelas elétricas, do caminhão manga madura, do barracão
grande para hospedaria, das carteiras duplas da escola, com um buraco no meio para o tinteiro. Preciosidade para mim, por que matando
saudades de meu tempo de escola em Mato Verde, as presenças de
colegas bonitas. Para o rapazinho Tom, a majestosa beleza de Eulina
Martins Valença, verdadeira deusa, e, mais tarde, de Norma, que
mereceu até fotografia no livro. Para mim, as ternas lembranças de
Dirce, de Orlinda, de Pinha, de Tudinha, maravilhoso universo de
encantamentos.
Muitas as lembranças das romarias para Bom Jesus da Lapa, a
pé, com apoio de carros de bois e animais de serviços, da feira de Guanambi,
a cidade capital, do futebol com bola de meia, da rodagem
encascalhada concorrendo com as estradas cheias de voltas para animais
e carros de bois. Além de tudo, um jipe Willys, provavelmente
americano da Segunda Guerra Mundial, ainda com velocímetro em
milhas e limpador de para-brisas manual. Curiosos os nomes das pessoas:
Zé do Galo, Zé de Sá, Valentino, João Careca. E os da família:
Leolina Ana Cotrim, Dário Cotrim, Jury. E até do Tom, o jovenzinho
encafifado e rebelde, agora autor do Livro.
Muitos os elementos históricos: a enchente de 1960, com vasão
máxima, quebra da barragem e terras arrasadas. As falas sobre a
revolução de 1964, presença em Ceraíma do general Juarez Távora,
e conclusão vitoriosa dos serviços com apenas seis meses de esforços.
Dúvidas sobre a utilização da faixa seca, sobre a futura irrigação, sobre
os cruzeiros como marcas de fé, sobre os leilões para levantar recursos
para a construção de nova igreja, com a fala do leiloeiro “Chega
quem mais dê, quem mais ofereça! Afronta eu faço que eu mais não
acho; mais eu achara mais eu tomara. Uma duas três, lá se vai o lindo
presente que foi dado de mimo a Nossa Senhora”! Vale pensar bem
sobre a igreja desmontada, e a guarda do altar desmontado e todos os
componentes, para futura utilização, repensada em projeto de 1993.
A palavra final está no recente ano de 2005, quando os filhos
do casal Aureliano Antônio Teixeira/Luzia Meira do Couto - lidera dos por Ivanilde Teixeira da Silva, Neném e Lázaro Francisco Sena– tomam a responsabilidade de erigir uma linda igreja, com tudo da
destruídas pelas águas da barragem, e com visão moderna, nova arquitetura,
nova engenharia, cores e acabamento para muita admiração.
Gostei do empenho e do trabalho, que, juntamente com este Prefácio,
vou apresentar a minha terceira contribuição. Sou encantado com o
entusiasmo da família em manutenção da cultura local e baiana, principalmente
com a riqueza da Biblioteca Leolina Teixeira e o Museu da
família, com roupas, objetos de uso diário, acordeons, peças de artes.
Foi lá, no meio de toda esta civilização, que presidi uma reunião para
o lançamento do livro de Jury, nosso estimado professor e doutor Juraci
Aureliano Teixeira, tão bem organizado pela família, que poderia
estar sendo realizado em Londres, Washington ou Paris, tudo mais
que perfeito., coisas de quem preocupa com o Conhecimento e com
a Cultura.
