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DIRETORIA DO INSTITUTO HISTÓRICO E
GEOGRÁFICO DE MONTES CLAROS

Fundado em 27 de dezembro de 2006.

COMISSÃO FUNDADORA 2006-2007
Dr. Dário Teixeira Cotrim
Dr. Haroldo Lívio de Oliveira
Dr. Wanderlino Arruda

DIRETORIA 2022 - 2023

PRESIDENTE DE HONRA Palmyra Santos Oliveira
PRESIDENTE José Francisco L de Ornelas
1º VICE - PRESIDENTE Leonardo Alvarez Rodirgues
2º VICE - PRESIDENTE Wanderlino Arruda
1º DIRETOR-SECRETÁRIO Hermildo Rodrigues
2º DIRETOR-SECRETÁRIO Mara Yanmar Narciso Cruz
1º DIRETOR DE FINANÇAS Lázaro Franciso Sena
2º DIRETOR DE FINANÇAS Landulfo Santana Prado Filho
DIRETORA DE PROTOCOLO Dorislene Araújo
Diretor de Comunicação Social Silvana Mameluque Mota
Diretor de Arquivo, Biblioteca e Museu Dário Teixeira Cotrim

CONSELHO CONSULTIVO

Membros Efetivos
Maria de Lourdes Chaves
Teófilo Azevedo Filho
Virgínia Abreu de Paula
Membros Suplentes
Juvenal Caldeira Durães
Gessileia Soares Cangussu
Dorislene Alves Araújo

CONSELHO FISCAL

Membros Efetivos
Carlos Renier Azevedo
André Luiz Lopes Oliveira
Eduardo Gomes Pires
Membros Suplentes
Maria do Carmo Veloso Durães
Maria da Glória Caxito Mameluque
João Nunes Figueiredo

ASSOCIADOS HONORÁRIOS

Alberto Gomes Oliveira
Carlos Henrique Gonçalves Maia

Expedito Veloso Barbosa
Irany Telles de Oliveira Antunes
Itamaury Teles de Oliveira
Girlene Alencar Soares
João Carlos Rodrigues Oliveira
José Antônio Corrêa Mourão
José Catarino Rodrigues

José Emídio de Quadros
Josecé Alves dos Santos
Lorena Álvares da Silva Campos
Luíz Álvares dos Santos

Monalisa Álvares da Silva Campos
Noriel Cohen

Paulo Roberto Xavier da Rocha
Pedro Ribeiro Neto
Raquel Veloso de Mendonça
Valeriano Wandeick

ASSOCIADOS EMÉRITOS

AmelinaFernandes Chaves
Ana Valda Xavier Vasconcelos
Maria das Dores Antunes Câmara
Maria Jacy de Oliveira Ribeiro
Milene Antonieta Coutinho Maurício
Petrônio Braz
Waldir Sena Batista


LISTA DE SÓCIOS EFETIVOS DO IHGMC

CD
Sócios
Patronos
01
Edvaldo de Aguiar Fróes Alpheu Gonçalves de Quadros
02
Leonardo Álvarez Rodrigues Alfredo de Souza Coutinho
03
Waldomiro Alves Santos Antônio Augusto Teixeira
04
Maria do Carmo Veloso Durães Antônio Augusto Veloso (Desemb.)
05
Dorislene Alves Araújo Antônio Ferreira de Oliveira
06
Marcos Fábio Martins Oliveira Antônio Gonçalves Chaves
07
Syomara Tereza Dias Rocha Antônio Gonçalves Figueira
08
Gesiane Aparecida Medeiros Mota Antônio Jorge
09
Daniel Gonçalves Rocha Antônio Lafetá Rebelo
10
Maria Florinda Ramos Pina Antônio Loureiro Ramos
11
Sebastião Abiceu dos Santos Soares Ary Oliveira
12
Antônio Augusto Pereira Moura Antônio Teixeira de Carvalho
13
Cesar Henrique Queiroz Porto Ângelo Soares Neto
14
Norivaldo Alves da Silveira Arthur Jardim Castro Gomes
15
Magda Ferreira de Souza Ataliba Machado
16

Gilsa Florisbela Alcântara

Athos Braga
17
Guilherme Silva de Carvalho Armênio Veloso
18
Frederico Assis Martins Brasiliano Braz
19
Paulo Hermano Soares Ribeiro Caio Mário Lafetá
20
Felicidade Maria do Patrocínio Oliveira Camilo Prates
21
Terezinha Gomes Pires Cândido Canela
22
Silvana Mameluque Mota Carlos Gomes da Mota
23

Landulfo Santana Prado Filho

Carlos José Versiani
24
José Ponciano Neto Celestino Soares da Cruz
25

Isabela de Andrade Pena Miranda

Corbiniano R Aquino
26

Orozimbo Veloso P. Cyro dos Anjos

Cyro dos Anjos
27
Eduardo Ferreira Oliveira Dalva Dias de Paula
28

Guilherme Matias Silva Peixoto

Darcy Ribeiro
29

Carlúcio Pereira dos Santos

Demóstenes Rockert
30
Jonice dos Reis P. Dona Tiburtina Dona Tirbutina
31
Augusta Clarice Guimarães Teixeira Dulce Sarmento
32
Carlota Eugenia Martins Soares Edgar Martins Pereira
33
Wanderlino Arruda Enéas Mineiro de Souza
34
Andrea Cristina Gomes Milo Simões Eva Bárbara Teixeira de Carvalho
35

Hermildo Rodrigues

Ezequiel Pereira
36
Roberto Wilton Garcia Felicidade Perpétua Tupinambá
37
Evaldo Gener de Fátima Francisco Barbosa Cursino
38
Maria Inês Silveira Carlos Francisco Sá
39
José dos Santos Neto Gentil Gonzaga
40
Maria da Glória Caxito Mameluque Georgino Jorge de Souza
41
Reinine Simões de Souza Geraldo Athayde
42
José Geraldo Spares de Souza Geraldo Tito da Silveira
43
Leonardo Linhares  Frota Machado Godofredo Guedes
44
Roberto Carlos M. Santiago Heloisa V. dos Anjos Sarmento
45
Gustavo Mameluque Henrique Oliva Brasil
46
Eliane Maria F Ribeiro Herbert de Souza – Betinho
47
Abgail Maria Atayde Marques Dias Hermenegildo Chaves
48
Virgínia Abreu de Paula Hermes Augusto de Paula
49
José Ferreira da Silva Irmã Beata
50
Antônio Félix da Silva Jair Oliveira
51
Osmar Pereira Oliva João Alencar Athayde
52
Maria de Lourdes Chaves João Chaves
53
David Ferreira dos Santos João Batista de Paula
54
José Dirceu Veloso Nogueira João José Alves
55
Lázaro Francisco Sena João Luiz de Almeida
56
Ivana Ferrante Rebelo João Luiz Lafetá
57
Marilúcia Rodrigues Maia João Novaes Avelins
58
Maria Ângela Figueiredo Braga João Souto
59
Márcio Adriano Silva Moraes João Vale Maurício
60
Manoel Messias oliveira Jorge Tadeu Guimarães
61
Ildeu Soares Caldeira Jr. José Alves de Macedo
62
José Jarbas Oliveira Silva José Esteves Rodrigues
63
Carlos Renier Azevedo José Gomes Machado
64
Palmyra Santos Oliveira José Gomes de Oliveira
65
Laurindo Mékie Pereira José Gonçalves de Ulhôa
66
Fabiano Lopes de Paula José Lopes de Carvalho
67
Marcionílio Martins Rocha Filho José Monteiro Fonseca
68
Benjamim Ribeiro Sobrinho José Nunes Mourão
69
Lúcio Rosevert Magalhão Maldonado José (Juca) Rodrigues Prates Júnior
70
José Roberval Pereira José Tomaz Oliveira
71
Manoel Pereira Fernandes Neto Júlio César de Melo Franco
72
Laríssa Paixão Durães Lazinho Pimenta
73
Terezinha de Souza Campos Neves
Lilia Câmara
74
Filomena Alencar Monteiro Prates Luiz Milton Prates
75
Eduardo Gomes Pires Manoel Ambrósio
76
Aparecido Pereira Cardoso Manoel Esteves
77
Maria Denize de Oliveira Barros Mário Ribeiro da Silveira
78
Gilberto Aparecido Soares Medeiros Mário Versiani Veloso
79
Antônio Pereira Santana Mauro de Araújo Moreira
80
Isau Rodrigues Oliveira Miguel Braga
81
Juvenal Caldeira Durães Nathércio França
82
José Afonso Gomes Cordeiro Nelson Viana
83
Daniel Oliva Tupinambá de Lélis Newton Caetano d’Angelis
84
Ricardo Fernandes Lopes Newton Prates
85
André Luís Lopes Oliveira Armênio Veloso
86
Zoraide Guerra David Patrício Guerra
87
Elzita Ladeia Teixeira Pedro Martins de Sant’Anna
88
João de Jesus Malveira Plínio Ribeiro dos Santos
89
José Francisco Lima Ornelas Robson Costa
90
Teófilo Azevedo Filho Romeu Barcelos Costa
91
Wesley Soares Caldeira Sebastião Sobreira Carvalho
92
Jaime kenji Takei Sebastião Tupinambá
93
Dário Teixeira Cotrim Simeão Ribeiro Pires
94
Gessileia Soares Cangussu Teófilo Ribeiro Filho
95
Carlúcio Gomes Ferreira Terezinha Vasquez
96
Walisson Oliveira Santos Tobias Leal Tupinambá
97
Oneide Ribeiro de Queiroz Torres Urbino Vianna
98
Mara Yanmar Narciso Virgilio Abreu de Paula
99
João Nunes Figueiredo Waldemar Versiani dos Anjos
100
Maria Clara Lage Vieira Wan-dick Dumont

ASSOCIADOS EMÉRITOS

Amelina Fernandes Chaves
Ana Valda Xavier Vasconcelos
Maria das Dores Antunes Câmara
Maria Jacy de Oliveira Ribeiro
Milene Antonieta Coutinho Maurício
Petrônio Braz
Waldir Sena Batista

ASSOCIADOS HONORÁRIOS

Alberto Gomes Oliveira
Carlos Henrique Gonçalves Maia
Expedito Veloso Barbosa
Irany Telles de Oliveira Antunes
Itamaury Teles de Oliveira
Girleno Alencar Soares
João Carlos Rodrigues Oliveira
José Antônio Corrêa Mourão
José Catarino Rodrigues
José Emídio de Quadros
Josecé Alves dos Santos
Lorena Álvares da Silva Campos
Luíz Ribeiro dos Santos
Monalisa Álvares da Silva Campos
Noriel Cohen
Paulo Roberto Xavier da Rocha
Pedro Ribeiro Neto
Raquel Veloso de Mendonça
Valeriano Wandeick

ASSOCIADOS CORRESPONDENTES

Adilson Cézar Sorocaba

 SP

Alan José Alcântara Figueiredo Macaúbas

 BA

André Kohene Caetité

 BA

Avay Miranda Brasília

 DF

Carlos Lindemberg Spínola Castro Belo Horizonte

 MG

Célia do Nascimento Coutinho Belo Horizonte

 MG

Daniel Antunes Júnior Espinosa

 MG

Dêniston Fernandes Diamantino Januária

 MG

Eustáquio Wagner Guimarães Gomes Belo Horizonte

 MG

Felicíssimo Tiago dos Santos Rio Pardo de Minas

 MG

Fernanda de Oliveira Matos Caetité

 BA

Fernando Antônio Xavier Brandão Belo Horizonte

 MG

Flávia Henrique Ferreira Pinto
MG
Helson Jorge
MG

Honorato Ribeiro dos Santos Carinhanha

 BA

Ivonildo Teixeira
ES
Jeremias Macário de Oliveira
BA
João Martins
BA

Jorge Ponciano Ribeiro Brasília

 DF

José Walter Pires Brumado

 BA

Liacélia Pires Leal Feira de Santana

 BA

Manoel Hygino dos Santos Belo Horizonte

 MG

Maria do Carmo de Oliveira Porteirinha

 MG

Maria Teresa Parrela
Holanda

Moisés Vieira Neto Várzea da Palma

 MG

Neide Almeida da Cruz Feira de Santana

 BA

Paulo Roberto de Souza Lima São João Del Rei

 MG

Pedro Oliveira Várzea da Palma

 MG

Silio Jader Noronha Brito São Paulo

 SP

Tânia Dias Freitas Santos

MG 

Terezinha Teixeira Santos Guanambi

BA 

Tiago Valeriano Braga
BA
Valdivino Marques da Silva
 MG

Wellington Caldeira Gomes Belo Horizonte

 MG

Yury Vieira Tupinambá de Lelis Mendes Porto Alegre

 RS

Zanoni Eustáquio Roque Neves Belo Horizonte

 MG

Zélia Patrocínio Oliveira Seixas Aracajú

 SE

Zilda de Souza Brandão (Bim) Belo Horizonte

 MG


PRESIDENTES DE HONRA

Luiz de Paula Ferreira
2006 - 2020
Palmyra Santos Oliveira
2020 - 2023
Terezinha Gomes Pires
2023

De Carlúcio Gomes Ferreira

DR. PEDRO SANTOS,

memorável pontense, celebrado Prefeito de Montes Claros.

São João da Ponte, MG, registra na sua história a marcante presença da família de Jorge Santos e Dona Julieta Pereira dos Santos, seus filhos Alcebíades de Souza Santos (Dr. Bibi), que teve a primazia de ser o primeiro Prefeito do Município, e Homero Santos, aviador que também prestou relevantes serviços ao Município no seu avião teco-teco, enquanto expressa gratidão com esta homenagem ao célebre Dr. Pedro Santos.

O que mais poderia um modesto filho de São João da Ponte escrever sobre Dr. Pedro Santos? Pouco ou quase nada teria a acrescer ao que já foi escrito e publicado em jornais, artigos, monografias, revistas e livros, entre os quais Jornal Gazeta do Norte, Jornal Mineiro em Revista, Montes Claros 160 Anos, Liberdade o outro nome de Minas, Montes Claros no Túnel do Tempo. Sua história, sua gente, volumes 2,3,4 e 5 em que Valeriano WanDEICK descortina para essa e gerações futuras a magnifica história de uma terra, sua história e sua gente, nesse contexto está inserido o ilustre e querido pontense Pedro Santos.

Igualmente, menções em Prefeitos Notáveis, Coletânea biográfica de ex-prefeitos de Montes Claros. Dr. Pedro Santos também por Walleriano WanDEICK, Crônicas, Contos, Causos e um Poema, José Luiz Rodrigues e Convidados, sobre essa expressiva personalidade, que em muito orgulha a nossa terra e aos seus filhos por sabê-lo conterrâneo que muito estimava São João da Ponte, fazia inseri-la no seu invejável currículo e em nenhuma circunstância negava a sua naturalidade, fato de primeira menção em todas as publicações sobre ele.

Em todas estas publicações as suas qualidades pessoais, exercício da medicina, trajetória política são enaltecidas pela sua personalidade de muita humildade, maior atenção às camadas populares, estar sempre ao lado do povo, por isso sempre lembrado como o Prefeito do povo.

Por outro lado suas administrações foram marcadas por obras, que contribuíram para o progresso e desenvolvimento de Montes Claros, de passagem algumas destacadas pelo Jornalista, Escritor, Historiador e Editor do Jornal Mineiro em Revista: Primeiros sinais regulares de televisão, Implantação do Distrito Industrial de Montes Claros, O Colégio Agrícola Antônio Versiani Ataíde, Dulce Sarmento, Colégio Polivalente, cessão de terreno .para a construção da Unimontes; instalada a sede do atual 10º BPM, obras do Aeroporto de Montes Claros, iniciado o serviço de transporte coletivo urbano da cidade, através do apo do Deputado Luiz de Paula Ferreira, foi inaugurada na cidade uma unidade do Exército Brasileiro “Batalhão Dionizio Cerqueira”, inaugurado o Ginásio Darcy Ribeiro, na Praça de Esportes de Montes Claros, no início de 1.971.

Ao seu crédito administrativo também figura o Corpo de Bombeiros, respeitabilíssima corporação militar, que prima por sublimes missões e principalmente salvar vidas, bem ao espírito humano do médico e político.

Esse carismático político e impar figura humana tem a sua naturalidade registrada nesta terra, filho de Jorge Santos e dona Julieta Pereira dos Santos, seu pai conforme Nelson Viana em Efemérides de Montes Claros, nasceu em 4 de agosto de 1.880, foi fazendeiro e comerciante em Montes Claros, faleceu em 15 de junho de 1.935, conquanto notoriamente sabido, de sua presença aqui nesta terra como fazendeiro, antes de se transferir para Montes Claros.

Pedro Santos cresceu e viveu com simplicidade em contraponto aos lugares, ambientes e as várias conquistas, que envaideceriam a muitos, tornou-se atleta, formou-se em medicina, no ano de 1.938, profissão que exerceu com humildade e simplicidade, sempre dispensando atenção aos menos favorecidos, com a qual ganhou reconhecimento pelos feitos prestados à cidade de Montes Claros e região e também o inseriu no contexto político montes-clarense.

Na política elegeu-se Vereador no ano de 1.947, sendo reeleito em 1.950, no ano de 1.958 se elege Vice-Prefeito de Simeão Ribeiro Pires, teve mais votos que o candidato a Prefeito, fato inédito porque votava-se separado em Prefeito e Vice, chegou ao apogeu elegendo-se Prefeito Municipal de Montes Claros, a maior cidade do Norte de Minas e uma das maiores do Brasil, por dois mandatos, (1963/66 e 1.971/72).

Em 1.974 candidatou-se a Deputado Federal, embora não tenha sido eleito, como suplente representou o Município de São João da Ponte como majoritário, ao vencer aqui outro ícone da política nacional Deputado Francelino Pereira.

ELEIÇÕES DE 1974 EM SÃO JOÃO DA PONTE

São João da Ponte se preparava para as eleições de 15 de novembro de 1.974 quando seriam votados Senadores, Deputados Federais e Estaduais, o grupo situacionista liderado Prefeito Anízio Ferreira Queiroz e pelo Ex-Prefeito Denizar Veloso Santos manteriam apoio aos candidato Francelino Pereira como Federal e Artur Fagundes como Estadual, entretanto, no cenário desponta o jovem Antônio Dias e os acenos e tratativas são céleres, Anízio Queiroz deseja apoiar Antônio Dias e Francelino Pereira, Denizar Veloso reage e não abre mão da candidatura de Dr. Artur Fagundes, cria-se o impasse e ocorre o cisma que vai mudar os rumos da política pontense futuramente.

Naquele ano Dr. Pedro Santos se lança como candidato a Deputado Federal e de início tinha o apoio de Dona Alice Campos aqui na cidade, contexto em que Denizar Veloso Santos, sua mãe dona Lulú Veloso e seus aliados de primeira hora iniciam conversas com o médico candidato e consolidam apoio a ele, formando-se assim a dobradinho Artur Fagundes e Pedro Santos x Dias e Francelino.

Abertas as urnas o resultado em São João da Ponte é amplamente favorável aos candidatos Artur Fagundes e Dr. Pedro Santos, porém, no geral Francelino Pereira é eleito com 65.754 votos e Pedro Santos fica na suplência com 26.568, Antônio Soares Dias obteve 31.334, enquanto Artur Fagundes de Oliveira obteve 30.347 votos, em 9º e 10 lugares respectivamente são eleitos entre os 37 deputados à Assembleia Legislativa de Minas Gerais naquele pleito. (Dados coletados dos dados estatísticos 11 volumes das eleições Federais e Estaduais realizadas no Brasil em 1.974 – Biblioteca Digital da Câmara Federal).

Diante desse resultado e pelos critérios políticos adotados Dr. Pedro Santos mesmo suplente é majoritário no Município, todos os assuntos e decisões no âmbito federal relativas à São João da Ponte passariam pelo seu crivo e aprovação.

Contexto dos mais interessantes, em que houveram acirradas disputas políticas, as demandas locais eram levadas pelos dois lados aos seus representantes, inclusive para transferência do Sargento que comandava a Policia Militar no município.

Mas, não tão somente estes aspectos sobressaem na sua vida, além disso e o que que se escuta, está estreitamente entrelaçado na grande figura humana de tantos feitos e bondades, no seu jeito humilde de tratar e se relacionar com as pessoas, na sua marcante personalidade franciscana, tornando-o inesquecível e sempre lembrado em fatos, feitos e histórias, casos verdadeiros registrados em fotos e escritos.

Outros causos repercutidos na oralidade popular, de muita criatividade, mas verossímeis, que passam de geração para geração, em contínua preservação da sua memória, história e cultura regional.

Então daqui da sua terra teríamos a reportar algumas das muitas lembranças, ditas por pessoas do nosso tempo que tiveram a oportunidade de conhecê-lo, travar relações, privar da sua atenção e atendimento onde quer que o encontrassem, na rua, no seu consultório, no Gabinete da Prefeitura Municipal de Montes Claros.

Assim encontramos por aqui relatos interessantíssimos de um povo simples, que ele gostava, que registramos como retribuição e homenagem a ele e à sua família em especial ao seu filho Jorge Antônio dos Santos (Toni Santos) que muito gentilmente nos recebeu em residência para colhermos outros detalhes que nos faltavam.

Impressionante as semelhanças ente pai e filho, ali na companhia do pontense Dr. José Jarbas Pimenta a conversa versou sobre ele, Dr. Pedro Santos, em nuances de boas e saudosas lembranças, não faltaram um causo ou uma faceta a causar bons risos.

Desse modo, assim reportamos nosso périplo:

Jarbas Pimenta

José Jarbas Pimenta cidadão pontense de privilegiadíssima inteligência, logo cedo mudou-se para Montes Claros para continuidade dos estudos onde graduou-se em Direito, servidor público aposentado como Auditor Fiscal da Receita Federal, sempre exercitou seus direitos políticos ativos e passivos, vertente sobre o qual versa seu relato de uma passagem com Dr. Pedro Santos.

Candidato a Vereador pelo PMB de Montes Claros, do qual também era presidente, que no ano de 1.988 lançou 30 candidatos a Vereadores, enquanto Mario Ribeiro, Jairo Athayde, Pedro Santos, Luís Chaves e Marina Queiroz disputavam a cadeira de Chefe do Executivo como candidatos a Prefeito.

O PMB, não lançou candidatura própria e optou em apoiar Jairo Athayde, situação que obrigou o pontense Jarbas Pimenta a seguir a diretriz partidária, quando sua vontade seria apoiar Mário Ribeiro, pai de Ucho Ribeiro, colega de Receita Federal, seu fraterno e admirado amigo, mas política tem dessas particularidades.

Nas suas andanças político eleitorais pelas ruas de Montes Claros José Jarbas passa por uma senhora que estava adoentada e lhe pede ajuda para uma consulta, ele lembrou que estava perto do consultório de Dr. Pedro Santos na Rua Gabriel Passos, mas ele apoiava Jairo, mesmo assim levou a senhora ao consultório explicou ao Dr. Pedro, ali detalhadamente a situação ao médico e candidato Pedro Santos, que lhes atendeu prontamente.

Terminada a consulta, Doutor Pedro Santos, falou para a senhora, que votasse em José Jarbas para vereador e em Jairo Athayde para prefeito em atenção a ele, que a levou até o seu consultório.

Geraldinha do Duzinho

Sra. Geralda Cordeiro da Silva, conhecida Geraldinha do Duzinho, mãe de 11 filhos, três dezenas de netos e bisnetos, pessoa simples, humilde, de pouco estudos, mas muito corajosa e possuidora de alguns dons para as artes, tem no bordado que faz com perfeição uma fonte complementar de renda, muito religiosa é uma benzedeira muito requisitada. Ela passou por muitas dificuldades na vida, mas encontrou amparo em Dr. Pedro Santos, a quem hoje expressa toda a sua gratidão:

Conheceu Dr. Pedro Santos e sua família na cidade de Montes Claros, relembra com satisfação o caminho político do médico Pedro Santos, segundo ela Dr. Simeão Ribeiro, foi aconselhado pelos aliados a colocá-lo para seu vice-prefeito, que assim ganharia a eleição, dito e feito são eleitos, fatos que tem nítidas lembranças até do entusiasmo e vibração dos eleitores naquelas eleições, em que ele se candidatou e saiu-se vitorioso.

Geraldinha destaca que Dr. Pedro era muito bom para os pobres, assim, quando em São João da Ponte, com filhos pequenos, necessitando de um lugar para morar, procurou por ele para alugar uma pequena casinha que ele tinha em um terreno na área urbana da cidade, ele prontamente, não só arranjou a casa, como disse-lhe que não precisaria pagar aluguel, neste local ela vive até hoje com sua família.

Estabeleceu-se uma estreita relação entre eles, Dr. Pedro sempre vinha na sua humilde casa, trazia uma feira de um tudo, desde o café, até goma, pois gostava muito do biscoito de panela, naquela sua santa simplicidade ali ele comia e compartilhava bons momentos com ela e sua família, nunca deixou faltar-lhes remédios para ela e para os seus filhos.

Certo é que no falecimento de Dr. Pedro, alguns do povo disseram-lhe, agora que seu pai morreu como é que vai fazer? Alusão ao terreno em que moravam prometido por ele, mas ainda não documentado. Ela respondia-lhe, Dr. Pedro era mais que um pai!

Não houve nenhum problema, o que ele doou em vida, foi cumprido pela família através do filho Toni Santos.

Por tudo isso tem dr. Pedro nas suas lembranças e gratidão que propaga todos, o mantém em suas preces e orações extensivas à família, sem se esquecer que mandou celebrar uma missa em sufrágio da sua alma na Catedral de Nossa Senhora Aparecida de Montes Claros, por ocasião do seu passamento.

Naide Gusmão

Educadora e professora aposentada, ex-presidente da Associação de Professores Pontenses, diz-nos, falar do Dr. Pedro Santos, é assunto muito abrangente, pois ele era sobrinho da sua amada vó dona Babita, a quem ele visitava constantemente, ou dava uma passadinha, para pedir-lhe a sua bênção, como era muito agradável, sempre vinha com uma saca de laranjas, mangas, ou bananas, além das frutas também não faltavam frangos, queijos e requeijões de presentes.

Admirava-o pela simplicidade de um renomado médico e grande político. Alto, magro, usava chapéu de massa, fato que a lembrava do seu meu saudoso pai. Salienta, ainda, que vez ou outra dona Babita e ela visitavam a Sra. Silvia Santos, esposa de Dr. Pedro Santos ali na Rua Belo Horizonte.

Finaliza, que para sua felicidade teve a oportunidade da proximidade e boa convivência com aquela distinta família através da sua querida madrinha Vanda Alkmin, prima do Dr. Pedro Santos filha de Bárbara Teixeira de Souza, Vó Babita e tia de Dra. Nilzinha Maurício, filha de Waldomiro Pereira de Souza primo do Dr. Pedro Santos.

João Queiróz

O saudoso João Sapateiro, senhor de grande aptidão para o trabalho em diversas atividades, versátil artista, relembrou do tempo em que morou na cidade de Montes Claros, quando em criança sofreu um acidente, que causou-lhe uma séria lesão no joelho, sem recursos para tratamento procurou e foi socorrido pelo médico Pedro Santos, que gratuitamente fez procedimentos médicos que evitou a cirurgia e o curou.

Sempre foi grato ao médico por quem tinha estima e admiração, sendo também seu eleitor de carteirinha e título eleitoral conforme seu próprio comentário em uma postagem: “Dr. Pedro Santos! Tive a oportunidade de conhecê-lo, parabéns meu amigo Carlúcio enchi meu título eleitoral, votando nele e o guardo até nos dias de hoje”. 17/06/2021 Facebook.

Hélio da Silva Pereira

Hélio de dona Loura, Ex-Gerente do BEMGE e profundo conhecedor da história pontense, também faz a seguinte menção “ Dr. Pedro tinha muito carinho para atender pacientes oriundos de São João da Ponte.

Zé da Barraquinha

Zé da Barraquinha e Dona Maria, casal de vendedores ambulantes, chamados de mascates por grande parte dos pontenses, oriundos da cidade de Montes Claros, migraram para São João da Ponte, onde mantinham uma barraca de vendas de confecções, bijuterias e coisas afins, na Av. Getúlio Vargas, na cidade ganharam freguesia e conquistaram muitas amizades. Com ele a passagem com o Dr. Pedro Santos se deu bem assim;

Numa tarde de sábado Dr. Pedro Santos, para sua Veraneio na Av. Getúlio Vargas, com seu jeito simples entra na Farmácia de um amigo seu ali localizada, cumprimenta os presentes com os tradicionais apertos de mãos, enquanto dialoga com o farmacêutico, chega seu Zé da Barraquinha, trajando calça tradicional e camisa de mangas compridas, ambas na cor clara, descontraidamente cumprimenta o médico seu conhecido, com ele trava um interessante diálogo.

