Page 74 - VIVENDO E APRENDENDO
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VIVENDO E APRENDENDO
conversa. Sabendo dividir bem as horas de trabalho nas pastagens
e na lavoura, vivia animadamente para o trato com as pessoas, con-
tando estórias, relatando casos, recriando-os com enternecedora
vontade de transmitir felicidade.
Vovô foi, acima de tudo, um homem bom, o leme para muita
gente neste mundo, que aprendeu com ele a andar no caminho certo,
pois conselheiro melhor não havia naquele pequeno grande sertão
entre Rio Pardo e Salinas. Era um velho forte e musculoso, verme-
lho como um europeu, e tinha os cabelos brancos e fartos, que lhe
davam um ar de juventude bem conservada e um enorme halo de
simpatia. Quando eu era pequeno, pensava que sua cabeça havia
embranquecido pelo rigor do sol dos canaviais, onde trabalhou até
poucos dias antes de morrer. Eu achava que ele tinha vindo aprimo-
rar o mundo e as criaturas, num esforço de nunca parar, pois nem a
doença que o acompanhou anos a fio o modificou em seus hábitos
de homem feliz. Vi-o, muitas vezes, voltando à tardinha, enxada ao
ombro, embornal pendurado no pescoço, sorriso de ponta a ponta, a
cantarolar algumas de nossas modinhas prediletas.
Todas as noites, após o jantar com toda a família - ninguém
podia faltar - deitava-se numa rede amarelecida de tanto uso, e o an-
tigo violão passava a centralizar as atenções, numa suave evocação
de lembranças e saudades, que só terminava bem tarde, quando o
cansaço vencia e todos iam dormir. João Morais, meu avô, nasceu
bem longe, na velha Bahia, pelas bandas de Caetité, creio, num dia
de festa até da natureza. Desde rapaz, tropeiro de profissão, viveu
a vida dos campos e das estradas, dormindo ao relento, comendo
feijoadas com rapadura e farinha de mandioca, e respirando o sereno
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