LUIZ PIRES FILHO
Acaba de falecer, aos 98 anos, o Dr. Luiz Pires Filho. Natural de Montes Claros, nasceu em 23 de março de 1923. Filho de Luiz Antônio Pires e Maria dos Santos Pires (Vidinha). Curso primário em Montes Claros, ginasial no Colégio Arnaldo e de Medicina na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Tem vários cursos de pós-graduação: Tisiologia Sanitária e Social no Serviço Nacional de Tuberculose; Radiologia com o Prof. Nicola Caminha, no Rio de Janeiro. Luiz Pires Filho foi médico e professor de Tisiologia da Unimontes, professor de Biologia no Colégio Estadual Prof. Plínio Ribeiro; Radiologista no Sesi e na Santa Casa de Belo Horizonte. Dirigiu e administrou várias instituições em Montes Claros, sendo Diretor Clínico, Provedor e Diretor da Santa Casa Nossa Senhora das Mercês, Diretor da Escola Normal Plínio Ribeiro, Diretor do Hospital Clemente Faria, Diretor do Centro de Saúde do Estado. Diretor-fundador d’O Jornal de Montes Claros em 1951, Rua Doutor Santos, três edições por semana, o primeiro a trabalhar com
linotipo em Montes Claros e na região. Publicou o livro de fundo histórico“Memória de uma aroeira”, fazendo, por isso, parte como sócio
efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, de
cujo quadro é fundador. Foi fazendeiro, pecuarista, criador e recriador
de gado. Rotariano desde abril de 1950. Luiz Pires foi presidente do
Rotary Club de Montes Claros em 1952/53. No Rotary Clube de
Montes Claros-Norte, onde é associado desde 1970, exerceu quase
todos os cargos da Diretoria e foi Governador do Distrito 4760, em
1976/77. Casado em primeiras núpcias com Léa Furquim Werneck,
o casal teve cinco filhos: Maria Dulce, Inês, Suzana, Hélio e Thais.
Em segundas núpcias casou-se com Vera Lafetá Ribeiro Pires, que lhe
deu dois filhos: Ruth e André.
OLÍMPIA REGO ARRUDA
Natural de Taiobeiras, filha de João Rego e Fidelcina Cangussu, nascida em 8 de julho de 1936, fez curso primário na cidade natal, ginásio no Colégio Taylor Egídio, de Jaguaquara (BA), Colégios Batista e Isabela Hendrix, de Belo Horizonte; segundo grau no Colégio Imaculada Conceição e Curso Técnico de Decoração no Conservatório Estadual Lorenzo Fernandez, Montes Claros.
Artista Plástica, aluna de Cristina Rabelo em pintura a óleo; aluna de Maria Lúcia Becattini em pintura em seda e porcelana. Curso de pintura em tela, em Tulsa, Estados Unidos. Várias exposições individuais e coletivas, em Montes Claros e Belo Horizonte, individuais e coletivas, inclusive com o seu esposo Wanderlino Arruda. Foi professora de pintura a óleo e acrílico de 1976 a 1985.
No Rotary International, fez treinamento em Los Angeles, USA, e foi Governatriz do Distrito 4760, ano rotário 1994-95, com largo trabalho junto às 82 Casas da Amizade. Voltou a Los Angeles, no ano 2000, como team leader, formadora de governatrizes, sob a supervisão de Rita Costa, esposa do Presidente Internacional Paulo
Viriato. Foi, juntamente com seu marido Governador Wanderlino,
representante do Rotary International em Conferências Distritais
de Blumenau, Goiânia, Salvador, Feira de Santana, Salto (Uruguai)
e Rosário (Argentina), quando coordenou grupos de estudos sobre
a participação das esposas junto às instituições rotárias. Proferiu, na
Universidade Federal de Cuiabá, durante o Instituto Rotary Brasil,
palestra sobre a Casa da Amizade. Participou ativamente, em 2000,
da Convenção Rotary Internacional/Nações Unidas, em Buenos Aires.
Espírita desde a infância, em Taiobeiras, quando as reuniões
eram realizadas na residência dos seus pais, participa da Fraternidade
Espírita Canacy desde 1957, ano do seu casamento e do Centenário
do Livro dos Espíritos. Conhecedora competente da Doutrina Espírita,
com ênfase na Codificação. Casada com o professor Wanderlino
Arruda, o casal tem sete filhos: João Wlader, José Danilo, Denilson,
Wladênia, Wanderlino Filho, Rízzia e Gracielle. Treze netos, a mais
velha, Fernanda Isabela, e o mais novo, Marcelo. Três bisnetos: Clara
Star, Luca Moon e Alex.