_ Dr. Pedro estou com um calombinho, um carocinho aqui nas costas, fui a Montes Claros o médico me pediu R$ 1.200,00 para a cirurgia. Voltei aqui para a Ponte e o Dr. Sebastião também me pediu um valor menor, mas longe das minhas condições. Será que o senhor não pode dar uma olhadinha para mim?

Prontamente respondeu-lhe:

_ Sim meu filho! Tire a sua camisa para eu olhar.
Ali mesmo na presença dos demais, o Doutor fez uma rápida análise, passou a mão sobre o caroço e disse.

- Ah. É bem simples, vou retirá-lo agora.

Doutor Pedro vira para o farmacêutico e pergunta-lhe, se ali tem uma lâmina gilete novinha, produtos de limpeza e assepsia? Tinha todos menos a lâmina.

Dr. Pedro pede ao moço para ir comprar.

Ele faz uma cara de medo e pergunta:

- Dr. Pedro, eu acabei de almoçar agora, será que não tem problema?

A consulta

Por aqui também se ouve o causo daquela famosa consulta de uma senhora na presença do suposto marido, mas no final das contas não era, cujo desfecho provoca risadas e comentários bem-humorados, porém, numa verossímil narrativa em tons que retratam com propriedade as características de simplicidade e compreensão do Dr. Pedro Santos e de seus clientes.

O Contador pontense Valdivino Marques da Silva relembra, que no ano de 1.966 trabalhava na Companhia de Água e Esgotos de Montes Claros - CAEMC, antecessora da COPASA, que tinha como presidente o também pontense Dr. Manoel Paulino de Oliveira, quando numa roda de conversa entre os funcionários Antônio de Pádua Abreu, Geraldo Lima de Jesus, Altino Teixeira de Carvalho, José Divino Teixeira de Carvalho e Antônio Leão, ouviu do detetive aposentado Tininho, eleitor, amigo e admirador do médico e político a seguinte versão da inusitada consulta.

Por volta da década de 1.950 Dr. Pedro Santos tinha o seu consultório numa esquina da Rua Doutor Veloso, constituído de sala de espera e consultório propriamente dito, local de em que atendia sua clientela, foi nesse ambiente que a consulta se deu.

Ao que se recordava o narrador, foi num período de uma Copa do Mundo, sem ser preciso se no Brasil ou na Suíça, mas em razão do horário dos fatos e da diferença de fuso horário tudo indicava, que tenha sido o Mundial de 1.950, pois, por volta das 16:00 horas, o médico deixou o seu consultório para ouvir ir ouvir um jogo noutro local, ao sair recomendou à sua secretária, que ao término do seu expediente ela poderia ir embora e deixar a porta da recepção aberta, pois retornaria.
Terminada a partida de futebol ele volta ao consultório, como recomendara, a secretária já tinha ido embora, mas na sala de espera um homem e mulher o aguardavam devidamente assentados, o médico na sua santa simplicidade e jeito peculiar cumprimentou a ambos e adentrou para sua sala, antes, porém chama a mulher para atendê-la, olha para o homem e diz o senhor também pode entrar.

Ali no consultório realiza o procedimental atendimento à mulher, na presença do homem que a tudo acompanhou atentamente, finalizada a consulta preencheu a receita e a entregou para o homem, mas este olha entre surpreso e espantado para Dr. Pedro Santos, como se dissesse porque o senhor está entregando para mim?

- Então Dr. Pedro perguntou:

- Ela não é sua é sua esposa?

Diante da negativa, pergunta novamente:

- Mas porque não me falou? Deveria ter me avisado!

- Bem, o senhor não me perguntou, só atendi o seu chamado.

Dr. Pedro se volta para a mulher, mas a senhora poderia ter me avisado!

Ela olha para um lado e para o outro, depois explica na maior simplicidade do mundo.

- Pensei que o senhor, chamou o moço aí para presenciar a consulta pelo avançado da hora e por encontrarmos sozinhos no consultório, para não gerar outra interpretação.

Outro causo interessante.

Sobre Dr. Pedro Santos versam várias histórias, causos que ganharam o domínio popular, alguns podem ser fruto de pura imaginação, mas pela criatividade e verossimilhança, ficam impregnados a cultura Norte Mineira e o tornam lendário. Um deles que é contado por aqui, merece repercussão.

Numa noite de muita chuva, época das águas, batem à porta do médico dos pobres, ele aparece e um senhor se apresenta como morador da zona rural de Montes Claros, conta-lhe o motivo da vinda a sua procura.

Seu irmão havia sido esfaqueado e precisava de atendimento, não o trouxera pela falta de transporte adequado somados as precárias condições da estrada, mas viera em um cavalo e trouxera outro, para que o caridoso médico o acompanhasse até a localidade.

Dr. Pedro mune-se dos seus apetrechos médicos, cobre-se com uma capa e prontamente ruma para a pequena propriedade rural, quando chegam lá, o ferido estava sobre uma cama em estado crítico. Pacientemente faz uma minuciosa avaliação, sob expectativa da família que aguardava na sala ao lado. Observa que a situação é muito delicada, homem certamente não sobreviveria, nem aguentaria uma viagem até a cidade para atendimento em Hospital.

Toma a seguinte decisão, pede a mãe rapaz para ferver uma água, colocar numa bacia esmaltada, com a água quente e seus instrumentos realiza a assepsia do ferimento, com presteza e habilidade costura, para que o homem tivesse um final com maior dignidade e não falecesse sem um merecido atendimento.

Coloca a família a par da situação, pede fé e oração e retorna para sua casa sem nada cobrar por aquele ato de caridade.

Dois anos depois, o médico está em seu consultório no atendimento rotineiro, porém é época de eleição para as qual era candidato, a fila é enorme, com o passar do tempo vai atendendo a todos, até que chega um senhor, senta-se e o cumprimenta efusivamente.

Dr. Pedro pega o estetoscópio, o aparelho de medir pressão, pede ao homem para tirar a camisa e olha espantado para a cicatriz e irregularidade do corte e dos pontos que foram dados no abdômen daquele homem.

_ Rapaz, esse médico que fez esta cirurgia, quase lhe matou!

_ Não, não Dr. Pedro, foi Deus e o senhor que me salvou! Vim aqui não foi consultar não, foi para dizer para o senhor que o meu voto nessa eleição é do senhor.

Doação de terreno para Clube na Ponte.

Nos idos anos de 1.980, um grupo de pessoas decidiu criar um Clube Social em São João da Ponte, oportunidade em que foi eleito para presidente Antônio Júlio Campos, que me tinha como Secretário, a entidade privada recebeu a denominação de Clube Social Cultural e Recreativo de São João da Ponte, as primeiras iniciativas foi procurar um terreno para sediá-lo e construção de instalações adequadas as suas finalidades.

Nesse fim Júlio Campos procura Dr. Pedro Santos postulando a doação de uma área em terreno de sua propriedade, muito atencioso imediatamente sensibilizou-se com a causa, e disse-nos que da sua área de 4 alqueires, doaria 2 alqueires para o Clube, bastaria que regularizássemos a escritura do terreno adquirido em Alice Campos.

Todas as tratativas e serviços de procuratórios foram feitos, escritura lavrada, é levada a Dona Alice Campos e ao sr. João Fernandes para a respectiva assinatura, para surpresa de todos o Sr. João Fernandes do Santos, disse-nos que estava pronto para assiná-la, mas havia um impedimento, a área descrita não coincidia com área do terreno. Que providenciássemos medir o terreno e a devida retificação para a sua assinatura.

Noutro dia topógrafo foi contratado e realmente a área era menor, só dois alqueires, tão logo feita a escritura correspondente esta foi assinada, que ao ser levada ao Sr. Dr. Pedro Santos, este, ponderou, que em razão da área menor só poderia destinar ao Clube uma área de 1,00 ha. Área que atenderia suficientemente ao Clube.

A escritura para o Clube foi feita, embora, embora este tenha sofrido revezes na concretização das suas finalidades, o terreno doado por Dr. Pedro Santos está devidamente registrado no Cartório do Registro de Imóveis da Comarca em nome da entidade.

O grande ser humano.

Muito gratificante mergulhar na bonita história para este registro como uma modesta homenagem de todos nós Pontenses ao ilustre conterrâneo e família, por todos os feitos e legados deixados pelo legendário médico e político, mas, sobretudo pelo grandioso ser humano, que durante vida exercitou caridade no mais sublime espírito altruísta, por onde passou deixou a marca da sua bondade, lá em Montes Claros entre suas inúmeras obras estão as Casas de Apoio Dr. Pedro Santos e Dona Maria Dora, relevante trabalho social continuado pela família.


Dário Teixeira Cotrim

TÁBUA DE PIRULITO

Dário Teixeira Cotrim – Diretor de Museu do IHGMC

Era o ano de 1956. Eu tinha apenas sete anos de idade. O grupo escolar Getúlio Vargas recebia a minha matrícula para o ensino primário e a minha iniciante professora-de-grupo, Nelsa Luzia Teixeira, recebia os alunos radiante de alegria para aquela missão tão importante na sua vida. Uma professora de primeira viagem e os seus alunos nesta mesma situação na lida escolar. Vida que vai, vida que vem, e o tempo apressado contabilizava os anos que se passavam se pedir licença. Agora, a velhice estacionou-se em uma vaga qualquer, com a ajuda de um pequeno raio de sol, para distanciar o tempo passado com o futuro, recomeçando o caminho e enfrentando o mundo quase sem esperança.

Na escola os alunos iniciavam o aprendizado das primeiras letras. Entretanto, o mais gostoso acontecia na hora do recreio, quando os alunos saiam para a Praça da Bandeira em busca da casa de dona Anísia. Era lá que nós lanchávamos todos os dias. E o mais curioso, muitos de nós tínhamos uma caderneta autorizada por nossos pais para o débito das despesas. De todas as guloseimas em exposição, somente a tábua-de-pirulitos chamava a nossa atenção. Era uma tábua redonda, cheia de buraquinhos onde os pirulitos, enrolados em papel colorido, eram enfiados para a nossa apreciação e admiração. Não era tão somente uma, mas duas tábuas que enfeitavam a mesa da sala, dando-lhe um aspecto de festa de aniversário.

Os meninos fazem das suas... Como era bom o horário do recreio! Como era gostoso o sabor das coisas de comer! Como era divino o divino direito de ir e vir! Na praça de terra batida as brincadeiras nunca tinham hora de terminar. Enquanto isso, um menino passava com a sua tábua-de-pirulitos gritando aos quatro ventos: “olha o pirulito, olha o pirulito”. Aquele menino não estava na escola, pois haveria ele de trabalhar para ajudar a sua mãe nas despesas da casa. Era órfão de pai e a vida lhe era difícil de sustentar. Por outro lado, eu era um menino privilegiado e precisava apenas de estudar para vencer na vida.

“Todos nós queríamos, na saída da Escola, uma moedinha para, na hora do recreio, ao ouvirmos o canto: E ê o pirulito, enrolado no papel, enfiado no palito” (Délia de Castro Costa Santos)

Hoje não tem mais meninos na rua vendendo pirulitos em tábua-de-pirulitos. A informatização unificou as classes fazendo com que a escola seja universal. Antes, uma curiosidade perturbava a gente com a nossa própria sombra, coisa que as pessoas grandes não se dão ao trabalho e nem perdem o seu tempo para descobrir. Afinal, o que era relevante no meu tempo de menino, não é mais para os tempos de hoje. Assim, as tábuas-de-pirulitos simplesmente desapareceram do nosso cotidiano.

Desculpem-me, mas não posso continuar com as minhas reminiscências do tempo de criança. A cada lembrança uma triste agonia e a cada agonia uma triste lembrança do passado. Estou chorando de saudade! Saudade do meu velho e querido Grupo Escolar Getúlio Vargas, na praça de terra batida. Estou chorando de saudade! Saudade de dona Anísia, uma eximia vendedora de pirulitos. Saudade de tudo e de todos!

Entretanto, para matar a saudade, a ilustre escritora Délia de Castro Costa Santos, ainda conserva em sua casa um tabuleiro de pirulitos, sempre repleto deles, para a alegria do visitante. Vamos lá.

Antropologia Cultural: os machados de pedra

Dário Teixeira Cotrim – Diretor de Museu do IHGMC

Tenho encontrado nos livros que existem, sobre a antropologia brasileira, algumas notícias sobre os machados de pedra do homem primitivo, principalmente na região norte-mineira. É possível que, os estudos existentes neste sentido possam esclarecer dúvidas e senões dos movimentos constantes do povo botocudo, também chamado de “guerém”, que habitava o Norte de Minas e parte do sudoeste da Bahia. Os achados de artefatos de pedras e as cerâmicas de barro retratam, com minudências, a origem histórica do homem primitivo nos sítios existentes na nossa região, principalmente em Coração de Jesus e Montalvânia. Nota-se que, no passado distante as pontas de flechas são, em geral, de pedra lascadas (líticas), as varetas (hásteas ou bastonetes) retiradas das árvores, ao passo que os pilões, as mãos de pilão e em geral os machadinhos são feitos em pedras polidas, isso numa época bem mais recente. Não obstante o estudioso Carlos Ott dizer não conhecer nenhum machado de pedra na região entre o Rio Pardo de Minas e o rio Doce, no Espirito Santo. Entretanto, o historiador João Costa, de Salinas, nas suas pesquisas realizadas no sertão bruto do norte-mineiro, encontrou diversos artefatos de pedras, entre eles os machadinhos, pontas de flechas de silex e algumas urnas funerárias. Cumpre notar, todavia, que muitos outros machados foram localizados em lugares diversos do norte de Minas.

Como é do conhecimento de todos, o machado de pedra – inclusive os de nefrite – fora de grande relevância para o índio brasileiro. O Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, pensando na possibilidade de se criar um espaço destinado aos estudos da etnografia, no âmbito da antropologia cultural e social, vem agora inaugurar o espaço “Museu da Antropologia e Etnologia Leonardo Campos”, onde serão expostas algumas peças do artefato de sílex (por descamação), dos nossos antepassados. Por outro lado, as características nas extremidades das pontas de flechas, até então encontradas na hinterlândia do estado de Minas Gerais, podem nos revelar as diferenças em seu formato e modo de produção, enunciando que os povos indígenas que aqui viveram, não tinham eles a mesma cultura etimológica (comunicação) no período paleolítico com relação ao período neolítico. Nota-se que, o que distingue o homem, o animal social que ora nos importa, de todos aqueles, é a cultura, afirma, Melville J. Herskavits, no seu livro: Antropologia Cultural.

Não era comum, o homem da pré-história, no Norte de Minas, usar os machados de pedras polidas encabados. O que não aconteceu no período paleolítico. Na verdade, as machadinhas representavam um instrumento de sobrevivência, haja vista que o homem primitivo – ou coletores – vivia da caça e da pesca e todo instrumento era muito importante para a sua sobrevivência. Então, “por aí se vê, como ainda hoje acontece, que os índios, entrando em contato com o homem branco, em primeiro lugar abandonaram seus machados de pedra, antes trabalhados com tanto esmero, pois a nenhuma escapou a grande vantagem oferecida pelos machados de ferro”. (Pré-história da Bahia. Carlos Ott. Página 46).

Infelizmente, a bibliografia montes-clarense consta apenas de dois livros sobre esse empolgante tema em questão. São eles: “O Homem Primitivo no Norte de Minas”, do antropólogo doutor Leonardo Álvares da Silva Campos e o meu livro “A Arte Rupestre na Pré-história do Médio São Francisco”, publicado no ano de 2018, pela Editora Millennium. Ainda assim, cumpre notar que a sapiência do homem primitivo compreende num estudo intrínseco da estruturação tribal do antigo território brasileiro, conhecimento esse que se torna indispensável para análise do material arqueológico que ora está exposto no Museu do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.


David Ferreira dos Santos

De Soldado a Missionário


Tudo começou em 20 de janeiro de 1988. Quando o Missionário Pr. José Antônio, na época muito jovem me disse: David amanhã eu vou à sua casa pregar a palavra de Deus para você; eu lhe disse: não vai não, eu moro no centro de macumba, do meu tio Chico Preto; o Sr. Vai ficar constrangido. Mas como ele já tinha avisado no outro dia às 19 hs ele chegou a minha casa, no centro Estrela do Oriente, localizado na Rua Bahia nº 88 Vila Telma, do meu tio Francisco Cardoso. Começou ele a pregar para mim. De tudo que ele falou, só me lembro que do versículo bíblico Jo. 15.7: Se vós estiverdes em mim e as minhas palavras estiverdes em vós, pedireis tudo e eu vos concederei; palavras estas que seriam utilizadas mais adiante quando incorporei no Exército Brasileiro em 8 de fevereiro de 1988, no 55° Batalhão de Infantaria, localizado na Av. do Exército S/N, Bairro Alto Boa Vista, Montes Claros-MG. Neste mesmo ano perdi a minha mãe: Augusta Cesário dos Santos, no dia 6 de janeiro de 88, considerado o dia de Reis, festa religiosa, vítima de diabetes.

No centro Espírita Estrela do Oriente, frequentava ali um cabo do Exército, João Lourivaldo o qual pedi informações como era servir o exército; quais eram os benefícios e o que eu deveria fazer para que eu conseguisse servir a pátria, caso passasse no exame complementar, e para que eu fosse um bom soldado. Este cabo me deu todas as instruções necessárias e comecei a viver aquilo intensamente, todas as instruções que ele me deu, eu seguia; e assim foi, de vez em quando tomava conselho com ele, até que me tornei um soldado e grande amigo dele. No mês seguinte incorporei nas Fileiras do Exército: a 8 Fev. o Aditamento ao BI Nr 025: Foi Incorporado nas Fileiras do Exército e inclusão no estado efetivo deste Batalhão, nesta data e por achar apto ao serviço do Exército, com Art. 20 da lei nº 4375 de 17 de Ago. 64 (LSM) e Art. 75 do dec. 57654 de Jan 66 (RLSM) e o Plano Regional de Convocação (PCR/88) da classe de 1969, do Cmdo da 4ª RM. Boletim Interno 025 de 08 fevereiro de 1988, do 55º Batalhão de Infantaria.

Momento impar na vida, família de dez irmãos, vida difícil e sem muitas perspectivas de vida, não tinha como desgarrar do 55º Batalhão de Infantaria. Depois de incorporar, passei um mês de internato, onde recebemos várias instruções: boas maneiras, ordem unida, armamento em especial o Fuzil 7,62, história do Brasil, do Exército, primeiros socorros e regulamentos disciplinar do exército. Depois de uma semana fui procurado para assinar a folha de pagamento, como pensei que era serviço militar obrigatório, perguntei, porque assinar folha de pagamento, se o serviço militar é obrigatório, achei que não receberia nada, ai logo me falaram, vocês vão receber uma ajuda de custo, aproximadamente 30% do salário mínimo, ai eu falei que maravilha. Falaram também durante as instruções que eu poderia crescer e ser um cabo ou sargento. Já possuía o Ensino Médio, na época chamada de cientifico; quando incorporei foi pra mim uma novidade de vida e com as instruções ali recebidas, percebi que poderia mudar a minha vida e de meus familiares, enfim incorporei. Fui designado para o pelotão de Apoio, no qual possuía 28 soldados com três seções: Metralhadora, morteiros 81mm e Canhão 57mm, no qual neste último fui designado como Chefe de Peça, por possui a posteriori o curso de cabo. Aproximadamente três meses depois fiz a prova para cabo e fui classificado a fazer o curso o CFC (Curso de Formação de Cabos), começando assim a avançar um pouco mais na carreira, fui classificado em sétimo lugar com a nota 8,5 com o conceito Muito Bom, resultado que daria condições de ser promovido no mesmo ano como cabo EV (Efetivo Variável), mas queria ser cabo (Núcleo Base).

Chegou o dia tão sonhado do cumprimento do versículo, ministrado pelo pastor missionário José Antônio: João 15.7: Se vós estiverdes em mim e as minhas palavras estiverdes em vós, pedireis tudo e eu vos concederei; foi o dia da escolha do melhor soldado do ano de 1988. O Cmdo já havia feito uma primeira reunião e escolhido do Soldado Thiomas da CCSv (Companhia de Comando e Serviço). Foi quando apareceu o meu comandante de pelotão de Apoio, tenente Guedes e disse que iria lutar por mim, porque eu era infante, disciplinado, bom de preparo físico, uniforme verde sempre engomado na época; até parecia que eu tinha as sete qualidades do rei Davi, como está escrito em 1 Samuel 16. 18 (Então respondeu um dos moços, e disse: Eis que tenho visto a um filho de Jessé, o belemita, que sabe tocar e é valente e vigoroso, e homem de guerra, e prudente em palavras, e de gentil presença; o Senhor é com ele). Uma coisa que chamava atenção de todos era que o meu concorrente não tinha o curso de cabo, ou seja, eu tinha algo a mais a apresentar.

Foi marcada uma disputa pela Seção que comandava as instruções: 3ª Seção, para escolher a praça mais distinta, entre mim e o Thiomas. Enfim chegou o dia, o dia da prova.
Tinha vários obstáculos nesta competição, como: Desmontagem e montagem dos armamentos como: Pistola, Fuzil e Metralhadora Beretta; tinha a corrida de 1400m, subida na corda; exercícios físicos: Flexão de braços, abdominal e barra; então foi feito a prova por nós dois. O oficial e o sargento aplicadores da prova trouxe o resultado que o soldado David Ferreira dos Santos, havia vencido em todas as competições. Fiquei muito feliz! Foi marcado o dia para que eu recebesse a barreta e o Diploma de Praça mais distinta do ano de 1988, no 25 de agosto dia soldado. 25 de agosto dia do soldado, foi feita uma formatura alusiva ao dia, muita gente, muitos convidados nossos e autoridades locais, havia ensaiado muito para este dia e também o momento que eu fosse receber a condecoração. Foi lido que durante o período básico e adestramento individual houve vários destaques: melhor atirador foi o soldado Souto (in memoriam), melhor aptidão física foi o soldado Soares e a Praça mais distinta foi o Soldado David, este último tinha o direito de colocar o seu retrato na galeria no Pavilhão de comando das Praças mais distintas, sendo hoje o segundo retrato da esquerda para a direita na galeria neste pavilhão.

Eu não sabia que a Praça mais distinta tinha como direito na época de trabalhar com o Comandante. Mandaram-me chamar, pediram para que trocasse de farda e colocasse a de passeio, e me levaram ao tenente Aleixo S/1, que me apresentou a nova função, trabalhar como secretário do Coronel Neto, comandante da época e o Subcomandante Major Cruz. Eu tinha muita dificuldade de atender telefone e fazer trabalho burocrático, logo procurei o Senac e o Instituto Suelem para fazer curso de informática, Telefonista e recepcionista, já possuía o curso de datilografia, Operador de Telex; ai não parei mais de fazer curso; português, matemática, informática etc., foi um ano coroado de vitorias dentro do meu mundo militar. Agradeço meu padrinho Milton, que além de me batizar quando criança, não poupou esforço e veio colocar a maior honra e coroação de soldado no dia 25 de agosto, na minha cabeça: a boina.

Período de Adestramento: Recebendo a boina Barreta de Praça mais distinta do ano 1988.


Dorislene Araújo

ANJO ZÉ

“Meus amigos, aves, animais e peixes. Recebam meu adeus. Minha alma viveu no amor e como uma seta de luz, disparada por Deus, atingirá o infinito onde mundos de peregrina beleza existem à nossa espera”.

No dia 18 de agosto, precisamente, completarão 21 anos que o filósofo José Gonçalves de Ulhôa, dono do pensamento acima, das palavras e expressões em negrito, iluminadores deste texto, ficou encantado. Luarizou-se, como dizia o outro imortal, o Quintana.

Aos 19 de agosto de 2001, comovida, assisti ao seu sepultamento, isto é, ao sepultamento de seu corpo, pois a sua essência há muito havia transcendido, alcançado as alturas, adentrando serenamente no Palácio de Cristal, tão cantado por ele. Hoje, sua presença é chama viva em cada coração que o conheceu. Para amá-lo, bastava conhecê-lo. Anjo disfarçado de homem. Seu coração destilava o mais nobre dos licores, o Amor. Amor incondicional às pessoas, aos animais, à Natureza…

Poeta em toda a extensão da palavra que fez de sua jornada terrena um canto de celebração a Deus, e à vida.

Hoje, José Ulhôa, todas as flores se abrem, e, orvalhadas de saudade, o presenteiam com seus variados perfumes.

Os pássaros modulam as mais belas harmonias em uma homenagem sentida, endereçada a você, Poetamigo.

O Sol em sua magnitude faz-lhe a mais calorosa reverência.

A brisa, demonstrando-lhe total lealdade, a cada manhã, balbucia seu nome no ouvido do mundo.

As águas, suas eternas protegidas, sentindo a dor própria da orfandade, rendem-lhe justa homenagem, fecundando a terra.

E nós, seus amigos/admiradores, irmãos menores, contritos nos ajoelhamos, agradecendo ao Céu pela oportunidade ímpar de tê-lo conhecido, de ter partilhado de seu afetuoso convívio.

Seu lugar entre nós, seus pares, estará sempre resplandecente, pois sua presença será sentida através do legado de suas obras.

Ei, psiu! Você, você que está experienciando a Verdadeira Vida, dê um abraço em Deus aí por nós, claríssimo José. E permita-nos chorar baixinho, de saudades. Permita “que chorem todos, pois sua vida se transformou em uma canção de amor à Natureza”.

Ulhôa, ambientalista, grande poeta, filósofo, seresteiro de Deus.

José Gonçalves de Ulhôa nasceu em Paraisópolis, aos 20 de agosto, de 1925.


Era casado com a escritora montes-clarense Ceci Tupinambá Ulhôa, com a qual teve quatro filhos: Martha, Rachel, Leonardo e Flávio
Leitor contumaz dos mais célebres poetas e filósofos.
Foi um dos maiores colaboradores do Jornal de Montes Claros, no qual publicava as mais belas crônicas dedicadas à Natureza.

Em 1996 publicou o livro intitulado “Congresso dos Bichos,” obra que à época alcançou grande repercussão no meio literário, recebendo os mais sinceros e merecidos elogios.
José Gonçalves de Ulhoa era membro efetivo da Academia Montes-Clarense de Letras, onde ocupava a cadeira número 22.



Eduardo Oliveira Ferreira


As origens do Alferes José Lopes de Carvalho,
fundador de Montes Claros

A atual cidade de Montes Claros, Minas Gerais, teve origem quando foi construída uma capela em homenagem a Nossa Senhora da Conceição e São José. Por ser um templo Católico atraiu pessoas de diversos lugares para praticar os ritos religiosos. Com o tempo, em volta dela, foram construídas as primeiras casas. E, assim, formou-se a povoação chamada Arraial de Formigas. Logo se tornou a “Vila de Montes Claros de Formigas” em 1831 e foi denominada como cidade “Montes Claros” desde 1857.

Dessa forma, a construção da pequena capela no século XVIII foi fundamental para o surgimento da Cidade, que atualmente abriga milhares de pessoas. Entretanto, o responsável pela doação das terras e construção, José Lopes de Carvalho, tem uma biografia quase oculta até o momento.

Há poucas informações na bibliografia sobre José Lopes de Carvalho. Até agora, sabe-se que ele exerceu atividade militar como Alferes e que era morador de Itacambira (próxima a Montes Claros). Teria se casado duas vezes sem deixar filhos herdeiros. Adquiriu a fazenda Montes Claros e nela fez doação de terras e financiou a construção da capela Nossa Senhora da Conceição e São José, onde após sua morte foi enterrado, no final do século XVIII.

Não existe um estudo que amplie as informações sobre essa figura histórica desde o início do século XX. Apesar disso, seu nome é ainda lembrado pelo estudiosos e o poder público. A Câmara Municipal de Montes Claros, realiza Sessão Solene em homenagem a pessoas destacadas e confere a entrega da “Placa Alferes José Lopes de Carvalho”.

Ao iniciar a pesquisa genealógica, encontrei diversos documentos que são fontes importantes para a história do povo de Montes Claros. Contando com a ajuda de muitos amigos e familiares a pesquisa tem atravessado fronteiras inexploradas. Assim, na posição de heptaneto de João Lopes da Silva, muito me felicita narrar a história do meu tio octavô (de 8ª geração) o Alferes José Lopes de Carvalho, o fundador de Montes Claros.


Portugal: a origem de José Lopes de Carvalho


Em 9 de janeiro de 1781, José Lopes de Carvalho registrou seu testamento, que se encontra dentro de processo guardado no Arquivo Nacional Torre do Tombo em Portugal. Esse documento se mostra altamente relevante para compreender um pouco mais sobre a vida do Alferes.

Logo no início do documento temos a identificação: “Eu José Lopes de Carvalho morador no Sertam do Rio Verde na minha fazenda denominada Montes Claros Termo da Villa do Principe, Comarca do Serro do Frio...” (Testamento de José Lopes de Carvalho, p.31v).

