Page 91 - VIVENDO E APRENDENDO
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WANDERLINO ARRUDA
Logo após a chegada à fazenda de vovô João Morais e Vovó
Ritinha, a primeira providência era lavar o rosto com água morna em
bacias esmaltadas, enxugando depois com uma toalha bordada sem-
pre muito bonita. Depois, o melhor era reparar as panelas de leite, o
fazer requeijão, os varaus de carne, as linguiças dentro da gordura,
os chouriços, as mangueiras, a beira do rio. Ainda melhor o correr
para o almoço coletivo na cozinha grandona cheia de janelas. Era um
tal de esconder a carne debaixo do angu, ou no feijão escaldado.
Fora da casa, a estrada em curva indo para Salinas, a rede em
que vovô João Morais passava o dia e um pedacinho da noite, as
estórias que ele contava, enfeitando cada passagem para produzir
curiosidade e emoção em novos e velhos, todo mundo sentado ou
acocorado para ouvir mais de perto – causos do coronel Horácio
de Matos, da princesa Magalona, de Lampião, da Coluna Prestes,
quando eles fizeram a maior festa num esconderijo em pé de serra.
Mamãe contava estórias de quando eles moravam à margem do Rio
Pardo e ela nadava levando o almoço dos irmãos em vasilha presa na
cabeça, o curral, o engenho, a cozinha grandona e o fogão sempre
com lenha seca e muita brasa, o regador para molhar as plantas,
estórias de cobras que não morreram quando alguém batia nelas de
vara, e aí, ficava magrinha, esperando o ofensor para picar, as lava-
deiras, batendo roupa nas pedras para clarear. Peguei varíola, viaja-
mos de Salinas para São João, eu enrolado em palha de bananeira,
única coisa que não grudava nas feridas, pois havia bolhas no corpo
inteiro. Quando meu pai e minha mãe chegavam em alguma fazenda
para hospedar eram muito bem recebidos como amigos, mas só até
a hora que me viam doente, aí recebiam o casal, mas ficavam de lon-
ge com medo de contágio. Salvava um em quinhentos. Só vim sarar
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