O MERCADO MUNICIPAL DE MONTES CLAROS COMO ESPAÇO DE MEMÓRIA
A história da cidade de Montes Claros (MG), bem como a de suas instituições, vê-se pouco valorizada, tanto nas academias como por seus habitantes. É notório que a história se constrói a todo instante por inúmeros sujeitos, e uma sociedade que não toma conhecimento e não valoriza sua história dificilmente poderá transmitir esses saberes e reconhecer sua importância. Ao partir de um cenário de reflexões preocupantes, no qual as transformações sociais e espaciais se moldam progressivamente de maneira divergente nos espaços de memória da cidade de Montes Claros, urge entender e analisar sobre a diversidade montes-clarense e como essas transformações supracitadas a afetam, especialmente no tocante ao Mercado Municipal de Montes Claros sua história, suas gentes e memórias. Sendo assim, é necessário um novo olhar sobre o espaço geográfico, olhar esse que se afaste de afirmações estanques e se aproxime da compreensão acerca das relações sociais e significações humanas que se encontram nesses locais, ao compreender os significados dos vários olhares sobre o Mercado como campo de memória para os indivíduos da cidade.
A história do mercado na cidade de Montes Claros e de sua sociabilidade
data do início do século XIX, ou seja, da época dos tropeiros e ranchos.
Devido à sua posição estratégica, os tropeiros enxergavam no pequeno
arraial um excelente ponto para compra e venda de suas mercadorias, o que
se tornou necessária, posteriormente, a criação de intendências (ranchos ou
mercados) que viriam a abrigar essas tropas.
Hermes de Paula, em sua obra “Montes Claros- sua história, sua gente
e seus costumes”, de 1979, traça a trajetória da cidade, abordando aspectos
da sua fundação, aspectos políticos, regionais, culturais, dentre outros.
Entendemos que, desde seu tempo de vila, o comércio era um campo próspero,
e o mercado, um lugar de profundas esperanças. Entretanto, com o
crescimento de Montes Claros, foi necessária a elaboração de um novo projeto
que abarcasse toda a nova demanda de crescimento e modernidade capaz
de satisfazer as necessidades dos feirantes; para isso, criou-se, em 1889,
o primeiro Mercado Municipal da cidade. Porém, o mercado municipal não
se apresenta como um simples local de compra e venda, mas sim como um
lugar autêntico em que suas formas tradicionais de vivência, consumo e trabalho
estão fortemente presentes. Nele encontramos um campo de relações
de troca, ou seja, um conjunto de grandes saberes e de experiências trocadas
pelos moradores e feirantes, relação baseada na confiança, amizade e comunicação,
com capacidade de reunir a culturalidade da região.
É indiscutível, então, a importância do mercado para a cidade de
Montes Claros, uma vez que esta prática costumeira de frequentar o mercado é datada de séculos, como já exposto. O mercado já sofreu inúmeras
demolições na tentativa de abarcar sempre um maior conforto para o estabelecimento,
e cada uma dessas construções ficou na memória de quem o
frequentava. Sobre esse ponto, Filomena Luciene Reis (2013) debate que,
_________________________________
TEIXEIRA, Patrícia Godoia; MENDES, Geisa Flores. In: XII Colóquio Nacional e V
Colóquio Internacional do Museu Pedagógico. Vitória da Conquista, 2017. ANAIS.
UESB, 2017.
____________________________________________
mesmo com demolições, o sentimento de nostalgia ainda persiste, tendo em
vista que seu estilo imponente, como afirma, e o movimento comercial propiciavam
vivências que ainda permanecem na memória dos moradores. Sendo
assim, além do prédio como ponto de memória local, seus artesanatos,
sua cultura e suas experiências são outros quesitos carregados de memória e
identidade da cidade, o que representa e relembra um passado vivenciado.
Desse modo, podemos classificar o Mercado Municipal de Montes Claros
como um “lugar de memória”.
A expressão aludida como “Lugares de memória” foi criada pelo francês
Pierre Nora (1993), que defende, em seu texto “Entre memória e história – a problemática dos lugares”, não existir mais memória e que essa só
é revivida por meio de uma tentativa de identificação dos sujeitos, tendo
em vista que a sociedade contemporânea rompeu seus laços com o passado.