E informa a origem portuguesa e condição de viúvo: "declaro que sou viuvo natural da freguezia de Santo Antonio de Villar da Veiga, Comarca de Guimarans, termo da Villa ou terras de bouro do Arcebispado de Braga filho legitimo de Geriuvazio digo legitimo de Gervazio Lopes de Carvalho já defunto” (Testamento de José Lopes de Carvalho, fls.55-55v)

Desse modo, a origem do Alferes José Lopes de Carvalho é do norte de Portugal. No processo foi juntada uma cópia manuscrita da certidão de batismo. E ao consultar os originais arquivos eclesiásticos de Vilar da Veiga (Terra de Bouros, Braga, Portugal) é possível verificar o registro de batismo de José Lopes de Carvalho, realizado em 16 de julho de 1721, informando que havia nascido em 10 de julho de 1721.


Transcrição do registro de Batismo de José Lopes de Carvalho:

Jose filho legitimo de Gervasio Lopes e Maria Carvalho desta freguesia nalto aos dez dias de julho de mil sete centos e vinte hum anos e foi baptizado por mim O Padre Domingos da Silva Cura desta Igreja aos desaseis dias do mez de julho de mil sete centos vinte hum, o lhe pus os santos oleos e foram padrinhos Gabriel João desta freguesia, e madrinha Clara Rodrigues, solteira, da freguesia de São Martinho de Travasos, E o foi verdade fis este termo que assigno com o Padrinho (...). O Padre Domingos da Silva, Gabriel Joam

O casamento com Inácia Pereira Leal

O Alferes José Lopes de Carvalho se casou com Inácia Pereira Leal, filha de Domingos Duarte Pereira e Maria Ferreira de São João, moradores de Sertão, Freguesia de Socorro Almas, Arcebispado da Bahia.

Maria Felícia Leal, cunhada de José Lopes de Carvalho, se casou com o Alferes João Gonçalves Vieira (bat. 19-10-1704) natural da freguesia de São Julião de Tabuaças, Vieira do Minho, Braga. E viveram na região de Guarapiranga (atual município Piranga, Minas Gerais).

É possível que José Lopes tivesse alguma aproximação com o concunhado Alferes João Gonçalves Vieira, posto que ambos eram militares e vieram da região de Braga em Portugal. No entanto, até o momento, não há documentação que possa evidenciar essa relação.

Em 2 de junho 1761 dá-se o lançamento de quitação ao alferes José Lopes de Carvalho, por Domingos Duarte Pereira e sua mulher, Dona Maria Ferreira de São João, dos bens deixados por dona Inácia Pereira Leal, filha destes e mulher daquele, falecida sem deixar descendentes. (VIANA, 1916, p. 53-54) Assim, provavelmente, a esposa do Alferes faleceu no final de 1760 ou início de 1761. O luto pode ter ampliado a fé de José Lopes de Carvalho, pois se tornou membro da Ordem Terceira do Carmo e cerca de oito anos depois começou a empenhar esforços para construir uma capela em sua fazenda.

No testamento, José Lopes de Carvalho se declara viúvo de Inácia Pereira Leal, e não menciona ter se casado com Maria Francisca Caetana de Campos. O escritor Urbino Viana informa em seu livro Montes Claros: breves apontamentos históricos, geográphicos e descriptivos, que D. Maria Francisca havia obtido terras por direito de “a metade”, ou seja, a parte que lhe cabia pela metade por ser esposa do proprietário falecido. Isso levou Urbino Viana a concluir que ela tivesse sido viúva do Alferes José Lopes e por isso no trecho do livro há uma possível interpolação em itálico: "A 30 de abril de 1802, D. Maria Francisca Caetana de Campos, viúva do Alferes José Lopes de Carvalho, vendeu terras da Fazenda Montes Claros, havidas por direito legitimo de a metade” (VIANA, 1916, p.55).

O fato de mencionar a existência de outro marido, fez Urbino Viana concluir que Maria Francisca havia se casado primeiro com o Alferes José Lopes e depois com João Lopes da Silva. Contudo, verificamos que ela se casou primeiro com João Lopes e depois com o Capitão Manuel Pereira Machado em 1796.

Conforme expresso em testamento, após o falecimento do Alferes José Lopes de Carvalho, seu sobrinho herdou a fazenda Montes Claros e todos os seus bens, exceto os elencados naquele documento. Em 25 de agosto de 1792, faleceu João Lopes da Silva, filho de Gervasio Lopes e Maria Francisca, tendo sido enterrado dentro da Capela do Arraial de Formigas com rito religioso realizado pelo Padre Paulo Antônio Barbosa.

Estando viúva, D. Maria Francisca se casou, em 17 de agosto de 1796, na Capela do Arraial de Formigas, com o Capitão Manuel Pereira Machado, originário de Vitória, Espirito Santo, filho de Diego de Almeida Silva e Maria Paula Silva. Desse casamento não geraram filhos, tendo em vista a idade já avançada de ambos.

Assim, é importante deixar claro que o alferes José Lopes de Carvalho se casou apenas uma vez, logo ingressou na Ordem do Tijuco e deixou seus principais bens para o sobrinho João Lopes da Silva.

Membro da Ordem do Tijuco

Em seu testamento, José Lopes de Carvalho declarou o desejo de ser enterrado na capela que havia construído. E também declarou ter sido membro da Ordem Terceira do Carmo, como irmão terceiro. Conforme escrito: “Aos meus testamenteiros bemfeitores administradores da minha fazenda - Eu peço ser amortalhado no habito de Sam Francisco de quem sou Irmão Terceiro Proffeço na Santa Caza da ordem do Tijuco, Sepultado na Capella de nossa Senhora e Sam Joze, Capalla digo Capella de que sou bem feitor, e administrador como he notório" (Testamento, fls. 54).

Sabemos que José Lopes de Carvalho foi batizado em 16 de julho, data no calendário da Igreja Católica em que se comemora o dia de Nossa Senhora do Carmo. Era comum ser devoto do Santo do dia em se batizou, por isso, é possível dizer que essa devoção começou já na juventude e permaneceu até sua morte.

A Ordem Terceira do Carmo era uma associação religiosa de leigos, que dependia de autorização conferida por frades Carmelitas da Ordem Primeira, sediada no Rio de Janeiro, cabendo a eles o controle de toda a vida religiosa dos Terceiros mineiros.

Nas Minas do século XVIII a Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo instalou-se em São João Del Rei (1749, anteriormente como uma simples irmandade), Mariana (antes de 1751), Vila Rica – Ouro Preto (1752), Tijuco – Diamantina (1758), Sabará (1761) e Vila do Príncipe – Serro (1761).

O processo de ingresso nessa ordem religiosa era restritivo, conforme explica Leandro Gonçalves de Rezende: “Para ingressar na Ordem Terceira, os candidatos passavam por vários processos de seleção, sendo necessária a comprovação de limpeza sanguínea, isto é, não serem negros, cristãos novos ou de origem racial duvidosa; tampouco podiam estar ligados a pessoas assim por situação de casamento. Geralmente, a associação reunia entre seus membros as pessoas mais abastadas da colônia”.

É datada de 1758 a fundação da Ordem Terceira do Carmo do Arraial do Tijuco (atual cidade Diamantina), tendo como sede provisória a Igreja Matriz de Santo Antônio. Em 1759 sua instituição foi confirmada pelo Provincial do Rio de Janeiro e dessa maneira, começou a edificação de seu templo. O primeiro prior foi o Contratador de Diamantes João Fernandes de Oliveira, que assumiu pessoalmente a tarefa e o custeio da construção. Em 1765, a capela estava praticamente construída, iniciando-se os trabalhos de ornamentação. É justamente nessa época que verificamos o falecimento de Inácia Pereira Leal, esposa de José Lopes de Carvalho.

Até agora, não é possível precisar em que data José Lopes se tornou membro da Ordem Terceira do Carmo. Entretanto, infere-se que tenha sido um dos primeiros filiados da Ordem do Tijuco, por volta de 1760, posto que a ordem não costumava aceitar em seus membros pessoas com idade muito avançada, a fim de evitar os gastos com os funerais. Em pesquisa futura, os detalhes sobre o ingresso e participação de José Lopes de Carvalho na Ordem Terceira do Carmo poderão ser ampliados com o acesso aos arquivos dessa instituição em Diamantina.

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MENDONÇA, Nívea Maria Leite. "As Ordens Terceiras do Carmo na Capitania de Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX" In. Revista Faces de Clio, Vol. 5, nº 10, Jul/Dez. 2019, p.51-52.
REZENDE, Leandro Gonçalves de. O Monte Carmelo nas Montanhas de Minas: Arte, Iconografia e Devoção nas Ordens Terceiras de Minas Gerais (séculos XVIII e XIX). 2016. 188f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 2016, p. 22–23.

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A morte e o testamento de José Lopes de Carvalho

Sem ter documentos diretos, mas com uma análise criteriosa, Urbino Viana se aproximou da possível data de falecimento do Alferes, escrevendo: “Em 1775 ou 1776, deu-se a morte do Alferes José Lopes de Carvalho, o instituidor do Patrimonio, cuja memória desejamos se perpetue em modesta lapide assente numa das paredes da cathedral”. (VIANA, 1916, p.)

Contudo, ao verificar os documentos, fica claro que José Lopes faleceu em 30 de abril de 1781, deixando o testamento registado em 9 de janeiro de 1781. “Registro do testamento com que faleceu Jose Lopes de Carvalho, em trinta de abril de mil sete centos oitenta e hum de quem he Testamenteiro João Lopes da Silva... (fl.30v)

O requerimento de abertura do testamento ocorreu em de 18 de agosto de 1787, feito pelo testamenteiro João Lopes da Silva, sobrinho de José Lopes de Carvalho. De um modo geral, o testamento declara os bens e divide algumas partes com doações para instituições religiosas, pedido de vinte missas em favor de sua alma etc. Os bens principais foram deixados com o seu sobrinho João Lopes da Silva, conforme escreveu o Alferes: "a meu sobrinho e meu testamenteiro nomeado por meu herdeiro de todos os meus bens em as condições e encargos que neste meu testamento declaro, satisfeitos estes, tudo o mais que sobre lhe ficara pertencendo” (fl. 35v-36)

O Alferes José Lopes de Carvalho foi enterrado junto ao altar principal da Capela Nossa Senhora da Conceição e São José, que veio a se tornar a atual Igreja Matriz de Montes Claros.


CRONOLOGIA

1721 – 10 de julho: nascimento de José Lopes de Carvalho, em Vilar da Veiga, Terras de Bouro, Distrito de Braga, Portugal. Filho de Gervasio Lopes e Maria de Carvalho.

1721 – 16 de julho: dia de Nossa Senhora da Conceição. Batismo de José Lopes de Carvalho, sendo padrinhos Gabriel João e Clara Rodrigues.

1723 – 10 de fevereiro: nascimento de João Lopes da Silva, em Vilar da Veiga, Terras de Bouro, Distrito de Braga, Portugal. Filho de Gervasio Lopes e Maria Francisca.

1750 – 3 de dezembro: o rei Dom José I restabelece a cobrança do quinto e as casas de fundição nas minas.

1751–1755 – possível chegada ao Brasil de José Lopes de Carvalho e parentes.

1757 – extinção da casa de fundição de Minas Novas.

1758 – fundação da Ordem Terceira do Carmo do Arraial do Tijuco (atual cidade de Diamantina), tendo como primeiro prior o contratador João Fernandes de Oliveira.

1758 – 30 de dezembro: na Igreja matriz de Itacambira é feito o registro de batismo de Joanna, do ribeirão de Tabua, tendo como padrinho José Lopes de Carvalho.

1761 – 2 de junho: lançamento de quitação ao alferes José Lopes de Carvalho, por Domingos Duarte Pereira e sua mulher, Dona Maria Ferreira de São João, dos bens deixados por Inácia Pereira Leal, filha destes e mulher daquele, falecida sem deixar descendentes.

1765 – construção da Igreja Nossa Senhora do Carmo patrocinada por João Fernandes de Oliveira.

1768 – 27 de setembro: é passada ao alferes José Lopes de Carvalho a escritura de venda da fazenda de Montes Claros, pela viúva de Antônio Gonçalves Figueira, dona Isabel Ribeiro de Aguiar, representada pelo seu filho Tenente Manoel Ângelo Figueira, também representado os seus irmãos órfãos.
1769 – 18 de junho: é requerida pelo alferes José Lopes de Carvalho e despachada favoravelmente a necessária licença para erigir uma Capela.

1769 – 19 de junho: é feita a escritura da doação do patrimônio de légua e meia de terra, de comprido por uma légua de largo, e mais cinquenta novilhas ferradas, à Capela de Nossa Senhora da Conceição e São José, na fazenda dos Montes Claros, passada pelo Tabelião Francisco Miguel da Silva.

1769 – 20 de junho: o Alferes José Lopes de Carvalho obteve, para si e pessoas da família, sepultura na Capela que ia erigir.

1770 – Início da construção da Capela de Nossa Senhora da Conceição e São José.

1774 – encontra-se construída a Capela de Nossa Senhora da Conceição e São José. Formação do Arraial de Formigas.

1781 – 9 de janeiro: registro do testamento de José Lopes de Carvalho, em Vila do Príncipe, comarca do Serro do Frio.

1781 – 30 de abril: faleceu José Lopes de Carvalho, aos 60 anos de idade, sendo enterrado no altar dentro da Capela de Nossa Senhora da Conceição e São José.

1787 – 18 de agosto: João Lopes da Silva, sobrinho de José Lopes de Carvalho, como testamenteiro requer a abertura do testamento.

1792 – 25 de agosto: faleceu João Lopes da Silva. Foi enterrado na junto ao tio, na Capela de Nossa Senhora da Conceição e São José, com rito religioso realizado pelo Padre Paulo Antônio Barbosa.

1796 – 17 de agosto: na Capela do Arraial de Formigas, D. Maria Francisca Caetana de Campos se casou com o Capitão Manuel Pereira Machado, originário de Vitória, Espirito Santo, filho de Diego de Almeida Silva e Maria Paula Silva.

1798 – 8 de janeiro: na Capela do Arraial de Formigas, foi feito o casamento de Isabel Maria Joaquina da Silva, filha de João Lopes da Silva e Maria Francisca Caetana de Campos, com o Alferes Custódio Gonçalves Pereira, filho de Francisco Gonçalves de Araújo Pereira e Rosa Maria de Abreu.

1800 – 5 de junho: abertura do inventário de João Lopes da Silva, em que compareceram seus descendentes perante o tabelião Joaquim José de Araújo.

1802 – 30 de abril: D. Maria Francisca Caetana de Campos, vendeu terras da Fazenda Montes Claros, havidas por direito legitimo de a metade.

1805 – 11 de setembro: D. Maria Francisca Caetana de Campos, numa escritura de desistência e cessão, entregou a seu genro José Guilherme de Prates Pimentel uma porção de terras na fazenda Mocambinho, sem prejuízo na parte cabível na fazenda Vieira.


BIBLIOGRAFIA:

Portugal, Arquivo de Braga, Registro Civil, Concelho de Bouro, Freguesia Vilar da Veiga, Anos 1708-1748, livro nº 2.

ROCHA, José Joaquim da. Geografia histórica da Capitania de Minas Gerais. p. 142/143. MAPAS das quatro comarcas, elaborados por José Joaquim da Rocha (1780).

MIRANDA, Selma M. A Igreja de São Francisco de Assis em Diamantina. Brasília: IPHAN/Programa Monumenta, 2009.

MENDONÇA, Nívea Maria Leite. "As Ordens Terceiras do Carmo na Capitania de Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX" In. Revista Faces de Clio, Vol. 5, nº 10, Jul/Dez. 2019
REZENDE, Leandro Gonçalves de. O Monte Carmelo nas Montanhas de Minas: Arte, Iconografia e Devoção nas Ordens Terceiras de Minas Gerais (séculos XVIII e XIX). 2016. 188f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 2016
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, trad. de Vivaldi Moreira. Belo Horizonte. Editora Itatiaia ltda, 2000.

VIANNA, Urbino de Sousa. Montes Claros: Breves Apontamentos Historicos, Geographicos e Descriptivos. Imprensa Official do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, 1916.

PAULA, Hermes de. De Padre Chaves a Padre Dudu. Littera Maciel Ltda, Belo Horizonte-MG, 1982.


Fabiano Lopes de Paula

O Livro de Dário

Podemos chamar o novo livro de Dário Teixeira Cotrim, onde reúne em crônicas suas vivências, de "Livro das Descobertas”. É, na verdade, um compêndio de narrativas históricas, decorrentes de suas leituras e, sobretudo, da oralidade contida nas histórias do nosso sertão norte-mineiro, marco geográfico de tantas trocas culturais que muito enriqueceram a nossa região.

São muitas histórias, muitas delas instigando e abrindo caminho para a pesquisa, além de Dário Cotrim apresentar resenhas de autores bastante pesquisados, como Diogo de Vasconcelos, Nelson Vianna, Pedro Calmon e Urbino Vianna, dentre outros. Este último soube, como ninguém, perceber a ocupação da região norte-mineira.

As crônicas e artigos de Dário publicados em jornais abrem esta perspectiva de resgate de histórias, ora esquecidas, ora mal contadas e até mesmo mal-ouvidas. O livro anuncia a existência delas e, na medida do possível, dá-lhes voz. Quem sabe um dia poderão reverberar em ecos pelos quatro cantos do sertão mineiro!

E, buscando numa lógica do David Lowenthal, a emoção surge associada ao sentimento de um tempo passado que a antiguidade das coisas e dos lugares pode suscitar em cada um. (Lowenthal, 1975). É importante sempre manter um olhar aguçado sobre novas possibilidades. É preciso buscar, nestas fontes e percepções, novas ideias. Portanto, é necessário buscar o máximo de informações históricas em diferentes fontes, mesmo que difusas, contraditórias e incipientes, pois são elementos indiciários para uma maior compreensão da história! É preciso, sempre, convalidar e requalificar a história, pois há, sem dúvida, vazios entre as histórias oficiais, a prática acadêmica, a oralidade, o saber e o imaginário popular
Esta nova obra de Dário Cotrim reúne diferentes fatos sobre a história sertaneja. A organização dos capítulos é livre, pois, no contexto de um conteúdo diverso, poderia ser organizada em diferentes sentidos. Um destes roteiros pode nascer de uma crônica relativa à pré-história, citando um icônico artefato – a lâmina de machado de pedra polida -, muito comum nos sítios arqueológicos norte-mineiros.

Dário segue no tempo passado, cita os bandeirantes, a ocupação do Norte de Minas Gerais e as confluências com o território baiano. Deste período formativo do estado de Minas Gerais, são citados os movimentos de resistência acontecidos e tão pouco conhecidos, a exemplo do Movimento dos Papudos, de Maria da Cruz, de São Romão e mesmo os motins de Montes Claros, que Diogo de Vasconcelos listou em sua obra. Alguns desses movimentos sertanejos já foram objeto de livros e teses de diversos pesquisadores mineiros, porém, mesmo assim, carecem de mais pesquisas.

Ainda dentro do conteúdo trazido por Dário, tangenciando a esfera imaterial da cultura norte-mineira, ele dá foco a velhas histórias. A "Lenda do Bicho da Carneira”, comum na região de Pedra Azul, que, em outras regiões do Brasil, se aproximam muito da "Lenda da Mão Seca”, que traz, sem nenhuma inocência, o pavor gerado em várias gerações ulteriores de norte-mineiros.

Embora a narrativa decorra de um ato cruel, imperdoável, este artifício de fabulação trouxe uma gama de valores éticos, morais e de respeito. Estas histórias, como outras citadas por Dário Cotrim, já desapareceram do nosso campo de visão, daí a importância da memória, como instrumento e, com ela, as coisas esquecidas estarão sempre presentes.

A experiência emocional está diretamente associada ao sentido de reconhecimento e de fatores identitários, seja pela paisagem física, pelas percepções, pelos sons e pelos sabores experimentados.

Enfim, é neste diálogo que a história sobrevive e se projeta para o futuro.

Fabiano Lopes de Paula


Filomena Alencar Monteiro Prates
Cadeira 74
Patrtono

CRÔNICAS DE UMA CIDADE

Vamos relembrar nossas divas, os nomes que dão nomes as ruas, praças, avenidas logradouros e prédios públicos de nossa cidade. A história de Bárbara de Alencar

O MANUSCRITO A SENHORA BARBARA DE ALENCAR.

A amigável conversa com Adolpho Caminha se estendia. Entre um cafezinho e outro eu ouvia atento as histórias que ele me contava. Jovita Feitosa foi uma mulher forte e determinada meu jovem. Mas a história de Dona Bárbara de Alencar é digna de uma saga histórica meu caro. Estou ansioso meu caro escritor, e pronto para ouvir. Então vamos lá. A senhora Bárbara de Alencar nasceu em Exu no estado de Pernambucano.

Era o ano de 1760. Filha de grandes proprietários de terras ela se casou jovem aos 22 de anos de idade com o português José Gonçalves dos Santos, de idade bem mais velha que a dela. Era ou parecia ter sido um casamento de conveniências, algo comum entre as famílias abastardas. Depois veio para o Cariri mais precisamente vindo a se instalar na cidade do Crato. Onde teve seis filhos entre eles Tristão Gonçalves e José Martiniano de Alencar, (pai do romancista José de Alencar), vivendo da criação de gado e engenhocas produtoras de mel, açúcar e cachaça assim como também de rapadura.

Em 1809 o marido morre e dona Bárbara de Alencar assumi os negócios da família, algo inédito e extraordinário para a época num mundo marcado pela patriarcalismo extremo. Dizia se a boca miúda entre futricas e fofocas que seria amante do vigário do Crato Miguel Saldanha. Histórias que diziam sem comprovação dos fatos. Envolveu se diretamente na revolução de 1817, e com o fracasso da mesma, acabou sendo presa e sofreu bastante nos cárceres coloniais. Pelo contexto histórico e político é considerada por muitos historiadores como a primeira presa política do Brasil.

Em 1824 já debilitada e bastante doente devido o peso da idade viu e autorizou os filhos a se envolverem na confederação do Equador. Perde dois filhos na revolução. Tristão Gonçalves e Carlos José além de vários amigos e conhecidos. Morreu em 1832, no Piauí, onde se refugiara fugindo da perseguição política de Pinto Madeira nas terras do sertão do Cariri. Mulher de fibra determinação e coragem acreditava nos ideais de liberdade e igualdade numa terra de desmandos e desfechos políticos cruéis. De alma livre e Espírito de luta, a grande fazendeira Barbara de Alencar fez história e nos legou filhos que morreram com os seus ideais de liberdade e justiça. O lampião acesso e o cheiro de café quente se sentia na sala. Hoje um nome de Bárbara de Alencar dá nome a uma rua de nossa cidade. Até a próxima crônica


Maria da Glória Caxito Mameluque
Cad. N. 40
Patrono: Georgino Jorge de Souza

O CASO DO CAVALO “MELADO”

Estando recentemente no gabinete do Desembargador Osvaldo Oliveira Araújo Firmo, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, ele passou-me as mãos uma Nota histórica escrita pela Assessora da Superintendência da Memória do Judiciário Mineiro, Júnia Cavalcante Diniz, que relata um processo de Ação de Busca e Apreensão em que o objeto do litígio é o cavalo por nome “Melado”. Foi dado e passado na Comarca de Manga, MG sendo Juiz de Direito o Exmo. Doutor Osvaldo Oliveira Araújo Firmo, hoje Desembargador.

A petição foi assinada pelo advogado Helder Mota Ferreira, em 21 de outubro de 1992, alegando que um cavalo da Requerente adentrou a fazenda do Requerido e que este apreendeu o cavalo, colocando-o para restar serviços, sob maus tratos.

O DESPACHO DO JUIZ:

Comarca de Manga Proc. 2.238/92
Ação Busca e Apreensão
Reqda: Lourdes Pereira dos Santos
Reqdo: Jonas Torres Dourado
Lourdes Pereira dos Santos
Mulher que é trabalhadora,
Envolvida em muitos prantos:
Brasileira, casada e agricultora
Tem um cavalo farrista,
Talvez uma parelha de bois...
Na Fazenda Boa Vista,
Lá em Panelinha II.

Mas seu querido cavalo
Que trazia coisas pra cidade,
O grande e fiel Melado
Troncho da orelha esquerda,
E com doze anos de idade,
Se viu numa enrascada,
De arrepiar cauda e crina,
Por uma causa explicada,
Que por certo é pequenina.

É que Jonas Torres Dourado,
Lavrador em Japuré,
Também brasileiro e casado,
Teve seu milho pisado
Sob as patas do pangaré.
O bravo Torres Dourado,
Sequer se fez de rogado,
Ou quis merecer suplício
Estando bem chateado,
Fez arbitrário exercício
De suas próprias razões
Coisa incomum na cidade,
Mas sabida nos grotões.

Levou “Melado” pra casa
Pra Fazenda Tapicuru.
De milho de cova rasa
Hoje ele come é angu
Dona Lourdes é só saudade
Do “Melado” prestativo.
Tem notícias que ele sofre
Nas mãos de quem é cativo.

E tão injusto é o confisco,
Que as lágrimas de saudade
Têm enchido o São Francisco...
Dizem os que o conhecem,
Ao “Melado” de verdade
Que sua fisionomia
Causa a todos piedade.
Triste a sina do Melado
Quadrúpede inesquecível
Cuja sorte é alardeado,
Abala gente insensível.

Mas sua dona e patroa
Prefere as vias da lei
Tem fé na Constituição,
E pede em “liminar”
Sua busca e apreensão.
Sem muito alarde geral
Que tudo se faça à parte
Do autor da vil prisão
E, inaudita altera parte
Liberte-se o cavalo peão.

Mas não ficou acertado,
Das provas como convém
Ao Juízo confirmado,
Que é dona daquilo que tem,
De seu cavalo “Melado”
Que não é puro alazão,
Mas é bom no arado e canga,
E amado na região,
De panelinha a Manga,
Enfim por todo o sertão.

Em face disso, é preciso
Ouvirem-se testemunhas,
Pessoas de muito siso
Em prévia justificação,
Onde confirmem em Juízo:
“Dona Lourdes tem razão.”

Pela urgência do pedido
Do equino esperado,
O dia 13 se alinha
Azado que eu o entendo,
Sexta-feira na folhinha
Do corrente mês – novembro,
Para a audiência marcado,
Sem muito fazer alarde,
Que o dia é macabro,
Às duas horas da tarde.

E venha a gente amiga

De a pé ou sobre barca,
Ao Fórum “Dr.Ortiga”,
Na sede desta Comarca

E o dia será de sorte,
Para o “Melado”azarão,
Que comendo milho alheio,
Cumpre pena desde então.

Intime-se por mandado
A quem de direito queira
E ao douto advogado,
Dr.Helder Mota Ferreira,
Por ordem deste togado
Da Magistratura Mineira,
E que vem abaixo-assinado,
Em Manga, com o sol rompe4ndo,
No dia 10 de novembro.

PEDIDO DE ARQUIVAMENTO

Excelentíssimo Juiz,
Poeta bem adornado,
Aqui venho, procurador,
Nos autos, e abaixo-assinado,
Narrar o fim desse feito,
Que mal se viu começado,
E pedir o arquivamento
Por ordem desse Togado.

“Melado” já está em casa,
Na Fazenda Boa Vista,
Descansando do sofrimento
Do que por certo foi vítima.
Corre atrás de touro bravo,
Sem ter o menor cuidado,
Não pode é ver pé de milho,
Que fica desesperado.

A chegada de “Melado”,
Foi marcada de emoção,
Ao lado de Dona Lourdes,
Autora dessa Ação,
E com eles seu marido,
E Zequinha no violão,
Sanfona de oito baixos,
Tocada por Zé Paixão.

Foi grande felicidade,
Na região de Japuré,
“Melado” chegou com festa,
Forró e arrasta pé.

Agora é só ter cuidado,
E um pouco de maldade,
Pois os momentos vividos
Não lhe deixaram saudade.
Dona Lourdes com notório
Ar de ter satisfação.
Já veio ao meu escritório,
Manifestar gratidão,
Confiada na Justiça
Que provocou a soltura
E pôs a força submissa
Louvou a Magistratura
E vai mandar rezar missa.

Pelo motivo exposto
De pouca fundamentação,
Se perdeu o objeto,
Acabou também a Ação.
Aos autos, adeus: ao arquivo,
Como a Lei determina,
Mas sem antes pagar aas custas
(por certo são pequeninas).

O Despacho de V.Exa.,
Além de bem fundamentado
Mostrou a enorme competência
Deste jovem Magistrado,
Que, com pouco tempo em Manga,
Nos causa admiração;
Culto e inteligente,
Age com dedicação.

Desfeito todo o tormento,
Aguardam os autos Despacho
Pondo fim ao sofrimento
Do “Melado” feito capacho.
Pede, pois, deferimento
Do pedido de arquivamento,
Em Manga, muito chovendo,
No dia 17 de dezembro.

CONCLUSÃO

Aos 18 de dezembro de mil
Novecentos e noventa e dois,
Até eu, escrivão, que lhe
Faço conclusão,
Já me acho entediado com
O caso do “Melado”.
Peço a V.EXa. permissão
Com respeito e admiração,
Que profira uma decisão,
Acabe com a brincadeira
E mande o processo
Pra prateleira.
Assino eu, Ulisses Ferreira.

