Page 81 - VIVENDO E APRENDENDO
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WANDERLINO ARRUDA
Foi conversando com ela, que me lembrei como se fosse hoje
da ladeira que ia para o cemitério, da igrejinha nova e alegre, do cabo
e do soldado prendendo um ladrão, do corpo de um homem morto
de tocaia chegando em dois varais parecendo como se fosse numa
escada, das caixas de madeira com tampa móvel para guardar mar-
melada; das bonitas grades do mercado caiadas de branco, da igreja
antiga com o padre Horácio, igreja já adaptada com o padre João
Pelágio e de um padre substituto, meio sem juízo, chamado Cân-
dido, que queimou cem livros meus, só porque a contracapa dizia
que eu era espírita e maçom. Muitas as lembranças sobre o morro
esverdeado e as grutas dos tapuias; da ponte de onde os meninos e
rapazes pulavam nus para mergulhar e sair da água vendo os joelhos
das lavadeiras; das partidas e das chegadas de meu pai com peças
históricas e cargas de marmelos, ele, homem de muitas viagens; de
um livro de geografia que ficava na gaveta da mesa de nossa sala de
visita e da antiga valete de um corte e da gilete de dois, que nunca
fizeram barba; do uísque cavalo branco numa garrafa quadrada; das
moças e dos rapazes comprando picolés de calda de marmelo fei-
tos por meu pai numa geladeira de querosene num tempo em que a
gente morava em contra esquina com a venda de João de Bita; do
lampião Aladim com luz tão clara que chegava a doer a vista. Foi
como se eu estivesse vendo a chegada de Fulgêncio Alves com a
família, quando comprou a casa de Afonso Batista, linda de morrer,
pinturas em tons de azul em todos os cômodos, própria para receber
visitas ilustres que se aportavam em São João, incluindo os padres
e os missionários. Lembrei-me do livro de atas que registrou uma
reunião política na Escola Mendes de Oliveira, com um mundão de
assinaturas, inclusive a minha de menino de sete anos, já com mania
de participar de tudo...
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