Assim, Os lugares de memória vão além do espaço geográfico com fronteiras
delimitadas e especificadas. Nesse âmbito, os espaços de memória se configuram
como um espaço no qual os indivíduos têm suas relações estabelecidas
e seus sentimentos ali depositados. Com isso, podemos entender que
os espaços de memória em uma cidade são atribuídos àqueles lugares cuja
significância se perdura até os momentos atuais, e em seu interior recheia-se
de significados e identidades que interligam seu passado, trajetória e memórias
com o desenvolvimento da cidade e de suas gentes. Sendo assim, o
mercado municipal é um local com diversas riquezas, tanto no âmbito econômico
como no social e cultural, que consiste em uma instituição de suma
importância para a região norte-mineira e para os turistas que procuram
pelas identidades de Minas por meio dos pontos relevantes da cidade e de
sua cultura. Desta forma, buscamos estudar Montes Claros por meio de suas
variedades, maiormente o mercado, uma de suas partes, o qual se configura
como um estabelecimento recheado de histórias, vivências e encontros e que
por isso se transforma em um “espaço de memória”.
Assim sendo, Patrícia Godoia Teixeira e Geisa Flores Mendes (2017,
p. 1908) sintetizam:
O intercâmbio entre ideias, sentidos e vivências torna possível a compreensão
do Mercado como um lugar repleto de significados e memória na
/da cidade, uma vez que para além das relações comerciais que acontecem
nesse espaço é imperativo reconhecê-lo como lócus de relação da vida, lugares
de memória para os sujeitos sociais.
Portanto, como um espaço de abastecimento da cidade, consumo
local e ponto turístico para quem almeja conhecer a cultura mineira, o mercado
se atribuiu de significados socioculturais a fim de fortalecer sua resistência
enquanto patrimônio local, conquistando, assim, vários sentimentos
na cidade de Montes Claros. Entretanto, é sabido que o Mercado Municipal
atualmente enfrenta grande desvalorização e um afastamento dos cidadãos
em relação a essas instituições, bem como uma falta de conhecimento da
própria história de Montes Claros e de seus locais. Sendo assim, o presente
estudo propõe um novo olhar acerca do Mercado Municipal, analisando-o
como um espaço de memória em que molda as lembranças, vivências, cultura
e história da cidade.
REFERÊNCIAS
DE PAULA, Hermes Augusto. Montes Claros sua História sua Gente seus
costumes. Montes Claros: Editor Unimontes, 2007.
DA SILVA, Jurdilene. Mercado Municipal de Montes Claros /MG: resistências,
experiências e costumes. Montes Claros: Universidade Estadual de
Montes Claros, 2015, 46 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação)– Departamento de História – Montes Claros, 2015.
DA SILVA, Sandra. O Mercado Central de Montes Claros e o consumo dos
bens alimentares: o patrimônio cultural como vetor do desenvolvimento
local. Montes Claros: Universidade Estadual de Montes Claros, 2012, 195
f. Dissertação – Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social,
Montes Claros, 2012.
NORA, Pierre. Entre Memória e História: A problemática dos lugares. In:
NORA, Pierre. Os Lugares de Memória. Tradução de Yara Aun Khoury. São
Paulo, 1993.
REIS, Filomena. Montes Claros, MG - Lugar de memória: uma cidade, um
mercado e os arquivos. In: XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH,
São Paulo, 2011. ANAIS. São Paulo, 2011.
REIS, Filomena. Outras Histórias sobre poder e memória: as instituições
arquivísticas e o (os) lugar (es) da (s) memória (s) em Montes Claros, MG –
1980-2012. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2013, 159 f.
Tese de Doutorado-Programa de Pós-Graduação em História- Uberlândia,
2013.
TEIXEIRA, Patrícia Godoia; MENDES, Geisa Flores. In: XII Colóquio
Nacional e V Colóquio Internacional do Museu Pedagógico. Vitória da
Conquista, 2017. ANAIS. UESB, 2017.
UM LUGAR PARA A HISTÓRIA
Há muito se perde um museu.
Coma derrubada do Mercado Velho,
esse desejo gorou. E agora?