DECISÃO

Segue a minha decisão
Não feita com muita arte
Mas com toda atenção,
Em 2 (duas) laudas à parte.
Manga, 18 de dezembro de 1992.

SENTENÇA

Do ilustre advogado
Um combativo Doutor,
Nas lides gabaritado,
E da poesia bom cultor
Recebo em conclusão
Pedido de arquivamento
Em métrica petição.

Melado, neste Juízo,
É história que tem final
Laborou em prejuízo
Ao pisar no milharal.

Voltou pra casa contente
Para alegria geral
De todo e qualquer parente
dos instruídos aos sem grau.

De Manga a Japuré
Foi tudo uma festa, pois
Motivo de arrasta-pé
Lá em Panelinha II.

No Juízo fez sucesso
Sem nunca aparecer
Iniciada a porfia,
No pedido de regresso
Do Melado de vali8a,
Teve despacho impresso.
Em forma de poesia
(jocosa que eu a confesso).

Devolvido o bom Melado,
Melou-se toda a lide;
Está o pedido acatado
E sem merecer revide.
Melado está no campo
Pastando capim nativo,
E seu processo, portanto,
Que vá repousar no arquivo.

Até o Escrivão se apanha,
Sem muito trazer senão,
Fazendo versos com manha
De cantador do sertão.
Cumpra-se este despacho,
Arquivando-se o processo,
Pela perda do objeto.
E as custas, sem profusão,
Depois do feito contado,
Incluída a inflação,
Pague a dona do Melado.
Está o caso encerrado.

Em Manga, com o rio enchendo,
Carregando porco e bois,
Em 18 de dezembro,
Do ano de 92.

Osvaldo Oliveira Araújo Firmo – 127º Juiz de Direito Substituto

Ref: Jurisp. Mineira. Belo Horizonte, a.55,nº 168, p.11-19, abril/junho 2004.


A CÉLEBRE JUSTIÇA DA VILA RISONHA DE SÃO ROMÃO

Em 1720, implantou-se na Vila o JULGADO DO RIO SÃO FRANCISCO. Julgado tinha o significado de sede da JUSTIÇA. Era composta por dois Juízes com alçada no civil, no crime e nos órfãos; um tabelião e um escrivão de órfãos e das execuções; inquiridor, contado r e distribuidor; meirinho do Julgado e seu escrivão; meirinho do campo, também com seu escrivão. Todos eles providos pela Junta da Fazenda Real.
Ela se tornou célebre e profundamente temida. Atribui-se a Saint-Hilaire a narração do seguinte fato: Tendo adentrado por um dos recônditos da floresta do Rio São Francisco, encontrou em lugar bem distante de São Romão, morando em uma tosca cabana, um solitário cidadão, privado de todo o conforto e sem vizinhos.
- Por que mora aqui? Perguntou Saint-Hilaire.
- Estou correndo da justiça de São Romão- respondeu o homem, tremendo de medo ao ser interrogado.
-Cometeste algum crime?
1Não cometi crime algum. Estou correndo da justiça de São Romão porque ela persegue os inocentes de forma atroz.
O engenheiro e escritor Geraldo Rocha (In O Rio São Francisco –p. 242, 3 e 4) dá algumas narrativas da célebre Justiça da Vila Risonha de São Romão. Narra ele que a Justiça constituía uma das pragas almejadas aos inimigos pelos ribeirinhos do São Francisco. e conta um outro caso:
Havia um abastado fazendeiro e os juízes e serventuários ardiam de desejo de fazer-lhe de qualquer modo o inventário. Eis que numa tarde, estava o velho e opulento à janela de sua casa, quando ao longe avistou numerosa cavalgada, empoeirando toda a estrada e que se dirigia exatamente para a sua propriedade. Os recém-chegados foram cordialmente saudados pelo fazendeiro e convidados a descerem de suas montarias. Mas a apresentação dos chegantes foi pronta e firme:
- Somos a justiça de São Romão!
Tais palavras soaram como um tiro de canhão violento. A palidez tomou conta do morador, de sua família e de seus agregados.
-Mas vieram a que? Balbuciou o fazendeiro.
-Tivemos notícia na Vila de que o senhor havia falecido e prontamente, para essas situações, aqui estamos, com o devido zelo, para fazer o seu inventário.
- Mas, Minha Nossa Senhora, estou vivo e com boa saúde. Tal notícia é profundamente falsa, como todos os senhores podem notar.
- Para nós, tal argumento é secundário- retrucou o Juiz.
E sem mais aceitação de argumentos e comprovações no contraditório, baixou ali, frente a todos seu veredito final:
- A justiça de São Romão já se abalou nos conformes para essa diligência e ninguém, ninguém mesmo, poderá deter a Justiça de São Romão!
E fizeram em vida o inventário do infeliz fazendeiro, com todos os detalhes dos seus bens, que legalmente passou a ser um morto vivo, deixando viúva e, mais a ficar de mãos vazias no mundo dos viventes.

235 ANOS DEPOIS, A HISTÓRIA É OUTRA:

Em 25 de março de 1955, foi instalada solenemente a Comarca de São Romão. O registro feito no livro de minha autoria “De Vila Risonha a São Romão” lançado há dez anos, traz ainda a ata desse importante evento. Ata que pesquisei no Cartório local e consegui reproduzir no livro, no seu original, manuscrita pelo escrivão Manoel Bispo, com sua letra inigualável, desenhada e bonita, mas até um pouco difícil de ler. Na lista de assinaturas de presentes ao evento, vejo emocionada a assinatura do meu pai, Manoel Jovino Filho – vereador.

Pela Resolução nº 46 da Corregedoria da Justiça, em janeiro de 1971, a Comarca foi extinta e em 20 de junho de 1986 foi restabelecida, cuja ata da audiência da reinstalação também está registrada no mesmo livro nas páginas 58 a 60.

E dia 25 de fevereiro de 2022, 302 anos depois, acontece uma grande conquista: a inauguração do novo Fórum, um belo prédio com todos os requisitos necessários ao novo tempo, inclusive acessibilidade e estacionamento, que recebeu o nome do Dr. Ruy Gouthier de Vilhena. A solenidade contou com expressivo número de autoridades, como o Presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o Desembargador Gilson Soares Lemes, que presidiu a cerimônia, o ex-presidente do TJMG Nelson Missias de Morais que iniciou os trabalhos de construção do novo Fórum, o Corregedor Geral de Justiça Desembargador Agostinho Gomes de Azevedo, e demais Desembargadores e Juízes que se fizeram presentes, recebidos pelo Juiz Diretor do Fórum de São Romão Eliseu Silva Leite Fonseca.

Contou ainda com a presença de servidores da Justiça de Montes Claros e Comarcas vizinhas, representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil, Polícia Militar e Civil, do Padre João Rafael Araújo que abençoou o novo Fórum, e do empresário Décio Bruxel, um anfitrião cortês e perfeito, que mesmo não sendo de São Romão, muito contribuiu para o acontecimento, não medindo esforços para que tudo se realizasse bem e a contento.

Não faltou o momento solene do descerramento das bandeiras e corte das faixas, sob os acordes da Banda de Música Sete de Setembro, uma tradição sanromanense e um momento afetivo, quando a Dra. Rosana da Paixão Siqueira recebeu flores das mãos da serventuária Marta Fonseca, em homenagem ao seu irmão Renivaldo José Siqueira, ex-serventuário de São Romão e que faleceu recentemente, ainda no exercício do cargo. Para minha surpresa, também fui homenageada com flores entregues pela serventuária Beatriz, representando ali o povo sanromanense.

Fui à inauguração, acompanhando meu filho Leopoldo Mameluque, Juiz Corregedor, da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, integrante da comitiva.

Para mim, voltar à minha terra após seis anos de ausência, foi novamente uma volta ao passado, agora com uma imagem que há muito tempo não via: o Rio São Francisco transbordando e invadindo as margens e a cidade. A travessia na balsa até provocando medo na gente, pela força das águas que vão descendo, não tão calmas como em tempo de seca; a ilha em frente da cidade, sem sua famosa praia, já engolida pelas águas do rio.

E passo a refletir, lembrando-me do poema de Carlos Drummond de Andrade:

“E agora, José?”

E agora, Glorinha?
“Com a chave na mão quer abrir a porta,
Não existe porta;
Quer morrer no mar, mas o mar secou;
Quer ir para Minas, Minas não há mais.
José, e agora?”
A água subiu, o povo sumiu, e agora?
Com os olhos atentos, quis ver meu pai no barranco do rio.
Não existe o barranco, a água inundou;
Não existe o meu pai
Que morreu há anos...
Queria ver minha casa, não existe a casa
Que a enchente levou ...
“Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse
A valsa vienense, se você dormisse, se você cansasse,
Se você morresse... mas você não morre, você é duro, José!”

Você é dura, Glorinha!

“Sozinho no escuro, qual bicho do mato, sem teogonia,
Sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto
que fuja a galope, você marcha, José!
José, para onde?”
Você marcha, Glorinha!
Para onde, Glorinha?

Membro da Academia Montes-Clarense de Letras, da Academia de Letras, Ciências e Artes do São Francisco, do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e da AJEB/MG – Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil.


Guilherme Matias Silva Peixoto
Cadeira N. 28
Patrono: Darcy Ribeiro


GERALDO MARTINS DE SANTANA

CABO SANTANA (29/03/1923 – 09/11/1944)
“ O PRIMEIRO MONTESCLARENSE MORTO EM COMBATE NA ITÁLIA” 09/11/1944
“...VERÁS QUE UM FILHO TEU NÃO FOGE Á LUTA,
NEM TEME, QUEM TE ADORA, A PRÓPRIA MORTE!”...

Na Itália, tombou em combate há 78 anos na II Grande Guerra Mundial, o Primeiro Montesclarense, irrigando a terra ilustre que abrigou o amor incomparável da Vitória Colona, e escutou os versos extraordinários de Dante Alighieri à Divina Beatrice.

Foi o Cabo Geraldo Martins de Santana, um jovem com apenas 21 anos, explêndido de entusiasmo pela causa da liberdade, a primeira vítima escolhida pela fatalidade inexorável do destino, para fixar Montes Claros como contribuinte da regeneração dos costumes políticos do velho continente.

Dobrou-se a alma montesclarense, em atitude de recolhimento e prece, para suplicar ao Criador que o acolheu, na tranquilidade eterna dos justos.

O seu exemplo enérgico, exemplo dos que são capazes de viver por uma ideia única e morrer por um sentimento, só há de servir as gerações de hoje e amanhã como exemplo magnificante de uma vida exemplarmente devotada ao serviço da Pátria, da humanidade e da civilização.

Somos um milagre admirável de unidade espiritual, que inflama e se agita, que reage e avança, que se precipita e se dilacera e morre. Mas vence e, com a vitória, oferece ao Brasil reservas do patrimônio moral que o faz tranquilo e brioso, pacífico e capaz de todos os sacrifícios, porque senão desfiguram ou desfaleçam aquelas reservas. Tem esta significação superior, o sacrifício do Cabo Santana.

Cabo Santana era natural de Montes Claros, onde nasceu no dia 29 de março de 1923. Era filho de Antônio Martins de Sant’Anna Primo (Maçarico) e Dona Josefina Cândida Sant’Anna. Estudou nas Escolas Anexas à Escola Normal de Montes Claros, sendo muito estimado pelos colegas, por ser reservado e bastante estudioso.

Muito cedo manifestou grande desejo de servir a sua Pátria, tendo aos dezessete anos e dez meses seguido para Belo Horizonte, afim de se oferecer para servir ao Exército. Isto em 5 de janeiro de 1941.

Um defeito na mão direita e por não ter dezoito anos completos, causou-lhe um pequeno embaraço para ser incorporado ao Exército, mesmo assim por seu amor e vontade em servir a Pátria, não desistiu. Submeteu a um tratamento médico que de tão bem feito que foi realizado sua mão ficou perfeita sem nenhuma sequela, como se não houvesse nenhum defeito anteriormente.

Em 14 de setembro de 1942 foi promovido a Cabo. Quando o Brasil rompeu com os Paises do eixo, foi ele transferido para São João Del Rey, para o 11º Regimento de Infantaria RI, a fim de ser incorporado nesse regimento, em 13 de janeiro de 1944. Servia ao 3º Batalhão CIA de metralhadora.

De São João Del Rey, seguiu para o Rio de Janeiro sendo incorporado ao 6º Regimento de Infantaria. Foi incorporado à Força Expedicionária Brasileira, seguindo para a Itália com o 1º Contingente em 2 de julho de 1944.

Faleceu nas operações do Vale do Rio Reno, em 9 de novembro de 1944 atingido por estilhaços de granada (a medalha de sangue marca que ele foi ferido em Marano – Itália). Foi sepultado no Cemitério Americano de Vada. Em 1945 seus restos mortais foram trasladados para o Cemitério Militar Brasileiro de Pistóia, Quadra C, Fileira 10, Sepultura 117.

Em 1961 seus despojos, como os de outros combatentes que ali se achavam foram removidos para o Monumento Nacional erguido no Rio de Janeiro. O Monumento veio a cumprir o desejo do Marechal Mascarenhas de Moraes, Comandante da FEB, que, em afirmação de sua liderança e de seu respeito àqueles bravos homens, declarou: “eu os levei para o sacrifício; cabia-me trazê-los de volta”.

E foi assim que há exatamente 78 anos, que tombou, no campo da luta em defesa da soberania nacional, da liberdade e da civilização da humanidade. Sua família recebeu a seguinte carta do Ministério da Guerra:

MINISTÉRIO DA GUERRA
SECRETARIA GERAL DO MINISTÉRIO DA GUERRA EM 30 DE NOVEMBRO DE 1944.

Sr. Antônio Martins de Sant’Anna

Bastante prezaroso comunico-vós, de ordem do Exmo. Sr. Ministro, o falecimento em operações de guerra na Itália, do Cabo Geraldo Martins Sant’Anna da Força Expedicionária Brasileira.

Lamento sinceramente ter de vos transmitir essa infausta notícia, mais é oportuno e confortador, principalmente para os parentes mais próximos, saber que o Cabo Geraldo Martins Sant’Anna, em terra estrangeira soube honrar as tradições gloriosas do soldado brasileiro, demonstrando no campo de batalha nobres virtudes morais.

Entregue inteiramente ao serviço da Pátria, cuja honra defendeu com o sacrifício da própria vida, deu assim um sublime exemplo de amor ao Brasil, tornando-se um legitimo orgulho e grande incentivo aos seus parentes, amigos, camaradas e compatriotas.

Perdeu deste modo a Pátria um fiel e dedicado servidor e por este motivo, apresento-vos bem como a família do Cabo Geraldo, em nome do Exército as mais sinceras e sentidas condolências.

No impedimento do Exmo. Sr General Canrobert Pereira da Costa, Gen. Bda., Secretário Geral do Ministério da Guerra, Edgard do Amaral, Cel. Chefe Gabinete.

Apresentamos à família do morto as nossas condolências.

Canrobert Pereira da Costa
Gen.Bda.Secretário Geral do Ministério da Guerra.


A Segunda Guerra Mundial, foi mais que um longo e sangrento conflito armado por milhões de pessoas, e envolveu mais de cinquenta países de todos os continentes. E contou com a participação brasileira a partir de 1944, com o envio de aproximadamente 25.445 mil soldados, que lutaram no fronte de batalha do norte da Itália. Destes, 450 soldados morreram e três mil ficaram feridos. O Homem multiplicou por mil a sua capacidade de matar. Uma incômoda semente de medo foi plantada pela Segunda Guerra Mundial no coração de cada ser humano, que aparece tanto na mesa dos poderosos, como em momentos trágicos na história de outros países como foi em Hiroshima e Nagasaki – Japão, a mais terrível herança da 2ª Segunda Guerra Mundial, que às 8h15 do dia 06 de agosto de 1945, que nos 20 segundos que demorou para formar o cogumelo nuclear, 45 mil pessoas morreram. HIROSHIMA nove letras que alertaram o futuro.

E foi assim que o homem descobriu a possibilidade de seu próprio fim, não como SER, mas como ESPÉCIE.

E, no entanto, vejo neste ponto o maior desafio a que nos juntemos à minoria. Porque o mundo está numa situação ruim. Porém, tudo vai piorar ainda mais se cada um de nós não fizer o melhor que puder.

Portanto fiquemos alerta – alerta em duplo sentido: Desde Auschwitz nós sabemos do que o ser humano é capaz.

E desde Hiroshima nós sabemos o que está em jogo.

Hoje o sangue dos nossos soldados, não mais escorrem pelo chão da Itália, não mais fertilizarão os vinhedos de Toscana, nem tingirão de rubro os picos nevados da Emília, pois o inimigo atroz entregou-se vencido e capitulado.

Após a assinatura da rendição alemã, a Força expedicionária Brasileira começou a ser desmobilizada logo na Itália.

A ida do Contingente brasileiro à Europa aumentou as contradições internas do Governo de Getúlio Vargas, pois os soldados brasileiros foram até a Europa lutar contra uma ditadura fascista, apesar de viver no Brasil sob um regime anti-democrático.

Temeroso que esses soldados, agora experientes, pudessem se opor contra o governo, Vargas se apressou em desfazer o contingente militar.

As gerações posteriores iriam ridicularizar o esforço dos soldados brasileiros afirmando que foram lutar num lugar sem importância e já” esquecido” pelo Exército Alemão.

Contudo desde o final dos anos 90, estudiosos tem se apresentado novos documentos e dando aos soldados brasileiros um lugar de honra na História.

A FEB deixou registrado nos anais da História um dos feitos mais gloriosos da nossa Força Terrestre, escrito com demonstrações de bravura, abnegação, perseverança e fé no cumprimento da missão. A tomada de Monte Castelo tornou o combatente brasileiro reconhecido e respeitado.

Reverenciar aqueles que escreveram esta página de honra e glória com seu próprio sangue é um dever de todos nós. Aos nossos valorosos combatentes, nosso reconhecimento e eterna gratidão!

A você Cabo Santana, nós o respeitamos e exaltamos!


A sua vida foi dedicada à Pátria e a liberdade. Morrestes como vivestes: Pela civilização, por vossa gente, por vossa Pátria e por vosso Deus.

Tombaste, mas não foi em vão, nós o prometemos.

GERALDO MARTINS SANTANA – CABO SANTANA
CRONOLOGIA

29-03-1923 NASCE EM MONTES CLAROS - MG
14-12-1935 RECEBE O DIPLOMA DO CURSO PRIMÁRIO, DAS ESCOLAS ANEXAS Á ESCOLA NORMAL OFICIAL DE MONTES CLAROS
05-01-1941 SEGUE PARA BELO HORIZONTE AFIM DE SE OFERECER PARA SERVIR AO EXÉRCITO.
01-03-1941 INGRESSA NO 10º REGIMENTO DE INFANTARIA EM BELO HORIZONTE – 2ª CIA.
14-09-1942 PROMOVIDO A CABO.
13-01-1944 COM O ROMPIMENTO DO BRASIL COM OS PAISES DO EIXO, FOI TRANSFERIDO PARA SÃO JOÃO DEL REI – MG, PARA O 11º REGIMENTO DE INFANTARIA. SERVIA AO 3º BATALHÃO-CIA DE METRALHADORA.
22-06-1944 DE SÃO JOÃO DEL REI, SEGUIU PARA O RIO DE JANEIRO, SENDO INCORPORADO AO 6º REGIMENTO DE INFANTARIA
02-07-1944 INCORPORADO Á FORÇA EXPEDICIONÁRIA , SEGUIU PARA A ITÁLIA COM O 1º CONTINGENTE. PERTENCIA À 5ª COMPANHIA DO II BATALHÃO (COMANDADO PELO MAJOR ABÍLIO CUNHA PONTES),PARTICIPOU DA CAMPANHA DO VALE DO SERCHIO A PARTIR DE 15 DE SETEMBRO.
09-11-1944 MORRE EM OPERAÇÕES NA CIDADE DE MARANO – ITÁLIA, NO VALE DO RIO RENO, ENQUANTO GUARNECIA A LINHA DE FRENTE NUMA TRINCHEIRA NA LOCALIDADE DE PALAZZO D’AFFRICO COM ESTILHAÇOS DE GRANADA NO PEITO.
ENTERRADO NO CEMITÉRIO AMERICANO DE VADA.
26-07-1945 SEUS RESTOS MORTAIS FORAM TRANSLADADOS PARA O CEMITÉRIO MILITAR BRASILEIRO DE PISTOIA – ITÁLIA
01-05-1945 A PREFEITURA MUNICIPAL DE MONTES CLAROS, PRESTA HOMENAGEM AO FILHO SACRIFICADO EM DEFESA DA PÁTRIA, MUDANDO , EM SOLENIDADE PÚBLICA A DENOMINAÇÃO DA RUA 15 DE JULHO PARA A DE RUA CABO SANTANA.
22-12-1960 SEUS DESPOJOS, COMO OS DE OUTROS 462 SOLDADOS BRASILEIROS QUE SE ACHAVAM SEPULTADOS NO CEMITÉRIO BRASILEIRO NA CIDADE DE PISTOIA , FORAM REMOVIDOS EM CAIXAS INDIVIDUAIS DE ZINCO ENCERRADAS EM URNA DE MADEIRA PARA O MONUMENTO NACIONAL, NO RIO DE JANEIRO.
04-11-2020 INAUGURADO NA AVENIDA DO EXÉRCITO EM FRENTE AO 55º BATALHÃO DE INFANTARIA, EM MONTES CLAROS- MG, UM MONUMENTO PARA HOMENAGEAR O CABO GERALDO MARTINS SANTANA. O CONJUNTO MEMORIAL AO CABO SANTANA É O MAIOR MEMORIAL DA FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA – FEB EM MINAS GERAIS E UM DOS MAIORES DO BRASIL. O PROFESSOR JÚLIO CÉSAR GUEDES, UM ENTUSIASTA DOS FEITOS DOS NOSSOS PRACINHAS ALÉM DE SER UM PESQUISADOR DE HISTÓRIA MILITAR E DEFESA, FOI UM DOS RESPONSÁVEIS POR IMPULSIONAR A ARRECADAÇÃO DE RECURSOS PARA O PROJETO E UM DOS SEUS PRINCIPAIS IMPLEMENTADORES.(FOTO ABAIXO RETIRADA DO ARTIGO PUBLICADO POR MARCELO BARROS – 11 DE NOVEMBRO DE 2020)

16/02/2023 APROVADA A SESSÃO SOLENE EM HONRA DO CENTENÁRIO DO CABO GERALDO MARTINS SANTANA, A SER REALIZADO NO DIA 30/03/2023 NA CÂMARA MUNICIPAL DE MONTES CLAROS, EM REQUERIMENTO APRESENTADO PELO VEREADOR IGOR DIAS.

(NOVO JORNAL DE NOTÍCIAS – 23/02/23 – PÁG. 02)


DEPOIMENTOS

Geraldo era um garoto muito alegre, de família humilde. Estudou até a 4ª série primária nas Escolas anexas à Escola Normal Oficial de Montes Claros.

Era muito estimado pelos colegas, estudioso, amigo dos amigos, sincero, tinha facilidade para cativar amizades, sendo discreto, reservado, jamais falava sem pensar.

Os seus amigos não tomavam nenhuma decisão sem o consultarem! Com o seu espírito de liderança, era chamado pelos amigos de “REI DOS ARIRAS”.

Organizava lutas com os meninos da Rua de Cima com a Rua de Baixo, praticava esportes, tendo sido até campeão. Fazia parte também do grupo de escoteiros. Desde criança, tinha desejo de servir à Pátria. Com apenas dezessete anos e dez meses, seguiu para Belo Horizonte, a fim de se alistar no Exército.

Um defeito na mão direita, devido uma queda que ocorreu na infância, e por não ter idade completa (18 anos), causaram pequeno embaraço, para ser incorporado no mesmo.

Papai, muito orgulhoso de ver o filho servindo à Pátria, escreveu para várias personalidades políticas (seus amigos, entre eles, o ex-Presidente Artur Bernardes), para que interferissem no caso.

Sem nenhum vestígio de complexo, ele permaneceu encostado por um tempo no Regimento.

Após um tratamento, sua mão ficou tão perfeita, que não parecia que havia defeito algum, tendo, assim, sido incorporado no 10º Regimento de Infantaria em Belo Horizonte.
Antes de seguir para a Europa, ele esteve aqui em Montes Claros, para se despedir da família e dos amigos, com a mesma alegria e discrição de sempre, embora nós não tivéssemos certeza de que ele iria para a Europa, porque não nos revelava nada a respeito de sua vida militar.

Quando ficamos cientes de que ele estava em combate na Itália, o clima em casa era de vigília, para que Deus zelasse pela sua vida. Ele era Cabo de Artilharia, morrendo com estilhaço de granada no peito.

O seu corpo foi encontrado pelos seus companheiros de combate, trazia em suas vestes duas fotografias (santinhos): um de Santa Terezinha e outro do Bom Pastor.

Recebemos a notícia de sua morte, não havendo nenhum desespero, porém, todos nós choramos por muito tempo, entristecidos.

Papai nos dizia que esse era o seu destino, ficou triste, mas com resignação.


Natalícia Santana - (Dona Dodoca), irmã do Cabo Santana Montes Claros – 17/04/1989

não voltar, nós resolvemos vir assim mesmo, sem permissão, sujeitando-nos a sermos considerados desertores, como, aliás, foram considerados vários colegas. E que aqui em Montes Claros, o Santana permaneceu apenas por três dias, aproximadamente, e eu resolvi ficar por mais uns dias, sujeito a essas condições.

Santana, retornando ao Rio, tirava serviço em meu nome, quando na escala de serviço de nossa Companhia eu era escalado. E ainda tirava o serviço dele, quando era escalado também. Esse é um dos fatos que mais me tocaram da amizade de Santana.

Quando o 6º Regimento de Infantaria ia embarcar para a Itália, faltavam ainda alguns elementos para completar o efetivo e, dentre aqueles que foram transferidos de outros Regimentos para o 6º RI, o Cabo Santana foi um deles,

Mas, no dia do embarque, o interessante é que nós pensávamos que nós, dos outros Regimentos, é que iríamos, porque fizemos uma manobra, acreditando hoje que foi apenas uma manobra tática, para despotar a espionagem e outras coisas. Bom, então o Santana foi embora para a Itália e, um mês após , eu fui, no 2º Escalão.

Passado um mês, aproximadamente, que estávamos na Itália, um dia um amigo nosso, o Waldemar, me deu a notícia de que o Cabo Santana havia morrido. Nesse dia, eu fiquei muito, mas muito triste mesmo. Mas ele morreu como Herói. Todas as narrativas dos colegas que eu tive, posteriormente, atestavam a sua coragem e heroísmo. Nossos amigos sempre me contavam que ele era um bravo, um herói mesmo.

A recordação que a gente tem da nossa amizade nessa fase é que me faz chorar. Essas minhas lágrimas são da recordação que tenho dele, que eu considerava como irmão. Um verdadeiro irmão e, em muitas e muitas oportunidades, nós demonstrávamos essa amizade de verdadeiros irmãos.

Infelizmente, nós, brasileiros, menosprezamos os atos heróicos de nossos soldados e queremos até, muitas vezes, diminuir, reduzir, por exemplo, a participação da FEB – Força Expedicionária Brasileira na 2ª Guerra Mundial, considerando-a insignificante. Não. Não foi não. A quantidade de soldados que nós tínhamos na Força Expedicionária Brasileira era relativamente pequena, em relação às outras forças, mas, dentro desse pequeno contingente, tivemos muitos heróis e o Santana foi um deles!...

Eu quero deixar registrado esse fato. Aqui eu acabei falando mais da nossa grande amizade, mas tudo mais fica aqui nessas palavras!

O caráter dele e o tipo de pessoa especial que era o Cabo Santana!...


João Hamilton de Oliveira
Ex- Combatente Montesclarense
Montes Claros, 27/06/1989.

JOÃO HAMILTON DE OLIVEIRA

Numa Tarde de terça-feira, em 27/06/1989, estive na residência da querida e estimada escritora, Dona Yvonne de Oliveira Silveira e do Sr. Olynto Silveira, na Rua Padre Augusto (ao lado da Drogaria Minas Brasil), para ter um dos momentos mais emocionantes que vivi durante minha pesquisa sobre a vida do meu Tio-avô, Cabo Santana.

O depoimento do grande amigo e companheiro do Cabo Santana, João Hamilton, me fez viajar no tempo e vivenciar, mesmo que mentalmente, tudo que aqui foi relatado por esse homem de fala mansa e firme, e de uma educação ímpar, digno de um verdadeiro nobre.

