Page 70 - VIVENDO E APRENDENDO
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VIVENDO E APRENDENDO
Como gosto muito de saber e falar da idade das pessoas, vou
logo avisando que era um 21 de abril de 1941, quando eu contava
pouco mais de seis anos e já sabia tudo de tabuada e muita coisa
de geografia, ensinados pelo meu primo Deoclides. O nascimento de
Nair – uma menininha bem bonita - foi a maior alegria e motivo de
muito café com leite, pães sovados, broa, manuê, roscas e biscoitos,
tudo feito e assado antes do café da tarde.
Outras memórias passam pelas visitas à casa de tia Raquel,
quase vizinha, de um dos lados da praça, calçada muito alta e ainda
dois degraus na frente da porta. Ela era irmã da minha avó Ritinha,
baianas e netas de uma índia, que diziam ter sido pegada de cachor-
ro. Eu gostava tanto dela, que não podia passar um só dia sem ir à
sua casa, praticamente uma obrigação. Outro foco bem claro é o da
realidade da loja, meu pai vestindo um pijama listado, com botões
vistosos e alamares na gola e nas mangas. Nas prateleiras os brins,
as sedas, as chitas, os morins e os americanos, não posso esquecer
dos sapatos, dos chapéus e das caixas de linhas e de aviamentos.
Debaixo do balcão, as caixas de marmelada, os pães sovados, as
roscas e os biscoitos espremidos e fofões, um dia ou outro, até bolo
de puba, tudo indústria de D. Anália, pois o trabalho de Silvina era
cuidar do quintal e da cozinha, dar banho e comida às crianças. Na
seca de trinta e nove, quando chegavam os pedidores de esmola, eu
pegava escondido um pouco de cada coisa, principalmente pães,
para dar a eles. Mamãe reclamava da quantidade e dizia para não
exagerar, porque senão eu acabava com tudo.
No desfile das lembranças, o quarto de hóspedes, em que meu
pai mantinha uma mesa de gaveta com chave, onde ele guardava as
coisas pequenas e importantes, por exemplo, a valete, a gilete, o livro
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