Um carro para diante do jardim da casa na avenida Coronel Prates, distante meia dúzia de passos da Prefeitura Municipal de Montes Claros. Dele descem três pessoas. Uma delas com uma máquina fotográfica e uma sacola a tiracolo. As outras empunham blocos para anotações e canetas esferográficas.
A trinca entra pelo jardim da casa pronta para tomar o reduto de Simeão Ribeiro Pires (ex-prefeito de Montes Claros, engenheiro, professor de Química, autor do livro premiado “Raízes de Minas”, pesquisador, etc). Alguém espeita a chegada dos três afastando a cortina da grande porta corrediça, e depois surge Simeão na porta do lado limpando uma das muitas armas do seu arsenal de revólveres, espingardas, fuzis, espadas e o mais importante, um canhão sobrevivente das batalhas travadas no Nordeste brasileiro entre portugueses e hoAs armas estão espalhadas no sinteco da sala. Dois dos seus
filhos, flanelas e lata da varsol à mão, limpam a sujeira das antigas armas
que se envolveram em misteriosos casos, passaram por mil mãos,
dispararam infinidade de tiros, retratando a sangue épocas diferentes,
quando as poderosas armas atômicas ainda nem eram sonhadas.
Cada arma tem sua história. “Aquela ali – aponta Simeão – boca
de sino, é do período das pederneiras”. Arma estranha, cano grosso
abrindo-se na boca, toda de bronze. Um tiro com uma arma dessa
deve espalhar fogo por todos os quadrantes e mata até assombração.
Por onde andou essa espingarda depois de importada da Inglaterra
e de ter passado pelas mãos dos bandeirantes até chegar às mãos de
Simeão?
Essa da guerra do Paraguai, cartucheira com baioneta, deve ter
espetado barriga de muitos soldados. Com cerca de meio metro de
comprimento, ponta aguçada, pode ter sido “uma faca de dois gumes”
nas mãos de um soldado que demorou muito a retirá-la da barriga do
inimigo numa luta corporal. O suficiente para um terceiro chegar por
trás e, era uma vez um soldado paraguaio. O dono dessa cartucheira
aqui devia ter uma mina nos fundos do quintal. Toda guarnecida
de prata, presente do finado prefeito de São João da Ponte, Olímpio
Campos, a cartucheira há muito não brilha à luz do sol refletida entre
as folhas das árvores na espera da caça. Hoje está marcada pelo tempo.
Limpar o arsenal de Simeão não é tarefa só para uma pessoa, a não
ser sob regime de dedicação exclusiva, ou se houvesse o interesse das
autoridades de reunir todas as armas num museu.
UM SONHO
Simeão sonha com um museu. Não um lugar onde as armas
e o seu grande patrimônio possam ficar entregues às traças, mas um
museu de verdade, em regime de fundação, porque a um museu municipal
Simeão não tem o menor interesse de entregar suas “testemudo passado, pois não são todos os prefeitos que se preocupam
em conservar tudo isso”. E há, o problema de, “misteriosamente”, as
peças desaparecerem, para de uma hora para outra, aparecer debaixo
de uma áurea de inocência, na casa de alguém de bom gosto. Um
colecionador contumaz.
Fuzil de dois canos? Isto mesmo, esse é um fuzil de dois canos,
um dentro do outro, para refrigerar a arma ao ser disparada, porque
senão estourava na cara do atirador e, eram duas vezes, não um soldado,
mas o caçador desavisado, precursor dos sofisticados caçadores
de hoje, que se divertem em praticar o tiro ao alvo contra pombos,
codornas e perdizes.
No momento em que Simeão exibia a algema de pés para deter
negro escravo, o ar da sala impregnou-se do cheiro de suor e sangue
derramados nas senzalas. Por um instante, podia-se ouvir o ruído cortante
das chibatas a estalarem-se em corpos para rasgar sulcos sangrentos.
Uma visão relâmpago iluminou a sala ressuscitando o negro
de feições contraídas, ajoelhado e em silêncio, aos pés do amo carrancudo
e a considerá-lo verme. Ouvia-se o bulício de vozes cantando
canções numa língua estranha. Vozes que só o coração escuta.