Tudo começou com informações preciosas que me foram passadas pelas saudosas, minha avó – paterna, Maria da Conceição Santana Peixoto ( irmã mais velha do Cabo Santana) e pela minha tia Natalicia Santana ( Tia Dodoca – que me forneceu todos os documentos originais pertencentes ao Cabo Santana, para conclusão desta pesquisa), e nos orientou no sentido de procurar Dona Yvonne Silveira, a fim de agendar com seu irmão João Hamilton (que residia na época em Belo Horizonte), para que ele nos falasse melhor sobre o Cabo Santana, como Cabo e Militar, pois eram grandes amigos e verdadeiros irmãos.

Um dia, encontrei com Dona Yvonne na Academia Montesclarense de Letras, no Centro Cultural Dr. Hermes de Paula, quando eu trabalhava na Secretaria de Cultura (antes de mudar para a sede da Casa do Artesão Maria Dionísia Cardoso, em março de 1990), que funcionava no mesmo prédio.

Cheguei até a sala dela e me apresentei, informando-lhe que, ajudando Dona Milene Maurício ( na época, estava organizando exposição em homenagem ao Centenário do Dr. Antônio Teixeira de Carvalho – Dr. Santos ), ela me incentivou a fazer uma pesquisa sobre meu tio-avô Cabo Santana, que seria de muita importância para o arquivo Pró-Memória de Montes Claros, inclusive, na época, organizamos uma Exposição na Sala Geraldo Freire, e publiquei artigo no Jornal do Norte, no Caderno 2, de 18-19/11/1989,págiana 02.

Disse a ela, que minha família havia me informado sobre a grande amizade do meu tio-avô Cabo Santana com o João Hamilton, e eu gostaria de marcar um encontro com ele, para conhece-lo e ouvir o seu depoimento sobre quem foi o Cabo Santana.

De prontidão, ela me respondeu: Meu filho! O João Hamilton está me visitando, vai na minha residência amanhã (27/06/1989), para vocês conversarem e tomarem um café. Pelo que sei dessa grande amizade que ele teve com seu tio, ele vai ficar muito feliz!

Dito e feito, fui bem recebido, na agradável residência de Dona Yvonne e Sr. Olynto, ficamos na sala de estar conversando sobre vários assuntos de família, até que chegou o João Hamilton. Nessa hora senti muita emoção, em estar frente a frente com o grande amigo – irmão do Cabo Santana, um senhor magro, porte esguio e elegante, voz grave e firme, creio que Dona Yvonne passou todas as informações, pois me recebeu com um forte abraço que jamais esqueci.

Nesse momento, dona Yvonne e o Sr. Olynto pediram licença e se retiraram, deixando eu e o João Hamilton a sós, o que aconteceu. Estão relatados nesse depoimento, muita emoção e lágrimas ao conhecermos uma história de amizade entre dois soldados montesclarenses, que lutaram como Heróis pela FEB, na 2ª Guerra Mundial.

Um dia, encontrando com Dona Yvonne, ela me abraçou e disse: Meu Filho! Perdemos o nosso querido João Hamilton. Ele se foi, feliz pois teve a felicidade de ter tido aquele encontro com você e em poder deixar registrada a grande amizade que ele e o Cabo Santana tiveram como irmãos verdadeiros!


UMA CARTA DE PAI PARA FILHO

Montes Claros, 28 de outubro de 1944
Querido filho Geraldo:
Saudades...

Recebi do Quartel-General do Rio de Janeiro comunicação que foste incorporado à Força Expedicionária Brasileira.

Não foi para mim nenhuma surpresa, porque o soldado está sempre sob as ordens dos seus superiores e deve acatar essas ordens com todo o respeito.

Foste incorporado porque era necessário que a Pátria insultada respondesse à agressão dos corsários Nazistas que agiram debaixo de espesso nevoeiro, matando nossos irmãos.

Aqui, em casa, todos receberam com imenso orgulho essa notícia. Filho, jamais surja em teu cérebro o pensamento de um homem covarde. Seja firme no cumprimento do dever, principalmente quando a nossa Pátria foi traiçoeiramente atacada pelos vilões de além-mar.

Não importa que o intenso inverno dificulte a nossa marcha ou que o sol abrasador faça demorar o avanço, o certo é que precisamos chegar até o fim do nosso itinerário ombro a ombro com as FORÇAS ALIADAS.

Ainda me recordo daquela bela poesia que diz em uma de suas estrofes:

Para a frente que importa a invernada,
Temporal, inclemência de sois.

Quem for fraco, que fique na estrada,
Que a vanguarda é o lugar dos heróis.

Pedimos a Deus para conservar tua pessoa ilesa das balas assassinas dos Nazistas; porém, se for do agrado do Altíssimo que o teu corpo tombe no campo de batalha, para que muitos outros vivam, seja feita a vontade de Deus.

O ataque deve ser repelido embora sucumbam alguns dos nossos. Que papel faríamos se permanecêssemos de mãos cruzadas quando o inimigo comum tentou ultrajar a nossa soberania?

Seremos por ventura alguma estátua onde o sangue não circula?

È legal trair nossa tradição?

Não, isto não.

Dos túmulos de Caxias, do Tenente Antônio João, de Camisão e outros mais, ouviríamos o grito da dor do insultado dizendo-nos:

Irmãos, hoje mais do que nunca o Brasil precisa vingar os seus filhos.

Levai em resposta à agressão a esses Nazistas o brilho de uma baioneta empunhada para que os nossos sejam vingados.

E, assim, acalmarão as ondas tempestuosas do mar furioso, e a bonança reinará para todos os povos do mundo, que foram vítimas dos sutis ataques do Eixo.

Portanto, filho, não queiras ter maus pensamentos e jamais haja em tua pessoa o desespero.

Seja também calmo. Porque todos nós temos que morrer um dia; logo, é desnecessário e mesmo indecente o desespero.

Muitos se enganam com a morte.

Ela não causa assombro a ninguém, porém enobrece a muitos. Se for preciso, morre em honra da Pátria e viverás eternamente. A tua lembrança ficará sempre conosco.

Um conselho: conserve sempre a tua fé em Deus e jamais a deixe seduzir por outrem. Todos nós estamos indo bem graças a Deus.

O que sentimos são saudades tuas, mas esperança de que em breve estarás aqui em Montes Claros conosco.

Terminando, pedimos a Deus por tua pessoa e pela honra e glória do Brasil e o cabal êxito da FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA.

Queira aceitar a benção de teu pai e os abraços que teus irmãos, tias e cunhados lhe mandam.

Teu pai, Antônio Martins de Santana Primo.

Carta escrita por meu bisavô paterno, as vésperas do falecimento do Cabo Santana, que nunca chegou a ser lida.


CABO GERALDO MARTINS DE SANTANA

O CABO SANTANA

Dário Teixeira Cotrim

No decurso de uma guerra mundial
De Valda à Pistoia, em cor lilás,
Jaziam, inertes, os restos mortais,
Dos bravos de uma batalha final.

Dentre a ossatura, um filho natural
De Montes Claros, um soldado audaz,
O pracinha da guerra – que jamais
Se acorvadou dessa luta infernal.

Então, depois dos combates, em guerra,
Onde os bravos – na luta soberana
Sem ter esperança, a batalha encerra.

Entre eles, sucumbiu-se na campana
Para honrar nossa gente e nossa terra.
Cabo Geraldo Martins de Santana!

Poema em Homenagem ao Cabo Santana, do livro
“Cabo Santana você conhece?” - Dário Teixeira Cotrim - IHGMC – Museu de Artes – Sala Cabo Santana , pág.15


Guilherme Matias Silva Peixoto
Cadeira N. 28
Patrono: Darcy Ribeiro

GERALDO MARTINS DE SANTANA

CABO SANTANA (29/03/1923 – 09/11/1944)
“ O PRIMEIRO MONTES-CLARENSE MORTO EM COMBATE NA ITÁLIA” 09/11/1944
“...VERÁS QUE UM FILHO TEU NÃO FOGE Á LUTA,
NEM TEME, QUEM TE ADORA, A PRÓPRIA MORTE!”...

Na Itália, tombou em combate há 78 anos na II Grande Guerra Mundial, o Primeiro Montes-clarense, irrigando a terra ilustre que abrigou o amor incomparável da Vitória Colona, e escutou os versos extraordinários de Dante Alighieri á Divina Beatrice.

Foi o Cabo Geraldo Martins de Santana, um jovem com apenas 21 anos, explêndido de entusiasmo pela causa da liberdade, a primeira vítima escolhida pela fatalidade inexorável do destino, para fixar Montes Claros como contribuinte da regeneração dos costumes políticos do velho continente.

Dobrou-se a alma montes-clarense, em atitude de recolhimento e prece, para suplicar ao Criador que o acolheu, na tranquilidade eterna dos justos.

O seu exemplo enérgico, exemplo dos que são capazes de viver por uma ideia única e morrer por um sentimento, só há de servir as gerações de hoje e amanhã como exemplo magnificante de uma vida exemplarmente devotada ao serviço da Pátria, da humanidade e da civilização.

Somos um milagre admirável de unidade espiritual, que inflama e se agita, que reage e avança, que se precipita e se dilacera e morre. Mas vence e, com a vitória, oferece ao Brasil reservas do patrimônio moral que o faz tranquilo e brioso, pacífico e capaz de todos os sacrifícios, porque senão desfiguram ou desfaleçam aquelas reservas. Tem esta significação superior, o sacrifício do Cabo Santana.

Cabo Santana era natural de Montes Claros, onde nasceu no dia 29 de março de 1923. Era filho de Antônio Martins de Sant’Anna Primo (Maçarico) e Dona Josefina Cândida Sant’Anna. Estudou nas Escolas Anexas à Escola Normal de Montes Claros, sendo muito estimado pelos colegas, por ser reservado e bastante estudioso.

Muito cedo manifestou grande desejo de servir a sua Pátria, tendo aos dezessete anos e dez meses seguido para Belo Horizonte, afim de se oferecer para servir ao Exército. Isto em 5 de janeiro de 1941.

Um defeito na mão direita e por não ter dezoito anos completos, causou-lhe um pequeno embaraço para ser incorporado ao Exército, mesmo assim por seu amor e vontade em servir a Pátria, não desistiu. Submeteu a um tratamento médico que de tão bem feito que foi realizado sua mão ficou perfeita sem nenhuma sequela, como se não houvesse nenhum defeito anteriormente.

Em 14 de setembro de 1942 foi promovido a Cabo. Quando o Brasil rompeu com os Paises do eixo, foi ele transferido para São João Del Rey, para o 11º Regimento de Infantaria RI, a fim de ser incorporado nesse regimento, em 13 de janeiro de 1944.Servia ao 3º Batalhão CIA de metralhadora.

De São João Del Rey, seguiu para o Rio de Janeiro sendo incorporado ao 6º Regimento de Infantaria. Foi incorporado à Força Expedicionária Brasileira, seguindo para a Itália com o 1º Contingente em 2 de julho de 1944.

Faleceu nas operações do Vale do Rio Reno, em 9 de novembro de 1944 atingido por estilhaços de granada (a medalha de sangue marca que ele foi ferido em Marano – Itália). Foi sepultado no Cemitério Americano de Vada. Em 1945 seus restos mortais foram trasladados para o Cemitério Militar Brasileiro de Pistóia, Quadra C, Fileira 10, Sepultura 117.

Em 1961 seus despojos, como os de outros combatentes que ali se achavam foram removidos para o Monumento Nacional erguido no Rio de Janeiro. O Monumento veio a cumprir o desejo do Marechal Mascarenhas de Moraes, Comandante da FEB, que, em afirmação de sua liderança e de seu respeito àqueles bravos homens, declarou: “eu os levei para o sacrifício; cabia-me trazê-los de volta”.

E foi assim que há exatamente 78 anos, que tombou, no campo da luta em defesa da soberania nacional, da liberdade e da civilização da humanidade. Sua família recebeu a seguinte carta do Ministério da Guerra:

MINISTÉRIO DA GUERRA
SECRETARIA GERAL DO MINISTERIO DA GUERRA EM 30 DE NOVEMBRO DE 1944
.

Sr. Antônio Martins de Sant’Anna

Bastante prezaroso comunico-vós, de ordem do Exmo. Sr. Ministro, o falecimento em operações de guerra na Itália, do Cabo Geraldo Martins Sant’Anna da Força Expedicionária Brasileira.

Lamento sinceramente ter de vos transmitir essa infausta notícia, mais é oportuno e confortador, principalmente para os parentes mais próximos, saber que o Cabo Geraldo Martins Sant’Anna, em terra estrangeira soube honrar as tradições gloriosas do soldado brasileiro, demonstrando no campo de batalha nobres virtudes morais.

Entregue inteiramente ao serviço da Pátria, cuja honra defendeu com o sacrifício da própria vida, deu assim um sublime exemplo exemplo de amor ao Brasil, tornando-se um legitimo orgulho e grande incentivo aos seus parentes, amigos, camaradas e compatriotas.

Perdeu deste modo a Pátria um fiel e dedicado servidor e por este motivo, apresento-vos bem como a família do Cabo Geraldo, em nome do Exército as mais siceras e sentidas condolências.

No impedimento do Exmo. Sr General Canrobert Pereira da Costa, Gen. Bda., Secretário Geral do Ministério da Guerra, Edgard do Amaral, Cel. Chefe Gabinete.

Apresentamos à família do morto as nossas condolências.
Canrobert Pereira da Costa
Gen.Bda.Secretário Geral do Ministério da Guerra.


A Segunda Guerra Mundial, foi mais que um longo e sangrento conflito armado por milhões de pessoas, e envolveu mais de cinquenta países de todos os continentes. E contou com com a participação brasileira a partir de 1944, com o envio de aproximadamente 25.445 mil soldados, que lutaram no fronte de batalha do norte da Itália. Destes, 450 soldados morreram e três mil ficaram feridos. O Homem multiplicou por mil a sua capacidade de matar. Uma incômoda semente de medo foi plantada pela Segunda Guerra Mundial no coração de cada ser humano, que aparece tanto na mesa dos poderosos, como em momentos trágicos na história de outros países como foi em Hiroshima e Nagasaki – Japão, a mais terrível herança da 2ª Segunda Guerra Mundial, que às 8h15 do dia 06 de agosto de 1945, que nos 20 segundos que demorou para formar o cogumelo nuclear,45 mil pessoas morreram. HIROSHIMA nove letras que alertaram o futuro.

E foi assim que o homem descobriu a possibilidade de seu próprio fim, não como SER, mas como ESPÉCIE.

E, no entanto, vejo neste ponto o maior desafio a que nos juntemos à minoria. Porque o mundo está numa situação ruim. Porém, tudo vai piorar ainda mais se cada um de nós não fizer o melhor que puder.

Portanto fiquemos alerta – alerta em duplo sentido: Desde Auschwitz nós sabemos do que o ser humano é capaz.

E desde Hiroshima nós sabemos o que está em jogo.

Hoje o sangue dos nossos soldados, não mais escorrem pelo chão da Itália, não mais fertilizarão os vinhedos de Toscana, nem tingirão de rubro os picos nevados da Emília, pois o inimigo atroz entregou-se vencido e capitulado.

Após a assinatura da rendição alemã, a Força expedicionária Brasileira começou a ser desmobilizada logo na Itália.

A ida do Contingente brasileiro à Europa aumentou as contradições internas do Governo de Getúlio Vargas, pois os soldados brasileiros foram até a Europa lutar contra uma ditadura fascista, apesar de viver no Brasil sob um regime anti-democrático.

Temeroso que esses soldados, agora experientes, pudessem se opor contra o governo, Vargas se apressou em desfazer o contingente militar.

As gerações posteriores iriam ridicularizar o esforço dos soldados brasileiros afirmando que foram lutar num lugar sem importância e já” esquecido” pelo Exército Alemão.

Contudo desde o final dos anos 90, estudiosos tem se apresentado novos documentos e dando aos soldados brasileiros um lugar de honra na História.

A FEB deixou registrado nos anais da História um dos feitos mais gloriosos da nossa Força Terrestre, escrito com demonstrações de bravura, abnegação, perseverança e fé no cumprimento da missão. A tomada de Monte Castelo tornou o combatente brasileiro reconhecido e respeitado.

Reverenciar aqueles que escreveram esta página de honra e glória com seu próprio sangue é um dever de todos nós. Aos nossos valorosos combatentes, nosso reconhecimento e eterna gratidão!

A você Cabo Santana, nós o respeitamos e exaltamos!

A sua vida foi dedicada à Pátria e a liberdade. Morrestes como vivestes: Pela civilização, por vossa gente, por vossa Pátria e por vosso Deus.

Tombaste, mas não foi em vão, nós o prometemos.

GERALDO MARTINS SANTANA – CABO SANTANA
CRONOLOGIA

29-03-1923 NASCE EM MONTES CLAROS - MG

14-12-1935 RECEBE O DIPLOMA DO CURSO PRIMARIO, DAS ESCOLAS ANEXAS Á ESCOLA NORMAL OFICIAL DE MONTES CLAROS

05-01-1941 SEGUE PARA BELO HORIZONTE AFIM DE SE OFERECER PARA SERVIR AO EXÉRCITO.

01-03-1941 INGRESSA NO 10º REGIMENTO DE INFANTARIA EM BELO HORIZONTE – 2ª CIA.

14-09-1942 PROMOVIDO A CABO.

13-01-1944 COM O ROMPIMENTO DO BRASIL COM OS PAISES DO EIXO, FOI TRANSFERIDO PARA SÃO JOÃO DEL REI – MG, PARA O 11º REGIMENTO DE INFANTARIA. SERVIA AO 3º BATALHÃO-CIA DE METRALHADORA.

22-06-1944 DE SÃO JOÃO DEL REI, SEGUIU PARA O RIO DE JANEIRO, SENDO INCORPORADO AO 6º REGIMENTO DE INFANTARIA

02-07-1944 INCORPORADO Á FORÇA EXPEDICIONÁRIA , SEGUIU PARA A ITÁLIA COM O 1º CONTINGENTE. PERTENCIA À 5ª COMPANHIA DO II BATALHÃO (COMANDADO PELO MAJOR ABÍLIO CUNHA PONTES),PARTICIPOU DA CAMPANHA DO VALE DO SERCHIO A PARTIR DE 15 DE SETEMBRO.

09-11-1944 MORRE EM OPERAÇÕES NA CIDADE DE MARANO – ITÁLIA, NO VALE DO RIO RENO, ENQUANTO GUARNECIA A LINHA DE FRENTE NUMA TRINCHEIRA NA LOCALIDADE DE PALAZZO D’AFFRICO COM ESTILHAÇOS DE GRANADA NO PEITO.
ENTERRADO NO CEMITÉRIO AMERICANO DE VADA.

26-07-1945 SEUS RESTOS MORTAIS FORAM TRANSLADADOS PARA O CEMITÉRIO MILITAR BRASILEIRO DE PISTOIA – ITÁLIA

01-05-1945 A PREFEITURA MUNICIPAL DE MONTES CLAROS, PRESTA HOMENAGEM AO FILHO SACRIFICADO EM DEFESA DA PÁTRIA, MUDANDO , EM SOLENIDADE PÚBLICA A DENOMINAÇÃO DA RUA 15 DE JULHO PARA A DE RUA CABO SANTANA.

22-12-1960 SEUS DESPOJOS, COMO OS DE OUTROS 462 SOLDADOS BRASILEIROS QUE SE ACHAVAM SEPULTADOS NO CEMITÉRIO BRASILEIRO NA CIDADE DE PISTÓIA , FORAM REMOVIDOS EM CAIXAS INDIVIDUAIS DE ZINCO ENCERRADAS EM URNA DE MADEIRA PARA O MONUMENTO NACIONAL, NO RIO DE JANEIRO.

04-11-2020 INAUGURADO NA AVENIDA DO EXÉRCITO EM FRENTE AO 55º BATALHÃO DE INFANTARIA, EM MONTES CLAROS- MG, UM MONUMENTO PARA HOMENAGEAR O CABO GERALDO MARTINS SANTANA. O CONJUNTO MEMORIAL AO CABO SANT’ANNA É O MAIOR MEMORIAL DA FORÇA EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA – FEB EM MINAS GERAIS E UM DOS MAIORES DO BRASIL. O PROFESSOR JÚLIO CÉSAR GUEDES, UM ENTUSIASTA DOS FEITOS DOS NOSSOS PRACINHAS ALÉM DE SER UM PESQUISADOR DE HISTÓRIA MILITAR E DEFESA, FOI UM DOS RESPONSÁVEIS POR IMPULSIONAR A ARRECADAÇÃO DE RECURSOS PARA O PROJETO E UM DOS SEUS PRINCIPAIS IMPLEMENTADORES.(FOTO ABAIXO RETIRADA DO ARTIGO PUBLICADO POR MARCELO BARROS – 11 DE NOVEMBRO DE 2020)

16/02/2023 APROVADA A SESSÃO SOLENE EM HONRA DO CENTENÀRIO DO CABO GERALDO MARTINS SANTANA, A SER REALIZADO NO DIA 30/03/2023 NA CÂMARA MUNICIPAL DE MONTES CLAROS, EM REQUERIMENTO APRESENTADO PEL VEREADOR IGOR DIAS. (NOVO JORNAL DE NOTÍCIAS – 23/02/23 – PÁG. 02)


DEPOIMENTOS

Natalícia Santana

Geraldo era um garoto muito alegre, de família humilde. Estudou até a 4ª série primária nas Escolas anexas à Escola Normal Oficial de Montes Claros.

Era muito estimado pelos colegas, estudioso, amigo dos amigos, sincero, tinha facilidade para cativar amizades, sendo discreto, reservado, jamais falava sem pensar.

Os seus amigos não tomavam nenhuma decisão sem o consultarem! Com o seu espírito de liderança, era chamado pelos amigos de “REI DOS ARIRAS”.

Organizava lutas com os meninos da Rua de Cima com a Rua de Baixo, praticava esportes, tendo sido até campeão. Fazia parte também do grupo de escoteiros. Desde criança, tinha desejo de servir à Pátria. Com apenas dezessete anos e dez meses, seguiu para Belo Horizonte, a fim de se alistar no Exército.

Um defeito na mão direita, devido uma queda que ocorreu na infância, e por não ter idade completa (18 anos), causaram pequeno embaraço, para ser incorporado no mesmo.

Papai, muito orgulhoso de ver o filho servindo à Pátria, escreveu para várias personalidades políticas (seus amigos, entre eles, o ex-Presidente Artur Bernardes), para que interferissem no caso.

Sem nenhum vestígio de complexo, ele permaneceu encostado por um tempo no Regimento.

Após um tratamento, sua mão ficou tão perfeita, que não parecia que havia defeito algum, tendo, assim, sido incorporado no 10º Regimento de Infantaria em Belo Horizonte.
Antes seguir para a Europa, ele esteve aqui em Montes Claros, para se despedir da família e dos amigos, com a mesma alegria e discrição de sempre, embora nós não tivéssemos certeza de que ele iria para a Europa, porque não nos revelava nada a respeito de sua vida militar.

Quando ficamos cientes de que ele estava em combate na Itália, o clima em casa era de vigília, para que Deus zelasse pela sua vida. Ele era Cabo de Artilharia, morrendo com estilhaço de granada no peito.

O seu corpo foi encontrado pelos seus companheiros de combate, trazia em suas vestes duas fotografias (santinhos): um de Santa Terezinha e outro do Bom Pastor.

Recebemos a notícia de sua morte, não havendo nenhum desespero, porém, todos nós choramos por muito tempo, entristecidos.

Papai nos dizia que esse era o seu destino, ficou triste, mas com resignação.


Natalícia Santana - (Dona Dodoca), irmã do Cabo Santana Montes Claros – 17/04/1989



José Jarbas Oliveira

HÁ MALES QUE VEM PARA O BEM

Em Montes Claros, por volta do mês de agosto do ano de 1965, eu conheci Lúcia Souza Santos. Essa era do meu muito gosto. Ela morava numa casa na Rua que dá para o fundo do Grupo Escolar Francisco Sá, esquina com Dom João Pimenta. Lúcia e eu namoramos uns sete meses ou mais, namoro sério, em casa, conheci os seus pais, os seus irmãos Adão, Olívio, Airton e outros, as sobrinhas, já moças, Mirna, Marina e Márcia, de mesma faixa etária à de Lúcia. Mirna namorava um rapaz de nome Samuel Figueira e Marina namorava Jackson Mamoeiro.

Pareceu-me um namoro para dar certo, não fosse um feriado de 31 de março ou 21 de abril do ano de 1966, não sei ao certo, mas recordo-me que saí de casa umas dez horas da manhã, fui até a Praça Coronel Ribeiro e no círculo central desta, havia instalada uma tocha olímpica salvaguardada por soldados do Tiro de Guerra.

Acomodei-me num banco de cimento para observar o evento. Só que não me assentei na bancada e sim no encosto e os pés no assento, estilo rebelde, era assim que a rapaziada fazia; não demorou muito e o jardineiro chegou – naquela época as praças tinham zeladores - pediu-me que eu me assentasse direito, para não sujar o banco, repliquei que ao sair eu limparia, saiu sem dizer nada. Minutos depois percebi o soldado à minha frente com o olhar fixo para a entrada da praça que dá para a Rua Camilo Prates, girei a cabeça para ver o que ele olhava e vi o jardineiro acompanhado de dois policiais militares, levantei-me, passei a mão no local onde eu havia pisado, conforme prometera e sai em direção a minha casa; os guardas apressaram o passo, eu corri e adentrei-me em casa, mas ao invés de ir para o interior da casa, eu me debrucei na janela.

Os guardas postaram-se no passeio e em poucos instantes já havia uma multidão de curiosos. Meu pai barbeava-se, quando alguém o avisou, então, ainda sem camisa e a face escumada ele chegou à janela, os guardas reportaram-lhe o acontecido, dirigindo-me um olhar e cenho repreensivo, replicou dizendo: “eu mesmo o levarei à delegacia” e entrou para vestir uma camisa. Foi só o tempo de ele virar as costas eu me mandei em desabalada carreira, desta feita em direção à Rua Doutor Santos, mas para azar meu, quando alcancei a porta do Hotel São José, trombei com uma pessoa que me abraçou firme, era o meu irmão Jaime.

Ao tempo do intempestivo abraço os policiais chegaram e suspenderam-me pelo cós da calça. Indescritível o constrangimento. Jaime disse a eles que era meu irmão e me acompanhou até o juizado de menores, logo ali na Camilo Prates, ao lado do Fórum. Tudo isso à vista de muitos curiosos. Trancaram-me numa sala com porta de chapa metálica, de lá eu ouvi o meu irmão dizer: - Deixa-o aí e solta somente lá pelas seis horas da tarde, para ele tomar vergonha. Chorei de raiva. Resultado: Eu havia marcado encontro com Lúcia na matinê das quatro, no Cine Coronel Ribeiro, não fui e certamente a notícia se espalhou.

À noite, quando fui a casa dela, o bagaço tava feito; expliquei, justifiquei, jurei, só não chorei, mas não adiantou, ela terminou comigo. A rejeição à minha pessoa me fez apaixonar. É um sentimento terrível o tal do amor não correspondido.

Nós tínhamos um amigo em comum e eu resolvi usá-lo como cupido. Rogério Schmidt, o gaucho da Rua Barão do Rio Branco; o cara era um galã. Cabelos negros, lisos, caídos de lado, estilo Ronnie Von. Eu pedi e Rogério topou. A ideia era que ele fizesse o meio de campo entre ela e eu para reatarmos o namoro. Rogério estreitou as suas visitas à casa de Lúcia e sempre que eu o interpelava ele dizia: - já está quase arranjado, mas ela precisa, ainda, de alguns dias para convencer os pais.

Um belo domingo, lá pelas cinco da tarde, eu estava no bar, A Montanhesa, jogando totó com uns amigos, quando alguém chegou e me disse: - Sabe quem está na matinê das quatro? Nem esperou resposta e disse novamente: - Lúcia, ela tá com Rogério Schmidt e eles estão namorando, eu os vi de mãos dadas. Aquilo me doeu mais do que a bolinha de gude que levei no peito, não fez calo de sangue, mas o sangue ferveu em minhas veias; larguei do jogo e coloquei-me de prontidão à porta do cinema a espera dos dois. A turma também se plantou aguardando o desfecho.

Não demorou muito e eles apareceram. Eu sei que todos ali em volta esperavam pela minha costumeira reação, eu era um galo de briga, no entanto eu me ative apenas a censurá-lo: “logo você Rogério, meu amigo, que me disse estar contornando a situação entre eu e Lúcia e você me trai?” Eles silenciaram-se, desceram os degraus do cinema e tomaram o rumo da casa dela. Eu nada fiz, mas a paixão acabou. O namoro deles também não vingou e tempos depois ela casou-se com Índio, o guitarrista do conjunto “Lês Chérries”. Rogério e Índio são falecidos. Lúcia, eu nunca mais a vi.

Como diz o ditado popular “Há males que vem para o bem!” O Armazém do meu pai – Mercearia Boa Sorte ficava na Rua Coronel Joaquim Costa, próximo ao Mercado Municipal construído pelo Prefeito Antônio Lafetá Rebello, em substituição ao velho mercado da Praça Doutor Carlos; todos os dias uma menina com uniforme do Colégio Imaculada Conceição entrava no armazém, enfiava a mão no caixote de açúcar e saía, eu dava um tempo e saía atrás, mas a danada sumia no interior do mercado.

