Page 58 - VIVENDO E APRENDENDO
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VIVENDO E APRENDENDO
tão comprida que passava dos joelhos. Aos sábados, atrás do balcão
da loja sortida de tudo, atendia os fregueses, vestindo um casaco
de pijama, que achava a coisa mais chique do mundo. Lembro-me
até da cor, um cinza esverdeado com desenhos em relevo, um bolso
para caneta e lápis e dois outros para as tesouras. Nem no horário do
almoço parava de vender. De cada amigo que atendia havia estórias
para ouvir e contar. Aprendi ali as minhas primeiras lições de vida.
Como morávamos em frente ao mercado, dava para ver até o fim da
tarde, a feira cheia de carros de bois e de cavalos com cangalhas
sem bruacas, segundo se dizia a mais rica da região.
Homem em tudo avançado no tempo, minerador de pedras
e pepitas de ouro nos garimpos da redondeza, descobria também
todas as novidades que São João do Paraíso nem podia sonhar. Já
em 1938, meu pai tinha máquina de escrever, geladeira a querosene,
lampião Aladim, aparelhos de gilete, uísque Cavalo Branco, casimira
Aurora, camisa de colarinho trubenizado, barbeadores com gilete já
cortando dos dois lados. Quando de folga, lia em voz alta um livro de
geografia com perguntas e respostas e ouvia um rádio de bateria, que
fazia mais ruído que uma noite de tempestade. Em 1942, quando fui
para a escola do professor Joaquim Rolla, todo o meu material es-
colar, inclusive a ardósia, era importado, com o “made in Germany”
ou “made in England” me dando agradável sensação de importância,
compensando até a minha pouca habilidade no mergulho no rio e nas
bolinhas de gude.
Claro que as invenções do senhor José Arruda não ficavam só
nos objetos de consumo e exibição. Era comprador e vendedor de
peças de ouro, pedras preciosas, moedas, velhos relógios de parede,
desenhos de nanquim, todo tipo de relíquias e quinquilharias, incluin-
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