Page 85 - VIVENDO E APRENDENDO
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WANDERLINO ARRUDA
já não na vida. A paisagem já não a mesma e, ainda que melhorada
pelo progresso, diferente. Não mais a ponte dos banhos de meninos
pelados e jovens lavadeiras; não mais o canavial sem fim; não mais
a serra verde escura ligada às nuvens; não mais a igrejinha do alto do
morro, nova em folha; a grama da praça, substituída por pavimenta-
ção e postos de gasolina; o matagal do cemitério já bairro novo. Tudo
mudado. Os olhos procuram, o coração deplora toda a ausência de
eternidade nas coisas e nas pessoas! Quanta falta!
À noite, o lançamento do meu livro, na Matriz, o louvor dos
discursos, as explicações, os abraços, o rolar de tranquilas lágrimas
de gratidão ao passado, a riqueza das lembranças boas que só a in-
fância pôde dar, o olhar reverente de jovens professoras ao camarada
mais velho, amadurecido pelas dores da vida. Olímpia me pergunta
baixinho o que me passa pela cabeça, enquanto olho a velha igreja,
ouço o antigo sino, sinto a paisagem pisada por pés descalços em
tempo distante. O que responder? As coisas que passam pelo senti-
mento não podem ser analisadas, não são lógicas. As imagens são
superpostas, principalmente as do meu pai, ainda novo, do meu avô
Vicente, de longas barbas brancas, e da tia Raquel e de D. Adelina,
gorda e clara.
Vem o segundo dia e, enquanto dia, uma viagem pelo Mato
Cipó para visitar os tios Júlio e Diolina, a passagem pela Lagoa da
Viada, pelo rio, pelos mangueiros, a procura de velhas estradas por
onde costumava passar, indo para a casa de Maria de Silvina, o ca-
minho da fazenda do doutor Osório. A cada lembrança, uma fotogra-
fia, a promessa íntima de pintar um quadro. Na volta, à noite, depois
do jantar, a palestra na Escola, uma espécie de acerto de contas,
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