Foi nadando na Praça de Esportes que eu encontrei e conheci a menina escorregadia, morena, magrinha, que nadava igual a uma piaba e todo dia enfiava a mão no açúcar do armazém. Perguntei-a onde se escondia no Mercado, ela riu e disse que morava na Rua Belo Horizonte, bem de frente ao Mercado. A danada entrava no Mercado pela Rua Coronel Joaquim Costa e saia pela Rua Belo Horizonte. Ela estava de namorico com o jovem José Antônio Queiróz, eu digo namorico porque ela tinha somente treze anos.

Num carnaval vespertino, no Automóvel Clube de Montes Claros, eu e Jackson Mamoeiro (Topa Tudo) estávamos à beira do salão quando passaram duas meninas pulando carnaval; lacei o braço no pescoço de uma e Jackson na outra, elas se entreolharam, sorriram e saímos os quatro rodopiando no salão. Daí a pouco nos separamos, cada qual com uma. A minha parceira era a mesma moreninha da praça. Perguntei pelo namorado, ela disse que havia terminado, eu inteirei: “e não vai namorar mais não?” “- Se achar um que presta, vou.” Truquei: “Eu presto?” Fez uns segundos de difícil e disse: “- Presta.” Nesse dia encontrei o meu grande amor. Era um namoro de pegar na mão e muito escondido, para os conhecidos não verem, os irmãos então, não podia nem sonhar. O carnaval se deu em 05, 06, 07 de fevereiro do ano de 1967, em março eu completei dezesseis anos, em novembro ela completou quatorze. Cerca de três anos de namoro, três de noivado e nos casamos na Matriz de Nossa Senhora e São José, em sete de julho de 1973, sob as bênçãos do Padre João Batista Lopes. Desde então, ela passou assinar Ana Maria Aquino Oliveira, e o namoro continua até hoje, fevereiro 2023, temos setenta e um e sessenta e nove anos, respectivamente, e já começamos a comemorar as Bodas de Ouro que está bem próxima.


José dos Santos Neto

FOI BUSCAR LÃ E VOLTOU TOSQUIADO

Arabel foi preso, torturado e morto pela polícia em Monte Azul no ano de 1946. O fato teve repercussão não apenas no norte de Minas, como também em Belo Horizonte e Rio de Janeiro, que era a capital federal. Não cabe aqui fazer juízo de valor sobre o episódio. O que se sabe é que ele tinha mais inimigos do que amigos. Amigo pode até não ajudar, mas inimigo atrapalha demais. Inimigo custa caro.

Arabel tinha fama de valente. Péssimo negócio. Pessoa com tal fama desperta inveja e sabujice dos que se dizem amigos da mesma maneira que provoca medo, antipatia e ódio nos verdadeiros inimigos. Por isso, a morte dele dividiu opiniões. Alguns choraram, outros comemoraram.

Mas o assunto agora é outro.

Dentre os que ficaram indignados com a morte de Arabel, havia um compadre que morava nos arredores de Mato Verde e babava de inveja da fama de corajoso que o homem tinha. Ele próprio era mais medroso do que galinha quando vê raposa. Mas só de raiva, resolveu mostrar a macheza e virar valente, seguir o exemplo do destemido padrinho do seu filho. Contudo, é bom lembrar que quem nasce para burro de cangalha nunca chega a cavalo de sela. Assunte se um trem desses vai dar certo...

Para inaugurar a fama de brabo, ele escolheu uma tarde de sábado quando havia muita gente na venda. Uns fazendo feira, outros bebendo cachaça, cuspindo no chão e contando mentiras. Era o ambiente propício para o compadre fazer a sua estreia como o mais novo valentão das redondezas. Colocou o 38 na cintura e marchou para lá.

Esperou uma vítima escolhida a dedo como o predador medroso e estropiado à procura de uma presa fraquinha. Entrou um coitadinho com um litro no embornal. Não se sabe se veio comprar querosene ou pinga. Encostou-se no balcão e ficou esperando para ser atendido. O homem do 38 passou à frente e disse ao dono da venda:

- Bote uma cachaça aí! Agora!

O vendeiro colocou. Ele pegou o copo, rodou o cano do 38 dentro e entregou ao homenzinho magrelo que acabara de entrar. O buraco escuro do cano do revólver apontando para ele estava a menos de meio metro.

- Tome! Beba tudo de uma virada.

Tremendo como vara verde ao vento, parecendo que estava com malária ou que viu assombração, o homem bebeu tudo. Por pouco não engasgou de tanto medo. A seguir o valente falou:

- Quem bebe tem que pagar! Pegue o dinheiro e pague!

Já meio grogue, o magrelo pegou o dinheiro, pagou e saiu envergonhado, quase chorando. A plateia também quase chorou, mas de tanto rir. O novo valentão sentiu-se realizado, ficou vaidoso. Seria respeitado como foi o compadre. É, mas mostrar valentia é trem custoso.

Sabendo que não existe valente diante do cano de um revólver, ele repetiu aquilo com outros coitadinhos quase uma dezena de vezes. Mas já diz o velho ditado que atrás de serra tem serra. Ou ainda, tantas vezes vai o cântaro à fonte que um dia ele se quebra. Pois é. Óia pra ver no que deu.

Lá perto da Taboa, a três léguas de Mato Verde apareceu um sujeito nanico que ninguém dava nada por ele. Um Zé ninguém, uma merda rala. Dizem que tinha o sobrenome Antunes, mas se for verdade, ele foi uma aberração genética. Não existe um “Antunes” valente. Muito pelo contrário. Todos os descendentes dos Antunes da nossa região não gostam de encrencas. Alguns até meio toleimados, como o autor destas linhas.

Pois é. Contrariando todas as possibilidades surgiu esse baixinho por lá. O sujeito não chegava a um metro e sessenta, mas ai de quem o chamasse de baixinho, de nanico ou de tampa de binga. Se alguém falasse perto dele em bunda de sapo ou cu de cobra, podia passar sebo nas canelas e sumir no pau baixo.

Um cara grandão que era vizinho resolveu desafiá-lo e o chamou por um daqueles apelidos. Foi besteira porque ele avançou contra o homem parecendo vaca pé duro, parida de novo quando vê cachorro. O homem se atracou com ele e o jogou ao chão. Ficou mais fácil. Ele cravou os dentes na orelha do desafiante que se pôs a gritar de dor.

Quando conseguiram tirar o homem de cima dele, o nanico ficou com a cara toda suja de sangue e um pedaço da orelha agarrada aos dentes. O tempo passou, os ânimos serenaram, mas nunca mais ninguém o chamou de Baixinho ou de Nanico. Enquanto isso a fama de brabo do amigo de Arabel só crescia.

Mas vai que o diabo atenta e o Baixinho, Nanico, Tampa de Binga, Cu de Cobra ou Bunda de Sapo resolveu ir a Mato Verde comprar algumas coisas. O homem valente já o conhecia e também sabia da raiva que ele tinha de ser chamado de baixinho. Não deu outra. Foi pã! Ao vê-lo, o valentão se aproximou de revólver engatilhado em punho:

- Bote uma cachaça aí!

O vendeiro obedeceu. Ele pegou o copo com a pinga, rodou o cano do 38 dentro e ofereceu ao baixinho:

- Tome! Vire o copo! Beba tudo!

- Ô seu fulano, o senhor me desculpe, mas eu não posso beber não. Eu tomei um purgante de batata de purga com barbatimão e tenho que ficar um mês de resguardo, sem beber.

- Por acaso eu tô perguntando se você pode ou não pode fazer isso ou aquilo? Eu tô lá querendo saber se você tomou purgante? Eu tô mandando beber é para beber!

- Tenha dó de mim. Eu não posso! Isso vai me envenenar! - O cano do 38 estava a menos de 30 centímetros da fuça.

- Ah, é? Tenha dó? Oqui procê ó! Quem tem dó de pica pau dá machado pra ele! Eu falo mandaçaia e ocê entende “pu” tubi?* Eu falei que você vai beber e é para beber agora. Vai me obedecer ou quer morrer nesse momento, nanico filho da puta?
Aquelas palavras incendiaram todo o ódio que havia dentro do Baixinho. Além de nanico, ainda o xingou de filho da puta. Daquela moita ia sair coelho. Ele pegou o copo de cachaça olhou, cheirou e bebeu. Desceu rasgando goela abaixo. Caiu tão mal que algumas lágrimas rolaram. A galera foi às gargalhadas.

- Agora pegue o dinheiro e pague! Tampa de binga safado!

Pagou calado sem demonstrar nenhum sentimento, mas ficou envenenado. Machadeiro bom conhece pau que bate fofo. Notou claramente que o sujeito estava trucando em falso. “Este sacana está parecendo galinha querendo chocar com ovo das outras! Vou dar uma ispromentada nele”!

O valentão, feliz da vida por ter feito mais um coitadinho de otário colocou o revólver na capa e a abotoou. Era o que o baixinho estava esperando. Nem deu tempo nem para o capeta esfregar o olho. Ele agarrou o valente pelo colarinho e colou a ponta do punhal naquele fundinho que tem logo abaixo do gogó.

- Então eu sou nanico, filho da puta, tampa de binga e safado né? Você vai ver quem é nanico filho da puta agora, seu xibungo chifrudo! Tire o revólver deste fi duma égua aqui, vendeiro. Tire todas as balas e coloque tudo na prateleira, longe do balcão!

O dono da venda pegou o revólver da cintura do homem e tirou todas as munições. Naquele momento os amigos do Brabo esboçaram uma reação e se aproximaram.

- Opa, alto lá! – Falou o baixinho. – Este punhal tá doidinho pra fazer furo. Se alguém der um passo, eu empurro ele até o cabo. Este sacana vai aprender a respeitar homem! Ele tá pensando que bosta de pinto é pipoca! Põe os joelhos no chão, safado. Agora é você que vai ficar nanico. Coloque um copo de cachaça cheinho aí, vendeiro! Da pior que tiver. Tem pinga ruim não? Misture umas gotas de querosene para temperar. Entregue para ele. Beba tudo, corno manso. Se gumitar, tem mais!

A cachaça temperada com querosene reagiu rápido. Em menos de um minuto o sujeito balançou para cair. Tremia e chorava ao mesmo tempo. A ponta do punhal espetando a goela deixou o homem em pânico, sentindo gosto de cachorro molhado.

- Num cai agora não safado. Ocê ainda vai tomar mais uma inhantes de cair. Diga para todo mundo aí que você está me dando de presente aquele revólver. Tire o dinheiro do bolso dele aqui, vendeiro! Devolva o que eu paguei e cobre tudo dele! E traga outro copo de pinga temperada!

Chorando, o homem avisou a todos que estava dando o revólver de presente para o nanico. Bebeu mais um copo de cachaça. Antes de cair, ainda ouviu mais um desaforo:

- Se você se arrepender de ter me dado o revólver, pode ir lá em casa buscar. Cê sabe onde eu moro! Tá me ouvindo?

- Sim sinhô! Sim sinhô! Mas eu num vou não sinhô!

Baf no chão. Já caiu vomitando. Valentia? Nunca mais!

*Em tempo, Mandaçaia e Tubi são nomes de variedades de abelhas. Assim como a Tataíra, Arapuá, Cupinheira, Sanharó, Chuém são espécies nativas. Muitas delas já eram exploradas pelos índios antes da chegada dos portugueses, assim como a Papa terra, a Tibuna, a Mombuca, a Jataí, a Preguiçosa etc. Muitas estão praticamente extintas.

Todos esses nomes são de origem indígena. Mas a Tubi recebeu essa denominação porque o mel não presta. Tem um fedor de bunda suja insuportável.


JOSE PONCIANO NETO

SANTANA E SÃO JOAQUIM - AVÓS DE JESUS. (*)

“A maior riqueza do ser humano é a fé. Perseverar no Senhor é caminhar na luz. É avançar na vida, sem ter medo do que está por vir".

Ter FÉ é a maior aproximação do ser humano com Deus e o “Martirológio Romano”.

Mesmo aqueles que ainda não estão no livro dos santos aprovados pelo Vaticano, já são venerados embasados na sua vida na terra, é o caso do Santo Padre Henrique Munaiz.

Este pequeno preâmbulo, é para externar a Fé que temos em Santana ou Sant’ana - que é a mãe da imaculada Maria, essa a mãe de Jesus, ou seja: Santana é a avó do menino enviado pelo pai celestial. Os avós de Jesus - Santana e São Joaquim - só foram revelados pela a Igreja Católica a quase dois séculos da morte de Jesus (neto), esta revelação veio por meio dos livros de Thiago.

Santana e São Joaquim - segundo “muitos” historiadores e estudiosos de hagiologia – foram desservidos desde o início do cristianismo. Já as demais questões relacionadas aos pais, primos, tia e tios, foram resolvidas ainda na infância de Jesus.

Mas, por que os cristãos não relataram a família de Jesus à ocasião da sua vida sediciosa e logo após-morte? - Eu que já estudei em colégios cristãos, entre eles, Colégio São José em Montes Claros e Padre Júlio Maria em Manhumirim - MG. Contudo, até hoje sou encafifado com esta postura do cristianismo.

Será que os regimes autoritários 33 “antes de Cristo” (A.C.) a 150 “depois de Cristo” (d.C.) - seguindo o princípio de um prisma historiográfico - poderiam mudar a radicalização política e aumentar os abalos culturais, sociais e políticos dos imperadores Júlio César – Tibério - Adriano - Nero e do governador Pôncio Pilatos?

Na concepção deles (Júlio César/Herodes até ao Nero) - embasado na mundividência - Jesus era um perigo teológico e político naquele mundo vivido às orlas dos Mares Mediterrâneo e Vermelho!

Evidenciar a família de Jesus era majorar um cristianismo até então: “teoricamente indefinido”.

Será que, dando visibilidade somente a Maria e a Isabel, era uma forma de ocultar os demais da família, como os “fervorosos na oração” Sant’ana e São Joaquim? O medo talvez... era surgimento de um novo movimento bem maior. Aliás, a genealogia do Emanuel de Nazaré (Jesus) não interessava muito o CRISTIANISMO, daí, a “demora do surgimento” dos nomes dos avós santorais de Jesus. Só vieram à tona nos meados do século 01dc para o século 02dc.

O que se sabe através das crônicas dos Santos, que: SÃO JOAQUIM era um homem rico - comerciante pertencente à realeza família de Davi e muito amigo de JOSÉ CARPINTEIRO que se tornou esposo de Maria. Alguns historiadores jesuítas chegam a garantir que José era parente muito próximo de São Joaquim. - Maria pode ter casada com um parente...

UM ADENDO: Este trecho da história lembra-me da maravilhosa história do meu avô José Ponciano da Silva, que era funcionário e filho adotivo do meu bisavô Bertulino Pereira Ribeiro – esse era o pai da minha avó Alzira Viana Ribeiro. Resumindo: “Seu” Ponciano era irmão de criação da minha avó Dona Alzira que se tornou Srª Alzira Ponciano Ribeiro.


Voltando a citar Sant’ana “mãe da Igreja cristã” - que é Maria - essa Santa Maria que é referência e dar nomes as todas Nossas Senhoras da igreja católica. - Santana e São Joaquim – segundo Mateus - tinha um caráter dos mais brilhantes da face da terra; destacavam principalmente pela a honestidade e a bondade. Todo lucro do comércio da família Joaquim & Ana era dividido (doado) para manutenção dos templos - outra parte, para os desamparados (pobres - viúvas - enfermos e os peregrinos) e a terceira parte para a economia da casa do casal. - Eram extremamente devotos a Deus!


BASÍLICAS DE SANT’ANA

Mesmo com todas as suas virtudes - são poucos os relatos sobre o casal dentro do contexto bíblico canônico – somente, depois de 1100 anos d.C. que a devoção avultou. Porém, ainda entre os 500 e 570 d.C. tomaram ciência que em Constantinopla (capital do império romano) existia uma basílica dedicada a Sant’ana.

Em Jerusalém, a cidade conta com a Basílica de Sant’ana construída no local onde Maria deu a LUZ ao filho Jesus. - No Vaticano Sant’ana é mimoseada com a Paróquia pontifícia – “templo que recebeu a graça em 1.583”
O corpo de Sant’ana (Santana).

Muitos investigadores da vida dos santos garantem que, temendo o vandalismo, o corpo de Sant’ana, que era enterrado na Terra Santa, foi levado para a “Basilique Sainte-Anne” em Vaucluse/França. Entretanto, 530 anos após sua morte, seguindo as tradições medievais, seu corpo foi fragmentado e os restos mortais distribuídos para os templos e os religiosos europeus. Sob a ordem do imperador Carlos Magno. Na abertura da URNA Funerária – os coveiros encontraram uma placa de identificação com os seguintes dizeres: ????? ?? ?????, ??? ?? ?? ??????? > “corpo de Santana, a mãe da mãe de Deus".

“O culto aos avós de Jesus sofreu várias mudanças". - No primeiro momento em 1481, o então Papa Sisto IV definiu a comemoração de Santana em 26 de Julho - dia da sua morte - ficando na memória litúrgica. - “Em 1584, o Papa Gregório XIII incluiu a celebração litúrgica de Santana no Missal Romano, estendendo-a a toda a Igreja".

“Em 1510, Papa Júlio II inseriu, no calendário litúrgico, a memória de São Joaquim em 20 de março; depois, foram mudadas várias vezes, nos séculos seguintes", prossegue a cronologia. "Com a reforma litúrgica, após o Concílio Vaticano II, em 1969, os pais de Maria foram reunidos em uma única celebração, em 26 de julho". “Dia da santidade da família”.

"A Memória de São Joaquim e Santana - pais da Imaculada Virgem Mãe de Deus - cujos nomes foram conservados pelas antigas tradições cristãs" ficará para sempre no catolicismo!

“SANTANA e SÃO JOAQUIM conforme as tradições representam a PASSAGEM DO ‘MUNDO VELHO’ para O ‘MUNDO NOVO’ – o povo saiu do mundo da TRADIÇÃO JUDAICA, da qual eles eram devotos, para o MUNDO CRISTÃO que foi fundado pelo povo a partir de Jesus filho de Maria."

Para finalizar no Dia dos Avós, sempre parabenizo a paróquia de Comunidade de SANTANA DO MUNDO NOVO pela devoção a essa SANTA de nome ANA.

Santana era a padroeira do antigo Povoado Ribeirão - local onde foi construída a barragem da Copasa. Quando os moradores foram remanejados para a nova comunidade (1981/82/83) - com eles a diocese transferiu com todo cuidado respeito à imagem da Santa – assim permaneceu padroeira da nova comunidade.

Como os moradores originários saíram do “ANTIGO MUNDO” à beira do Rio Juramento e foram realocados para o NOVO POVOADO – mesmo com toda precariedade, não deixava de ser um “Mundo Novo”.

Na época, na comissão de transição sugeriram alguns nomes para batizar a nova comunidade, como: Ribeirão Novo - City New – Juramento Novo e outros. Diante do impasse, a Paróquia de Juramento-MG através do Dom José Alves Trindade convocou uma reunião para definir o nome da nova comunidade – face dos nomes propostos – a comissão composta pelo Bispo Diocesano Dom José Alves Trindade - Padre Ozanan Almeida – Irmã Mariana – Pedro Scapolatempore (Copasa) -– Dr. Humberto Carvalho (Prodecor) – Sergio Menin – Carmélio Mantuano e para completar a comissão: José Ponciano Neto – Copasa (este escriba que vos informa).

Foi definido um nome bastante sugestivo: SANTANA DO MUNDO NOVO - seguindo os princípios da mudança no testamento que cita o “mundo cristão”.

Nesse mesmo dia foi definida a logística para a criação e implantação da nova comunidade.

Para a construção da Igreja da Santana – primeiro foi construída a “casa de leilão” com as telhas, madeira e tijolos da igreja antiga no Povoado Ribeirão. Daí iniciou-se a construção da nova igreja (foto) na Comunidade Santana do Mundo Novo. Tiveram à frente para a construção pessoas religiosas e originárias como: Sr. Domingos – Geraldo Antunes (Gê sanfoneiro) – Luiz Antunes - Maria de Lurdes Pereira – Maria do Carmo da Silva – Júlia Freitas – Sr. Lucídio Batista – Sr. José Ponciano Neto (Copasa).

Todos os anos a população Santanenses e convidados comemoram a festa da Padroeira Santana com muitas novenas – missas – quermesse - levantamento do mastro e a procissão. - Visite a Igreja da Comunidade de Santana do Mundo Novo.

Viva Sant'ana, mãe da imaculada Maria e avó de Jesus! Salve, salve dia 26 de Julho, dia dos avós!

Post scriptum:

“Santana é a padroeira dos avós. Mas também é invocada pelas mulheres que não conseguem engravidar. Santana é também a padroeira da educação, tendo educado Nossa Senhora e influenciado profundamente na educação de Jesus”.

O DIA DOS PAIS é uma homenagem a São Joaquim. Surgiu na Babilônia 120 depois de Cristo (d.c), se fortalecendo nos Estados Unidos em 1909. Já no Brasil, escolheram 14 de Agosto, dia do aniversário do pai de Maria e avô de Jesus – depois transferiram para o segundo domingo de agosto. – Por quê? Três razões: - 1ª Fica mais fácil de lembrar. – 2ª A maioria dos fiéis não trabalham no domingo. – 3ª o comércio fatura mais na semana que antecede.


“Creio na verdade fundamental de todas as grandes religiões do mundo, creio que são todas concebidas por Deus e creio eram necessárias para os povos a quem essas religiões foram reveladas”.


Landulfo Santana Prado Filho

JOAQUIM PEREIRA DOS SANTOS E
JANDIRA ROSA DOS SANTOS

Materializei esta árvore genealógica com as informações da própria família e documentos pessoais guardados. Iniciei a digitação do texto em 29/09/2015. A construção do Processo Genealógico da família de Jandira Rosa dos Santos e Joaquim Pereira dos Santos, (in memorian).

-Analisada nas referências e descendência dos Avelino Pereira de Sr. Joaquim e D. Jandira, conclui que a descendência real é um elemento fundamental ao caráter comum dos dois, na visão do grupo familiar.

-Os genes formados da família, descendem de um antepassado comum de origem pura. Esta genealogia qualifica os filhos como a linhagem de Sr. Joaquim e D. Jandira o que é sustentado na repetição e afirmação em pertences genealógicos.

Dez filhos por ordem de nascimento;
- Vera Lúcia, Sonia Goulart, Wilson Hugo, Ademar Hugo, Dagmar Santos, Maria Inês, Delmiro Hugo, Auro Hugo, Gilmar Hugo e Germano Avelino.

Vinte e três netos;
- Francine Fonseca, Wagner Goulart, Fábio Goulart, Pedro Goulart, Aline, Fernanda, Cyntia, Lívia, Polyanna Rosa, Marcelo, Maikel, Ana Angélica, Ana Caroline, Danilo, Flávia, Wendel, Maxwell, Walace, Lorena, Bruno, Lara, Ingrid e Dermison.

Onze bisnetos;
- Maria Fernanda, Izabela, Elisa, Alice, Alfredo, David, Izabela ...

Dois filhos morreram na tenra idade;
- Aurineu e Jovelina Neive.

Saudosa Jandira rosa dos Santos nasceu em 20 de abril de 1924, nesta cidade de Montes Claros, filha de Senhor Jose Avelino de Sousa e Dona Jovelina Rosa da Silva e casada com o saudoso Joaquim Pereira dos Santos. Ela da descendência de família tradicional, sendo seu bisavô Capitão José Avelino Pereira, figura marcante, o mais importante fazendeiro, mas cuja importância foi deixada em segundo plano pela história local. Embora conhecido de muitos, detalhes de sua trajetória mereciam ser resgatada e principalmente registrada.

Dona Jandira Rosa dos Santos, foi morar uma temporada na cidade de Janaúba com a mãe Dona Jovelina Rosa da Silva, conheceu então Senhor Joaquim Pereira dos Santos, com 27 anos de idade. Depois foram morar na cidade de Monte Azul, onde celebraram o casamento em 12 de agosto de 1951, (Cf. Certidão de Casamento, nº 264, fls. 99., livro nº., 17, na Comarca de Monte Azul – MG, assinado pela oficial Zulmira Meira Ribas). E fixaram a residência e cuidaram da família.

Saudoso Senhor Joaquim iniciou com suas atividades trabalhando na Estação de trem da cidade de Monte Azul. Admitido na Rede Ferroviária Federal SA., em 15/09/1947, com vinte e dois anos de idade, no cargo de auxiliar de manobras (Cf. mat. 496394, Cf. Carteira de Trabalho nº 11903, série 449, emitida em 04/04/1975, página 10 e vide a página 53 com jornada de oito horas de trabalho. Cf. questionário de identificação nº 122152, assinado pelo então superintendente o engenheiro José Helvécio Alcântara. A data da saída registrada com a aposentadoria dia 31/12/1977, com cinquenta e três anos de idade. Recebe o passaporte encaminhado para um mundo melhor, em 05 de fevereiro de 2002, saiu com 78 anos, 08 meses e 02 dias de idade.

Transferido para Montes Claros, vieram possuir um imóvel localizado na Rua Monte Azul, 235 – Bairro Monte Alegre em 07/01/1971.

Dona Jandira fez a diferença pelo que abaixo se segue:
Revendedora autônoma dos produtos JAFRA;
Curso de Silk screen em dezembro de 1994;
Fundou a primeira Escola de Costura em Montes Claros,
Presidente do Bairro Monte Alegre por dois mandatos.

Empreendedora do bem da comunidade ajudou na distribuição do leite para todos, conquistando assim a confiança de todos moradores do bairro com sua humildade e generosidade, qualidades que sempre teve como base em qualquer circunstância de sua vida.

Cuidou dos onze filhos; Quatro mulheres, Seis homens e dois faleceram em tenra idade nos primeiros dias do nascimento;

Os filhos hoje trabalham baseados nos ensinamentos de perseverança deixados por eles.

Sua diferença foi marcada pela pessoa que Dona Jandira foi conseguindo conquistar sua amizade pela bondade e eficiência, tendo como lema que “aproximar e ajudar o próximo é o segredo daqueles que realizam tudo é perfeito”.

Dona Jandira tinha luz própria.

Iluminou a todos com sua presença de conforto e incentivo e com seu sorriso de entusiasmo e encorajamento.

Relacionava com todo mundo com quem era cliente, desde um coletor de lixo até a mais distinta autoridade que teria que atender, ou ser atendido.

Amou a todos os que passaram por sua existência, mesmo aqueles que o fizeram sofrer, sem distinção bons, maus, justos e injustos e tinha para com todos palavra de sabedoria e aquele sorriso que, sem nenhum esforço, saía de dentro de seu coração.

Sabia manter-se calma diante de pessoas que já chegavam irritadas, exigentes, e que não tinham boa educação, praticando assim ainda mais com afinco sua calma, paciência e generosidade, resolvendo os problemas com muito amor. A vizinhança do Bairro com que vieram conviver com a saudade de seu gesto, como carinhosamente muitos o chamam de Dona Jandira, tinha como lazer jogar buraco no final de tarde, ouvir moda de viola, e torcer pelo Cruzeiro; cumprimentava as amigas dizendo: “Saudação cruzeirense para você!. Praticou sempre a caridade, sempre se calando diante das diferenças alheias, e ensinando sempre a ser prudente dizendo que “o silêncio é ouro quando nos calamos diante dos erros do próximo”. Assim, deixando um legado de bons ensinamentos, de amor, de respeito e fé.

Como esposa cuidou, tolerou com muita paciência Sr. Joaquim por muitos anos até sua morte (conhecido popularmente por todos e nas adjacências do Bairro de Lourdes como Senhor JOAQUIM TOPEI! TOPA!.

JANDIRA ROSA DOS SANTOS, em 18 de outubro de 2012 partiu desta existência, os anjos precisavam de sua presença lá no alto. Pessoa que deixou indelével na memória dos que o conheceram, sua coragem, sua grandiosidade em todos os atos e em todos os momentos deixando a grande lição de sua vida.

Então numa justa homenagem a sogra, amiga e cidadã montes-clarense saudosa Jandira, apresento este artigo com a credibilidade da família.

Trata-se de justa e merecida homenagem à memória de uma cidadã, bem como aos seus familiares, que seguem trabalhando e contribuindo para o progresso e desenvolvimento da cidade. A saudosa Jandira Rosa e o saudoso Joaquim Pereira merecedores da justa homenagem que este artigo é publicado na revista do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros, prestarão à suas memórias.