Com barulho de ferros carcomidos pela ferrugem a se arrastar
pelo sinteco, surge uma “algema de pescoço” dançando no ar. Quantas
gargantas apertou feito corda numa força? O que pensava aquele
escravo rebelde a sustentar o peso de ferros em volta do pescoço? O
coração chorando pelos ares de uma África distante, onde viver ou de
onde vieram seus antepassados. Como não se sujeitar a tanta humilhação,
se não tinha forças suficientes para lutar contra a degradante
vida, sem entender como caíra, involuntariamente, num mar de sofrimentos?
De novo, o coro de vozes perpassa e punhos vão sendo
algemados. O barulho de correntes ressurge mais intenso do que antes
causando arrepios, como a querer desvendar os mistérios de um tempo
que marcou época na história do Brasil.
Canhão de guerra que pertenceu ao Dr. Simeão Ribeiro
Inauguração do Museu de Armas
adiante, perto da porta para a sala de jantar, vêm-se garruchas
antiguíssimas, uma delas de seis canos, Simeão apanha a garrucha,
aperta o gatilho e o cano vai rolando, como tambor de revólver. Essa
teria dado origem ao revólver de hoje, o cano reduzido em tambor.
Não teria participado de algum duelo, alguma emboscada em meio à noite sombria? Quantas mãos empunharam o seu cabo de difícil
manejo, e quantos cinturões de balas foram gastos nessa viagem pelo
tempo, até se aposentar ali como a bateia do garimpeiro frustrado?
Espalhadas pelo sinteco, uma ao lado da outra, espadas refletem
a luz, e gritos de guerra quase imperceptíveis ecoam, sem levantar a
menor suspeita. Podem ser gritos dos combatentes destemidos mortos
na luta em busca do ouro. Espada da Guarda Nacional, espadas de
nobres e de plebeus, todas guardam histórias. No silêncio das madrugadas
devem abandonar seus refúgios para andarem pela casa trocando
confidências e conversando à boca pequena.
GARIMPANDO O TEMPO
“Sou garimpeiro do tempo” – afirma Simeão, voz grave, sorrindo.
Além de tudo garimpa o tempo buscando referências dos que
pisaram no Norte de Minas antes do Arraial das Formigas. Quase
perdido entre armas, pedras, cerâmicas, livros, ossos, afogado em universos
diferentes, viajando para milhões de anos, indo e voltando de épocas diversas. Simeão espera encontrar o grande diamante que, por
ser pedra eterna, guarda os mistérios da existência humana. Há anos
ele garimpa, sem desistir.
O canhão abandonado, coberto com lona de caminhão, ainda
dispara num estrondo de trovão? Boca apontada para a parede da
casa, se pudesse falaria sobre as lutas dos holandeses contra os portugueses.
Saberia, incrível exatidão, quantos corpos mandou para os
ares durante a luta sangrenta por causa dos engenhos de açúcar, a
riqueza da época, na guerra de Penedos.
A verdade está com o canhão, que bem poderia ganhar vida e,
melhor testemunha de uma época ninguém teria. Se falasse, seria o
caso de pergunta-lo:
- De onde veio, canhão?
- Vim da Inglaterra. Ou melhor, não sei se vim da Inglaterra ou
da Holanda. Mas para que você quer saber a minha origem? Perguntaria
o canhão.
- Por nada, curiosidade. Você lutou em quantas batalhas?
- Pra dizer a verdade, não sei, foram tantas.
- Você poderia contar pelo menos uma?
O canhão estremeceria todo num tiro de volta às centenas de
anos passados, e contaria, para admiração dos que estavam ali perto
da piscina, casos verdadeiros que poderiam mudar toda a história do
Brasil. Mas o canhão não tem língua (a não ser de figo) para falar.
Permaneceu ali coberto pela lona de caminhão, entregue às intempéries,
aguardando a chance de desfrutar do abrigo de um museu, onde
ficará exposto aos olhares curiosos.
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NOTA: Da Revista Montes Claros em Foco, de julho de 1980, páginas 16/17. Fotos de
Dirceu Santos e reportagem de autor desconhecido.