Landulfo Santana Prado Filho


Manoel Messias Oliveira

Natal e Ano Novo

Manoel Messias Oliveira
Cadeira nº. 60
Patrono: Jorge Tadeu Guimarães


Em 25 de dezembro do ano 336, a Igreja Católica, escolheu o dia do ritual pagão em homenagem ao sol, em que se armavam árvores e se trocavam presentes para comemorar o nascimento de Cristo, dando origem ao Natal; mas a comemoração, propriamente dita, só popularizou na Europa, depois do ano 1000, para que o povo simples pudesse ter acesso aos ensinamentos da Bíblia, sobretudo durante a preparação comemorativa, quando iniciou o atual costume de apresentar, em forma de teatro, os principais fatos da história da salvação. Uma das peças contava a história do paraíso terrestre; entrava em cena uma grande árvore, carregada de frutos, numa alusão à árvore da vida e à árvore do conhecimento do bem e do mal. Geralmente a árvore era o abeto, um pinheiro que resiste bem às baixas temperaturas, pois na Europa, dezembro, é mês de pleno inverno.

A árvore tem uma ligação com Adão e Eva, que, ao comerem do fruto proibido desejaram, de forma arrogante, uma vida superior, plena; e o Natal mostra que essa plenitude de vida é um dom de Deus, e que passou a oferecer à humanidade através do nascimento de Jesus Cristo.

Mas quem inventou o presépio?

Foi São Francisco de Assis quem armou o primeiro presépio da história, na noite de Natal de 1223, na localidade de Greccio, na Itália. É ele o inventor do presépio. Ele quis celebrar o Natal da forma mais realista possível e montou um presépio de palha, com um boi e um jumento vivos.

Um cavaleiro de nome João de Greccio “afirmou que viu um menino muito formoso dormindo naquele presépio, a quem, Francisco abraçando-o com ambos os braços, parecia despertar-lo do sono”. Nesse cenário, foi celebrada a primeira missa do Natal.

O costume espalhou-se pela Europa e de lá pelo mundo. A Igreja Católica considera um bom costume cristão armar presépio no período do Natal em igrejas, casas e até em praças e outros locais públicos.

Bem!... O tempo passa e deixa-nos inesquecíveis lembranças, principalmente da fase áurea de nossa meninice. O mistério do Natal nos impõe uma dívida e uma obrigação com nossos semelhantes em todo o Universo.

Nós que vimos a luz do Menino-Deus, somos obrigados, pela grandeza da graça, a tornar conhecida a presença do Salvador. Isso, o faremos, pregando a Boa-Nova, e também comemorando o seu nascimento que é renovado em cada 25 de dezembro.

Depois do Natal, que será comemorado em dia 25 de dezembro deste ano de 2022, um Ano Novo começará a fluir, será 2023, e temos no coração de que será melhor do que o Ano Presente.

O mundo precisa de paz, de compreensão, de harmonia entre os povos que habitam a Terra.

Necessitamos de respeito ao próximo, mesmo sendo diferente de nós, pois Deus não criou seres iguais, apenas semelhantes, pessoas que se completam na diversidade de raças, crenças, dons, personalidade e espírito; se fecharmos a porta a todos os erros a verdade pode ficar de fora.

É preciso viver o sonho com a certeza de que tudo vai mudar para melhor.

Ao encerrarmos mais um ciclo, estaremos prontos para uma nova fase, na qual experimentaremos dias de profícuas atividades e a plenitude de uma vida de convivência fraternal.
Da mesma forma, de tanto ouvir falar, as crianças ficam ansiosas pela chegada do “Fim de Ano” trazendo “Papai Noel”, com festas e presentes. Aliás, para muitas delas, além do dia do aniversário, presentes só no Natal e Ano-Novo, com sonhos de justiça e paz na Terra. Afora isto, as crianças de pais pobres, desafortunados, são elas próprias criam os seus brinquedos, mesmo porque as famílias, em regra, são naturalmente numerosas.

A respeito dos calendários, é oportuno esclarecer que em 1582, o Papa Gregório XIII, criou o Calendário Gregoriano, começando o ano em 1º. Janeiro, e que é usado até hoje, em substituição ao Calendário Juliano, que começava o ano em 1º. de abril. Naquela época, muitas nações não aceitaram a mudança, sob argumento de ser, irreal. Em razão disso, o dia 1º. de abril ficou conhecido como “o dia da mentira”. Só com o passar do tempo a data universalizou.


Mara Narciso

Luizinha Magalhães dos Santos,
a Viúva Francisco Ribeiro


Há 72 anos morria Luizinha, de edema pulmonar e tumor no mediastino, deixando para trás e num parcial esquecimento sua bondade e espírito humanitário incomparáveis. Quem receberia em sua residência em Belo Horizonte familiares e amigos com diagnóstico de tuberculose num tempo em que se vivia um surto epidêmico, não havia cura garantida, e o mal ceifava a vida dos jovens com imensa facilidade? Luizinha acolhia os doentes movida pela compaixão, e quando a pessoa voltava do sanatório passava mais algum tempo com ela, até estar apta a voltar para casa. Apenas uma alma abnegada aceitaria esse entra e sai de pessoas com uma doença altamente contagiosa. Enquanto a maioria fugia com medo e discriminava o tísico, personagem romantizado e que tantos poetas encarnaram e foram mortos pela doença, uma mulher caridosa abraçou a causa com presteza e eficiência.

Luizinha era uma mulher especial, fina e requintada, chique e conhecedora da moda, elegante e distinta, discreta e reservada, de aparência agradável, de suave bom gosto, bonita, miúda e magra. Usava roupas em cores escuras e fechadas, tailleurs, sempre com sapatos fechados. Tinha um timbre de voz suave, falava baixo, de forma contida, denotando reserva. Era uma mulher rica, consciente de quem era e qual deveria ser o seu papel social, alguém muito bem recebida em qualquer lugar. Nada dizia de si mesma, por não gostar de chamar a atenção, no entanto deu tudo de si. Apesar da época em que vivia, e das evidências sugeridas pelas suas decisões, não era submissa ao marido. Viajadíssima, costumava visitar o Rio de Janeiro e Araxá com frequência.

Tinha duas residências, uma em Montes Claros onde mais tarde seria o Colégio Imaculada Conceição, e outra no centro de Belo Horizonte, em frente à casa de Juventino Dias que era amigo da família. A casa ficava na Rua Espírito Santo, 920, entre Rua Tupis e Goytacazes, a um quarteirão da Igreja São José, frequentada por ela quando estava na capital; por ser muito religiosa, ia às missas para além do domingo, tanto em Montes Claros, quanto em Belo Horizonte, locais onde alternava para morar.

O requinte de Luizinha se manifestava na maneira com que recebia as visitas, e fazia isso de forma elegante. Gostava de coisas boas e tinha um padrão de vida elevado a ponto de ela conviver bem na sociedade de Montes Claros e de Belo Horizonte.

Nascida em Coração de Jesus, filha do Major Virgílio Muniz de Magalhães e Cândida Magalhães Lafetá, Luizinha casou-se com o Coronel Francisco Ribeiro dos Santos, que vinha de uma família grande de muitos irmãos. Seu marido era formado no Curso Normal, o que havia de mais avançado em termos educacionais para aquele tempo. A fortuna de Francisco Ribeiro formou-se a partir da atividade industrial pois era dono da Fábrica de Tecidos do Cedro, a nove km da cidade, mesmo nome de um rio encachoeirado que lá havia. Usando seus conhecimentos, veio a produzir energia elétrica e eletrificou Montes Claros e sua cidade natal Coração de Jesus a partir desse rio. Havia também a Fábrica de Tecidos Santa Helena, na Avenida Coronel Prates em Montes Claros. Era um industrial visionário e idealizador que concretizava seus projetos.

Luizinha estudou apenas o primário, mas era ilustrada através da sua biblioteca, uma grande leitora de romances. Como foi comum em sua época, porém sem seu brilho, era prendada, com destacada habilidade para trabalhos manuais como arranjos florais e crochê, fazendo colchas, toalhinhas, produções mimosas e delicadas, presenteando amigas muito próximas e queridas com colchas belíssimas, peças de extremo bom gosto. Fazia um perfeito cerzido à mão, assim como era exímia bordadeira à mão e à máquina, pois fazia bem o richelieu. Tinha também pré-requisitos em culinária e outros trabalhos manuais; sabia organizar e decorar bem uma casa, além de orientar sobre os cuidados com o jardim. Tinha gosto em criar pássaros e papagaios. Suas festas eram almoços. Não fazia saraus.

Nas épocas festivas como Natal e Páscoa, com espírito solidário aflorado, Luizinha mandava preparar e distribuía banquetes na forma de almoços e ceias para o presídio e outras instituições de caridade. Uma equipe os preparava e ela os mandava entregar.

Por ser bondosa, era muito querida e sua casa acolhedora e cheia de gente. Era madrinha de muitas moças e rapazes que os pais davam para ela criar. Seus sobrinhos conheceram muitos desses protegidos de Luizinha.

Jandira Caldeira foi sua dama de companhia e sobreviveu a ela. Após sua morte, trabalhou como servente na Escola Normal e foi madrinha de Raquel Pires, filha de Terezinha Gomes Pires. Apelidada Dira, foi quem cuidou de Luizinha quando foi preciso.

Luizinha criou Nazinha Coutinho, sogra de João Valle Maurício, e seus irmãos Cleber, Lauro e Antônio, que morreu jovem. Eram filhos da sua irmã Belvinda Ribeiro Nascimento, cujo marido fora assassinado. Moravam em Januária e, quando os pais dessas crianças morreram, vieram os quatro meninos para sua casa. Francisco trouxe os sobrinhos e o casal os criou. Também acolheu o pai de Terezinha, Benedito Gomes, e muitos outros que foram dados a ela.

Era carinhosa com seus parentes. Como a casa era grande e tinha muitos irmãos, recebia a todos, sejam aqueles de Montes Claros ou os de Coração de Jesus, assim como hospedava parentes do marido, todo o pessoal da família Ribeiro. A residência de Luizinha era uma casa de portas abertas, uma colônia com pouso carinhoso para todos os parentes das duas famílias, recebidos com zelo e atenção.

Alda, irmã de Luizinha, apelidada Doxa era a mãe de Terezinha, e queria que ela tivesse uma boa educação, então enviou a filha para estudar interna no Colégio Sacré-Couer de Marie de Belo Horizonte, porém com o suporte da família na pessoa de Luizinha. Nos feriados e nas férias, ela passava um período com sua madrinha e outro com sua mãe, assim, embora costumasse se hospedar e viajar com Luizinha, seus pais eram vivos.

Terezinha se casou com Simeão Ribeiro Pires, um sobrinho de Francisco Ribeiro, sendo um casamento que deu muito prazer às duas famílias, por ser ela sobrinha de Luizinha.

Falar de amor e bondade é bem mais complexo do que mostrar a frieza de um documento de registro de nascimento e um atestado de óbito. Os números na letra fria da História não têm vida, não têm humanidade. Há apenas uma lápide, ou como nos disse em “O Bardo” João Chaves, “a campa solitária, escura e fria” sobre onde estão seus restos mortais após “o fato atroz”. É preciso fazer esse resgate histórico e valorizar essa mulher amorosa que, ao ficar viúva do Coronel Francisco Ribeiro dos Santos abriu mão da sua individualidade e até do seu nome para ser conhecida como “Viúva Francisco Ribeiro”.

Há cem anos enviuvava-se Luizinha Magalhães dos Santos e, desde então sentia orgulho em ser reconhecida através do nome do marido assinando e sendo homenageada através da homenagem a ele, escolha feita por ela mesma, como algumas fontes confirmam. A rua que ligava o centro ao hoje Bairro Todos os Santos passou a levar este nome antes mesmo de ela falecer. Mulher de destacada personalidade tinha projetos e ideais próprios, mas preferia permanecer nos bastidores e, possivelmente por isso cedeu o protagonismo ao seu marido, na placa da rua e na História. Nunca é tarde para se fazer uma reparação, em especial em 2023, quando se completam 150 anos do nascimento e o centenário da morte do Coronel Francisco Ribeiro dos Santos.

Os coronéis Francisco Ribeiro dos Santos e Philomeno Ribeiro dos Santos eram irmãos, e quando Francisco faleceu, seus amplos negócios de quem amealhou significativa fortuna foi administrado, a pedido de Luizinha, pelo seu cunhado Coronel Philomeno Ribeiro, que concordou, inteiramente, com seus projetos manifestados numa carta. Doou a Chacrinha, um terreno de 17 mil metros quadrados. Ali seria o Lar Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, mais conhecido como Orfanato. Foi feito um projeto arquitetônico respeitável para abrigar 20 meninas órfãs, de onde receberiam moradia e educação completa, tudo a ver com o que fez a vida toda: não deu apenas abrigo, acolheu, deu um lar a muitos que lhe chegaram à porta. A execução da obra de vulto e excelente arquitetura durou quatro anos e o dinheiro era encaminhado sem demora de acordo com a necessidade.

Luizinha, zelosa em tudo que fazia, estando pronta a edificação, solicitou ser feito um minucioso documento, amarrando-se normas em detalhes legais para garantir que a entidade não sofreria intervenções externas de cunho político ou outros interesses, com desvirtuamento dos seus objetivos. Quando a maneira de gerir o Lar foi definido, aconteceu a doação oficial à Mitra Diocesana de Montes Claros. O Orfanato cumpre seu papel social desde então, modificando seu estatuto conforme as necessidades socioculturais de cada tempo. No começo havia apenas meninas órfãs residentes, depois foi acrescida uma creche mista, e nos últimos anos há formação artística dos alunos e reforço escolar. A administração que já foi exclusividade das freiras, hoje tem participação de agentes municipais, assim como o envolvimento de recursos públicos, associado à renda de alugueis dentro e fora do território do Orfanato.

A retrospectiva dos documentos bem conta a origem do Orfanato, mas ressalta que Luizinha Magalhães dos Santos e sua parceira na construção dessa entidade Laudelina Ribeiro Maia - Laudy foram mulheres que não seguiram apenas o que lhes foi exigido, mas foram além. Inquietas, agiram em prol do próximo, das crianças que nada tinham, e com isso executaram mais que caridade, foram exemplo e fizeram história.

Aqui declaro escancarado tributo a Luizinha Magalhães dos Santos, a mentora intelectual, doadora do terreno e do montante para edificar o Orfanato, este marco de ação social que virou referência em honorabilidade em Montes Claros.

Nascimento: Coração de Jesus em nove de agosto de 1875; Casamento: Nove de maio de 1896; Viuvez: Dez de dezembro de 1923; Falecimento: 10 de junho de 1951; Carta de Luizinha ao seu cunhado Philomeno Ribeiro sugerindo a construção do Lar Nossa Senhora do Perpétuo Socorro – Orfanato – 1940; Início de construção: 1941; Finalização da construção do Orfanato: 1944; Doação do prédio do Orfanato à Mitra Diocesana: 1950; Funcionamento da entidade Orfanato: 1951.

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Fontes: “Dona Laudy e Luizinha - Construtoras do Orfanato” – Vários autores, organização de Dário Teixeira Cotrim; depoimento de Terezinha Gomes Pires tomado em 12 de abril de 2023, ela que nasceu em seis de junho de 1926, sendo sobrinha de Luizinha, com a qual morou em grandes períodos e com ela fez muitas viagens. De acordo com quem fala, uma nova história se revela.

PS: A intenção não é polemizar e nem descredenciar versões cristalizadas das doações para a construção do Orfanato, e sim tirar o véu de cima da Viúva Francisco Ribeiro e lhe jogar holofotes mostrando quem foi de fato Luizinha Magalhães dos Santos.
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Sebastião Abiceu dos Santos Soares

Um janeiro inesquecível

Janeiro de 2023 foi marcado de grandes emoções. Depois de receber as felicitações de familiares e amigos pela passagem do meu aniversário, ocorrido no dia 05, eu e a minha amada Dóris Araújo rumamos para a Chapa Diamantina, mais precisamente para a cidade de Ibicoara, no estado da Bahia. Sua população, estimada em 2021, era de 19 990 habitantes. Situada no Sudoeste da Chapada Diamantina, abriga duas das maiores atrações turísticas da região: a Cachoeira do Buracão e a Cachoeira da Fumacinha. "Ibicoara" é um vocábulo tupi que significa "buraco na terra", "cova", "barro branco" a partir da junção dos termos yby ("terra") e kûara ("toca"). (1)

Deixemos os relatos sobre a cidade para uma outra oportunidade.

Na verdade, nosso objetivo era participar das comemorações do aniversário da nossa netinha primogênita Flávia Helena e do nosso netinho Gael, foram momentos de grande alegria para nós e para os demais familiares e convidados.

Durante nossa permanência na região, resolvemos fazer algo que há muito tempo estávamos planejando.

Em outras oportunidades já tínhamos visitado a encantadora cidade de Mucugê, que também é um município do estado da Bahia. Sua população em 2020 era estimada em 8 889 habitantes. Possui uma área de 2 491,82 quilômetros quadrados e na atualidade é um dos principais pontos turísticos para quem visita a Chapa Diamantina. (2) Logo na entrada da cidade, visitamos o Cemitério Santa Isabel, também conhecido como Cemitério Bizantino.

É o único cemitério da cidade. Por ser tão bonito e ser um testemunho da história, ele foi tombado pelo patrimônio histórico Nacional na década de 80, outro motivo de ser considerado patrimônio histórico, é que só existem dois cemitérios bizantinos no mundo, um na Itália e outro lá, em Mucugê.

O cemitério foi criado em meados de 1855, pois na época havia um grande número de mortes causadas por epidemias de doenças contagiosas como a cólera, que na época não tinha cura. Ele trata-se de mausoléus envolvidos em paisagens de pedras e plantas, onde os túmulos aparecem todos ornamentados com algumas miniaturas de igrejas. Os túmulos são pintados de branco, o que deixa ainda mais bonito o lugar.

Como a área é pequena, quando a pessoa morre, ela é enterrada nos túmulos maiores e mais bonitos da frente, após 4 anos, os restos são retirados e colocados em túmulos menores que ficam mais atrás, para poder dar espaço para outras pessoas. (3)

Durante os festejos juninos a cidade se enfeita. Todas as casas recebem ornamentação junina, fazendo a alegria dos moradores e visitantes.

Depois andamos pela cidade, observando o calçamento de suas ruas e os seus lindos casarios, antigos e bastante conservados. Visitamos suas lojas onde conhecemos o artesanato local. Caminhamos um pouco mais e chegamos até a Igreja Matriz de Santa Isabel, que foi totalmente restaurada pelo IPHAN-BA. O monumento, que integra o conjunto arquitetônico de Mucugê, é tombado pelo IPHAN e inscrito no Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico.

Com o roteiro nas mãos, deslocamos até o Projeto Sempre Viva localizado a poucos quilômetros da cidade, onde os funcionários responsáveis pelo local nos apresentaram os principais objetivos do projeto.

– Identificar e delimitar áreas de ocorrência da espécie Syngonanthus mucugensis;

– Desenvolver tecnologias de reprodução e cultivo de sempre vivas;

– Criar e implementar uma unidade de conservação para proteger amostras de ecossistemas da região;

– Implantar um banco de dados e sistema de informações geográficas;

– Promover programas de educação ambiental.

O Parque Municipal de Mucugê é considerado Unidade de Conservação, conforme Resolução CONAMA Nº 011 de 03/12/1987. O Parque foi criado pelo Decreto Municipal Nº 235, de 15 de março de 1999. (4)

Após as explicações acerca do projeto, fizemos uma caminhada por uma trilha belíssima, observando a vegetação e o relevo do local, coisa de encher os olhos. Ao final dessa trilha, conhecemos as cachoeiras Piabinha e do Tiburtino onde tomamos um gostoso banho em suas diversas quedas d’água.

Agora em janeiro de 2023, aproveitamos para visitar algumas cachoeiras localizadas no município de Ibicoara. Desta vez, acompanhados pelo guia Elias, rumamos para Parque Natutal Municipal do Espalhado, fizemos uma trilha de aproximadamente três quilômetros, totalizando seis quilômetros, onde pudemos conhecer lugares encantadores tais como: o local que leva o nome de espalhado, com suas corredeiras maravilhosas, a cachoeira das Orquídeas, a cachoeira do Encantado, e a magnífica cachoeira do Buracão, conhecida como a princesa da Chapada Diamantina. Durante nossa caminhada deparamos com uma vegetação diversificada, além de insetos e répteis. Procuramos nos informar sobre a criação do parque e ficamos sabendo que o Parque Natural Municipal do Espalhado foi criado através de convênio de 2014, firmado entre a UESB e a Prefeitura, que formou um grupo de professores para elaborar o Plano de Gestão e Manejo do Parque. A área do parque compreende 611,75 ha de terras ao longo do Ribeirão Espalhado, formado pelos Riachão das Pedras, Rios Jibóia e Julião, Riachão e Mucugezinho, que deságua no Rio Santo Antônio. Cada visitante, acompanhado de guia da cidade de Ibicoara, deve pagar uma taxa, que acreditamos garantir parte da manutenção do parque.

Envolvidos pela beleza do lugar, programamos uma nova trilha, com o mesmo guia, Elias. Desta vez, fomos conhecer outros cursos e quedas d’agua.

Durante essa nova caminhada, deparamos com a Casa Raiz, uma verdadeira obra de arte que não deixa por menos a sua denominação, pois é verdadeiramente uma casa raiz. Cravada no meio daquela paisagem rústica e bela. Pena que não encontramos os seus moradores no momento. Nessa trilha, continuamos observando a natureza e seus vários matizes em sua flora e fauna, que, além do solo e do relevo, aspectos que nos deixaram impactados, por sua beleza.

Como diz o poeta: “O caminho se faz no caminhar”, assim, fomos seguindo as trilhas formadas por outros caminheiros, as quais nos levaram a lugares que encheram nossos olhos e corações da mais bela emoção. Chegamos ao lugar conhecido como Escorregador, depois fomos para a cachoeira da Escadinha, logo em seguida chegamos a cachoeira Raiz, conhecida também como salão das cachoeiras, e por fim, fomos de encontro com cachoeira do Licuri.

Depois das trilhas, muitos banhos de cachoeiras e corredeiras, em águas que nos lembram “coca-cola”, devido a coloração.

Nos organizamos para voltar para nossa querida Montes Claros, mas não poderíamos deixar de passar pela cidade Ceraíma, próximo a cidade de Guanambi. Na verdade, fomos até a localidade, denominada de Baú, fomos pagar uma promessa feita há bastante tempo; atender ao convite do casal de amigos (Cel. Lázaro Francisco Sena e sua esposa Janete...).


Fomos recebidos com alegria indescritível, tanto por parte do casal, como pelos demais familiares.


Conhecemos, através do amigo Cel. Lázaro (ou simplesmente Tom, como ele é chamado pelos familiares, amigos de infância e juventude), o memorial da família LEZINHO E LUZIA, vimos um magnífico acervo, com mais de dez sanfonas que pertenceram a membros da família, principalmente ao irmão mais velho, Juraci Aureliano Texeira (Juri). Várias fotografias de familiares (..), o vestido de noiva da matriarca, dona Luzia Meira Couto, carinhosamente conhecida como dona Duxinha, além de outros vestuários, como o terno de casamento do sr. Aureliano Antônio Teixeira, conhecido na região de Guanambi como Lezinho do Baú; uma roda de fiar; almofada para tecer a renda de bilro, ferro de passar roupas, rádio de pilha - que servia principalmente para acompanhar as missas, dirigidas pelo padre Vitor Coelho de Almeida, diretamente da Basílica de Nossa Senhora Aparecida -, dois baús de couro todo cravejado e com as iniciais LMC (Luzia Meira Couto), feitos sob encomenda para guardar o enxoval do casamento da dona Luzia; também várias camas, modelo catre; inúmeros punhais, dos mais variados modelos, uma espingarda cartucheira de dois canos, e o mais importante, um acervo bibliográfico (biblioteca em homenagem a dona Leolina Teixeira (Loza), e depois caminhamos por uma pequena reserva ecológica em homenagem a Lieci Teixeira Cotrim (Dedé), fomos ainda convidados para conhecer as plantações. Lá degustamos goiabas (brancas e vermelhas), umbu, coco licuri, mangas de várias qualidades, além de admirar a encantadora plantação de roseiras da sra. Ivanilde Luzia Teixeira, carinhosamente conhecida como dona Neném, que hoje é a guardiã do Memorial Lezinho e Luzia. Conhecemo o sr. Benedito Teixeira (Dito), outro membro da família, irmão do Cel. Lázaro.

Por achar cabível, transcrevo aqui o poema de minha amada Dóris Araújo, intitulado Dividindo Tesouros:

“Num canto do quarto mais claro
De nossa casa,
Descansa um robusto baú.
Nele, guardamos caros tesouros:
As mais nobres metáforas,
Gemas verdadeiras.
O baú não admite chaves.
E as metáforas não pertencem só a mim,
Enriquecem a família inteira.” (5)

Acredito que o poema citado ilustra bem aquilo que tivemos oportunidade de conhecer, servindo até mesmo para homenagear o memorial.

Nessa altura eu me pergunto: Qual a importância de um projeto como esse?

Qual a importância de um projeto como esse?

Eu mesmo me respondo: Manter viva a memória de um povo e de um lugar. É um patrimônio cultural que enriquece a família inteira e a todos do lugar.

Valendo aqui trazer uma definição para patrimônio cultural, que, segundo consta no referencial de educação patrimonial da rede Marista, “patrimônio cultural é o conjunto de manifestações, realizações e representações de um povo, de uma comunidade. Ele está presente em todos os lugares e atividades: nas ruas, em nossas casas, em nossas danças e músicas, nas artes, nos museus e escolas, igrejas e praças. Nos nossos modos de fazer, criar e trabalhar. Nos livros que escrevemos, na poesia que declamamos, nas brincadeiras que organizamos, nos cultos que professamos. Ele faz parte de nosso cotidiano e estabelece as identidades que determinam os valores que defendemos. É ele que nos faz ser o que somos”. (6)

Acredito que sentimento de pertencimento não se transmite de forma automática, mas se constrói no dia a dia, através das rodas de conversas, nos encontros familiares, na escola etc. Espero que a família do sr. Lezinho e Luzia, esteja construindo junto aos mais novos esse sentimento de preservação, para que o MEMORIAL LEZINHO E LUZIA continue existindo ao longo das gerações vindouras.

Para encerrar nossa visita, ainda tivemos o prazer de degustar um delicioso café com bolo e requeijão, acompanhado de um bom dedo de prosa.

O Cel. Lázaro lembra que a vida no Baú, como ainda hoje acontece em muitas localidades da zona rural brasileira, era bastante influenciada por histórias, crendices e “simpatias”, ditadas e acompanhadas por entes sobrenaturais diversos, segundo a sua natureza e características particulares. Ali não era diferente, ainda mais depois do acontecimento que assombrou a casa e a família de “Seu” Antoninho, pai de Lezinho, lá pelo início da década de 1940, que ficou conhecido como a “tentação do romãozinho”, e que, até hoje, reforça sua crença na vida espiritual. Ele falou que essa história, marcou muito os membros da família.

A “tentação do romãozinho” criou em todos nós, da família de Lezinho, um grande medo de “assombrações”, especialmente em relação a casa do Baú Velho, onde o fenômeno aconteceu. Também não escapava de nossas cismas, o famoso “umbuzeiro velho”, uma decadente árvore que mal produzia meia dúzia de frutos por safra, mas que, à noite, formava uma área escura ainda sob a sua copada rasteira. (7)

Causos como esse com certeza é prato cheio nas rodas de conversas entre os amigos e familiares. Para conhecer outros causos e relatos de memória, vale a pena ler o livro Lezinho do Baú.

Da próxima vez, com a graça de Deus, iremos conhecer uma outra obra de memória afetiva, a Igreja Matriz de Ceraíma.

Na verdade, eu já conhecia a comunidade do Baú, o memorial e outras histórias da região, através das leituras dos escritos do Cel. Lázaro. Desta feita, o que fizemos, Dóris e eu, foi uma visita, in loco, como dizem, para enxergarmos com os nossos próprios olhos e sentirmos de perto, o calor de uma grande e verdadeira amizade.

FONTES DE PESQUISA
(1) Ibicoara – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org) – acessado em 19-01-2022
(2) Mucugê – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org) - acessado em 19-01-2022
(3) Salesiano - Projeto Chapada Diamantina 2008: Cemitério Bizantino (HISTÓRIA) (salesianochapada2008.blogspot.com)- acessado em 19-01-2022
(4) Projeto Sempre Viva em Mucugê Chapada Diamantina Bahia (vanezacomz.com.br) - acessado em 19-01-2022
(5) Canção do Amanhã – Dóris Araújo -p. 51
(6) Referencial de Educação Patrimonial da Rede Marista
(7) Lezinho do Baú – Lázaro Francisco Sena – p. 118 e 122


Walisson Oliveira Santos


TOBIAS LEAL TUPINAMBÁ: UM HISTORIADOR DO NORTE DE MINAS, DO SÉCULO XX


Tobias Leal Tupinambá, natural de Mato Verde - MG, nasceu em 12 de dezembro de 1888. Ocupou a cadeira n° 96 no Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros e antecipou trabalhos em várias áreas como antropologia, geografia, história e economia.

Sua obra mais conhecida é o livro Monografia histórico-corográfica de Montes Claros, objeto deste estudo, escrito a partir de 1942 (após receber o 3° lugar pelo concurso do IBGE, no respectivo ano) e só publicado em 1988.

Em sua monografia de Montes Claros, o referido autor parte de uma linha na seção de História e Geografia para tecer considerações sobre a formação da cidade: do próspero Arraial de Formigas, em 1768, depois Arraial de Nossa Senhora da Conceição e São José de Formigas, Vila de Montes Claros de Formigas e, por fim, cidade de Montes Claros, pela Lei 802 de 03 julho de 1857.

Assim sendo, busca-se entender brevemente a construção e a leitura dessa -história-memória a respeito do conceito de cidade em e sobre Montes Claros, este estudo justifica-se pelo fato de que Tobias Leal Tupinambá apresentou importante participação para a sistematização da historiografia da cidade, como um intelectual. Isso se evidencia na sua trajetória de vida na região de Montes Claros.

Tobias Leal Tupinambá

Nelson Vianna, em seu livro Efemérides montesclarenses (1964), esclarece-nos importantíssimas informações sobre a biografia do referido historiador.

Filho de Domingos Garcia Leal Tupinambá e Felicidade Perpétua Silveira Leal, Tobias estudou as primeiras letras em Montes Claros, cursando, posteriormente, o Seminário de Diamantina e a Escola Normal de Montes Claros.

Seu pai, descendente dos García D'Ávila, tem como origem mais remota o casal formado pelo português Diogo Álvares Corrêa (Caramuru) e a índia Paraguassu, filha do cacique da tribo dos Tupinambás, que habitavam o litoral baiano.

Tobias Leal Tupinambá foi casado com Josefina Mendonça Tupinambá. São seus descendentes:

Casemiro, Felicidade, Maria, Ruth, Domingos, Raymundo e Ruy.
Ao longo de sua vida, Tobias Tupinambá se dedicou à agrimensura licenciada e negócios de terras. Diplomou-se Engenheiro, pela Escola Livre de Engenharia do Rio de Janeiro, em 1934. Além disso, tomou parte, como integrante, na Delegacia Municipal de Recenseamento, em 1940.

Em 1950, foi requisitado como Agrimensor do Estado, pelo Chefe da Colônia Agrícola Nacional de Jaíba. Ainda na mesma década, em 1958, foi eleito 1° Suplente de Juiz de Paz do Distrito da cidade. Já na década de 60, trabalhou no Censo , como um dos Chefes, tendo prestado relevantes serviços ao município de Brasília de Minas.

Tobias Leal Tupinambá faleceu 8 de outubro de 1962.

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4 - A profissional responsável por determinar onde começava e onde terminava uma faixa de terra pertencente a uma pessoa. Portanto, a agrimensura possui um conceito mais amplo do que a topografia, utilizando dos instrumentos da topografia para chegar nos resultados pretendidos.

5 - O termo “censo” ou “recenseamento demográfico” é um estudo estatístico referente a uma população que possibilita o recolhimento de várias informações, tais como o número de homens, mulheres, crianças e idosos, onde e como vivem as pessoas.
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A Histórico-corografia

“Histórico-corográfico” é uma expressão composta, que se refere ao estudo simultâneo da história e da geografia de uma determinada região. Posto isso, trata-se de uma abordagem multidisciplinar que busca compreender as relações entre o ambiente natural, a ocupação humana e os processos históricos que moldaram a paisagem e a cultura de um lugar.

Diante disso, segundo João Romano Torres, em sua obra Dicionário histórico, corográfico, heráldico, biográfico, bibliográfico, numismático e artístico (1904), através de um estudo histórico-corográfico é possível analisarmos as mudanças culturais, sociais e econômicas de uma determinada região ao longo do tempo e como essas mudanças influenciaram a paisagem natural e as atividades humanas.

1768: o Arraial das Formigas

Segundo Tupinambá (1998), a Expedição Espinosa - Navarro, formada por doze homens – possivelmente portugueses e espanhóis –, foi a primeira a pisar nas terras da região do Norte de Minas, onde viviam os índios Anais e Tapuias. Por outra vertente, Bandeirantes partiram de São Paulo, em busca de pedras preciosas, e embrenharam-se pelo sertão do Norte da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro.

Fernão Dias Pais, Governador das Esmeraldas, organizou a mais célebre Bandeira, para conquistar “Esmeraldas”, da “Serra Resplandecente”.

Antônio Gonçalves Figueira, um sertanista atuante no período do Brasil colonial, que pertencia à Bandeira de Fernão Dias, acompanhou-a até às margens do Rio Paraopeba, onde com Matias Cardoso, abandonou o chefe, regressando para São Paulo.

Seduzidos pela fecundidade do Sertão Mineiro, sobretudo na expectativa de conquistarem novas riquezas, Gonçalves Figueira e Matias Cardoso de Almeida retornaram, tornando-se figuras centrais da empresa do desinço do “gentio bravo” no território depois mineiro e nos sertões do Nordeste, isto é, colonizadores, construindo fazendas, cujas sedes se transformaram em cidades. (MONTES CLAROS, 2008).

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6 - Como explica Janice Correia da Silva (2020), em seu artigo “Matos alheios de ladrões e facinorosos” ou a terra das oportunidades? Uma visão dual sobre os sertões dos rios Piranhas e Piancó no período colonial na américa portuguesa”, o “[...] gentio bravo, como era nomeada a população autóctone de tais paragens. A presença destes sujeitos fazia com que o sertão fosse pensado enquanto um lugar de costumes bárbaros praticados por tal gentio” (SILVA, 2020, p. 3-4).
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Formaram, assim, três grandes fazendas: Jaíba, Olhos d'Água e Montes Claros, esta, situada nas cabeceiras do Rio Verde, pela margem esquerda, próxima a montes formados por Xistos Calcários, com pouca vegetação.

Pelo alvará de abril de 1707, como nos diz Tupinambá (1998), Gonçalves Figueira obteve a sesmaria de uma légua de largura por três comprimentos, que constituiu a Fazenda de Montes Claros. Formigas foi o segundo povoado da Fazenda Montes Claros.

Consoante o levantamento das potencialidades da cidade, Gonçalves Figueira, na tentativa de ampliar o mercado de mercadorias (o bovino), expandiu estradas e terras para Tranqueiras na Bahia e para o Rio São Francisco. Era grande o seu interesse de expansão do comércio, e com isto, procurou ligar-se ao Rio das Velhas e à Pitangui e Serro.

A região foi se povoando e a Fazenda de Montes Claros transformou-se no maior centro comercial de gado, na região Norte de Minas Gerais (MONTES CLAROS, 2008).

O bem-sucedido Arraial de Formigas tornou-se, em seguida, Arraial de Nossa Senhora da Conceição e São José de Formigas, Vila de Montes Claros de Formigas e, por fim, cidade de Montes Claros.

1831: a Vila de Montes Claros de Formigas

Cento e vinte quatro anos após obtenção da Sesmaria, por Antônio Gonçalves Figueira, dono e construtor da Fazenda de Montes Claros, Tupinambá (1988) nos diz que já se encontrava alicerçado o Arraial de Nossa Senhora de Conceição e São José de Formigas, estes suficientemente desenvolvidos para tornarem-se independentes, desmembrando-se de Serro-Frio.

Em virtude dos esforços das lideranças políticas, o Arraial foi elevado a Vila pela Lei de 13 de outubro de 1831, passando a se chamar “Vila de Montes Claros de Formigas”.

Os líderes originais construtores do progresso de Montes Claros, segundo os estudos do autor, foram os vereadores, que incluíam o Presidente Laurenço Vieira de Azevedo Coutinho, Luiz de Araújo Abreu, Antônio Xavier de Mendonça, Francisco Vaz Mouro e Joaquim José Marques, que assumiu o cargo de José Fernandes Pereira Correia.

Em 22 de julho de 1834, o Dr. Jerônimo Máximo de Oliveira e Castro torna-se o primeiro juiz municipal. Surgiram na Vila os primeiros médicos e facultativos. Manoel Hipólito de Palma tinha licença para praticar cirurgia.

Outros facultativos apareceram em 1835, e, em 1847, chega à Vila o primeiro médico formado: Dr. Carlos Versiani.

Diante disso, a Vila de Montes Claros de Formigas desenvolvia-se pelo esforço, os costumes eram primitivos, em casa faziam-se comida, as quitandas, o sabão, as rendas de almofada, tecidos no tear, entre outros.

1857: a Vila passa a ser cidade

Em 1857, a Vila Montes Claros de Formigas teria pouco mais de 2.000 habitantes, mas os políticos já pleiteavam a elevação à cidade, uma vez que os melhoramentos existentes eram os mesmos de quase todos os municípios da Província. Diante disso, pela Lei 802 de 03 de julho de 1857, a Vila passou a cidade de Montes Claros, sem formigas, que desagradava a todos os “formiguenses”. A partir dali doravante “montesclarenses”.

A 12/07/1858 tomaram posse os novos vereadores. Por muito tempo, o aspecto da cidade permaneceu quase o mesmo. (MONTES CLAROS, 2008).

O desenvolvimento da cidade continuava lento, porque os meios de transporte permaneciam: cavalos e liteira para a população, carros de bois e tropas de burros que conduziam mercadorias, a partir de um comércio mútuo, suadas andanças pelas estradas estreitas e poeirentas, muitas delas abertas pelos Bandeirantes.

Sobre a histórico-corografia de Montes Claros

Em Monografia histórico-corográfica de Montes Claros, Tobias Leal Tupinambá nos revela algumas características principais dos seus estudos, como:

1. Abordagem multidisciplinar: envolve a aplicação de conhecimentos de diferentes áreas, como a história, geografia, antropologia e arqueologia;

2. Análise temporal: abrange uma análise da evolução histórica da região em estudo, desde as origens até a contemporaneidade;

3. Análise espacial: inclui a observação e análise da paisagem e das características geográficas da região em estudo;

4. Enfoque nas relações entre ambiente e sociedade: investigação das interações entre a sociedade humana e o seu ambiente natural ao longo do tempo;

5. Utilização de fontes variadas: consulta de fontes escritas, mapas, fotografias, relatos orais, entre outras, para a construção do conhecimento sobre a região estudada;

6. Contextualização histórica e cultural: considera as mudanças ocorridas na região em estudo em relação a contextos históricos e culturais mais amplos.

Essas características, assim, permitem uma compreensão mais ampla e completa da história e geografia de Montes Claros, através da análise integrada de diferentes fatores que influenciaram a construção da paisagem e cultura locais.

Divida entre dezoito capítulos, a monografia de Tupinambá (1988) descreve também o devassamento do território de Montes Claros ocorrido no final do século XVII e início do século XVIII, no período colonial brasileiro, quando houve um aumento da exploração econômica da região.

Para o autor, a região a qual pertence Montes Claros se destacava pela existência de recursos naturais, como ouro, diamantes e pedras preciosas, o que atraiu muitos exploradores e aventureiros em busca de riquezas. Além disso, o território começou a ser explorado pelos paulistas no final do século XVII, que subiram os rios São Francisco, Verde Grande e Jequitinhonha em busca dessas riquezas. A partir dessa exploração, foram surgindo os primeiros povoados e arraiais na região.

Com o aumento da exploração, a Coroa Portuguesa decidiu delimitar a região e, em 1707, criou a comarca de São Paulo e Minas de Ouro, que englobava a região de Montes Claros.

Ao longo do tempo, a exploração da região continuou, e Montes Claros se consolidou como um importante centro comercial e econômico na região Norte de Minas Gerais.

Para o autor, a cidade é um dos principais polos econômicos e culturais do Norte de Minas Gerais pelos seguintes motivos:

1. Localização estratégica: a cidade está localizada em uma posição geográfica privilegiada, no entroncamento das BRs 135, 251 e 122, o que facilita o escoamento de produtos para outras regiões do país.

2. Infraestrutura: a cidade possui uma infraestrutura completa, que inclui aeroporto, rodoviária, porto seco e zona industrial, o que favorece a instalação de empresas e indústrias na região.

3. Agronegócio: a região de Montes Claros é conhecida pela produção agropecuária, principalmente de gado, leite e milho. Por isso, a cidade possui um grande potencial no setor do agronegócio.

4. Universidades e centros de pesquisa: Montes Claros abriga diversas instituições de ensino superior e centros de pesquisa, como a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e o Instituto de Ciências Agrárias da UFMG. Isso gera um ambiente propício para a produção de conhecimento e inovação na região.

5. Cultura: A cidade é reconhecida pela sua riqueza cultural, com manifestações artísticas e folclóricas que valorizam a história e a tradição local. A cidade também é conhecida pelo seu Carnaval e pela Festa Nacional do Pequi, eventos que atraem turistas de diversas regiões do país.

Considerações finais

Durante a realização do presente trabalho, foi possibilitada a ampliação do debate acerca da histórico-corografia articulada por Tobias Leal Tupinambá: uma abordagem multidisciplinar que buscou compreender as relações entre o ambiente natural, a ocupação humana e os processos históricos que moldaram a paisagem e a cultura de Montes Claros.


Tobias Leal Tupinambá

Referências bibliográficas

MONTES CLAROS: potencialidades. Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Montes Claros. Montes Claros: Unimontes, 2008.

SILVA, Janice Correia. “Matos alheios de ladrões e facinorosos” ou a terra das oportunidades? Uma visão dual sobre os sertões dos Rios Piranhas e Piancó no período colonial na américa portuguesa. In: X ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA ANPUH/BAHIA, 2020, Bahia. Anais eletrônicos [...] Bahia: UFRB, 2020. p. 1-11. Disponível em:
https://www.encontro2020.
bahia.anpuh.org/resources/anais/19/anpuh-ba-eeh2020/1604452580_ARQUIVO_
02a8f6727d70af96b45b093546c326cf.pdf.

Acesso em: 05 abr. 2023. TORRES, João Romano. Dicionário histórico, corográfico, heráldico, biográfico, bibliográfico, numismático e artístico. Lisboa: João Romano & Cia, 1904.

TUPINAMBÁ, Tobias Leal. Monografia histórico-corográfica de Montes Claros. Belo Horizonte: Cultura, 1988.

VIANNA, Nelson. Efemérides montesclarenses (1707-1962). Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores, 1964.


Wanderlino Arruda

DENGUE E CHIKUNGUNYA

Baseando-me em um texto – ao mesmo tempo médico e pessoal - da minha estimada confreira Mara Narciso, perfeita médica e escritora, tenho que dizer também um pouco, em minha rude impressão de leigo, sobre a ação virótica da chikungunya e da dengue, males mais do que democráticos, pois de quase todas as pessoas de sorte negativa, a partir de 1952, quando o mosquito transmissor apareceu na Tanzânia.

Informo, sem qualquer honra e prazer, que foi, agora, comecinho de fevereiro, em início de uma noite de verão, que surgiram, em minha estrutura física de quase oitenta e nove anos, dores terrivelmente intensas em todas as partes do primeiro e do segundo andar: região lombar, pescoço, braços, mãos, quadril, pernas, joelhos, tornozelos e até nas unhas dos pés, o que traduzido em linguagem mais interiorana, poderá ser qualificada de ofensas no cangote, na goela, na cacunda, nas apás, na espinhela, nos quartos, além das mãos de pés. Um universo tão violento de dores, que até me travou a capacidade de andar, o ir e vir dos direitos humanos. Sem saber o porquê, de pé, encostado, sentado, deitado, tudo doía e pedia cama, mesmo que a cama não oferecesse alívio.

Não pensei em covid, porque covid eu já tive um ano e meio atrás, sem muitas consequências. Respiração, temperatura, pressão, saturação, tudo normal, embora as dores chegando a jato, velocidade do som e do ultrassom. Uma fraqueza muscular assumiu geral, até com um pouco de fadiga, inteireza tão grave que eu não conseguia, deitado, mudar de posição, sem escolha de me encolher ou de me espichar. Quase impossível trocar de lado, cada tentativa de movimento frustrada pelo dolorido, duríssimo virar para a esquerda ou para a direita, uma paralisia danada substituindo qualquer intensão ou vontade.

Minha cabeça não doía, porque nunca doeu, em nenhuma fase da vida, graças ao bom Deus. Nos olhos e entorno dos olhos, tudo sofrido. Toda a noite foi um soninho mal dormido, sem encontrar lugar, nem jeito mais cômodo. Somente pela manhã, quando relatei as ocorrências para as netas Natália e Gabriela, quando elas diagnosticaram tudo, Wladênia me ofereceu um comprimido de dipirona para combater as dores grandes e pequenas, mas a dipirona só tomou conhecimento do muito sofrer depois de mais de uma hora de ação. No quarto, deitado, uma saudade imensa do escritório, que só tomei consciência do impossível, porque as pernas – bambas e sofridas - não queriam ou não podiam caminhar, nem com os passos curtinhos. Só o ato de doer.

Mesmo totalmente sem fome, levantei-me para almoçar, já que almoçar e jantar para mim sempre foi questão de horário, procedimento que acho da civilização que cedo aprendi em São João do Paraíso, minha terra natal. Mastigando com dificuldade, porque ainda em repouso de uma cirurgia de implantação óssea, ficou longe a função do sabor de tudo: do peixe, do pirão, da farofa, da salada, dos molhos, até o docinho da sobremesa. O cansaço e a dor muscular não me deixavam segurar o garfo e a faca, total falta de força e habilidade. Dos dedos, do mindim, seu vizinho, maior de todos, fura bolo e cata piolho, nada, nem para funções estéticas. Até para beber água, necessário o canudinho, porque a mão não podia segurar o copo.

Ainda pela manhã, Gracielle correu rápido ao telefone para consultas com o dr. Antônio Carlos Maldonado, a dra. Nydia Rego Cunha Santiago e o dr. Manoel Fernandes Neto, meu confrade de Academia e Instituto Histórico e cardiologista. Além dos remédios, as recomendações de tomar o máximo de água e de líquidos. Dra. Nydia pediu vários exames, já pensando em covid, dengue, chikungunya e zica. Coletado o sangue pelo Laboratório Santa Clara, quase tudo confirmado, ficaram de fora a zica e a covid. Tomei muita água de coco, chá de capim santo, erva-cidreira ·e moringa, e vitaminas de jaca e graviola, mesmo sem sentir sede, o que é normal na minha idade. Problema maior era ficar longe do computador, tendo de acompanhar muita coisa pelo celular, longe da eficiência do monitor grandão. A única coisa que me servia mesmo era a cama, que, dependendo da temperatura, era soprada pelo ventilador ou pelo ar condicionado.

As articulações inflamadas e doloridas perderam suas funções. As mãos mudaram de cor e perderam a capacidade de abrir e fechar com naturalidade. Toda a extensão dos ossos, tendões, nervos e músculos estavam comprometidos. A dengue ataca os músculos e os nervos e a chikungunya põe veneno em todos os ossos, principalmente nas articulações, dos pulsos e das canelas próximo aos pés. Dores multiplicadas não só nos chamados ossinhos da miséria, mas nos calcanhares, no peito e nas solas dos pés e até nos artelhos. Ainda mais com uma insidiosa coceira - parecendo sarna - invadindo tudo, de todas as formas, começando da minha pequena área do couro cabeludo, retaguarda da cabeça até as partes pudendas e os entrededos dos pés. Quanto tempo assim? Inicialmente quatro dias, quando pude deixar e tomar o analgésico, que já havia destoado a minha pressão mínima, deixando-a entre quatro e cinco. Além da sensação de fraqueza, a decisão de não fazer nada, só considerar a preguiça forçada, a fraqueza e as perdas físicas e psicológicas. Por demais malvados esses os dois vírus africanos.

Já quase completando um mês de experiências no viver e sofrer, de humildade compulsória, de coragens fracassadas, sei conscientemente que só tenho de ter paciência, resignação e conformidade. No plano da fé, a certeza de estar pagando algumas prestações de dívidas e ofensas atuais e atávicas, que os indianos sempre chamaram de registros akáshicos das múltiplas vivências no plano físico. Que a minha amiga dra. Mara Narciso, em que me baseei para redigir este texto, me perdoe pela popularização de um assunto técnico e do seu setor de medicina. Sei que, nem para ela nem para mim, o assunto é de prosa e poesia.

Como cada um tem o jeito seu de dizer as coisas, eu comigo mesmo e com as minhas circunstâncias, aproveito para dizer que a minha primeira doença, aos dois meses de idade, foi a terrível varíola, que matava 998 em cada mil afetados. Minha mãe D. Anália sempre lembrava que só folha de bananeira servia para encostar na minha pele – uma ferida só. Era folha de bananeira na rede, no berço, na cama, em qualquer lugar que pudesse colocar o doentinho. Depois da bexiga matadeira, o sarampo, a catapora, a caxumba, a coqueluche, doenças que não se repetem. De esquistossomose nem consigo lembrar, tantas foram as incidências até os trinta e muitos anos.

Se está difícil, agora, nesta fase antes dos noventa, imagine o que vai acontecer na vizinhança dos cem!


DISCURSO DE JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA

Ao inaugurar a Exposição Pecuária no programa comemorativo do Centenário da Cidade.

Este parque de exposição, magnifico empreendimento de vossa Associação Rural, não exibirá, aos olhos atônitos do visitante, apenas os riscos frutos do vosso labor, nas abençoadas terras que o rio Verde, o Pacuí, o São Lamberto e o Vieira regam com suas águas fecundas; terras generosas, boas para lavrar e para criar, onde a face do homem, alagada pelo suor das lides do campo, pode iluminar-se com a alegria das messes abundantes e a fecundidade dos rebanhos que se apuram e se multiplicam.

Este parque mostrará, principalmente, o arrojo, o espirito progressista, o brio municipal, a inteligência vivaz, a energia e a perseverança do povo de Montes Claros. Pertenceis à raça indômita de desbravadores, que, nos dilatados espaços internos deste país, vai edificando uma nação, vigorosa, que ainda em nossos dias surpreenderá o mundo com o seu poder e a sua riqueza, postos a serviço de fraternos anseios de paz, na comunhão dos povos.

Dir-se-ia que associais – à ousadia, ao ânimo aventuroso, ao cavalheiresco fervor do bandeirante, que veio do Sul à cata de pedras preciosas – as pacificas virtudes campônias dos criadores de gado e plantadores de roças que subiram o São Francisco e povoaram os sertões, em estabelecimentos duradouros. Na confluência desses movimentos de penetração que tanta importância tiveram em nossa história política e econômica, vossa terra abrigou e fundiu populações de tendências distintas, mesclando as varonis qualidades daqueles tipos de sertanistas que modelaram as populações do hinterland brasileiro.

Mas o vosso espirito pioneiro não se satisfaz em criar aqui este esplendido empório, donde se irradia, para todo o norte de Minas, um vitalizador impulso. A riqueza que a vossa agricultura, os vossos rebanhos, o vosso comércio e a vossa nascente indústria vos trazem, soube aplicar-se também nos primores de uma civilização que se orgulha em dar a mais alta hierarquia aos valores da cultura. Se procurais o progresso econômico, não vos deixar dominar por uma concepção materialista da vida. Sabeis prestigiar, por igual, aquelas atividades que constituem a flor e o remate das civilizações. Na cortesia e na graça do vosso convívio, transparece o refinamento de uma sociedade que soube manter e aprimorar o patrimônio herdado de seus maiores, se, no século passado, mandáveis buscar, em longa viagem de carro de bois, uma fábrica de tecidos, também mandáveis vir pianos para as vossas filhas ou porfiáveis em enviar os vossos filhos aos grandes centros culturais do país. Quando ainda não dispúnheis de educandários, como os que hoje possuis – entre os quais destaco o belo estabelecimento que acabamos de inaugurar – os colégios do Caraça, de Diamantina, de Ouro Preto e outros, mais longínquos, se enchiam de jovens estudantes montes-clarenses. E não foi por acaso que daqui saíram um Gonçalves Chaves, mestre na ciência do Direito, ou um Antônio Augusto Veloso, insigne tradutor de Horácio. Desde Carlos Versiani, médico notável, de quem a estátua em uma de vossas praças perpetuou a ciência e a caridade, até os jovens médicos, engenheiros, advogados e professores que hoje ativamente militam em Montes Claros, uma legião de homens de estudo vem cooperando convosco – fazendeiros, comerciantes, industriais e trabalhadores – para modelar aqui uma sociedade que se inscreve entre as mais progressistas de Minas.

Homens de Montes Claros! Um velho afeto e simpatia me prende a vós, e eu não podia deixar de vir festejar convosco o centenário desta ilustre cidade, “coração robusto do sertão mineiro”, como lhe chamou o nosso grande Francisco Sá.

Aqui estive, pela última vez, como candidato à presidência da República. Vós me acolhestes com essa estima e generosidade bem sertaneja, que brota do peito de homens que não sabem usar máscaras. Depois me destes, galhardamente, nas urnas, o apoio que aqui vim buscar.

Costumo esquecer facilmente os agravos e ingratidões, porque Deus me concedeu a graça de saber perdoar. Mas, se não guardo lembranças de injustiças, conservo avaramente a memória dos gestos e das coisas que me tocam o coração. Vós me tocastes profundamente com a vossa lealdade e a vossa fidelidade. Quero dizer-vos que também tendes em mim o amigo constante, que não esqueceu os compromissos assumidos naquela memorável jornada.

Sei do amor que votais a esta terra, quero ajudar-vos em tudo quanto favoreça o seu pleno florescimento. E estou certo de que, assim procedendo, sirvo não apenas a vós, mas também à vossa querida Minas e à operosa e esclarecida administração do eminente governador Bias Fortes, cuja presença nesta solenidade é para vós poderoso estímulo. Estai certos de que o meu governo não medirá esforços para, em ação conjugada com a do governo de sua Excelência, enriquecer e valorizar este vasto e futuroso trato do solo mineiro.

Homem do norte de Minas, sinto-me de certa forma constrangido em louvar e enaltecer as vossas virtudes. Dir-se-ia que, fazendo-o, também me louvo e enalteço. Mas bem sabeis que não abrigo deste pensamento vaidoso e que sentimentos de outra nature4za me impelem. Não posso calar minha admiração pelos carões ilustres que aqui nasceram e aqui formaram no seu espirito.

A esta região vim buscar o homem a quem dei o pesado encargo de executar a política econômica e financeira do governo, o Ministro José Maria Alkmim, em quem louvo o alto espirito público, a capacidade e o discernimento.

Montes Claros tem o seu representante no meu governo, pois chamei para meu auxiliar direto, dando-lhe subchefia do meu gabinete, um digno filho desta terra, um dos mais representativos expoentes das letras de Minas, o escritor Ciro dos Anjos.

Desejo declarar-vos, neste ensejo, meus caros coestaduanos, que não passará o meu governo sem que tenhais a vosso serviço a grande rodovia que ligará Montes Claros a Corinto, encurtando em cento e cinquenta quilômetros o trajeto para Belo Horizonte. Haveis de ter igualmente a rodovia, já programada pelo D.N.E.R., que vos dará acesso a Pirapora, e dali à futura capital do país, a essa Brasília, cujo iminente realidade já assusta os que temem deixar as comodidades do litoral e enfrentar os fascinantes problemas de uma nação que caminha para grandes destinos.

Quero também dizer-vos que o vosso desenvolvimento industrial não há de ser mais estrangulado por falta de energia. O potencial elétrico de Três Marias será trazido às vossas portas, em linha de transmissão que será iniciada ainda este ano. Desse modo, logo que entre a funcionar, ali, a primeira unidade, já podereis receber benefícios da grande barragem e usina que com a cooperação de benemérito governo Bias Forte vai revolucionar roda a economia do norte e do centro de Minas.

Finalmente, desejando auxiliar-vos na solução de problemas municipais que dificultam o vosso desenvolvimento, recomendei sejam acelerados os estudos e projetos para ampliação do vosso abastecimento d’água, melhoria do serviço de esgoto, e retificação e canalização do rio Vieira.

Proporcionando-vos energia e transporte e convosco cooperando em serviços locais de vital importância para a vossa população, espero poder dar um passo definitivo para que esta próspera cidade se abram perspectivas ilimitadas de progresso.

Amigos de Montes Claros, também me considero, hoje, um pouco montes-clarense! Sinto-me ligado a vós, não só pela simpatia e pela admiração, mas também por laços de família. No meu lar, no semblante de uma das nossas filhas, vejo espelhar-se a alegria matinal do sertão e a magia das vossas noites estreladas

Congratulando-me convosco e com o vosso prefeito, Doutor Geraldo Ataíde – administrador dinâmico e esclarecido, representante condigno da nova geração de políticos mineiros, - por esta grande data, formulo os mais veementes votos pela prosperidade e grandeza da cidade que tanto amais e que é uma das mais ricas gemas desta amorável terra mineira. (*)


(*) DISCURSOS DE 1957 – Juscelino Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro – DF. Páginas 135/139. 1958.

 

Este livro foi impresso em Montes Claros-MG, no ano de 2022. Miolo com fonte Adobe Garamond Pro, corpo 12; título fonte Times New Roman, corpo 16; papel Ap 75g. e capa em papel triplex 250 g

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